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RELAÇÃO ENTRE CRIATIVIDADE E SAÚDE NA GESTALT-

TERAPIA*
Palestra apresentada em 1995, no I Encontro Goiano de Gestalt-terapia e publicada na Revista do ITGT (Instituto de Treinamento e
Pesquisa em Gestalt-terapia) nº 1, Goiânia, 1995.

Selma Ciornai

A afinidade da Gestalt-terapia com as artes existe desde o seu começo Frederick Perls trabalhou em teatro , teve aulas de pintura , e
muitas vezes utilizava recursos de expressão artística em seus trabalhos. Laura Perls estudou dança e Paul Goodman era poeta e escritor .

A relação da Gestalt-terapia com criatividade se inicia em suas raízes na concepção existencial de ser humano na qual o ser humano é visto
como estando sempre num possível estado de refazer-se, de poder escolher e organizar sua existência criativamente. A visão existencial
afirma a capacidade humana de escolher seu próprio destino , de transcender limites e condicionamentos. Esta postura no entanto não
implica em que se ignore que existam pressões, violências , condicionamentos , limites externos e pessoais , mas entende que a
possibilidade de escolha , de lidar criativamente com estes limites é sempre existente. Victor E. Frankl (1959), psiquiatra que passou parte
da segunda guerra em um campo de concentração nazista , ao escrever sobre suas experiências no campo, afirma que mesmo sob
condições horríveis e absolutamente desumanas como aquelas, existia a possibilidade de uma escolha no como posicionar-se internamente
diante daquela situação .

Podemos dizer que quanto maior for a awareness de uma situação , maior as possibilidades de que o ser humano possa ser realmente
sujeito de sua história ou , colocado em termos mais poéticos, artista de si mesmo, artista de sua própria existência. É claro que neste
processo, vários fatores que advêm do ser o indivíduo um ser social ( fatores históricos, sociais, políticos , econômicos, familiares etc.), vão
se manifestar e ter influência no curso e forma de nossas existências, mas o que a postura existencial afirma é que o indivíduo não pode
ser visto apenas como “produto” do meio, pois com ele pode sempre interagir de forma criativa, inusitada e transformadora.

A relação da Gestalt-terapia com criatividade se estende também à concepção gestáltica de funcionamento saudável ,que em todos os
escritos básicos da abordagem , é equacionada à funcionamento criativo .

Na Gestalt-terapia , o indivíduo é visto como um ser relacional , um ser em processo de devir , em constante troca criativa com o meio .

Desejos e necessidades do indivíduo assumem dominâncias, que são o movimento de uma tensão interna de se destacar
proeminentemente formando uma figura, i.e., uma gestalt, que vai mobilizar a energia do organismo para sua completude. Quando estes
processos requerem recursos do meio para sua realização, estas figuras despontam na consciência mobilizando as funções de contato do
indivíduo, que são seu instrumental para ir ao encontro, sentir, avaliar e selecionar o que se encontra a sua volta. O indivíduo organiza
estas experiências de forma que orientem o tipo de contato que estabelece. Todo contato é potencialmente criativo, pois lida com o novo .
Se estou na praia querendo nadar, o fato de já ter nadado antes me dá suporte para que eu entre no mar, me lance nas ondas e vá para
longe da beira-mar, para onde as águas são mais fundas e “não-dá-pé”, mas o mar que está diante de mim é sempre novo e inesperado.

O indivíduo então, através dos múltiplos e variados contatos que vivência, cresce e se desenvolve, idealmente assimilando o que o
enriquece e nutre e alienando de si o que lhe é tóxico, respondendo às requisições, exigências e convites do meio num contínuo processo
de ajustamento criativo. Ajustamento criativo e contato são conceitos chaves na Gestalt-terapia pois implicam não apenas em
“ajustamento” mas em “ajustamento criativo” e não só em “contato” mas em “contato criativo”.

Como uma planta que cresce assimilando do solo e do ar nutrientes que lhe ajudarão a crescer, ao mesmo tempo em que cria e desenvolve
mecanismos para se proteger de elementos que possam ameaçar sua existência, filtrando poluentes, desenvolvendo raízes fortes,
fechando-se ao contato com elementos potencialmente agressivos, criando formas inusitadas para receber o sol ou proteger-se das
intempéries.

Da mesma forma crianças escolhem estar perto de pessoas e ambientes que lhes são estimulantes e as ajudam a crescer saudavelmente,
retraindo-se na medida do possível de pessoas e ambientes tóxicos, desenvolvendo potencialidades e habilidades para responder aos
convites e/ ou requisições das pessoas e do meio que as circundam de forma criativa.

Evidentemente que os processos de ajustamento criativo nem sempre levam a processos de crescimento saudáveis. Às vezes as pressões e
cargas negativas do meio são tão fortes que a pessoa desenvolve defesas que terminam por limitá-la em sua existência. Estas defesas no
entanto devem ser vistas como a melhor resposta que a pessoa pôde criar no momento e situação específica em que se encontrava . A
limitação em questão não reside no tipo de defesas criadas, mas no fato de que freqüentemente o indivíduo automaticamente as perpetua,
sem dar-se conta que delas não mais necessita ,ou que conta hoje com outros recursos que os de então para proteger-se (ou, com a
possibilidade de criá-los).

Na medida portanto que estas dominâncias vão surgindo, figuras vão se formando na consciência, e quando bem resolvidas vão dando
lugar à emergência de novas figuras num processo contínuo e vital de formação de figura-fundo .

O que vai facilitar a resolução e emergência de novas figuras no campo perceptual, são os processos de awareness , que vão ajudar a que
estas figuras se definam com nitidez e clareza de forma energetizada em relação ao fundo – a configuração presente da existência do
indivíduo.

Awareness não se dá somente no nível cognitivo , mas também nos níveis sensório- motor, emocional e energético, e é por isto que em
Gestalt-terapia se fala em “awareness organísmica”. É nos processos de awareness que o indivíduo aguça e percebe tanto os seus sentidos,
como as relações de significado que estabelece entre eles (o “sentido”que advém da percepção dos sentidos); que tanto experiência como
percebe a forma como organiza suas experiências; que tanto configura como reorganiza suas experiências , e é por isto que processos
contínuos de awareness são sempre acompanhados de novas “in-formações” , i . e . , a formação de “figuras” na percepção , que criam um
novo saber. A este tipo de awareness se dá em Gestalt terapia o nome de “awareness criativa”.

Funcionamento saudável vai ser então o fluxo contínuo e energizado de awareness e formação perceptual de figura-fundo, onde através de
fronteiras permeáveis e flexíveis o indivíduo interage criativamente com seu meio ambiente, desenvolvendo recursos novos para responder
às dominâncias que se lhe afigurem e usando suas funções de contato para poder avaliar e apropriadamente estabelecer contatos
enriquecedores e interrompê-los quando tóxicos e intoleráveis. Saúde seria a prevalência e relativa constância deste tipo de funcionamento.

Em contrapartida, funcionamento não saudável vai ser o funcionamento caracterizado por interrupções, inibições e obstruções destes
processos, com a conseqüente formação de figuras fracas, desvitalizadas, mal definidas, nebulosas (como se estivéssemos usando um
óculos de grau errado), confusas à percepção, que ao não se completarem vão dificultando progressivamente as possibilidades de contatos
criativos, vitalizados e vitalizantes com o presente

Doença ou patologia seria então a recorrência crônica deste tipo de funcionamento, com a conseqüente cristalização das dificuldades do
indivíduo e empobrecimento de seus contatos com o mundo. Do que isto decorre?

Às vezes as figuras de nossas necessidades ( físicas, emocionais, espirituais etc.) não se configuram claramente e não são
satisfatoriamente completas. A qualidade do contato da pessoa com sua interioridade, com os outros e a situação presente é pobre.
O cliente que nos procura vem muitas vezes sentindo-se angustiado, ansioso, com uma sensação de vazio e falta de graça em sua vida,
mas muitas vezes não tem realmente contato com o que lhe faz sentir-se assim. Ou se tem, não consegue mobilizar-se para agir de forma
a atender à suas necessidades. Por exemplo, a pessoa pode sentir-se solitária mas não conseguir ir em busca de um contato humano que
lhe seja acalentador.

Quando isto acontece, a energia está provavelmente presa em situações inacabadas do passado, que são experiências antigas que ficam
como forma fixas no presente, obstruindo o fluxo livre e criativo de percepção e resposta à situações novas, impingindo uma avaliação
arcaica às situações atuais. Como se o indivíduo usasse um óculos que colorisse qualquer perspectiva presente ou futura com as cores das
experiências passadas. Assim, no exemplo da pessoa solitária acima citado, experiências passadas doídas, negativas e frustrantes, podem
estar revestindo de desesperança a perspectiva de qualquer movimento em busca de um outro.

Da mesma forma, defesas criativamente elaboradas no passado em resposta à avaliações acuradas de situações vividas, ao se repetirem
automaticamente colocam a pessoa em permanente estado de prontidão, obstruindo o fluxo do sentir e impedindo a pessoa de vivenciar
situações novas que poderiam ser nutritivas e enriquecedoras.

Estas situações passadas freqüentemente estão parcial ou inteiramente fora do campo de awareness .São gestalts ocultas. A pessoa se
relaciona com os outros sem vitalidade, a energia não está lá, mas bloqueada em situações passadas mal resolvidas, e por isso chamadas
de inacabadas.

Quando a figura é opaca, confusa, sem graça, desenergetizada (uma gestalt fraca), algo está sendo bloqueado, alguma necessidade
orgânica vital não está sendo expressa; a pessoa não está ali inteira… (Perls, Hefferline & Goodman, 1951,pp231-232).

A terapia vem então para ajudar a expandir o fluxo de energia e awareness, liberar a energia retida em situações antigas e inacabadas,
trazendo-a para o aqui-e-agora, facilitando assim, através do suporte da relação terapêutica, a elaboração interna daquilo que antes não
pode ser bem elaborado, novas experiências, e a compreensão e eventual transformação dos padrões de relacionamento do indivíduo
consigo próprio, com os outros e com o mundo.

Neste aspecto configura-se uma outra instância em que situa-se a criatividade na Gestalt-terapia , ou seja, naquilo que se refere à sua
prática e metodologia. A Gestalt-terapia caracteriza-se por excelência por ser uma terapia que permite ao terapeuta inventar e/ ou utilizar-
se com liberdade e criatividade de técnicas e experimentos provindos de diversas origens, desde que não se perca de vista os princípios
epistêmicos fenomenológicos que caracterizam a abordagem gestáltica, os objetivos terapêuticos acima delineados, e a visão gestáltica de
processo humano, o que inclui a compreensão de como se dão processos e distúrbios de contato, percepção e awareness.

Se Fritz Perls tornou certas técnicas populares, o terapeuta gestáltico não necessita obrigatoriamente utilizá-las, nem tão-pouco restringir-
se a elas.

Assim o terapeuta gestáltico pode trabalhar com os experimentos de contato e awareness que se fizeram conhecidos nos trabalhos de Fritz
Perls e outros gestaltistas da época, ou inventar outros. Pode trabalhar com sonhos, visualizações, fantasias, mitos, contos, dramatizações,
exercícios de relaxamento e sensibilização corporal, atividades expressivas tais como dança, desenho, modelagem, poesia, experimentos de
dinâmica grupal, de meditação etc., – ou com nada disto. Realmente, a Gestalt-terapia, ao contrário do popularmente apregoado, não se
caracteriza por técnicas específicas, mas sim por sua postura na relação terapêutica, por sua postura na eventual utilização de técnicas e
experimentos, e na sua compreensão dos objetivos do trabalho terapêutico.

Assim, a relação da Gestalt terapia com criatividade se dá em três instâncias: na sua concepção existencial de ser humano, na sua
concepção de saúde e funcionamento saudável, e na sua metodologia .

Finalmente, gostaria de concluir dizendo que como Gestalt terapeuta tenho por “profissão de fé”, a crença profunda que a função da terapia
é sobretudo, a de ajudar o indivíduo a poder instalar ou restaurar um fluxo de interação criativa com o mundo, ampliando assim, nas
palavras de Ostrower (1977), sua abertura para a vida.

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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Ciornai,S. (1989). Em que acreditamos? Mesa Redonda, II Congresso de Gestalt Terapia , Caxambú, RJ. Publicada em 1991 no Gestalt
Terapia Jornal nº 1, publicação do Centro de Estudos de Gestalt-terapia do Paraná.

Ciornai , S.(1991). Gestalt-terapia hoje : Resgate e expansão. Revista de Gestalt, Nº 1, publicação do Departamento de Gestalt-terapia do
Instituto Sedes Sapientiae, São Paulo .

Ciornai,S. (1994). Arte terapia gestáltica: Um caminho para expansão de consciência .Revista de Gestalt, Nº 3, publicação do
Departamento de Gestalt-terapia do Instituto Sedes Sapientiae, São Paulo.

Frankl ,V.E. (1963). Man’s search for meaning: An introduction to logotherapy . Washington Square Press: New York.

Ostrower, F.(1977) . Criatividade e processos de criação. Editora Vozes: Petrópolis.

Perls, F., Hefferline, H .& Goodman, P.(1951).Gestalt therapy: Excitement and growth in human personality. New York: Dell Pub. Co.
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* Esta palestra contém temas abordados em dois trabalhos anteriores (citados na Bibliografia), do que decorreu a liberdade de reproduzir
frases e trechos neles contidos sem a preocupação de citar sua origem através de citações e referências, visto serem estes textos da
própria autora.

GESTALT-TERAPIA NO BRASIL
Apresentado na mesa “Gestalt terapia na América Latina”
no II Congresso da AAGT – Association for the Advancement of Gestalt Therapy,
São Francisco, EUA, 1997.

Selma Ciornai

No Brasil, como na maioria dos chamados países de “terceiro mundo”, modernidade e tradição coexistem com diferenças abissais. Ao
contrário dos Estados Unidos, onde é possível encontrar mais ou menos os mesmos produtos de consumo vendidos nas grandes
metrópoles, temos um nível de desenvolvimento muito diversificado, tanto nas cidades quanto entre certas regiões e as grandes cidades.
Há regiões extremamente subdesenvolvidas, onde a luz elétrica ainda não chegou e onde as pessoas mal conseguem sobreviver, e cidades
como São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais, tão sofisticadas cultural e academicamente quanto os principais centros culturais do
mundo – apesar de que problemas como miséria, favelas, gangues e crianças de rua existam em todas elas. Politicamente, vivemos 20
anos de ditadura, que terminaram em 1984 com eleições livres, e hoje vivemos uma democracia. Porém, esse processo de democratização
ainda não atingiu as enormes diferenças econômicas e de classe que coexistem em nosso país.

Como estou aqui para falar sobre as características da Gestalt terapia no Brasil, achei que seria interessante começar com as primeiras
impressões que tive quando, depois de viver por 5 anos nos Estados Unidos, voltei ao Brasil com “olhos californianos”. Fui aconselhada a
me apresentar à Therese Tellegen, terapeuta holandesa que imigrou para o Brasil. Therese foi a precursora da Gestalt terapia em nosso
país e era, na época, líder do grupo de Gestalt em S.Paulo. Entrou em contato com a Gestalt terapia em Londres no começo dos anos 70, e
mais tarde estudou com os Polsters em San Diego. Quando um grupo de Gestalt terapia iniciou-se no Brasil, Maureen Miller (O´Hara) e
Robert Martin (do Instituto de Gestalt Terapia de Los Angeles) vieram dar diversos workshops com os primeiros treinadores do grupo.

Quando voltei ao Brasil, ela logo me convidou para dar um workshop para a comunidade Gestàltica. Em um dado momento, um dos
participantes contou um sonho que teve ao grupo. Como alguns dos outros participantes começaram a partilhar suas percepções sobre o
significado do sonho,perguntei se ele gostaria de “trabalhar”– mas ele não quis.Continuou a querer ouvir o que as pessoas estavam dizendo
sobre seu sonho, a conversa foicontinuando. Daí, vendo que ele estava mobilizado pelo sonho e pelos comentários,voltei a convidá-lo a
trabalhar o sonho — e novamente ele disse que não queria não.Aí, Therese me chamou de lado sutilmente e me sussurrou: “Olha, aqui no
Brasil você não precisa perguntar a uma pessoa se ela quer trabalhar, você vai começando, depois vai vendo como o processo se
desenvolve.” Ora, isso sem dúvida era um jeito de trabalhar diferente do que eu havia aprendido nos EUA!E muito devido ao fato de que,
ao contrário da imagem estereotipada dos brasileiros como pessoas muito abertas e expressivas, para minha surpresa percebi os
participantes tímidos e bastante cuidadosos ao expor sua intimidade em grupo, precisando de muito suporte para fazê-lo. Essa experiência
foi minha introdução na comunidade de Gestáltica brasileira, e à medida em que comecei a ter mais contato com esta comunidade, percebi
que abrigava outras características que a diferenciavam da Gestalt que eu havia experienciado na Califórnia e em Israel, (onde eu havia
morado durante seis anos), e que me pareceram realmente valiosas. Portanto, quero falar sobre essas diferenças.

Atenção ao processo em grupo

O que rapidamente chamou minha atenção quando cheguei ao Brasil em 1983 foi a importância dada ao processo em grupo. Therese havia
me convidado para dirigir com ela um grupo de terapia semanal para adultos, e estava justamente escrevendo seu livro sobre a perspectiva
Gestáltica no trabalho em grupo (Tellegen 1984).

No fim dos anos 70 e começo dos anos 80, eu percebia com freqüência nos Estados Unidos que os processos intrapessoais eram o foco
predominante nos trabalhos de Gestalt (1). Por exemplo, no catálogo de Esalen, era usual constar junto à descrição de workshops de
Gestalt terapia, uma observação avisando às pessoas que o foco do trabalhoseria em processos intrapessoais e não interpessoais. Lembro
que em alguns treinamentos e workshops curtos,as pessoas entravam em linhas imaginárias de quem iria trabalhar em primeiro lugar,
segundo, terceiro, e assim por diante. As pessoas vinham uma depois da outra trabalhar na cadeira vazia sem que se levasse em
consideração as interações ou os processos do grupo. Em alguns treinamentos intensivos havia até uma exclusão explicitamente exigida de
trocas interpessoais :você podia expressar o seu sentimento em relação a alguém quando a sua vez no círculo chegasse, mas a pessoa não
tinha permissão para responder, de modo a enfatizar a dimensão intrapessoal do seu sentimento, ou seja, de que aquilo era “your thing”,
i.e., uma “coisa sua.”

Mas no Brasil, processos interpessoais e grupais sempre foram uma importante parte da Gestalt terapia (2), graças à experiência anterior
em Psicodrama dos primeiros Gestalt terapeutas, e também provavelmente, devido à natureza dos brasileiros. Gestalt terapeutas no Brasil
sempre leram livros sobre terapia em grupo, freqüentemente utilizavam termos referentes à processos grupais, e sempre procuraramlevar
em consideração o que Kepner (1980) define como sendo os níveis intrapessoal, interpessoal e sistêmico do trabalho emgrupos em
seuartigo Gestalt Group Process [Processos Gestálticos em Grupo], que eu considero um “must” a qualquer um que deseje trabalhar com
grupos. Contudo, tenho lido bastante recentemente em publicações de nossa área sobre teoria de campo e a necessidade de realmente
incluir um pensamento de campo em nosso trabalho, o que me leva a acreditar que estamos todos caminhando nesta direção.

Estudo das fundações filosóficas e epistemológicas

Outro ponto que chamou minha atenção foi a importância dada ao estudo dos fundamentos filosóficos e epistemológicos da nossa
abordagem, i. e., para a conceituação de ser humano e existência, de como o mundo é concebido, e para a base epistêmica de nosso
trabalho (3). Como nossas escolas têm sido modeladas pelos padrões franceses de educação desde a época colonial, nossa tradição sempre
foi estudar a base teórica e filosófica em qualquer campo de conhecimento. Nos anos 60, estudantes e intelectuais estudavam História,
Filosofia, Marxismo, treinando detectar as bases ideológicas implícitas nas diretrizes educacionais, leis, ações políticas, e assim por diante.
Mas a ditadura implantada em 1964 trouxe 20 anos de repressão às nossas atividades e iniciativas intelectuais, o que acabou de certa
forma enfraquecendo o pensamento crítico em nossa juventude — por essa razão temos tido a preocupação de transmitir essa tradição
crítica às novas gerações.

Na Gestalt terapia, essa tradição se tornou presente na constante consideração da coerência epistêmica de nossas referências teóricas no
pensamento e na prática (4) . Assim, em quase todos os cursos de Gestalt terapia no Brazil há matérias dedicadas ao estudo dos
fundamentos filosóficos da Gestalt terapia, especialmente a fenomenologiaHusserliana e Heiddegeriana, o Existencialismo e a filosofia
Oriental. Também ensinamos em profundidade a teoria da Gestalt terapia. Traduzimos informalmente todos os capítulos da segunda parte
do livro de Perls, Hefferline e Goodman (recentemente publicado) e artigos selecionados de diversos livros e publicações Gestálticas. Temos
diversos autores de Gestalt terapia já traduzidos e publicados em português (5), além de livros de autores brasileiros (6). Temos revistas
especializadas de Gestalt Terapia, Encontros Regionais e Nacionais.

Como conseqüência, temos uma mente crítica no que se refere à incorporação de padrões de pensamento epistemologicamente diferentes
da Gestalt – ou, pelo menos, temos a preocupação em verificá-los. Por exemplo, temos lido sobre tentativas em incorporar conceitos e
padrões de pensamento neo-psicanalíticos na Gestalt terapia, temos tido informações sobre a forma como Naranjo combina as categorias
diagnósticas do Eneagramacom Gestalt terapia – mas apesar de alguns terapeutas sentirem-se atraídos por este referencial e o estarem
estudando,nossa atitude é cautelosa; analisamos suas contradições epistemológicas e as discutimos. Apesar de termos no Brasil todo tipo
de práticas religiosas espirituais, até agora, seja isso bom ou não, ainda não ouvi falar de nenhum terapeuta mesclando-as com a Gestalt
terapia, apesar de às vezes haver uma dimensão transpessoal presente em alguns dos trabalhos que desenvolvemos . Um grupo de colegas
está também trabalhando na criação de um modelo Gestáltico para a compreensão dos processos de desenvolvimento das crianças, e
apesar de estarem lendo e estudando autores de outras áreas, têm uma grande preocupação em filtrar o que é coerente com a nossa
abordagem (7) .

Alguns de nós tem até discutido que a tipo de Fenomenologia e a que tipo de Existencialismo nos referimos quando dizemos que a Gestalt
terapia é uma abordagem fenomenológico- existencial. Como vocês, temos diferentes tendências no Brasil em termos de um maior
desenvolvimento da abordagem Gestáltica. Temos profissionais trabalhando em diferentes áreas da Gestalt terapia: psicoterapia,
psiquiatria (8) , educação (9), organizações (10) e assim por diante. Entre nós, alguns têm se interessado pelas Teorias de Relações
Objetais (11), outros por uma abordagem estritamente fenomenológica (12), outros no desenvolvimento de um corpo de conhecimento da
própria teoria da Gestalt (13) , e a maioria de nós pela abordagem Dialógica (14) . Penso no entanto que o estudo dos fundamentos
epistemológicos e filosóficos e a ênfase em sua coerência é uma característica que permeia todas essas tendências.

Atenção às realidades econômicas e sócio-culturais

Outra característica da Gestalt terapia no Brasil tem a ver com o fato de que apesar dos conceitos mais básicos da Gestalt falarem do
indivíduo como um ser-em-relação, um ser-no-mundo, parte integral do sistema individual-meio ambiente, a Gestalt terapia, especialmente
nos anos 60 e 70, freqüentemente se restringiu ao trabalho com as relações mais próximas ao indivíduo e seu mundo interno. No entanto,
devido à nossa situação política e econômica, no Brasil tem sido quase impossível desconsiderar o impacto dos fatores sociais, culturais e
políticos na vida das pessoas. Na época da ditadura por exemplo, o social invadiu a intimidade das pessoas de tal forma, que este
necessariamente se tornou figural à atenção dos terapeutas. Economicamente o Brasil tem estado em uma séria recessão durante anos, o
que acarretou problemas de desemprego em larga escala. Isto levou o interesse das pessoas a desenvolver na Gestalt terapia um modo de
tipo de pensamento e de prática que levassem efetivamente em consideração a influência de fatores familiares, sócio-culturais e
econômicos sobre a vida das pessoas (15). Pessoalmente tenho estado especificamente envolvida com a Mitologia Pessoal de Feinstein e
Krippner (1988, 1989), como uma possível contribuição a esta direção na Gestalt terapia, e o trabalho publicado no Gestalt Journal, A
Importância do Fundo (Ciornai 1996b), trata parcialmente disso.

Nesta direção, temos desenvolvido programas comunitários para atender populações de baixa renda e grupos com problemas específicos
(16), em alguns do quais nossos estudantes trabalham com supervisão. Também tivemos programas como encontros semanais para
desenvolvimento pessoal, abertos à comunidade.

Por outro lado, devido à extrema instabilidade da nossa economia, que atingiu uma taxa de inflação de 40% ao mês alguns anos atrás, e
eventos como a inesperado bloqueio de poupanças individuais imposto no início da administração do presidente Collor,tivemos que
desenvolver um modo bastante criativo e flexível de sobrevivência, empregando muitos “ajustamentos criativos.” A recessão, por exemplo,
torna a prática em clínica particular bem mais difícil, e terapeutas profissionais estão se voltando cada vez mais para trabalhar em
instituições que oferecem serviços de saúde mental a comunidades. É um pressuposto meu, porém, que a Gestalt terapia, justamente por
sua flexibilidade e criatividade, é uma boa abordagem para a nossa realidade. Por outro lado, devo admitir que a preocupação extrema com
sobrevivência pode ter prejudicado, em certos momentos,nossas contemplações intelectuais e ousadias existenciais.

No entanto, ampliando o escopo de visão para além das nossas fronteiras físicas, vejo que vivemos num mundo onde as polaridades são
cada vez mais acentuadas. Há um crescimento assustador de movimentos fanáticos em todo o mundo, a ecologia e biodiversidade de nosso
planeta estão cada vez mais ameaçados.Assim, acredito que seja necessário a todos nós considerar o sistema pessoa-no-mundo em sua
amplitude e diversidade, quando falamos, por exemplo, de “auto-regulação organísmica” ou de “avaliação intrínseca” em oposição às
comparativas ou neuróticas (Perls, Hefferline & Goodman 1951 p.288, 289). Se nesta era pós–moderna não há mais certeza em termos de
parâmetros além da ética (Krippner, 1996), talvez esse seja um de nossos desafios.

O estilo brasileiro de contato

Outro ponto que quero levantar tem a ver com nosso estilo de contato. Os brasileiros têm um modo muito afetivo, informal, solto e
espirituoso de se relacionar com os outros, em grande parte devido a nossas origens africanas ou portuguesas, pois, ao contrário de outros
países Latino Americanos, fomos o único país colonizado pelos portugueses. Portanto, o estilo abrasivo de alguns Gestalt terapeutas nos
anos 60 e 70 nunca teve muito sucesso aqui. No Brasil, a preocupação em realmente estar lá com o outro, praticando inclusão, empatia,
dando suporte às pessoas, de um modo gentil e afetivo,mesmo se provocativo, sempre esteve presente. Nos Estados Unidos eu vivenciei
isso como um estilo que alguns terapeutas tinham e outros não; era uma questão de estilo, não de qualidade profissional. Um terapeuta
famoso podia envergonhar ou humilhar o paciente e continuar a ser considerado um grande terapeuta – vi isso. Mas no Brasil isso
certamente seria considerado má terapia, nos anos 60, 70 ou hoje, apesar de termos talvez escorregado em outros pecados e erros, como
traços narcísicos, projetivos, proflexivos e confluentesno terapeuta – e mesmo a outra polaridade: o erro de ser às vezes receptivo demais.
É verdade que nos Estados Unidos, Europa e no Brasil, o interesse nas compreensões advindas das Teorias das Relações Objetaise o
interesse na terapia Dialógica,começaram a reparar isso um pouco,chamando atenção para as fragilidades e necessidades especiais do
mundo interno de cada cliente. Mas no Brasil, a qualidade do contato na relação terapêutica sempre foi algo que ensinamos e treinamos em
nossos cursos de formação em Gestalt terapia – o que, aliás, é o motivo pelo qual os livros de Hyckner tiveram tanto sucesso no Brasil.

Outras diferenças culturais

Comparando a Gestalt terapia brasileira com o trabalho desenvolvido em outros países, diferenças culturais devem também ser levadas em
conta. Por exemplo, como os brasileiros são muito voltados para suas famílias, freqüentemente um comportamento considerado
“dependente” e portanto “não saudável” nos Estados Unidos, no Brasil é considerado não somente normal como bastante saudável; o que é
considerado “assertividade” nos Estados Unidos é frequentemente considerado pura falta de educação no Brasil; e comportamentos
considerados “invasivos” nos Estados Unidos, são muitas vezes considerados simplesmente amigáveis no Brasil. E essas diferenças culturais
precisam ser consideradas. Já que poucas pessoas lêem nossa língua, me parece que por ter que ler e falar outraslínguas devido àsvárias
necessidades de intercâmbio com outros países por motivos econômicos, culturais ou políticos, e também devido à grande miscigenação de
diferentes imigrações na nossa cultura, fomos obrigados a ficar mais flexíveis e especialmente atentos à relatividade das diferenças
culturais.

Penso que no Brasil, de certa forma, unimos o característico gosto francês por sofisticação intelectual e profundidade (que evidentemente
também se faz presente em alguns intelectuais americanos), à criatividade, espontaneidade e permissão para usar a intuição que
aprendemos com os Gestalt terapeutas americanos com os quais tivemos contato. Esses são alguns dos ingredientes da “salada Gestáltïca”
no Brasil, apesar do “molho” ser Latino – e toda vez que encontramos Gestalt terapeutas da Itália, Espanha e outros países da América
Latina há comunalidades que se evidenciam.

Caminhando em direção ao futuro

Quero concluirrelembrando as palavras de Marshal Macluhan de que hoje, com todas as facilidades em comunicação e informação, vivemos
em uma aldeia Global. A Gestalt terapia no Brasil, com todas as suas características, seguiu os questionamentos e transformações que a
Gestalt terapia teve nos anos 80 e 90 nos Estados Unidos e em outros países.

Em 1996, no nossocongresso nacional, apresentei um trabalho chamado: “Considerando Saudades: Gestalt Terapia Ontem, Hoje e Amanhã
(Ciornai 1996a).” Nesse trabalho eu relatei perceber que os estudantes de Gestalt hoje são mais suportivos que antes e estão mais
cuidadosamente atentos à necessidade de considerar as realidades internas de cada um nas relações terapêuticas, enquanto, por outro
lado, parecem ser bem menos criativos, espontâneos, soltos e à vontade no uso de experimentos e recursos expressivos que tanto
caracterizou a Gestalt terapia nos anos 60 e 70. Na ocasião afirmei desejar que essas atitudes fossem combinadas de forma a integrar os
aspectos mais positivos de ambos.

Também falei de meu anseio pelo que metaforicamente chamei de “A Gestalt da Esperança”. A Gestalt terapia dos anos 60 até o início dos
anos 80 estava impregnada da energia libertária dos movimentos de contra-cultura da época, com sua ênfase na possibilidade do indivíduo
experimentar e fazer escolhas de formas de ser e de estar contrárias às normas e padrões sociais, com sua ênfase na possibilidade do
indivíduo poder se libertar de suas amarras internas e de padrões de relacionamento limitadores como forma de expandir suas
possibilidades de existência no mundo.

Esse cunho libertador impregnava de esperança e vitalidade a maioria das experiências terapêuticas da época – mesmo aquelas que tinham
um foco extremamente doloroso, ou aquelas que, olhando em retrospecto, muitas vezes eram uma mera “atuação” e não levavam a
nenhum insight, como por exemplo gritar, arrebentar almofadas e outras coisas do gênero. Sinto falta dessa energia.

Por outro lado, apontei para o que metaforicamente chamei de “Gestalt da Dor”, não como característica dominante da Gestalt
contemporânea, mas como algo que às vezes vejo acontecer, um movimento de escavucar a história passada ou presente do cliente em
busca do dolorido, em sessões muitas vezes sombrias, pesadas, nas quais o humor não tem lugar,sem a vitalidade e a esperança de que
falei antes.

Quero enfatizar que falo disto com muita cautela e peço cuidado na escuta, pois vejo como extremamente positivo a possibilidade da dor
ter espaço na relação terapêutica, sem a pressa de encontrar “soluções” que muitas vezes aliviam muito mais a ansiedade do terapeuta e
sua dificuldade em suportá-la, do que propriamente a dor do cliente, que paradoxalmente, muitas vezes é aliviada justamente pela
presença e escuta atenta do terapeuta, i.e., pelo acolhimento encontrado.

A “Gestalt de hoje” caracteriza-se por conter uma atenção delicada e valiosa aos aspectos machucados da “criança interna” ou do
“adolescente interno” oculto de cada um, o que permite ao terapeuta acesso ao que Chico Buarque, um de meus compositores prediletos,
denominou de “espaços da delicadeza”.
Hoje, trabalhos com raiva, sofrimento, ressentimento, medo, assertividade, limitações existenciais internas, estabelecimento de limites e
assim por diante,estão sendo mais relacionados ao background de vida, o “fundo” do qual as figuras da vida presente de uma pessoa
emergem; isto é, à sua história de desenvolvimento, padrões cristalizados de relacionamento, experiências passadas, crenças e mitos
internos, que são relacionados à suas manifestações presentes, freqüentemente em processos mais longos. Acredito que também nesse
aspecto a Gestalt terapia precisa integrar os aspectos positivos destas duas tendências.

Serok (1992), Gestalt terapeuta israelense que conheci no México, enfatizou o fato de que devemos prestar atenção não apenas às Gestalts
inacabadas e cristalizadas, mas também à presença ou ausência de “gestalts não iniciadas”, i.e., aos sonhos e projetos futuros. Nesta linha,
Rehfeld (1991), colega brasileiro, falando sobre a perspectiva existencial de Heiddeger, disse que “cura é a pré-ocupação com o devir, e
que nesse sentido, é a capacidade de se apaixonar pelo futuro”. Sendo assim prosseguiu ele, “o terapeuta caminha junto ao outro, sem um
ponto de chegada pré-determinado, em direção ao novo.” É sob essa perspectiva que advogo o resgate da “Gestalt da Esperança”. Para
mim esses são desafios que temos hoje, como cidadãos da “Comunidade Global Gestáltica”, independente do país de origem.

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*Este trabalho foi apresentado em 1997 na mesa “Gestalt Terapia na América Latina”na II Conferência da AAGT e publicado originalmente
com o título Gestalt Therapy in Brazil”The Gestalt Review , 2, (2), 108-118, 1988.A conferência realizou-se em São Francisco, cidade onde
fiz a maior parte de meu treinamento em Gestalt terapia no período de 1979 a 1982 com os profissionais do Instituto de Gestalt de São
Francisco. Ao reencontrar alguns deles no evento (Cindy Sheldon, Frank Rubenfeld, Jerry Kogan, Abe Levitsky, Célia Thompson-Taupin),
quis aproveitar a oportunidade para agradecê-los por terem feito parte de forma tão significativa da minha vida – o que quero deixar
registrado .Apesar de naquela época ser comum encontrar entre Gestalt terapeutas um jeito confrontativo e abrasivo de trabalhar, esta
equipe sempre se diferenciou por um estilo de trabalho afetivo, com uma preocupação comsuporte,sem deixar de ser criativo. Isso foi
muito valioso para mim.

Também quero deixar registrado meus agradecimentos a Sandra Regina Cardoso, e muito especialmente a Myrian Bove Fernandes, pelos
valiosos comentários e contribuições a este trabalho.

1 É verdade que tive também experiências riquíssimas que enfatizavam o compartilhar em grupo, como os grupos de mulheres conduzidos
na época por Cindy Sheldon no Instituto de Gestalt de São Francisco, o trabalho de Frank Rubenfeld (1978) sobre “Gestalt Social”, e os
workshops coordenados pelos “Psicoterapeutas pela Responsabilidade Social” (Rubenfeld 1986). Mas esta não era a característica
predominante da Gestalt Terapia da época.

2 Por exemplo, Boris 1995, Ribeiro 1994,Tellegen 1984 .

3 Por exemplo, Barroso 1989, 1995; Ciornai 1991a ; Elmo 1995; Figeiroa 1996, Fonseca 1989,1996;Penteado 1990, Rehfeld 1991,
1995 ;Lima, 1996;Tsallis 1987.

4 Por exemplo, Barroso 1995, Ciornai 1996a, Lima, 1996; Loffredo 1989, Ribeiro 1987

5 Fagan & Sheppard, Ginger, Hycner, Oaklander, Perls , Perls, Hefferline & Goodman (Parte II), Polster & Polster,, Yontef eZinker.

6 Barros 1994, Cardella 1994, Ciornai (org.)1995, Lima 1993, Loffredo 1994, Ribeiro 1985, 1994, Tellegen 1984.

7 Fernandes 1992, Fernandes et all 1995

8 Por exemplo, Buarque 1992.

9 Por exemplo, Costa 1996, Lillienthal 1989, Minieri 1996, Orgler 1995.

10 Por exemplo, Almeida & Meirelles 1995, Guedes 1995

11 Por exemplo, Frazão 1991, 1992.

12 Por exemplo, Fonseca, 1989, 1996; Penteado 1990;Barroso, 199,1 1995; Rehfeld 1991, 1995.

13 Por exemplo, Cardella 1994, Chagas, 1996; Ciornai 1991b, 1996a, 1996b; Juliano 1991, 1992; Salomão 1996, Tsallis 1996.

14. Por exemplo, Ciornai 1991a, Juliano 1991, Junior 1993; Mendonça, 1995.

15 Por exemplo, Ciornai 1991a , 1996b; Pavani 1992, Silveira 1995, Távora 1995,1996;Tellegen 1987.

16 Por exemplo Bernardini 1989, Elmo 1987, Fernandes 1996; Guedes et all 1991, Herek, 1991, Lilienthal, 1996; Quadros, 1996;Silveira &
Silveira1996, Schillings, 1993.

EM QUE ACREDITAMOS?
Mesa Redonda apresentada no II Encontro Nacional de Gestalt-terapia, 1989.
Este artigo foi publicado no Gestalt-terapia Jornal, editado pelo Centro de Estudos de Gestalt do Paraná, 1990. Como esta edição está
esgotada, e acreditamos ser este um texto ainda atual por tratar de temas que são referência para a Gestalt-terapia, decidimos publicá-lo
para que a comunidade gestáltica possa a ele ter acesso.

Selma Ciornai

Quero iniciar esta exposição assinalando aspectos da visão de homem no mundo inerentes à Gestalt-terapia, e que desde os primeiros
contatos que com ela tive me atraíram, e com os quais me identifico afetiva e ideologicamente.

O primeiro deles tem a ver com suas raízes existenciais, no respeito à dignidade intrínseca do ser humano, na fé na sua possibilidade de
transcendência de seus limites e condicionamentos, mesmo em face das condições mais inóspitas, e mesmo em face de suas manifestações
mais tenebrosas, medíocres e virulentas, como aponta com dureza e amargor, porém não sem fé, Wilhelm Reich em seu famoso “Escuta Zé
Ninguém” (1).

A visão existencial afirma a capacidade humana de escolher seu próprio destino, mesmo quando as opções reais são limitadas, afirmando
que o homem está sempre em possível estado de refazer-se, de escolher e de organizar sua própria existência. Nas palavras de Sartre, o
homem só tem que se submeter a quatro condenações: a nascer, a morrer, a ser social e a ser livre.

Lendo o livro “Gestalt-Terapia: Excitação e Crescimento na Personalidade Humana” (2) de Perls, Hefferline e Goodman, é impossível deixar
de se impressionar com a dimensão estética que esta fundamentação existencial toma em seus escritos, e que impregna toda sua obra, no
sentido dos constantes paralelos traçados entre processos artísticos e criativos e o funcionamento humano saudável, entre arte e terapia.

Tanto na arte como na terapia se manifesta a capacidade humana de perceber, figurar e reconfigurar suas relações consigo, com os outros
e com o mundo, retirando a experiência humana da corrente rotineira e por vezes automática do cotidiano, colocando-a sob luzes novas,
estabelecendo novas relações entre seus elementos, misturando o velho com o novo, o conhecido com o sonhado, o temido com o
vislumbrado, trazendo assim novas integrações, possibilidades e crescimento. Esta afirmação da centelha de divino em cada um de nós,
esta fé na capacidade humana de ser o artista de sua própria existência, ou, nas palavras de Paulo Coelho (3) “o alquimista de sua própria
vida”, está encunhada no pensamento gestáltico.

Outro aspecto deste paralelo constantemente traçado que julgo importante ressaltar, tem a ver com o fato de que, se a arte
tradicionalmente sempre esteve na vanguarda dos movimentos de ruptura e transformações sociais, a Gestalt-terapia floresceu com uma
ideologia libertária no bojo dos movimentos contestatórios e visionários dos anos 60, onde, face à promessa e à esperança de um tempo
messiânico no ar – tanto os Perls como Goodman se encontraram fortemente engajados.

Theodore Roszak, um dos mais conhecidos historiadores dos movimentos dos anos 60, em seu livro “A Formação da Contracultura” (4),
dedica um capítulo inteiro a Goodman, entitulado “A Sociologia Utópica de Paul Goodman”, onde o situa como um dos autores mais
importantes e que mais influenciaram o pensamento da época, citando sua contribuição no livro “Gestalt-Terapia” acima citado, como sua
obra mais importante. Apesar de estarmos hoje em outra época e podermos ver este período sob outras perspectivas, creio que ignorar
esta característica da Gestalt-terapia seria, de certa forma, desfigurá-la.
Enraizando-se também na Fenomenologia e nos princípios da Psicologia da Gestalt, a Gestalt-terapia concebe então o indivíduo como um
ser relacional, como um ser em processo, afirmando a indivisibilidade do campo organismo-meio, onde ambas as partes do sistema
crescem e se desenvolvem numa perene relação de troca dialética.

Na prática terapêutica, esta visão de homem-no-mundo define uma postura filosófica que vai nos servir de pano de fundo e esteio para
nosso trabalho. No entanto, quando um cliente nos procura, está em geral com algum tipo de sofrimento psíquico, por mais nebuloso e
indefinido que seja, com o qual não está conseguindo lidar satisfatoriamente. Mesmo quando a justificativa da procura é algo como “querer
conhecer-se melhor”, há sempre presente uma certa sensação de que há algo entravado, algo que não desabrochou, uma certa sensação
de que a vida poderia ser mais plena e feliz, um movimento em procura da ajuda de um outro. É portanto necessário, além desta visão de
homem-no-mundo, um modelo teórico de saúde e doença, de funcionamento saudável e não saudável, enfim, um modelo terapêutico
coerente com nossa postura filosófica, no qual possamos embasar nossa compreensão clínica, e do qual possam resultar nossos métodos e
práticas.

Como hoje em dia o alcance e a abrangência da Gestalt-terapia estão sendo profusamente questionados, acho importante recapitular e
resgatar o que nos oferece nesta direção a literatura clássica da Gestalt-terapia, para a partir disto podermos criticar, elaborar, desenvolver
e eventualmente acrescentar. É o que me proponho a fazer a seguir.

O indivíduo é visto então como um sistema aberto, em constante relação de troca com seu ambiente. Desejos e necessidades da pessoa
assumem dominâncias que são o movimento de uma tensão de se destacar proeminentemente formando uma figura, i.e., uma gestalt que
vai mobilizar a energia do organismo para sua completude. Dominâncias espontâneas são frutos da sabedoria intrínseca do organismo
sobre suas necessidades. Quando estes processos requerem recursos do meio para sua realização, estas figuras despontam na consciência
mobilizando as funções de contato do organismo, que são o instrumental que o indivíduo dispõe para ir ao encontro, sentir, avaliar e
selecionar o que se encontra à sua volta.

O indivíduo organiza estas experiências de forma que orientem o tipo de contato que estabelece. Todo contato é criativo, pois lida com o
novo, e o indivíduo idealmente cresce e se desenvolve assimilando o que o enriquece e nutre, alienando de si o que lhe é tóxico,
respondendo às requisições, exigências e convites do meio, num contínuo processo de ajustamento criativo. A totalidade deste processo
chama-se auto-regulação organísmica. Quando este processo se dá satisfatoriamente, as gestalts já completas saem da consciência dando
lugar à emergência de novas figuras, num processo contínuo e vital de formação e destruição de figura-fundo. O que vai facilitar a
resolução e a emergência de novas figuras e portanto energizar esse fluxo vital são os processos de awareness. Para Perls, awareness é a
irmã gêmea da atenção, porém mais difusa do que a atenção por implicar em uma percepção relaxada (5); já Gary Yontef define
awareness como uma forma de experienciar, como o processo de estar em contato vigilante com os eventos mais importantes do campo
organismo-meio, com suporte sensório-motor, emocional, cognitivo e energético (6). É no processo de awareness que o indivíduo aguça e
percebe, tanto os seus sentidos, como as relações de significado que estabelece entre eles, que tanta experiência, como percebe a forma
com que organiza suas experiências, e é por isso que processos contínuos de awareness são sempre acompanhados de novas in-formações,
i.e., a formação de figuras que criam um novo saber.

A partir deste arcabouço conceitual, funcionamento saudável é visto como o fluxo pleno, contínuo e energizado de awareness e formação
figural, no qual, através de fronteiras permeáveis e flexíveis, o indivíduo possa interagir criativamente com seu meio ambiente,
desenvolvendo sensibilidade e recursos para reconhecer e responder às dominâncias espontâneas que se lhe afigurem, e usando suas
funções de contato para avaliar e apropriadamente atuar as possibilidades de contatos mutuamente enriquecedores e satisfatórios, e de
interrompê-los, quando tóxicos e intoleráveis. Saúde seria então a prevalência e relativa constância deste tipo de funcionamento.

Em contrapartida, funcionamento não saudável vai ser o funcionamento caracterizado por interrupções, inibições e obstruções destes
processos, com a conseqüente formação de figuras fracas, confusas, que ao não se completarem vão dificultando progressivamente as
possibilidades de contatos vitalizados e vitalizantes com o presente. Doenças e patologia seriam então a recorrência crônica deste tipo de
funcionamento, com a conseqüente cristalização das dificuldades do indivíduo e empobrecimento de seus contatos com o mundo. Como se
explica isto?

Em “Maturação e Recordações da Infância”, Perls, Hefferline e Goodman (2) falam das situações passadas não resolvidas, i.e., gestalts
incompletas, que ficam como formas fixas no presente, obstruindo o fluxo livre e criativo de percepção e resposta às situações novas. Da
mesma forma defesas criativamente elaboradas no passado em resposta a avaliações acuradas de situações reais, ao se repetirem
automaticamente, colocam o organismo em permanente estado de prontidão, obstruindo o fluxo de sentir.

As situações inacabadas e as defesas cristalizadas ficam no organismo fazendo com que situações e recursos sejam avaliados a partir de
parâmetros ligados a elas, e é a esta avaliação, i.e., a esta awareness distorcida da situação atual que a auto regulação do indivíduo
responde.

Portanto, para nós terapeutas, as discrepâncias entre as reações do cliente e a situação real vivida na relação terapêutica vai ser indicativa
de que há algo que não pertence à situação atual que está presente. Os autores apontam que há um infeliz circularidade nestes processos,
pois ao mesmo tempo que as situações inacabadas pressionam por resolução cada vez que a tensão se acumula, é só por processos bem
sucedidos de formação e destruição de figura-fundo que o indivíduo adquire experiência e recursos mais elaborados que irão lhe
proporcionar suporte para arriscar lidar com a ansiedade que situações novas sempre apresentam.

O objetivo terapêutico vai ser então a grosso modo, o de trabalhar em direção à constante expansão de awareness, facilitando, através do
suporte da relação terapêutica, novas figurações, novas integrações, a liberação das energias retidas em situações inacabadas, e a
compreensão e eventual reformulação dos padrões de relacionamento do indivíduo consigo próprio, com os outros e com o mundo a fim de
lhe possibilitar contatos mais nutritivos e enriquecedores.

___

Até aqui minha compreensão do que se explicita na literatura clássica da Gestalt-terapia. Gostaria de poder compartilhar agora com vocês
minhas buscas, dúvidas e elaborações atuais, tanto em relação à propriedade deste modelo quanto em relação à sua abrangência.

Quanto à sua propriedade, Therese Tellegen em seu livro “Gestalt e Grupos” (7), levanta três questões que me parecem importantes.
Primeiro, se a noção de Gestalt diferenciando-se em figura e fundo é uma metáfora descritiva válida para descrever a complexidade
humana. Penso a esse respeito, que a noção de figura, no sentido mesmo de uma figura, um retângulo, uma necessidade, etc., deveria ser
vista numa concepção sistêmica, como uma unidade configuracional, ou seja, como a unidade de todas as figuras que despontam
concomitantemente formando a presente configuração existencial do indivíduo, complexa, pulsante e dinâmica.

A segunda questão levantada por Therese é em relação ao termo “necessidade” que originado de um modelo biológico, é estendido à esfera
do psicológico de maneira muito simplista. Suas subsequentes elaborações a este respeito constituem uma contribuição significativa para
nossos atuais questionamentos sobre a possibilidade de reconfigurar certos aspectos de nosso referencial teórico (*).

E a terceira questão que levanta é se o modelo chega a elucidar o que Perls deseja, que é precisamente a interação dos fatores físicos,
biológicos, psíquicos e sócio-culturais, ao que propõe uma perspectiva sistêmica.

Quanto à abrangência do modelo, tenho sentido necessidade de uma compreensão mais elaborada dos entraves e dificuldades dos meus
clientes, no sentido de poder melhor compreender a maneira particular de como se configuram e se articulam os padrões de
relacionamento, como organizam as experiências e estabelecem relações de significado entre elas.

Perls, Hefferline e Goodman tentam elaborar uma tipologia descritiva dos padrões recorrentes de interrupções nos ciclos de contato
(projeção, introjeção, retroflexão etc), que me parece precisa ser melhor estudada, especialmente dentro de uma perspectiva relacional.
No entanto, se um estudo mais amplo deste material me parece necessário, por outro lado não me parece suficiente. Tenho encontrado em
alguns autores de teorias de relações objetais, elementos que têm enriquecido muito minha compreensão dos clientes, tornando meu
trabalho terapêutico mais profundo, mais cuidadoso, na medida em que reconheço características descritas por estes autores. Neste
sentido, discussões acaloradas têm surgido na comunidade gestáltica sobre a propriedade de integrar perspectivas psicanalíticas e
diagnosticas em Gestalt-terapia.

Gostaria de fazer três comentários a este respeito:

1) Na realidade, o conceito de “outro internalizado” de “partes de outro” ou do “ideal do outro” internalizado não são estranhos à Gestalt-
terapia. Quando por exemplo, se sugere ao cliente que atue um diálogo com a figura imaginada do pai, evidentemente não é o pai real que
está em questão. O que a meu ver essas teorias trazem de importante, é uma compreensão mais articulada da função destas imagens
internalizadas no desenvolvimento de cada um.

2) Acredito que postura fenomenológica não é a não utilização de mapas, mas a atitude com que com eles me relaciono. O terapeuta flui do
“nada além que processo” do vivido na relação, para momentos de reflexão sobre este vivido. Como o compromisso do terapeuta é com o
cliente e não com este ou aquele mapa, a compreensão adquirida vai ser continuamente testada e reformulada no processo da relação. **

3) A questão filosófica e epistemológica da dicotomia entre essência e processo que permeia a maioria destes debates levou-me a sugerir
que esta dicotomia seja transcendida por uma visão de que toda essência está em processo assim como todo processo tem uma essência
(**). (Traçando um paralelo, na Física Moderna a luz não é mais vista como ora partícula e ora onda, mas como ambas
concomitantemente).

Assim, creio que quando existe a recorrência de um padrão de relacionamento humano, compreender sua fenomenologia não é só
reconhecê-lo como um comportamento retroflexivo por exemplo, mas desvelar suas relações com as gestalts inacabadas, com as gestalts
ocultas do indivíduo, reconhecendo e compreendendo relações de significado, e neste sentido, poder vê-lo sob a luz do que Guntrip
denomina de caráter esquizóide por exemplo, pode nos ajudar a uma compreensão mais abrangente de seus processos e do seu existir.

Finalmente, contrapondo esta busca de uma compreensão mais profunda e articulada dos processos internos de cada um, meu interesse
tem ido também para um outro lado, que tem a ver com a tão referida unidade figura-fundo, organismo-meio que, se teoricamente engloba
tudo o que existe no universo, na prática do trabalho terapêutico tem sido reduzida aos processos internos do indivíduo, ou às relações
entre indivíduo e seus outros significantes, e em raros casos , ao seu contexto social.

Estamos vivendo uma época onde a visão holística vai se espalhando através dos movimentos ecológicos, onde o indivíduo vai
progressivamente se vendo realmente parte de sistemas mais amplos sem os quais não pode sobreviver e sem os quais sua existência não
tem fundamento. Portanto, quando falamos de fundo, a que fundo nos referimos? Aonde delimitamos a linha demarcatória no sistema total
esotéricamente chamado de “Tudo o que há” que circunscreva o limite do sub-sistema que vamos estudar?

Em 1969, Theodore Roszak escreveu que “A Gestalt-terapia faz um esforço para integrar a tradição psicanalítica com a sensibilidade do
misticismo oriental com sua noção de holismo, e ironicamente coloca que a Gesltalt-terapia é fundamentalmente uma espécie de Taoismo
disfarçado de maneira incômoda em uma psiquiatria ocidental.” (4)

Anos 60 passados, a verdade é que tanto a física moderna, as filosofias orientais como a abordagem dialógica de Martin Buber (que se
fundamental no pensamento teológico judaico) falam da unidade de todas as coisas, da importância de nos redescobrirmos como
manifestação da energia universal, e desta forma redescobrirmos nossas ligações com os ventos, as estrelas, as marés, a natureza,
estendendo nossa awareness para além de nossos limites pessoais, ampliando nosso sentido de fronteiras para onde “eu sou eu mas
também sou tu, e tu és tu mas tu também sois eu”.

Este tem sido um caminho de busca pessoal que tem me enriquecido muito, ampliando minha sensação de ligação com as pessoas e as
coisas do mundo. Tenho eventualmente inserido esta visão em meus trabalhos com clientes individuais ou grupos, o que tem facilitado um
sentido de expansão e ampliação, ajudando a relaxar amarras e sofrimento individuais que restringem nossas possibilidades de plenitude.

*******************************************************************************

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(1) REICH, Wilhelm- Escuta Zé Ninguém. Livraria Martins Fontes, Santos, SP.

(2) PERLS, Frederick S., HEFFERLINE, Ralph & GOODMAN, Paul : Gestalt Therapy: Excitement and Growth in the Human Personality. Nova
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(4) ROSZAK, Theodore. The Making of a Counter Culture: Reflections on the Technocratic Society and its Youthful Opposition. Anchor
Books, Boubleday & Co .Inc, Garden City, N. Y., 1969 (Cap VI)

(5) PERLS, Frederick S. The Gestalt Approach and Eye Witness to Therapy. Science and Behavior Books, 1973, pg. 10

(6) YONTEF, Gary . Gestalt Therapy: Clinical Phenomenology. In The Gestalt Journal, Spring 1979, pg. 29 .

(7) TELLEGEN, Therese A . Gestalt e Grupos, Uma Perspectiva Sistêmica . Summus Editora, Ltda., SP, 1984, Cap. IV

(8) CIORNAI, Selma. Gestalt-terapia Hoje: Resgate e Expansão. IV Seminário de Gestalt de SP, 1987. Publicado em Revista de Gestalt I, 5-
31, 1991.

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* Therese critica a Gestalt-terapia neste aspecto, escrevendo que “tanto na psicanálise quanto na fenomenologia – suas fontes – as
tentativas de elucidar as articulações entre as esferas do biológico, do psíquico e do social são mais elaboradas… Freud traça um caminho
do biológico para o psíquico interpondo entre necessidade e objeto de satisfação a noção de representação psíquica … Merleau-Ponty situa
vital existencial humana como reestruturando a “re-significando” a ordem vital biológica…”

** Estas posições estão elaboradas mais extensamente no trabalho “Gestalt-terapia Hoje: Resgate e Expansão”, S.P. 1987.

CONSIDERANDO SAUDADES: GESTALT-TERAPIA DE


ANTES, DE HOJE E DE AMANHÃ
Trabalho apresentado em 1995 no V EncontroNacional de Gestalt-terapia, posteriormente publicado no Boletim de Gestalt-terapia do
Triângulo Mineiro, I, (2),1996
Selma Ciornai

Sendo o tema desta mesa “Gestalt-terapia: Saber, Ciência, Filosofia e Arte”, creio que fui convidada a dela participar entre outros motivos,
por ser conhecida tanto por falar com freqüência sobre o uso de recursos artísticos e expressivos em terapia, quanto pela ênfase que tenho
dado às relações entre Gestalt-terapia e Criatividade, entre processos terapêuticos e processo criativos. No Encontro de Gestalt-terapia de
Goiânia, fiz uma palestra onde coloquei que estas relações se revelam na Gestalt terapia em três instâncias: na sua fundamentação
existencial da visão homem-no-mundo, onde o ser humano é concebido como possível “artista” de sua vida, na sua concepção de
funcionamento humano saudável como funcionamento criativo, e na sua metodologia, ou seja, no espaço à criatividade do terapeuta, em
termos de técnicas e recursos usados.

Esta palestra está publicada na revista que o grupo está lançando aqui neste Encontro, portanto não vou me repetir, mas gostaria de iniciar
esta fala com o que ficou rondando na minha cabeça após ter escrito aquela palestra. Ao mencionar a criatividade do terapeuta, não pude
me impedir de considerar que a Gestalt terapia que tenho visto, quando em minhas aulas peço aos alunos que trabalhem uns com os
outros, que se envolvam em role-playings, ou quando ouço relatos em grupos de supervisão de como trabalham, apesar de várias
qualidades, entre elas o cuidado e o acolhimento, me parece bem menos criativa que a Gestalt de antes, que aprendi e vivenciei dos anos
70 a meados dos anos 80 na Califórnia. Esta mesma impressão também se deu em contatos com alunos e ex-alunos em outros locais e
regiões em que fui convidada a trabalhar. Assim, “gestalt de antes”, “gestalt de agora”, e quem sabe, a incógnita “gestalt de amanhã”
começou a se configurar como tema para esta minha fala, o que de certa forma retoma o tema do meu primeiro trabalho aqui no Brasil,
Gestalt Terapia Hoje: Resgate e Expansão sob uma nova ótica, o que, provavelmente, como diria qualquer bom gestaltista, deve ser uma
“re-petição” de minhas inquietações internas para chegar a uma gestalt de boa forma.

Dois fatos recentes contribuíram para a emergência deste tema como figura para mim. A passagem de Paolo Quattrini por São Paulo,
terapeuta italiano que eu e Miriam Bove Fernandes conhecemos no Congresso Internacional de Gestalt-terapia no México em 93, e
convidamos para vir aqui. Paolo teve um encontro com a comunidade gestáltica de São Paulo e dirigiu dois workshops de um dia intensivo
cada. Tendo uma fundamentação teórica basicamente semelhante à nossa, o que fez com que ex-alunos que o ouviram se sentissem
confirmados em sua formação, seu estilo de trabalho de “hot seat”, cuidadoso, mas também sagaz, solto, cheio de humor e criativo, um
estilo “ítalo-californiano” a meu ver, se para alguns teve o cunho de ser realmente uma novidade, para mim trouxe uma certa saudade.
Saudade de um tipo de vivência, mas sobretudo saudade de mim nelas.

O outro fato foi ter recebido de presente do Miguel Angel Liello o livro do Claudio Naranjo , “Gestalt Terapia sin Fronteras”, cuja leitura me
deixou extremamente emocionada. Emoção pelo reencontro através de suas páginas, com gestaltistas que foram meus professores no
Instituto de Gestalt de São Francisco, onde fiz minha formação, como Frank Rubenfeld e Abe Levitsky, com os quais tenho até hoje uma
relação afetiva, assim como outros com quem fiz workshops e treinamentos muito especiais, como Richard Price, Richard Olney e Gideon
Schwartz. Estar tendo notícias do que estas pessoas que foram importantes na minha vida estão fazendo e pensando me trouxe a emoção
de estar recebendo uma carta de alguém próximo que está longe. Mas a emoção deveu-se também ao fato de vê-los reconhecidos e
nomeados, em um livro que denuncia o que Naranjo vê como a exclusão e caricatura que tem sido feita tanto da Gestalt terapia
Californiana nas publicações e congressos oficiais nos E.U.A., como do próprio trabalho de Perls.

Fiquei pensando então do que realmente tenho saudade. E a primeira discriminação que faço é que na verdade, não é de tudo que eu tenho
saudades, e que por outro lado a “gestalt de agora” realça aspectos que não eram realçados então, e que também a partir de referenciais
vividos considero valiosos. Saudade do que então?

Não é fácil colocar sensações e percepções não muito claras em palavras, como vocês bem sabem. Escrever isso para mim foi um exercício
de awareness, e peço a paciência de vocês se não conseguir me expressar com clareza.

Primeiro: percebo a “Gestalt de antes” que para mim foi a Gestalt que conheci na Califórnia até 83, como mais criativa, mais solta, mais
espontânea, mais à vontade no uso de experimentos e recursos expressivos. Por favor não entendam por “experimento” que me refiro
necessariamente à promoção de atuações dramáticas ou catárticas. Me refiro sim à sugestão de experimentos, que podem ser até bem
sutis, que envolvendo a totalidade do ser de uma pessoa, i.e., o cognitivo, o sensorial, etc, possa lhe trazer, através de uma experiência,
algo novo em termos de vivência, percepção ou awareness. Em contrapartida sinto a “gestalt de agora” como característica geral, mais
cuidadosa e mais preocupada com o suporte para a relação terapêutica. É bem verdade que conheci na Califórnia tanto terapeutas
extremamente afáveis e que primavam por saber estar realmente ali, para o outro, como terapeutas mais ásperos e confrontativos. No
entanto isto era uma característica do trabalho de certas pessoas, não uma preocupação que, ao que me parece é o que se passa hoje.
Assim, se por um lado vivenciei e testemunhei experiências dolorosas e humilhantes então, que realmente hoje em dia felizmente não vejo
acontecer, por outro lado penso que este extremo cuidado, que inclusive eu ensino nos cursos, talvez tenha trazido em seu bojo uma
timidez na criatividade, soltura e espontaneidade do terapeuta. Atitudes estas, que talvez possam ser combinadas em uma maneira nova
que integre os aspectos mais positivos de ambas.

Aliás, quanto à questão do cuidado, gostaria de pontuar que algo que me impressionou muito bem quando retornei ao Brasil foi a atenção
que se dá aqui para a existência ou não de um suporte grupal para o indivíduo e para a percepção de processos grupais, preocupação esta
realmente ausente nos trabalhos que conheci então e que, creio eu é uma característica muito positiva da Gestalt terapia brasileira.

Bem, em um segundo aspeto que pude perceber, e do qual tenho saudades, é o que metafórica e intuitivamente me ocorreu denominar de
“Gestalt da Esperança”. A Gestalt terapia dos anos 60 ao início dos anos 80 vinha impregnada de um cunho libertador, comum aos
movimentos de contracultura da época, do qual a Gestalt terapia fez parte e foi porta-voz, com sua ênfase na possibilidade do indivíduo
experimentar e fazer escolhas de formas de ser e de estar contrárias às normas e padrões sociais, com sua ênfase na possibilidade do
indivíduo poder se libertar de seus bloqueios internos e de padrões de relacionamento limitadores como forma de expandir suas
possibilidades de existência no mundo, e com sua ênfase na importância da experiência direta, como caminho de conhecimento e de
transformação.

Esse cunho libertador impregnava tanto as experiências terapêuticas mais superficiais, caracterizadas por propostas de experimentos que a
meu ver, olhando em retrospecto, muitas vezes eram uma mera “atuação”, não levavam a nenhuminsight, mas que continham em si o
tesão de uma experiência nova ( como por exemplo o gosto de arrebentar uma almofada ou dizer algo antes impensável a cada pessoa do
grupo), como também impregnava de vitalidade e esperança trabalhos terapêuticos profundos sobre experiências às vezes bastante
dolorosas. Sinto saudade dessa energia.

Permito-me contrapor a isso o que me ocorreu chamar de “Gestalt da Dor”, não como característica dominante da Gestalt de hoje, mas
realmente como algo que às vezes vejo acontecer, onde percebo um movimento de escavucar a história passada ou presente do cliente em
busca do dolorido, em sessões muitas vezes sombrias, sem leveza, sem ousar o humor, sem a vitalidade e a esperança de que falei antes.
Quero dizer que falo disto com muita cautela, e peço cuidado na escuta, pois vejo como extremamente positivo a possibilidade da dor ter
espaço na relação terapêutica, sem a pressa de encontrar “soluções” que muitas vezes aliviam muito mais a ansiedade do terapeuta e sua
dificuldade de agüenta-la ou com ela lidar, do que propriamente a dor do cliente, que paradoxalmente muitas vezes é aliviada justamente
pela possibilidade do continente encontrado. A “Gestalt de hoje” caracteriza-se por conter uma atenção delicada, valiosa e essencial aos
aspectos machucados da “criança interna” oculta de cada um, ou do “adolescente interno” de cada um, o que não era muito presente na
“Gestalt de antes”, e que tem possibilitado ao terapeuta acesso a espaços do universo interno dos mais recônditos – que, parafraseando
Chico Buarque, eu chamo de “espaços da delicadeza” – o que não era muito comum então. Trabalhos com raiva, revolta, assertividade e
limites eram mais comuns.

Creio então que também aqui uma integração entre estes aspectos é importante. Escutei de um gestalt terapeuta israelense, Shraga Sirok,
no Congresso do México a que me referi, que ao lado da atenção às “gestalts inacabadas” (unfinished business), considerava de suma
importância o terapeuta estar atento também à presença e qualidade de “gestalts não-iniciadas” (unstarted business), i.e. aos projetos e
sonhos futuros. Quem já esteve próximo de quadros depressivos sabe que estes se caracterizam justamente pela falta de perspectivas em
relação ao devir. No Encontro de Brasília, ao responder a uma pergunta sobre o caráter da cura sem aspas em Gestalt terapia, o Ari
expressou de forma poética essa visão, que a meu ver tem que estar presente como ingrediente e perspectiva no processo terapêutico.
Disse ele: “Cura, na perspectiva existencial de Heidegger, é o cuidado, ou pré-ocupação com o devir”, e que neste sentido “é a capacidade
de se apaixonar pelo futuro”, e adicionou: “O terapeuta caminha junto ao outro, sem ter um ponto determinado de chegada, para o novo.”
É sob esta luz que advogo o resgate da “Gestalt da Esperança.”

O terceiro e último ponto que quero levantar tem a ver com nossos fascínios e incursões por referenciais externos à Gestalt terapia. Acho
que a saudade aqui é a de uma época em que nem eu nem ninguém tinha dúvidas sobre o que era um trabalho ou um referencial
gestáltico, e podia-se facilmente reconhecer o que era um trabalho de Gestalt-terapia.

O primeiro exemplo que me ocorre em relação a isto é o fato de que como tantos outros, me fascinei pela inclusão de Buber como
referencial teórico à Gestalt terapia. Faço um parêntesis aqui para pontuar que antes se mencionava Buber como uma das influências da
Gestalt terapia, mas foi só a partir dos últimos 10 anos que a relação dialógica Buberiana passou a ser explicitamente incorporada ao
referencial teórico da Gestalt.

A este fascínio seguiu-se para mim uma atitude mais cautelosa, um certo “ôpa, pera aí”, ao ouvir o alerta de Van Zuben* sobre o perigo de
reducionismo ao se transpor um modelo filosófico e teológico para as relações entre as pessoas que segundo ele, têm certamente um
repertório maior de relacionamentos do que as modalidades Eu-Tu e Eu-Isso, como por ex. na relação professor-aluno, que sem ser uma
relação Eu-Tu, não implica em que o professor se relacione com o aluno como “Isso”. É claro que o que permaneceu intacto foi o
entusiasmo pelo enfoque relacional, pelo domínio do “entre” como fonte curativa. A ênfase no indivíduo-em-relação, no contato e nos
distúrbios de contato sempre foi parte essencial da gestalt terapia, mas muitos trabalhos de antes, olhando em retrospecto,
caracterizavam-se por ser um trabalho muito mais do cliente dirigido pelo terapeuta, do que trabalhos onde a relação com o terapeuta
tornava-se figura, o que traz elementos importantes e valiosos para o trabalho terapêutico. E ao dizer isto de novo peço cautela na escuta,
pois realmente não me refiro a todos os trabalhos que presenciei naquela época. Projeções por ex., eu vi com freqüência serem muito bem
trabalhadas.

Prosseguindo pelo itinerário dos fascínios e incursões por referenciais externos à Gestalt-terapia, percebo ter havido nos últimos 10 anos,
um desejo de compreensão e aproximação mais cuidadosa e atenta, de nossas dinâmicas mais profundas e sutis, dos universos e
paisagens internas de nossas intimidades psíquicas, dos cantos, no duplo sentido da palavra, de nossas interioridades. Em linguagem
gestáltica, considerando o indivíduo sistêmicamente em suas dimensões bio-psico-sociais, poderíamos falar do desejo de compreensão mais
profunda das maneiras pelas quais as gestalts que estão sendo vividas agora, as já vividas que chegaram a uma boa resolução e nos dão
suporte para novas experiências, as inacabadas e as não iniciadas, interagem, se constelam e se configuram em nosso processo de viver,
em estilos ou padrões de nos relacionarmos conosco, com os outros e com o mundo. Formas estas sempre em processo, mas
freqüentemente com aspectos cristalizados e traços mais duradouros, com aspectos mais ocultos e de mais difícil acesso.

Este movimento se manifestou de várias maneiras. No grupo coordenado pela Miriam Bove Fernandes, na procura de uma compreensão de
etapas de desenvolvimento pela ótica da Gestalt-terapia, que viesse de encontro à necessidade de uma compreensão de certos fenômenos,
percebidos na relação terapêutica, em termos desenvolvimentais. Em outros gestalt terapeutas – em termos de compreensão clínica,
categorias diagnosticas e orientação terapêutica- este movimento se manifestou em incursões e fascínio por referenciais neo-psicanalíticos*
(mais especificamente o das teorias das relações objetais e o da psicologia do self.) ou, no caso, de Naranjo, na integração ao trabalho
gestáltico, das categorias diagnósticas de caráter mais esotérico de Oscar Ichazo, que ele chama de “proto-analítica” – o eneagrama. Aliás,
já antes Michael Connant do Instituto de Gestalt-terapia e Bioenergética de Berkeley, propunha uma adaptação da Bioenergética com a
Gestalt-terapia.

Pessoalmente participei tanto destes fascínios, com também me encantei com as possibilidades de integração do referencial de Mitologia
Pessoal de Feinstein e Krippner com a Gestalt-terapia, a partir de uma reflexão sobre a necessidade de ampliação da noção de “fundo” em
Gestalt terapia, trabalho que apresentei no Encontro Nacional de Brasília, e também no México, no Congresso Internacional de Gestalt-
terapia a que me referi antes. Mas também em autores da Gestalt-terapia, que escrevem em linguagem absolutamente gestáltica,
encontrei respostas para este movimento, para este desejo. O artigo de Sylvia Fleming Crooker que discorre sobre as disfunções de contato
como limitações às possibilidades existenciais de uma pessoa, literalmente me fascinou, e na minha prática terapêutica é um referencial
que realmente enriqueceu meu olhar e meu pensar sobre meus clientes e os processos que estão vivenciando. Este trabalho é um exemplo
de como é possível usar uma linguagem exclusivamente gestáltica para descrever meandros da nossa interioridade sem necessidade de
termos que nos são alheios. E em alguns poetas e escritores como Clarice Lispector, em alguns filmes, também tenho encontrado eco para
estes anseios.

Há, portanto, e acho sumamente importante diferenciar isto, um desejo, um movimento de procura por um lado, e os referenciais
encontrados ou criados, por outro. Acho importante isto pois, se por um lado me parecem poucas as tentativas de encontrar ou criar
respostas para este movimento na Gestalt-terapia, por outro, nos referenciais externos encontrados, sinto que resvalamos às vezes para
assimilações onde acabamos não sabendo bem com digerir certas partes, ou, nos descobrindo com um transplante de certas partes que nos
são incompatíveis. Este é um tema que tenho discutido em grupos de estudo, e sei que a Fátima Barroso também vai falar sobre isso.

Gostaria de dar um exemplo: tenho visto recentemente alguns gestaltistas utilizarem-se dos conceitos Winnicotianos de “verdadeiro self” e
“falso self”. Aliás, como bem me lembrou a Fátima, conceitos também de Laing. Bem, mas a gestalt terapia se caracteriza e se diferencia
de certas abordagens, justamente por ver defesas e couraças como partes da pessoa. Assim, se percebo oscilar internamente em uma
pessoa, ora uma percepção de superioridade em relação aos outros, ora de inferioridade, ou se ela exibe um ego inflado, mas interiormente
se sente uma menininha insegura e tímida, ou se tem aspectos mais “saudáveis” (entre aspas) e outros menos “saudáveis” (também entre
aspas), posso dizer gestalticamente que um é seu verdadeiro self e outro é falso? Se o self é conceituado na gestalt terapia** como
sistema de ajustamentos criativos no meio, como o sistema de contatos a qualquer momento, ou mais especificamente, como a fronteira
de contato em ação (qualquer ação), como conceber a partir desta conceituação uma maneira de interagir e estar no meio que seja falsa?
Isto me parece incompatível com a Gestalt terapia. O novo livro de Polster, “Uma População de Selves”, ao identificar distintos aspectos da
pessoa como diferentes personagens internos, me parece bem mais de acordo com a nossa abordagem.

Assim, se por um lado me oponho ao uso de viseiras, continuo a acreditar que o conhecimento de diversos mapas amplia minha capacidade
de ver e que ampliar horizontes e conhecer outros referenciais é sempre enriquecedor, acho importante cuidar para não integrar à Gestalt
terapia aspectos que lhe são incompatíveis e que perigam por descaracterizá-la. É bom viajar, conhecer outros territórios, trazer
lembranças e presentes, sair sempre proporciona enriquecimentos ao olhar. Às vezes, viajar traz o desejo de mudar de morada, de
emigrar. Mas no caso de volta, também é importante saber voltar.

Às vezes se fica meio no limbo, nem bem aqui nem lá. Anos após meu retorno ao Brasil, um colega nosso, Beto, me disse uma vez que eu
parecia estar ainda de mala na mão. E às vezes acontece, o que também se deu comigo quando voltei dos Estados Unidos e reencontrei em
Parati, um grupo de amigos com quem eu costumava tocar sambas e serestas antes de viajar. “A Selma voltou com o samba
americanizado”, foi o que me diziam achando muita graça. O que eu estava tocando não era mais samba.

Finalmente, gostaria de terminar essa fala com o relato de um sessão de terapia que tive com um cliente que já estava em terapia comigo
há algum tempo. Escolhi relatar essa sessão pois percebo nela e integração de alguns pontos que mencionei antes. Espontaneidade,
criatividade, soltura, um jeito pouco comum para mim de trabalhar, junto a cuidado, acolhimento. O realmente estar lá, para o outro e com
o outro. Sessão cheia de dor e também de esperança :

Carlos era um cliente que já estava a algum tempo em terapia comigo. Tinha perdido a mãe aos 3 anos de idade, e desde então havia sido
criado por seu pai e uma madrasta com quem nunca se deu bem. Sabia por outros que tinha sido o filho preferido de sua mãe, e
repetidamente em sua vida procurava tias e pessoas que a conheceram, para procurar saber como ela era, que jeito tinha, o que sentia, o
que pensava. Carlos tinha na ocasião um filho de três anos com quem tinha uma ótima relação, e uma mulher, por quem era apaixonado
mas com quem freqüentemente abria mão de seus limites e preferências pode medo de perdê-la.

A perda da mãe era um tema que havia estado presente em algumas sessões. Nesta sessão Carlos trouxe consigo o retrato da mãe. Eu lhe
sugeri que colocasse o retrato diante de si, e que ele, imaginando que de alguma forma sua mãe pudesse realmente estar ali lhe ouvindo,
falasse com ela. Carlos o fez, e depois de um período de silêncio me disse que não sabia como começar, o que dizer a ela, já que nunca
tinha falado com ela. Eu lhe sugeri então que começasse exatamente por aí, isto é, dizendo à sua mãe que não sabia como lhe falar, pois
nunca havia falado com ela – e ao lhe sugerir isto, apaguei a luz da sala deixando apenas a luz de um abajur de canto, trazendo à sala uma
luz mais intimista.

Carlos aceitou minha sugestão, e ao dizer estas palavras, embargado pela emoção, começou a chorar copiosamente, contando à mãe da
falta que sempre sentiu dela, de como sua vida tinha sido ruim na casa de seu pai, após sua morte, e de como havia sempre procurado
saber dela, perguntando aos que a conheceram como era, o que pensava, ou que se lembravam dela. Carlos falava entrecortado por
soluços, quando eu lhe segurei a mão, e de forma intuitiva comecei a lhe falar como se eu fosse a sua mãe, porém sem inserir nenhum
conteúdo que ele não me houvesse contado antes. Eu lhe dizia “como você cresceu, meu filho, que rapaz bonito você se tornou, tão alto,
tão forte, olha só o seu cabelo, era tão clarinho e macio, ficou tão forte e escuro… Que bom poder me encontrar contigo depois de tantos
anos…”

Carlos, ainda chorando, falava com a mãe, lhe contando de como havia querido que ela tivesse estado presente em sua vida, tantos nos
momentos mais difíceis quanto nos de maior contentamento, como no seu casamento… quando eu, ainda como sua mãe, lhe disse: “Mas
eu tenho estado presente na tua vida. Olha só o teu filho, com três anos já tão afeitvo, tão carinhoso, não é? Com três anos uma criança já
aprendeu a amar, e isso filho, você aprendeu comigo, por que eu te amei muito. Você sempre foi meu filho preferido, sabia? Teu jeito
afetivo e carinhoso de ser, de se relacionar com teu filho e tua mulher, teu jeito amoroso de lidar com as pessoas, você aprendeu comigo.
Fui eu que te ensinei isso.”

Nos abraçamos forte e longamente enquanto seu choro se acalmava, nos despedindo como mãe e filho. Eu acendi a luz maior da sala, nos
olhamos sabendo ter partilhado um momento único e precioso, e sem outras palavras a não ser o que não dava para falar, nos despedimos
como cliente e terapeuta. Carlos ficou mais tempo em terapia, e concluímos o processo. Ele havia conseguido fechar uma gestalt interna,
dolorosamente inacabada.

NOTAS

* Newton Aquiles Von Zuben, professor de Antropologia Filosófica da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas,
tradutor da edição brasileira do livro “Eu e Tu” de Martin Buber e autor da larga introdução que acompanha o texto em português.

* * Por exemplo em Breshgold & Zahm 1993, Frazão 1992, Jacobs 1993, Martin 1987, Tobin 1982 e Yontef 1988,1993.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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therapy. The Gestalt Journal , XV (1), 61-94.  

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Ciornai, Selma (1995). Relação entre Criatividade e Saúde na Gestalt-terapia. Revista do I Encontro Goiano de Gestalt-terapia, 72-76.
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Fernandes, M. B. Ajzenberg, Tereza Cristina P., Cardoso, Sandra R., Lázaros, Eviene A. E Nogueira, Claudia R. (1995).Reflexões sobre o
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Yontef, G. (1993). Awareness, dialogue and process: Essays on gestalt therapy. The Gestalt Journal : Highland, NY.

EDUCAÇÃO BRASILEIRA E OS DESAFIOS DO MUNDO


CONTEMPORÂNEO NA PERSPECTIVA DA ESCOLA DE
ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO
Rodrigo Giannangelo de Oliveira

O professor sempre dominou o conteúdo da disciplina que leciona – a “matéria” propriamente dita. O professor de Matemática conhece as
equações e teoremas matemáticos; o de Português, as normas do padrão culto do idioma; o de Química, as substâncias e suas reações, e
assim por diante. Egresso de um curso de licenciatura ou encaminhado ao magistério por contingências do mercado de trabalho, é comum
que o docente entenda ser a atribuição básica de sua função transmitir aos alunos o conhecimento que detém sobre a “matéria”. A
transmissão deste conteúdo, planejada por ele, pela coordenação pedagógica, e de acordo com diretrizes governamentais (expostas em
toda a extensa legislação educacional), seria o sentido da presença e da permanência de professores e alunos na escola. Perseguindo este
intuito, cada professor desenvolve, a partir de sua formação e experiência, estratégias para que o conteúdo seja apreendido pelos alunos
da forma mais eficiente possível (o que será avaliado periodicamente por meio de exames).

Evidencia-se do exposto que, dentro desta lógica, ao professor cabe cumprir apenas um papel: o de ser AQUELE QUE SABE. E aquele que
pode, justamente por isto, ensinar, ou seja, transmitir sua “sabedoria”. É o que faz dele um professor: saber alguma coisa e transmitir esta
coisa a alguém.

E ao aluno, cabe o quê?

O outro lado. Cabe não saber. É isso que faz dele um aluno: não saber aquela coisa.
Em outras palavras, deste ponto de vista, a possibilidade da relação pedagógica se instaura porque há um sabedor e um não-sabedor.
Quem sabe, ensina, e quem não sabe, aprende, estando, assim, resolvida a questão…

Resolvida a questão?

Viver o dia-a-dia das escolas de ensino fundamental e médio brasileiras mostra algo diferente. Como educador, me acostumei a conviver
com uma certa insatisfação generalizada de alunos e professores. É difícil, e por vezes até mesmo desolador, perceber o abismo que existe
entre aquilo que idealizamos em nossas propostas pedagógicas e aquilo que conseguimos ter na prática. A indisciplina, cada vez mais
violenta, a evasão, a repetência, a falta de diálogo, etc., tudo isto muitas vezes acaba falando mais alto que nossas boas intenções. O
professor sabe, sim. O aluno, não. O professor parece disposto a ensinar. O que falta então?

Sugiro que talvez falte algo que a escola finge não saber: podemos ser transmissores ou receptores de informação, até por conveniência,
mas o que perpassa a situação de estar na escola é o fato inalienável de sermos todos humanos. Humanos com suas dores, dúvidas, faltas,
frustrações, seus desejos e limites emergentes. Demasiado humanos, sempre e em qualquer lugar, buscando sentido para o que nos
acontece. E a esta obviedade a escola não tem dado atenção. Repetindo o modo de ser já consagrado por outras instituições no mundo
ocidental contemporâneo, defendo a tese de que a escola não se sente responsável nem capaz de lidar com as vicissitudes das
humanidades que acolhe em seu interior.

E eis a questão: não é possível deixar do lado de fora a humanidade de alunos e professores, o que torna a responsabilidade inevitável.
Responsabilidade enquanto habilidade para responder, o que pede um atento debruçar-se diante da situação, uma atitude adaptada e
zelosa. Porque sempre que não reconhece a responsabilidade de receber em seu interior sujeitos humanos (muito antes de “profissionais” e
“alunos”), e age como se a “transmissão-recepção” de conhecimentos fosse um processo maquinal, a escola paga um preço alto. Os
desafios que hoje enfrentamos com tanta dificuldade na educação manifestam isso com clareza.

Por que às vezes verificamos um disparate tão grande entre aquilo que os alunos aprendem ou deixam de aprender na escola e aquilo que
vivem no seu cotidiano? Como compreender o rapaz que detesta Física, mas conhece tudo sobre o funcionamento do motor à gasolina de
sua moto? Ou o que é reprovado em Geometria, mas é mestre na construção de pipas na rua onde mora? A menina sem vontade de ir para
a aula, que não vê a hora de chegar em casa para brincar de “escolinha” com as amigas? Ou mesmo os alunos que dizem odiar
Matemática, e mais tarde se tornam grandes engenheiros?

Como encontrar sentido para a indisciplina, freqüentemente eleita pelos professores a “inimiga nº 1″ da sala de aula? De que maneira a
indisciplina se apresenta como desafio ao modelo de escola como transmissora de conhecimentos?
Raramente paramos para pensar possíveis respostas a tantas perguntas (até por falta de um tempo próprio para isso). Não consideramos o
quanto é mais fácil aprender quando estamos diante de algo que nos pareça significativo e importante (seja o motor de uma motocicleta,
uma pipa etc.), e o quanto a linguagem de nossas aulas talvez esteja distante daquilo que é significativo para nossos alunos. Esquecemo-
nos, inclusive, de nossa própria experiência pregressa como alunos, e muitas vezes nos tornamos cópias daqueles que, no passado, não
consideramos nossos melhores educadores… Só mesmo o fato de não termos até hoje pensado nestas questões justifica que fiquemos tão
espantados quando os alunos se recusam a demonstrar interesse por algumas de nossas disciplinas.

Além disso, a própria concepção de escola como local de transmissão de conhecimentos, que estipula ao aluno o papel de mero
acumulador, vem sendo frontalmente questionada por inúmeros outros desafios que a sociedade contemporânea vem apresentando à
educação.

A escola sempre entendeu que, para “se dar bem na vida”, bastava ao aluno apreender, com a maior extensão e exatidão possíveis, todos
os conteúdos comunicados a ele pelos professores em suas aulas. Ainda me lembro bem que, na minha época de colégio, o aluno dito
“genial” era aquele que tirava as maiores notas em provas que, invariavelmente, apenas cobravam que se repetisse o que havia sido
exposto pelo respectivo professor durante aquele período letivo. Mas o sucesso neste tipo de avaliação não era a única característica que
chamava a atenção nestes “melhores da classe”. Meus colegas “geniais” tinham um círculo muito restrito de amigos ou colegas, sempre
demonstrando extrema dificuldade em se entrosar com as pessoas. Meus colegas “geniais” raramente falavam sobre hobbies, passeios,
viagens, animais de estimação, desejos adolescentes etc. Eram sempre pessoas muito sérias (no sentido de sisudas) em seus gestos, em
seu vocabulário, e, às vezes, até no jeito de se vestir. Em outras palavras, os “melhores da classe” eram quase sempre inábeis fora dela,
não demonstrando a mesma competência em seus relacionamentos afetivos ou na prática esportiva (chegaria mesmo a dizer que tinham
desempenho, nestes aspectos, muito abaixo da média), apenas para ficar com estes exemplos.
Já faz algum tempo que deixei de observar estas coisas na perspectiva de aluno e passei para “o outro lado da mesa”, ou seja, me tornei
um educador. Contudo, tenho verificado desde então que este quadro pouco mudou. O tipo de desempenho valorizado por nossas escolas
permanece praticamente o mesmo, ainda que tenhamos cada vez menos motivos para isso.

Por exemplo, uma “desculpa” muito usada pela escola para valorizar este aluno altamente especializado na apreensão irrefletida de
conteúdos sempre foi o vestibular. No dia em que os vestibulares mudarem suas exigências, a escola muda também – se vivia dizendo.
Pois tal mudança já está em curso. À guisa de ilustração, o próprio ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), para além da repetição de
fórmulas e datas decoradas, exige hoje do aluno a aplicação do raciocínio em problemas da vida real. E já é claro o movimento dos
vestibulares no sentido de se adaptarem a estes novos parâmetros.

Na sociedade atual, não é mais possível pensar a educação formal de crianças e jovens sem falar na contextualização do conhecimento e na
articulação das diversas disciplinas, ressaltando pontos significativos comuns a elas, e na transformação de alunos em cidadãos conscientes
de seus direitos e deveres, mais aptos a negociar no meio público os conflitos de suas próprias vidas. Vivemos um tempo em que a
importância daquele conhecimento calcificado e morto, de velhos códigos e fórmulas para resolução de problemas, vem desaparecendo.
Hoje em dia, conhecimento é mesmo coisa dinâmica. O conteúdo que se aprendeu na escola ano passado pode até mesmo não valer mais
esse ano.

É por isso que grandes empresas hoje estão dispostas a ensinar as funções exigidas por seus postos de trabalho, via treinamento, aos
funcionários que não tiverem, no ato da contratação, todo conhecimento necessário. Elas sabem que, pela própria mobilidade e atualização
constantes do mercado, da ciência e da tecnologia, terão que fazer isso ainda muitas vezes, mesmo depois que este funcionário tiver anos
de casa, se quiserem mantê-lo atualizado e sempre apto ao trabalho. E, assim, cai por terra outra de nossas “desculpas” para exaltar sem
crítica o aluno “nota 10″ de nossas escolas: a preparação para o mercado de trabalho. Que empresa cujo setor de seleção goze da
plenitude de sua saúde mental contrataria uma pessoa como a descrita mais acima, o “gênio” inapto para o relacionamento pessoal?

Sabemos que os processos seletivos das grandes empresas são às vezes mais concorridos que os maiores vestibulares do país. E então,
quais os critérios?

Numa seleção de vaga típica em uma grade empresa, os candidatos podem ser primeiro submetidos a uma prova de conhecimentos
específicos da função a ser desempenhada (esta avaliação, normalmente por escrito, pode ser complementada por outras, de
conhecimentos gerais e de uma língua estrangeira, por exemplo). Esta primeira fase costuma servir apenas para eliminar os candidatos que
tenham demonstrado um desempenho aquém do mínimo desejado. Os demais, dos regulares aos “nota 10″, todos vão para a fase
seguinte. A partir disso, a seleção geralmente passa a ser definida em entrevistas e dinâmicas de grupo, nas quais serão observadas as
características pessoais que podem encaixar-se ou não no perfil exigido pela vaga em questão. Desta forma, se nota que, numa seleção
desse tipo, o conhecimento formal, embora importe, está longe de definir sozinho uma boa colocação profissional.

Aquilo que a empresa de hoje exige e faz questão, pois sabe que não se ensina num treinamento, é o perfil. O mercado hoje está mais
preocupado em saber se o candidato é capaz de ter determinadas atitudes frente a situações que saber se ele tem este ou aquele
conhecimento específico. O jogo de cintura, a capacidade de negociação, a articulação da argumentação, atualmente valem mais que
qualquer informação decorada. Trabalhar em equipe, forma privilegiada de resolver problemas, é fundamental. Saber ser líder, com a
complacência e a sabedoria exigidas pela função, pode significar uma promoção. O mercado vive segundo novas leis. A pessoa mais
“genial” nestes novos princípios pouco tem a ver com aquele “gênio” sem amigos dos tempos de colégio. Este, pela imensa palidez de seu
conhecimento, pode estar fadado a tornar-se um burocrata, apartado de qualquer prestígio, se não souber se adequar.

Enfim, não vivemos mais a realidade de outrora. A inadequação de nossos velhos procedimentos frente aos desafios contemporâneos
intensifica a crise pela qual passa a escola de ensino fundamental e médio. Momentos como esse pedem de nós o abandono de supostas
verdades até então inquestionáveis. Pedem a des-construção de um saber que se mostra desatualizado. E desconstruir não significa
destruir. Pelo contrário, é desfazendo que encontramos novamente o solo fértil de onde podem brotar soluções mais adaptadas e criativas.
Como na história contada por Guimarães Rosa, no Prefácio ao seu “Tutaméia”, do garoto que, passando diante de uma casa que estava
sendo demolida, gritou exultante: “Olha, mãe, estão construindo um terreno!”.

VIVENDO, A TEXTURA, A TESSITURA, A AVENTURA DO


TEXTO
Vivendo, a textura, a tessitura, a aventura do texto

Paulo Barros

” Enquanto escrevia, encontrava-se sem pecado. Inventar era receber a absolvição, e o brilhante esforço de traduzir em palavras o que lhe
impunha a imaginação purificava o seu ser de todos os venenos.”
Sparkenbroke de Charles Morgan.

Vamos estar no IGSP, para o papo na cozinha, nesta sexta (28 de setembro/2001), às 17:00 h onde lerei alguns textos, conversaremos
sobre o processo criativo, tudo isso como aquecimento para a seguir, nos aventurarmos em algum experimento de escrita criativa.

  Tem gente que escreve de outro jeito


 

Quando não sei mais quem sou, desejando estar sozinho,


volto a meus autores preferidos.
Neles uma espécie de aconchego,
uma viagem no tempo,
uma forma de permanência.

Assim como a da árvore. Em sua beleza, sementes,


o fremir da brisa em sua folhagem.
Nela me detenho, a vida em suas raízes.
À sua sombra me deito. Me entrego ao pertencer
à vastidão da paisagem.

E então, se tenho sorte, o futuro se abre, e


com ele um desejo de escrever. Deste modo viver afinidades.
Meu texto se faz semente.
Brota como um olho d`água.
Como riacho passeio por meus gigantes, autores da floresta.

Ao fluir com meu texto um desejo se faz intenso,


uma espécie de possessão,
duplo desejo de antinomias.
Não abro mão de nenhum de meus autores.
Anseio, com quem me ler estar sozinho.

Seria bom estar com você nesta atividade. Aquecendo a imaginação, matando as saudades e
quem sabe inspirando a intimidade com o próprio texto.
  
  

O Papo

No papo na cozinha, lemos o poema acima, percorrendo suas imagens e metáforas, da origens do texto, do estar sozinho, revisitar os
gigantes do espírito, do aconchego e da sensação de permanência. O contato com a permanência evocando a imagem da árvore, sua
beleza – o fremir do vento em sua folhagem, o vínculo em suas raízes, suas sementes. A entrega, o pertencer à paisagem. A sorte, o texto
em semente, a suscitar a imagem do brotar do olho d´água. Fluir do riacho como movimento (impermanência), passeio acompanhado na
presença dos autores gigantes, criadores das florestas. Desejo intenso de conduzir a quem me ler, à companhia dos gigantes, às grandes
leituras, ao desejo de retomar as possibilidades da criação do texto – ou qualquer outra forma de expressão criativa. Este lugar interno de
que brota toda vida, todo sentido: participar e pertencer.

O diálogo com os participantes nos conduziu à permanência/impermanência. Palavras. Símbolos de preenchimento, completude, de
comungar. Alguém diz que aprisionamos a morte. E então passamos para o texto seguinte:
 

ESPÍRITO, UMA INVENÇÃO DO ESPÍRITO


Se o espírito não existisse só
um espírito poderia criá-lo.

Em uma cabana vivia um velho tão velho que ninguém mais o visitava. E isto há tanto tempo que dele ninguém se lembrava. Não esperava
mais visitas e também delas tinha medo. Quem senão a morte poderia dele se lembrar.
Cozinhava suas batatas em um caldeirão de ferro preto. Esquecera onde as arranjara, e toda noite se encantava com que elas estivessem
tão macias quando ainda há bem pouco estavam frescas e coloridas de terra. Dos seus cochilos acordava bocejando lembrando que estava
com sono.
Caminhava atrás da casa como quem fosse para o mato. Até mesmo os pássaros mais tímidos com ele não se importavam. Sua presença
era como a das árvores, suas preferidas.
Depois de temer a morte até mesmo a desejara. Mas temer e desejar são cansativos e passageiros e por longos períodos deu de esquecê-
la. Quando se lembrava, vislumbrava um esquecimento pressentido como recíproco. E algo em si sorria como se sorri na presença de uma
lembrança amiga. Com o tempo tudo foi adquirindo esta qualidade. Sua existência tornou-se sutil.
Um dia não mais voltou para a cabana. Quedou-se junto à árvore mais antiga. E por uma afinidade na compreensão da passagem do
tempo, começou a perder idade. Foi perdendo, perdendo e ficou ali tanto tempo que ficou sem nenhuma idade. Sua consciência foi se
tornando luminosa. O seu corpo não mais existiu, pois que forma poderia ter o corpo de um homem sem nenhuma idade.
A árvore e seu companheiro passaram a contar histórias em silêncio. As histórias eram tantas e tão antigas que saíram do tempo.
Penetraram por uma imensa porta onde havia uma inscrição, com a mais antiga das palavras. Embora não conhecessem aquela linguagem
dos primórdios, reconheceram o seu significado eterno : AGORA.
Só se sai do tempo quando se penetra nas coisas. Penetra-se as criaturas quando estando totalmente presentes, deixa-se de existir e se é
transportado de maneira integral até elas. Assim os antigos diziam que para penetrar o espírito das criaturas, é necessário que se deixe de
existir, que se abandone tudo o que se é para se poder estar com elas. E então se lembrar de quando se era um com as coisas. Fazer isto é
uma necessidade do espírito. Um espírito é a necessidade de se constituir enquanto tal. O espírito anseia por encontrar a si mesmo. E só se
encontra quando esquecendo-se, sai ao encontro do espírito que existe nas criaturas.
Conta-se que esta história se passou numa ocasião em que a morte, estando ocupada consigo mesma, não existiu por uns tempos. Pois
também a morte só existe quando se ocupa das criaturas.
E tendo o velho deixado de existir ao encontrar o espírito das coisas, tornou-se ele mesmo em espírito. Escapou assim da morte que até
hoje vive a procurá-lo.
Todas estas coisas foram contadas por um velho, não tão velho como o primeiro, mas que aprendeu a escutar uma árvore contar histórias.
As pessoas têm medo do silêncio. Não querem aprender. Só se interessam em saber. Por ter estado o velho à sombra da árvore mais
antiga e ter lá permanecido, as pessoas confundem sombras com espíritos e julgam encontrar a morte sob as árvores mais frondosas dos
lugares ermos.
Desde estes tempos todo velho que aprendeu a escutar as árvores tem muitas histórias para contar. Todo mundo já viu alguma vez um
velho em silêncio, debaixo de alguma árvore, fingindo que está cochilando. Pois é este o seu segredo. Está escutando histórias. A gente não
vê mas tem sempre um pouco de brisa passando por ali. Por isso de vez em quando uma folha se mexe. O vento que vem depois é a brisa
indo embora depressa. O velho finge que acorda e vai embora também. Mas leva o coração cheio de histórias.

Estamos de volta às origens do texto. Histórias que desejamos compartilhar. A autoria sendo apenas o privilégio de ser o primeiro a
escutar. Toda arte sendo filha de uma intimidade, com o mundo, com as profundas impressões que a vida, bem vivida, nos proporciona. As
necessidades de expressão, de compartilhar, formas de permanência e pertinência. Todo verdadeiro artista sendo sempre menor que sua
arte, como o viajante interior capaz de conduzir, através da estética, em sua linguagem compartilhada, as possibilidades de significação e
preenchimento de necessidades espirituais.

Para passarmos para outras tonalidades, revitalizantes e mais joviais, encerramos o nosso papo com a leitura do terceiro texto.

O Poeta Sai da Gaveta

Só mesmo um poeta poderia acreditar. Que um poeta ficaria na gaveta. Bem que tentou. Entrou ali e tentou ficar quietinho. Bem quietinho.
Conforme resolvera. Que poesia não tem futuro… Mas, é sina de poeta em gaveta não caber. Mesmo ali se mexe a vida. E folhas e letras e
palavras se mexem inquietas. O poeta quieto na gaveta. Inquietam-se as palavras. Na busca de folhas em branco. Folhas virgens. Versos
por escrever. Que hão de cantar a vinda. Da vida que há por viver. Sementes de aurora. Novos dias brotando. Na vida que há em certos
dias. Certos dias na vida da gente!
Como aquele em que um pássaro me segredou. Simplesmente! Pousou em meu ombro e sussurrou:
- Repara! Cada pessoa tem uma porta. Que se você entrar
por ali, nunca mais ela sai da sua vida. Porque na eterna rede do amor mais um ponto se deu. O amor. Este secreto fio com que se tecem
os mistérios do destino. Este fio que não se rompe jamais. Este fio do qual por desventura nos perdemos. Quando nos encontramos nos
buracos da rede. Nos seus desvãos. Fora dos fios. Por onde percorre a vida como nas veias. Esta rede eninharada. Este enredo de ninhos.
Em que dois pássaros se encontram em pleno vão. E se enlaçam o destino e a criatura. E em amor se fundem o criador e a criação. Tal
assim como poeta e musa quando se encontram. Ao que, de poesia não ter futuro, descobriu o poeta que sem poeta não há destino.
Porque não busca o poeta a felicidade. Acaso a encontra nos olhos de musa ao iluminar com palavras a beleza do mundo. Este mundo em
que se adentra pela porta do destino. Como este que se traça como um relâmpago cruzando o céu. O mesmo instrumento dos deuses para
falar com os homens:
- Amarás à primeira vista.
- Como, Senhor? _
- O verdadeiro amor reconhecerás ao primeiro encontro.
- Como, Senhor?
- Do fundo mais precioso de teus sonhos. O verdadeiro amor conhecerás em sonhos.
- Por Deus, Senhor!
- Sim, em meu nome. Acredite.
Sem poeta não há destino. Como este que se irrompe quando alguém lhe faz pedidos míticos. Querem ver? Pois escutem:
- Quero ser o seu sorriso interno.
- O que?
- Sim, quero ser o seu sorriso.
- Queres ser a minha alegria, a minha felicidade? Queres mesmo iluminar a minha alma?
- Sim, e mais. Confio em você. Como nunca. Absolutamente. Serei trapezista com você. E em meu vôo encontrarei teus braços. Pousarei
em teus braços. Seremos repouso um para o outro.
- Sabes bem o que me pedes?
- Sim, e mais. Quero que me reveles. Quero que digas o meu nome. E sei que sabes de coisas que apenas começam a acontecer.
- Não bem que eu saiba. Não sabia que sabia. Mas as reconheço. Você me faz recordá -las. Você me faz lembrar de todas elas. São sonhos
muito antigos. Eu as conheço apenas de sonho. E pelo nome. Apenas pelo nome. De ouvir contar. Mas muito bem contado. E muito bem
escutado.

Fomos para os quitutes da cozinha. Preenchidos. Muita gente com coceiras, desejo de resgatar, voltar a cultivar formas próprias de criação.

Um brinde aos presentes e aos ausentes

Um desafio.
Dar continuidade ao fluxo das impressões e expressões criativas.

Paulo Barros

METÁFORAS PARA UMA GESTALT


Trabalho apresentado no VII Encontro Nacional de Gestalt-terapia e IV Encontro Nacional da Abordagem Gestáltica, Goiania, GO, 1999

Mauro Figueiroa (1)

“Quando capturamos o vento em uma caixa, ele não mais está lá”
(ditado chinês)

Quando estava iniciando a minha formação em Gestalt-terapia tive um sonho que prenunciava uma questão que ainda me acompanha.
Hoje percebo que além dos aspectos pessoais envolvidos nesta questão, ela representa também uma dificuldade histórica no
desenvolvimento da Gestalt-terapia.

Vamos ao sonho:

“Estou diante de dois ambientes, de um lado parece uma igreja, e no altar há um homem de temo e grenha que está dando uma palestra
sobre a fé crística. De outro lado, o ambiente é de uma sala de aula e na frente da lousa há uma pessoa toda paramentada como um
sacerdote, não diz nada, realiza um rito religioso. Tenho que fazer uma escolha: devo me dirigir para um dos dois lugares”.

Parece-me evidente que o sonho indica um conflito, que surge primeiramente na condição de ter que escolher uma das duas salas, sendo
que uma representa o conhecimento teórico e a outra o conhecimento experiencial.

O mais intrigante desse sonho é o seu aspecto incongruente, pois na sala que sugere uma igreja, em seu altar, está um professor
apresentando uma aula sobre a fé, e na sala própria para aulas esta um sacerdote realizando um ritual religioso. E evidente aí a inversão,
como se tivesse havido uma troca indevida e, mesmo que eu soubesse o que queria, ainda assim não poderia fazer a escolha, pois o que
parecia ser uma coisa era outra, e vice-versa.

Qualquer pessoa um pouco mais familiarizada com a abordagem sabe que esta foi marcada desde o início por um conflito entre um enfoque
mais prático-vivencial e um enfoque mais teórico-racional O primeiro representado por Fritz Perls e seus seguidores próximos e o segundo
por Laura Perls e seu grupo, comumente referidos como o grupo da Costa Oeste e o grupo da Costa Leste.

Também não é novidade todas as criticas e mal entendidos daí decorrentes: de um lado a banalização e distorções que as demonstrações
vivenciais produziam, de outro a perda do sentido revigorante que a ênfase no discurso teórico não alcançava.

Desde então muita coisa mudou e essa polarização inicial já se descristalizou, no entanto, percebo que tais tendências ainda se fazem
presentes, e me parece que inversamente à proporção original, hoje a ênfase teórica é predominante.
Não é difícil reconhecer a pertinência dessa predominância, uma vez que passado o impacto novidadeiro da abordagem, sua sustentação e
desenvolvimento careciam de um aprofundamento teórico que possibilitasse uma identidade clara e distinta da onda de terapias
alternativas, que surgiram, contemporaneamente, em oposição a hegemonia da psicanálise.

No entanto, entendo que, como no sonho, nosso velho conflito se reapresenta, e todas as pontes projetadas não são suficientes para
promover a tão desejada integração entre esses dois territórios distintos.

Sei que essa questão não é exclusiva da GT, podendo ser entendida como inerente à própria condição humana, e portanto, irrevogável.
Entretanto considero que na GT, esse conflito resulta em maior desconforto, visto que seu método preconiza enfaticamente o envolvimento
direto de seus afores com a experiência em curso Suponho inclusive que muitos de nós, e provavelmente a maioria, foram atraídos para
essa abordagem a partir de algum trabalho vivencial onde pôde experimentar o frescor e o alcance efetivo desse método, e por isso mesmo
se ressinta muito mais da falta da aragem fresca da experiência, quando penetra no árido e espinhoso terreno conceitual.

Um recurso que tem se mostrado bastante interessante como possibilidade de uma articulação mais integrada dessas partes distintas é a
utilização de contos, provérbios, aforismos e imagens como metáforas. Estas parecem constituir uma substância conjuntiva capaz de
preencher os vácuos que se interpõem entre a solidez da experiência e o etéreo do teórico-abstrato.

ALGUMAS METÁFORAS QUE ME INTERESSARAM…

Achados e Perdidos: Uma questão de fronteira, contato e awareness.

Há muitos anos, passeando pela Serra do Mar, eu me perdi. Havia deixado uma trilha e pego um riacho pelo qual fui descendo. Em um
dado momento tornou-se impossível continuar por ali, tentei voltar pela trilha, mas não a encontrava. Procurei o resto do dia e a cada
momento me sentia mais perdido. Escureceu e eu estava muito cansado, arrumei um jeito de dormir ali mesmo. No dia seguinte, antes de
me pôr novamente à procura, enquanto urinava, olhando absorto como quem não quer nada, vi, a alguns passos de onde estava, algo cor
de rosa que me chamou a atenção. Fui até lá. era um pedaço de papel higiênico que anunciava que eu passara por ali. Reconheci, aquilo
era obra minha que no dia anterior fizera, antes de deixar a trilha e começar a descer pelo riacho. Confiro o local e confirmo, aquele era o
caminho de volta.

Vivemos com perplexidade a experiência de não encontrar algo que procuramos no lugar onde temos certeza que o deixamos, ou onde
deveria estar, mas não está. Isso é muito comum de acontecer com os óculos ou as chaves ou outros pequenos objetos de uso cotidiano,
mas não só. No episódio relatado estava procurando uma pista visual baseado em algumas lembranças que, na melhor das hipóteses, eram
imagens vistas na perspectiva de quem vai e não de quem volta, o que é muito diferente. Estava focalizando espaços amplos e não
detalhes, enfim, em nenhum momento eu pensei no papel higiénico e, se tivesse pensado, provavelmente não acharia relevante. Esse é um
exemplo típico de figura fixa, passei o tempo todo buscando algo que já não era mais, pude constatar posteriormente que a imagem que
tinha do lugar na entrada do rio era muito diferente da que me aparecia na saída, então passara pelo lugar diversas vezes, mas não pude
reconhecê-lo, estava cego com a imagem anterior. Cabe ressaltar que essa figura fixa ia além da imagem visual, era o meu estado
emocional, o meu desespero, no qual passei a agir frenética e repetitivamente. Quem não conhece isso?

O que me permitiu encontrar foi que, naquele momento, eu não estava procurando nada, fui ver o que era aquele objeto cor de rosa por
pura curiosidade, não pensei que pudesse ser uma pista para encontrar o caminho. Tendo dormido, ao acordar e me dar conta da situação
em que me encontrava, logo fui novamente tomado de angustia, porém outras necessidades emergiram, me dei conta que não havia
comido o lanche que levara, e precisava urinar urgentemente (aqui surgem novas figuras no campo organismo/meio que vão organizar o
meu comportamento diferentemente: a energia que antes era pura ansiedade é então mobilizada para satisfazer necessidades prementes e
possíveis). Assim, um pouco mais tranquilo e sem tanta pressa, não só por ter o dia inteiro pela frente, mas também porque para urinar é
preciso relaxar um pouco, nesta condição, a awareness que já estava restabelecida, se amplia. Posso então olhar, ver e me interessar por
outras coisas que não aquela maldita falsa pista, que passara o dia anterior inteiro perseguindo.

É bastante nítido nesse episódio a presença de dois tipos de controle, o primeiro que qualifico de onipotente, que teima que a solução tem
que ser aquela que está na minha cabeça e, tudo que não corresponde é simplesmente negado, não vejo mais nada. A fronteira de contato
do campo organismo/meio está aí bastante retraída. O segundo tipo de controle é aquele que a situação total dita, não é mais
simplesmente só o que eu penso, mas uma realidade mais ampla, organísmica e ambiental em sintonia. Sobre isso Perls dizia: “Se você
compreender a situação em que se encontra, e deixá-la controlar suas ações, então aprenderá a lidar com a vida”.(2) Vale também ouvir o
velho mestre Shunrio Suzuki: “Os pintores antigos tinham uma prática que consistia em colocar no papel pontos em desordem de modo
artístico. Isso é bastante difícil. Mesmo que você tente, acabará fazendo-o de alguma forma ordenada. Você pensa que a coisa está sob seu
controle mas não está; é quase impossível colocar os pontos fora de alguma ordem. O mesmo se dá em sua vida diária. Embora você
tente, é impossível ter as pessoas sob controle. A melhor forma de controlar as pessoas é encorajá-las a ficarem à vontade. Então elas
estarão sob controle no mais amplo sentido. Dar a sua ovelha ou vaca um pasto grande é a melhor forma de tê-las sob controle”. (3)

Sobre A Atitude do Terapeuta

Uma das questões delicadas da G.T. é a presença ativa do terapeuta, tanto no sentido da sua disponibilidade enquanto pessoa como
instrumento da relação, quanto como formulador e condutor de proposições operacionais como o modelo clássico de experimento. O Conto
a seguir me parece fornecer uma metáfora bastante ilustrativa desse tipo de atitude.

Dois monges caminhavam juntos, chegando a um rio o primeiro continuou andando normalmente sobre as águas, o segundo se deteve,
chamou o primeiro e lhe disse: existe um outro jeito interessante de atravessar o rio. Pegou-o então pela mão e conduziu-o com uma certa
dificuldade pelas pedras. (Conto da tradição oral Zen-Budista)

Poderia continuar esta história acrescentando que ao ouvir o primeiro dizendo que existe um outro jeito interessante de atravessar o rio, o
segundo responde: mas que rio? Ou então que, indo com o outro pelas pedras, no primeiro escorregão, ao se molhar, tenha se dado conta
de sua sede e tomou da água. No mínimo é possível que tenha encontrado aí uma boa história para contar aos amigos. Ou até mesmo que
tenha se convencido que o seu primeiro jeito era melhor, e então tenha convidado o outro a fazê-lo. Ou então… Este é apenas o ponto de
partida para muitas possibilidades, e só isso já é em si uma grande coisa. É muito comum nos esquecermos disso. Cada novo contato altera
toda a situação, às vezes sutilmente, outras dramaticamente. O fato é que quando agimos tudo já se faz diferente. O problema aqui é que
na maioria das vezes agimos manipulativamente, isto é, esperando algum resultado específico, e se ele não acontece não reconhecemos
mais nada.

Se vamos atravessar um rio, temos que considerá-lo como tal e nos relacionar com ele: caso contrário, não o atravessamos, passamos por
cima. Em nome do conforto e segurança muitas vezes nos excedemos e empobrecemos a nossa relação com o mundo. Passamos a viver
um mundo particular, não partilhado, e aquilo que nos parecia inicialmente conforto se revela um tédio insuportável.

Não é difícil imaginar que esse episódio tenha tornado a viagem mais interessante, e certamente mais real, o que também podemos supor
no que diz respeito a relação entre eles. E possível também que esse primeiro monge tenha descoberto novas habilidades, e não menos,
novas limitações.

Entendo que a atitude do Gestalt Terapeuta se assemelha a desse segundo monge. Deve acompanhar o outro, interferindo nos momentos
em que perceba uma disfunção de contato, propiciando condições para que este se realize, restabelecendo o fluxo de figura-fundo, que
resultará na ampliação da awareness (consciência do campo organismo/meio).

Ele não diz qual é o jeito certo, simplesmente sugere que experimente. Ele não interpreta as razões pelas quais o outro agiu dessa ou
daquela maneira, ele simplesmente reage de acordo com a situação naquilo que se torna figura em sua awareness. Tivesse pensado antes,
talvez não o fizesse. Quantas coisas deixamos de fazer porque pensamos (a não ser que tenhamos awareness do pensamento). Poderia ter
considerado como sendo mais adequado deixar o outro na dele, achando que assim o estaria respeitando. Mas na verdade, isso soa mais
como abandono, afinal o que é respeitar o outro? Um dos sentidos da palavra respeitar é: dizer respeito; referir-se; tocar. Ele poderia
também pensar que isso não era de sua responsabilidade. Sim e não. Não no sentido que não deve usurpar a liberdade de escolha do
outro, e sim porque responsabilidade significa habilidade de responder, responder às situações que se apresentam em nossa vida. Tudo o
que nos aparece já nos diz respeito, exige de nós uma resposta, mesmo que esta seja uma ‘não resposta’. Esta me parece uma questão
fundamental quando pensamos nossa situação no mundo hoje.

Mais que sugerir ao outro, que vá pelas pedras, ele convida para irem juntos, tão concretamente quanto possível, ele lhe estende a mão.
Estender a mão, esse gesto tão singelo e tão importante em nossas existências, está aí posto como claro sentido de suporte, como quando
começamos a aprender a andar, por algum tempo o fazemos apoiados no sentido suportivo que a mão estendida nos oferece, até que
possamos desenvolver confiança e descobrir os recursos de auto suporte e passar a andar sozinhos. Auto-suporte é fruto de um suporte
ambiental equilibrado. O terapeuta ou quem quer que seja que lide com pessoas (mãe, pai, chefe etc…) precisa estar atento a esse
aspecto, tanto no que diz respeito ao seu auto suporte, quanto a medida certa de suporte que possa fornecer para o outro, sem roubar a
oportunidade para que este experimente seus próprios recursos. Como se faz com as crianças quando estão aprendendo a andar.

Sobre o Processo Terapêutico

Um prisioneiro tremulo de frio numa forre tão alta que seus carcereiros nem se deram ao trabalho de repor as grades serradas em vão.
Tanto trabalho serviu apenas para que, colocando a cabeça do lado de fora, ele pudesse desanimar diante da imensa distância que separa
do chão, onde as pessoas passeiam indiferentes, reduzidas ao tamanho de uma formiga. E quando lhe ocorre a idéia de desfiar a magra
túnica de algodão. Emendando fio em fio, pode enviar essa tênue mensagem lá embaixo, onde quem quer que queira ajudá-lo fará bem em
amarrar um fio apenas mais grosso ao que desceu da forre; sem o que, a solidariedade terá um peso excessivo. Se assim for feito, os fios
engrossando pouco a pouco culminarão na corda resistente a ponto de suportar um corpo. Antes de tudo, será preciso que o prisioneiro
aceite sentir um pouco mais de frio. (4)

Não é difícil identificar o cliente prisioneiro na torre altiva de seu ego inflado de preconceitos, fantasmas e ideais, isolado e distanciado do
mundo comum, onde já não habita mais. Sua libertação vai exigir expor-se ainda mais ao flagelo de sua condição, ao ter de iniciar um
processo de interação com o outro, que esteja disponível para cooperar na medida adequada a que a sua condição exige. Esse outro
facilmente reconhecível na figura do terapeuta, que supostamente conhece a delicadeza da operação. Um processo que envolvera muito
tempo e trabalho paciente para desfazer-se fio a fio de sua vestimenta atual, com os quais, através de um procedimento lento e repetitivo
de interações, possa ir tecendo o recurso necessário para alcançar com segurança o mundo da liberdade com os outros.

Uma Imagem Do Percurso

“A verdade não está no começo nem no fim, é na passagem que ela se apresenta”
(Guimarães Rosa)

Eu estava convencido de que o certo e o errado eram categorias muito precárias para se lidar com a realidade. Um homem me procurou
dizendo que fazia tudo errado. Citou como exemplo o caminho que fazia do trabalho para casa. Já lhe haviam ensinado várias vezes o
caminho certo, mas ele sempre ia por outro, que supunha então ser o errado. E dizia que assim era com tudo e desde muito tempo.

Conversamos um pouco sobre o assunto e ele foi suficientemente hábil para me convencer de que ele era realmente eficiente em errar.

Ao me dar conta disso pensei que talvez eu fosse a pessoa errada para ele. Quando ele me pergunta: Então o que devo fazer? Ponderei
com ele o que havia pensado e lhe disse: experimente errar para o lado contrário.

Ele foi embora um tanto desconcertado. Depois de um tempo me ligou e deixou um recado. Vamos marcar uma hora?

Passamos a nos ver regularmente todas as semanas. No início falava com frequência sobre o tanto que errava nas coisas que fazia. Com o
tempo isso foi ficando meio esquecido, certa vez comentou que parecia até que estava pior , pois já não tinha mais a clareza de antes, do
que era certo e errado. Desde então não tocou mais no assunto.

Um dia chegou e me disse: vim me despedir de você. Brincando retruquei que não sabia se isso era o certo. Ele respondeu: o certo agora é
que eu quero ir embora. E assim foi pelo caminho…

Finalizando

Iniciei este texto comentando uma das contradições fundamentais do homem, o conhecimento experiência! intuído em contraposição ao
conhecimento reflexivo-lógico, prossegui comentando como esta contradição participa da história da Gestalt-Terapia. Assinalo, a pertinência
do emprego de metáforas como contraponto ‘a essa polaridade, enquanto possibilidade de um sentido mais integrado. Ilustro a questão
compartilhando algumas das metáforas que tenho apreciado. No entanto, para garantir que o meu apreço pelas metáforas não significa
menosprezo às instâncias teóricas, encerro este escrito com uma pequena história que fala por si

O rabo de uma cobra revoltou-se por sempre ir atrás da cabeça, em sinal de protesto enroscou-se em um galho e não deixou a cobra
prosseguir. A cabeça vendo uma frutinha apetitosa e não conseguindo alcançá-la, resolveu deixar que o rabo fosse á frente. Como o rabo
não podia ver, a cobra caiu em um buraco e morreu. (5)

_________________________________________

(1) Gestalt-Terapeuta pelo Instituto Sedes Sapientiae de São Paulo.

(2) F. S. Perls, Gestalt Terapia Explicada, São Paulo, Summus Editorial, 1977, p. 34

(3) S. Suzuki, Mente Zen, Mente de Principiante, São Paulo, Editora Palas Athena, 1994, p. 55

(4) F. Goldgrub, Trauma, Amor e fantasia, Editora Escuta. São Paulo, 1986, p. 134.

(5) Autor desconhecido, retirado do livro A Tigela e o Bastão, 120 Contos Zen, Taisen Dashimaru, Editora Pesamento, p.53

OS 50 ANOS DA GESTALT TERAPIA


Artigo publicado na Revista “Insight”, Ano XI, número 124, Dezembro de 2001

Luiz Lilienthal
Myrian Bove Fernandes
Selma Ciornai

1951, ano de lançamento do livro Gestalt Therapy – Excitement and Growth in Human Personality, escrito por Frederick Perls, Paul
Goodman e Ralph Hefferline, entrou para a História como o marco do nascimento da Gestalt-terapia, pois foi a primeira vez que o termo foi
utilizado. Porém, esta publicação emergiu de um percurso que iniciou-se na efervescência cultural da Alemanha das primeiras décadas do
século XX, que, como toda a Europa, vivia várias revoluções: a Soviética, a da Física, as da Arte (Expressionismo, Dadaísmo, Bauhaus etc.)
e a da filosofia do conhecimento (especificamente pela Escola Fenomenológica de Husserl). Trilhemos, portanto, os caminhos da história
buscando resgatar esta genealogia.

Nascido em Berlim em 1893, de descendência judaica, Fritz Perls, considerado o fundador da Gestalt-terapia, cresceu numa família de
classe média, pai comerciante, mãe amante do teatro. Questionador e rebelde, foi expulso da escola em que estudava por problemas de
disciplina e transferido para uma escola mais liberal, na qual participou de um grupo de teatro. Cursou medicina em Berlim e, durante a
Primeira Guerra, foi para as trincheiras cuidar dos feridos, ocasião em que é despertada a sua atenção para os fenômenos psicossomáticos.

Trabalha após a guerra, ao lado de Kurt Goldstein, com pessoas portadoras de lesões cerebrais – experiência que vai repercutir mais tarde
em sua obra, dando-lhe um enfoque organísmico, em contraposição à visão associacionista ainda vigente. Por intermédio de Goldstein,
entra em contato com a psicologia da Gestalt, escola que buscava chegar às leis que regem a percepção, por meio do estudo dos
fenômenos da percepção sensorial. Seus principais expoentes foram Köhler, Koffka e Wertheimer, que, discípulos de Husserl, aplicaram de
forma sistemática a Fenomenologia em seus estudos, desenvolvendo uma teoria inovadora por afirmar que a percepção é sempre
subjetiva, isto é, que envolve um processo de organização espontânea e pessoal dos estímulos visuais, em configurações que se
diferenciam em figura e fundo.

Em 1926, vai para Frankfurt, onde encontra Lore Posner, estudante de Psicologia, com quem se casa e tem dois filhos. Lore, que foi aluna
de Kurt Goldstein e que estudava dança, tornou-se sua parceira na vida intelectual. Perls continua seus estudos em Institutos de
Psicanálise de Berlim e Viena, tornando-se cliente de Karen Horney e Wilheim Reich, que desenvolviam, na época, seus estudos sobre a
Análise do Caráter. Recebe também a influência de pensadores como Friedlander, de quem apreende conceitos provenientes do
pensamento oriental (como os de indiferença criativa, polaridades e pensamento diferencial) que irá utilizar mais tarde ao desenvolver sua
teoria. Nesse ambiente de efervescência cultural, entra também em contato com o pensamento existencial de Buber e Tillich.

Com o advento do nazismo, Perls muda-se para a África do Sul, lá fundando um Instituto de Psicanálise. Torna-se um psicanalista
conhecido, mas, já sob forte influência da Psicologia da Gestalt e da Fenomenologia, passa a repensar sua prática psicanalítica. Em 1936,
vai a um Congresso em Viena apresentar um trabalho sobre “Resistências Orais” – ocasião em que teve seu primeiro e único encontro com
Freud, que, pelo fato de não receber bem o seu trabalho, acabou contribuindo para seu rompimento definitivo com a Psicanálise.

Em colaboração com Lore, desenvolveu, ao longo de alguns anos, as idéias que resultaram em seu primeiro livro, Ego, Hunger and
Agression, publicado em 1947, no qual já se encontra o embrião dos pressupostos que caracterizariam, mais tarde, a Gestalt-terapia, como
a realidade do aqui e agora. Entre esses pressupostos estão: o organismo como totalidade, a unidade organismo/meio, a dominância da
necessidade emergente e uma reflexão sobre o conceito de agressão, tomando-a como uma força biológica que auxilia o organismo na
assimilação mental e, portanto, no crescimento. Questiona a psicanálise afirmando que esta enfatiza a importância do inconsciente, dos
instintos sexuais, do passado, da causalidade, das associações, da transferência e das repressões, mas que subestima e negligencia as
funções do Ego e do instinto da fome, que, segundo ele, representa o instinto da sobrevivência e é anterior na constituição da
personalidade àquele da reprodução das espécies. Na terceira parte do livro, dá instruções detalhadas, para o desenvolvimento de uma
técnica terapêutica (já resultante da mudança de seu enfoque teórico), a Terapia da Concentração, propondo-a em substituição ao método
da associação livre. A seu ver, essa técnica poderia favorecer a evitação, sintoma central da neurose. A concentração era apresentada
como a polaridade da evitação e já determinava um approach que enfatizava o contato.

Ainda na África do Sul, trava contato com Jan Smuts, formulador do Holismo, e se encanta com essa perspectiva. Em 1946, muda-se para
os Estados Unidos em função do crescente movimento do Apartheid na África do Sul e publica esse primeiro livro. Lá, junto com Lore (que,
ao chegar, americaniza seu nome para Laura Perls), encontra Paul Goodman, que vem a ser um parceiro ideal para suas idéias e trabalhos.

Nascido em Nova York em 1911, de descendência judaica, Goodman formou-se em Literatura e Filosofia. Dada a sua grande erudição e
competência, conseguiu trabalho em afamadas instituições de ensino, mas, no final dos anos 50, época de grande repressão moral, foi
demitido por homossexualismo. Isso contribuiu para que se tornasse um árduo crítico de instituições sociais e fervoroso defensor de
minorias.

Poeta e escritor, publicou vários livros, sempre por pequenos editores. Em parceria com o irmão, arquiteto, escreveu um livro sobre
urbanismo e qualidade de vida, dedicando-se também ao estudo de História, Antropologia, Pedagogia, Economia e Psicologia. Ao conhecer
os Perls, dedica-se também à prática psicoterápica. Seu livro Growing Up Absurd (1956), que critica duramente o sistema educacional
norte-americano, torna-se muito popular, e Goodman chega a ser considerado o grande ideólogo dos movimentos de contracultura que
marcaram os anos 60. Defensor do inconformismo e do não-esmorecimento diante das dificuldades, Goodman propunha o pragmatismo
crítico, ou seja, um pragmatismo que incluísse tanto o debate político e a postura crítica quanto os objetivos claros, no intuito da realização
eficaz dos ideais propostos.

Dos três autores do livro que marcou o início da Gestalt-terapia, pouca notícia se tem à respeito de Ralph Hefferline, professor universitário
cujos alunos participavam dos experimentos de Perls e Goodman. Em 1952, os Perls fundam o Instituto de Gestalt-terapia de Nova York,
promovendo cursos na nova abordagem.

A Gestalt-terapia marcava sua entrada no cenário da psicologia trazendo uma abordagem existencial e fenomenológica, inspirada nos
novos paradigmas da física moderna e das teorias sistêmica, holística e de campo, isto é, uma perspectiva psico-social que enfatiza o
processo, e não a busca de essências, promovendo uma visão contextualizada de ser humano, isto é, como parte integrante e inseparável
do sistema indivíduo-meio.

Em consonância com os movimentos de contracultura da época e na linha de frente destes, a Gestalt-terapia enfatizava a importância
fundamental da awareness (ou consciência organísmica, isto é, uma consciência que não se limita ao âmbito do racional, mas inclui a
dimensão corporal e sensória), a importância da experiência vivida e a ênfase no contato e no diálogo (sob influência do pensamento de
Martin Buber). Apoiada na perspectiva existencial, essa corrente defendia a visão de que o ser humano pode ser agente transformador de
sua própria vida e do meio em que vive, sublinhando a importância da criatividade como processo humano vital.

A Psicologia da Gestalt, uma das principais influências no pensamento dos Perls, vem a ter uma presença de peso na fundamentação da
nova abordagem terapêutica, pois sua conceituação sobre a percepção dos fenômenos sensoriais passa a ser estendida à compreensão dos
fenômenos psíquicos. A própria palavra Gestalt (forma, configuração total) passa a nomear a abordagem. Termos como “figura e fundo”,
“boa forma”, “pragnância” (a qualidade de atração energética de uma forma), “gestalts incompletas”, “gestalts ocultas”, “configuração” etc.
passam a fazer parte do vocabulário da Gestalt-terapia, que, inspirada nesta escola, compreende o processo de formação figura versus
fundo dos fenômenos da nossa atenção, como o processo gerador de insights.

Em 1964, após separar-se de Laura, que fica no Instituto de Nova York, Fritz se estabelece em Esalen, Califórnia, deflagrando o grande
boom da Gestalt-terapia. De lá, por meio dos famosos workshops, difunde essa abordagem, que se multiplica em cursos de formação por
todo o território norte-americano.

No Brasil, a Gestalt-terapia aparece nos anos 70 e, adaptando sua teoria e prática à nossa cultura, vem expandindo-se desde então. Hoje
contamos com centros de Gestalt Terapia em várias cidades (mais de 30), trabalhos que refletem a aplicação da abordagem nas mais
diversas áreas e publicações de autores brasileiros que vêm sendo cada vez mais apreciados no âmbito internacional.

Aqui, como em outros países, a Gestalt-terapia passou por várias fases, amadurecendo, articulando-se em diferentes tendências e ecoando
com as transformações culturais e sociais das décadas que se seguiram. A leitura e a percepção dessas mudanças têm sido tema de vários
trabalhos na área e constituiriam, por si só, um outro artigo.
Queremos concluir este texto com o gosto do 7º Encontro Nacional de Gestalt-terapia que se realizou em Outubro em Fortaleza, no qual
ficou evidente que ela é uma abordagem que se mantém vibrante, criativa, aberta ao diálogo com as questões da contemporaneidade, e
que, sobretudo, se caracteriza por respeitar e apreciar as diferenças, cultivando um contato genuíno e humano entre as pessoas.

Bibliografia básica sobre Gestalt:

BUROW, O-A. & SCHERPP, K. Gestaltpedagogia. Summus Editorial, São Paulo, 1985.

OAKLANDER, V. Descobrindo crianças: Abordagem gestáltica com crianças e adolescentes. Summus Editorial, São Paulo, 1998.

PERLS, F. A abordagem gestáltica e testemunha ocular da terapia. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1985.

POLSTER, E. & POLSTER, M. Gestalt-terapia integrada. Summus Editorial, São Paulo, 2001.

RHYNE, J. Arte e Gestalt. Summus Editorial, São Paulo, 2000.

TELLEGEN, T. Gestalt e Grupos: Uma psicoterapia sistêmica. Summus Editorial, São Paulo, 1984.

TELLEGEN, T. “Atualidades em Gestalt-terapia.” Em Porchat, Ieda (org.). As psicoterapias hoje. Summus Editorial, São Paulo, 1984 (79-
98).

YONTEF, G. Processo, Diálogo e Awareness: Ensaios em Gestalt-terapia. Summus Editorial, São Paulo, 1998.

ZINKER, J. El proceso creativo em la terapia gestalt. Paidós, Buenos Aires, 1977.

ZINKER, J. A busca da elegância em psicoterapia: Gestalt-terapia com casais e sistemas íntimos. Summus Editorial, São Paulo, 2001.

GESTALT – EXPANDINDO FRONTEIRAS – OU – EM BUSCA


DAS RESPOSTAS PERDIDAS
Trabalho apresentado no “VI Encontro Nacional de Gestalt-terapia e III Congresso Nacional da Abordagem Gestáltica, realizado em
Florianópolis, SC, e publicado na “Revista de Gestalt” Nº 7, 1998

Luiz Lilienthal

Desde que fui convidado pela Coordenação deste evento para estar apresentando um trabalho em sua abertura, me vi às voltas com a
questão de como apresentar uma fala sobre um assunto que sei ser intrincado, controvertido, polêmico e, freqüentemente, negado: a
questão social.

Venho me dedicando a pensá-la há cerca de dez anos. Neste período tive muitas oportunidades de discutí-la com colegas, com alunos e de
apresentá-la em simpósios, congressos e encontros. Tentei vários estilos de comunicação: desde o estilo “cool” e bem comportado, até o
estilo agressivo em tom de discurso sindical. Nenhum deles me satisfez, uma vez que não conseguia tocar meus interlocutores da forma
como gostaria. Foram muitas tentativas frustradas, muitos momentos de emoções muito fortes. Minha sorte foi de nestes dez anos ter
também envelhecido e amadurecido dez anos e, assim, ter angariado clareza que este assunto não é tão importante para grande parte das
pessoas quanto o é para mim. Creio ter chegado a uma clareza tão grande sobre isto, quanto a clareza que tenho da necessidade de que
questões sociais sejam tematizadas, discutidas e trabalhadas pela sociedade, pelos psicólogos e, principalmente, pelos meus pares, os
gestaltistas.

Porisso Eu gostaria que você aceitasse ser hoje um Tu para mim, com o meu comprometimento de ser um Tu para você. Te peço que nesse
momento tentes abstrair esta situação desigual na qual nos encontramos, em que por uma questão formal só Eu tenho a palavra, para que
possamos trocar idéias de igual para igual. Temos alguns dias para fazê-lo aqui em Florianópolis e um futuro de trocas pela frente.

Me parece impossível pensar questões sociais sem pensar política; e igualmente impossível pensar política sem pensar em história. Assim,
uma localização histórica e política é condição indispensável para a discussão e posicionamento sociais. No momento em que escrevo isto,
me dou conta de uma forte reação dentro de mim, reação que me diz “tocastes onde não deverias ter tocado”. Também me dou conta que
isto se deve a dois fatores. Um da minha história pessoal, outro de uma fantasia de que Tu, neste ponto, torças o nariz e penses “devo
continuar aqui ou não?” Como só posso dar conta de mim mesmo, vou pela minha história.

Eu era muito pequeno, mas me lembro diariamente lendo o jornal e não entendendo porque estudantes viravam automóveis de cabeça
para baixo, ateavam fogo a ônibus e bondes e faziam passeatas. 1964. Um golpe. O que é golpe? O que é militar? E exílio? E política?
Cuidadosamente era informado das minhas curiosidades e instruído a não discutir isto com ninguém. Ditadura. Cuidado com o que dizes.
Que espécie de preso é um preso político? Movimento social, o que é isso? DOI-CODI. Festival Internacional da Canção. O homem alunisou.
Tortura. Transplante de coração.

Noventa milhões em ação. Hippies? Maconheiros. The dream is over. O milagre brasileiro. Me acostumei a conversar e discutir toda sorte de
assuntos, mas não política. ARENA e MDB. Entrei na Faculdade de Engenharia. Perigo: havia política. Entrei na Faculdade de Psicologia.
Perigo imenso: havia cabeças pensantes por todos os lados! Cabeças direitas e esquerdas. Fui me acostumando. Pluripartidarismo.
Figueiredo. Tancredo. Instituto Sedes Sapientiae? o nome do perigo! Mas perigo do que?

Enquanto isto, ficava cada vez mais claro para mim, que a pobreza e a desigualdade social eram fatos que me tocavam demais e que Eu
tinha que lidar com esta questão de alguma forma. Não entendia como podiam existir pessoas que não se tocavam com estas questões.

Tocar é uma palavra chave. Porque Eu não podia tocar e ser tocado por pessoas diferentes de mim? Porque, dependendo da situação, Eu
era mais ou menos que alguém outro? Minha tendência sempre foi de respeitar os outros da forma como são. Eu e Tu sobre o mesmo chão.
Dialogia Social. Sempre que percebo esta Dialogia Social rompida, vejo minorias discriminadas, iguais que não sabem lidar com diferentes,
pobreza, sofrimento, conflitos, violência, drogados, aidéticos, contraventores. Não é a formação desses grupos que impede a Dialogia
Social. É o rompimento dela que gera estes grupos, a marginalidade. Entendo Dialogia Social como a Dialogia entre diferentes segmentos
sociais.

Na introdução do volume sobre a Prática Gestalt-terapêutica de Gestalt-Terapia, (Perls, Hefferline & Goodman, 1991), Perls apresenta esta
questão de forma muito clara:

“…Esta é uma polaridade própria de nosso mundo: ouvir ou lutar. Pessoas que escutam não lutam, aqueles que lutam, não escutam. Se em
nossa sociedade as partes beligerantes – casais, empresas – escancarassem seus ouvidos para poderem ouvir seus oponentes, a inimizade
em nosso meio e entre os povos diminuiria drasticamente. Ao invés de ‘eu vou te dizer o que está te faltando’, entraria ‘eu estou ouvindo o
que você deseja’, e assim estaria aberto o caminho para uma discussão razoável. Isto é válido tanto para nossos conflitos internos quanto
para a situação mundial de forma geral.

Mas como podemos abrir ouvidos e olhos do mundo? Encaro meu trabalho como uma pequena contribuição para este problema, na qual
pode estar contida a possibilidade de a humanidade permanecer viva” (p 8).
Ficando mais velho e paulatinamente me transformando em gestaltista, meu interesse se voltou tanto para questões terapêuticas quanto
para questões educacionais. Foi ficando cada vez mais claro para mim que ser terapeuta é, em grande escala, ser educador, e que ser
educador é, em grande escala, ser terapeuta. E a evidência deste fato é, para mim, que tanto processos terapêuticos quanto processos
educativos têm o mesmo objetivo: o crescimento pessoal. (Para maiores detalhes sobre esta questão, veja Lilienthal, 1995 e Lilienthal,
1997). Faço estas afirmações sempre fundamentado na literatura gestáltica.

Me chama a atenção o fato de que em minha formação como gestaltista tenha visto pouco, para não dizer nada, sobre o social. É muito
difícil encontrar bibliografia que trate do assunto de forma explícita. Posso estar lidando com uma amostra viesada, mas quando encontro o
assunto, o autor é europeu e, via de regra, o livro trata de Gestaltpedagogia. E isto apesar de a Gestalt-terapia ser muito conhecida como
abordagem que trabalha grupos. A bibliografia que trata do assunto se restringe então, na franca maioria dos casos, a questões grupais, e
dificilmente abrange o social.

Já tentei encontrar uma razão para tal, mas não consegui chegar a nada de conclusivo. Fico me perguntando como num país tão carente
como o Brasil nada tenha brotado neste sentido. A cultura e história brasileiras parecem me fornecer algumas pistas. Me vem a imagem de
alguém que quer fazer algo mas não tem auto-suporte suficiente. E a falta de auto-suporte tem origem ou em fracassos ou na escuta de
uma voz que fique dizendo “não dá, não pode, deixe como está, não mexa com isto”. Uma sabotagem interesseira e interessada.

A Gestalt (chamarei de Gestalt a teoria e prática comuns à Gestalt-terapia e à Gestaltpedagogia) é uma teoria composta nominalmente por
Perls, Hefferline & Goodman à partir da influência de muitas e variadas fontes. E algumas delas com preocupações claramente voltadas
para o social, como, por ordem histórica, o Holismo de Jan Smuts, a Teoria Organísmica de Kurt Goldstein, a Teoria de Campo de Kurt
Lewin, a Relação Dialógica de Martin Buber e o Pragmatismo Crítico de Paul Goodman. A seguir farei uma breve apresentação de alguns
dos muitos pontos que considero relevantes nestes autores em termos do político e do social, procurando contextualizá-los na história de
vida dos autores, na medida em que me foi possível levantar suas histórias.

Perls travou conhecimento com o trabalho do filósofo Jan Smuts (1870-1950), durante os anos em que residiu na África do Sul. Foi muito
influenciado pelo Holismo, apesar de ter se encontrado pessoalmente com Smuts apenas uma vez. Smuts foi também general do exército
sul-africano tendo ido para o campo de batalha. Foi primeiro-ministro, ministro do interior e ministro da justiça de seu país. Hábil político e
negociador, esteve envolvido como diplomata da África do Sul em negociações com a Grã-Bretanha. É um dos fundadores da Organização
das Nações Unidas.

“No livro de Smuts (1996) é possível encontrar as sementes de um número extraordinariamente grande de idéias de Perls, incluindo
algumas que usualmente são creditadas à Psicologia da Gestalt e à Teoria de Campo. Por exemplo, Smuts introduz da Física a idéia de que
tudo tem um campo e que coisas e organismos são ininteligíveis sem estes campos. … Enfatiza o processo, afirmando que tudo está num
incessante processo de mudança criativa e propõe ser característica dos organismos formar totalidades estruturadas. Smuts enfatizava a
natureza holística das pessoas e do universo e a interconexão de todas as coisas, vivas ou não, e falava da forma pela qual indivíduo e
universo estão ativamente ‘criando totalidades’. Perls pode ter encontrado também em Smuts a idéia para seu ciclo de interdependência
entre organismo e meio” (Clarkson & Mackewn, 1993, p 15).

Não me parece haver dificuldade alguma em conceber o social à partir desta descrição do trabalho de Smuts e sua influência sobre a
Gestalt, feita por Clarkson & Mackewn. Organismos e globo terrestre formam totalidades entre si e por si, dando uma idéia clara de
interdependência, que leva necessariamente à noção de responsabilidade que cada organismo tem pelo que ocorre com seu meio concebido
de forma restrita ou não. As idéias de Smuts parecem conter também as sementes do que hoje tem a denominação de Ecologia, que na
minha concepção necessariamente também abrange o social. Ecologia é a ciência que estuda a relação entre os organismos e o meio
ambiente, e não somente o meio ambiente.

Kurt Goldstein (1878-1965), foi um médico alemão que se especializou em neurologia e psiquiatria. Teve uma carreira meteórica e
brilhante, tendo se especializado com os médicos e cientistas mais famosos de sua época. Logo também se tornou um deles. Judeu,
imigrou em 1935 para os Estados Unidos, ocupando importantes cargos em renomadas Universidades. Fundamentado em grande escala no
Holismo de Smuts e em observações feitas em mutilados da Primeira Guerra Mundial, propõe a Teoria Organísmica, uma profunda,
completa e visionária visão de homem, muito para além de seu tempo. Uma prova disto, é o tributo que Oliver Sacks, neurologista atual
afamado e considerado revolucionário, presta a Goldstein no prefácio da edição de 1995 de The Organism, considerando-o fonte primordial
de seu trabalho.

Apesar de restringir seus escritos ao organismo e seus distúrbios, não encontro dificuldades de reconhecer aspectos do social na obra de
Goldstein, uma vez que ele sempre concebe o organismo como parte da díade organismo-meio, Vejamos:

“Uma observação geral: Toda criatura é, por assim dizer, simultaneamente perfeita e imperfeita. Considerada em isolamento, toda criatura
é, em si, perfeita, bem organizada e viva. No entanto, se considerada em relação à totalidade, é imperfeita em vários graus: a criatura
individual comparada com a totalidade da natureza, revela as mesmas características que um processo isolado no organismo, em
comparação com a totalidade do organismo, ou seja, imperfeição e rigidez, existência apenas em estando em contato com o todo, apenas
com o suporte do todo, como se fosse um reflexo. Desta forma, está condenado a morrer assim que este suporte cesse. Por isso é
transitório por sua própria natureza e está no caminho da morte” (Goldstein, 1995, p. 375).

É para mim, muito evidente que Goldstein considera a totalidade muito similar a um organismo, e que ele neste trecho está falando do que
ocorre quando um organismo se vê isolado de outros organismos; está falando da relação entre organismos ou da falta de relação; ou seja,
está falando do social. Vejamos mais um exemplo disto:

“A criança está apta a viver devido às pessoas à sua volta, particularmente a mãe organiza seu mundo de tal forma que ela é exposta ao
mínimo a situações de que não possa dar conta. Assim, o comportamento da criança não é de maneira alguma expressão unicamente de
sua capacidade concreta, mas também da atitude abstrata de outrem. Porisso o comportamento da criança se torna compreensível como o
resultado da atividade de duas pessoas. Observações de assim chamadas pessoas primitivas, revelam a mesma característica, como o
indicam pesquisas, particularmente a de Paul Radin. Ele mostrou que em todas comunidades primitivas vivem dois tipos de pessoas, ‘os
que sabem’, que têm a capacidade da atitude abstrata e a empregam, e ‘os que não sabem’, que também têm a capacidade de abstrair,
mas que na maior parte do tempo não a utilizam, parecendo, assim, poderem viver exclusivamente no nível concreto, inferior. A cultura é
organizada ‘pelos que sabem’ de forma que os outros não têm necessidade de utilizar a atitude abstrata. Assim, sua vida normal é o
resultado de ambos: o comportamento abstrato e concreto de indivíduos diferentes. Por que isto é assim não será discutido aqui. … Levar
em conta isto é particularmente importante, pela revelação que é desnecessária a hipótese de uma inferioridade mental, que uma
investigação cuidadosa prova não existir” (idem, p. 19-20).

A clareza me parece contundente. Dá até a impressão de que Goldstein está falando da realidade brasileira! Uma realidade composta por
alguns “que sabem”, e que insistem que por muito tempo saberão, e por muitos “que não sabem”. Este é um dos aspectos da precária
auto-regulação do organismo social brasileiro.

Kurt Lewin (1890-1947) foi um psicólogo alemão que por bom tempo trabalhou associado a Max Wertheimer e Wolfgang Köhler, expoentes
da Psicologia da Gestalt. À semelhança de Goldstein, teve carreira meteórica e também imigrou para os Estados Unidos devido ao nazismo,
ocupando rapidamente Importantes cargos em Universidades.

Sustentou a aplicação de sua Teoria de Campo a todos os ramos da Psicologia. A questões relativas ao comportamento infantil,
adolescência, deficiência mental, problemas de grupos minoritários, diferenças caracteriológicas dos povos e dinâmica de grupo. Segundo
Hall & Lindzey (1973, p 235),

“À semelhança de muitos outros teóricos da personalidade, Lewin não era um pensador fechado em uma torre de marfim, com as costas
voltadas para os problemas da sociedade. Homem de espírito humanitário e democrático, procurou diretamente solução para alguns
problemas do mundo atual, dedicando-se, para isso, à investigação conhecida como pesquisa de ação. A pesquisa de ação tem por objetivo
a mudança de condições sociais”. (N. do A.: acredito tratar-se aqui de um problema de tradução. Pesquisa de ação = pesquização ou
pesquisa participativa)

A seguir apresento uma citação de Lewin que escolhi por dar claramente uma possibilidade de ação, e na qual utiliza o termo reeducação,
em minha opinião também com o sentido de terapia.

“Em toda situação, não podemos deixar de agir de acordo com o campo que percebemos; e nossa percepção se estende a dois aspectos
diferentes desse campo. Um tem a ver com fatos, outro com valores.

Quando agarramos um objeto, o movimento de nossa mão é dirigido pela posição em que o percebemos em nossa vizinhança igualmente
percebida. Da mesma forma, nossas ações sociais são orientadas pela posição em que nos percebemos a nós e aos outros. A tarefa básica
da reeducação, portanto, pode ser considerada a de alterar a percepção social do indivíduo. Unicamente por meio dessa mudança da
percepção social é que é possível realizar mudanças da ação social do indivíduo” (Lewin, 1973, p. 77)

Aqui Lewin nos dá claras indicações de que parte das potenciais ações sociais pode ser ativada através da educação. Uma vez que concebo
a díade educação-terapia como uma polaridade, a reeducação da qual Lewin fala certamente pode se dar também no âmbito
psicoterapêutico e em todas as atividades e atribuições profissionais que um psicólogo possa vir a desenvolver.

Martin Buber (1878-1965) foi um estudioso multifacetado, tendo suas áreas de interesse sido Filosofia, História da Arte, Antropologia,
Psiquiatria, Sociologia e o Judaísmo. Extremamente ativo, Buber teve participação em vários grupos que tratavam de questões de seu
interesse, tendo sempre se destacado em suas atividades. Uma de suas questões centrais era a relação com o próximo. E isto não só em
termos da Dialogia que propõe, conhecida mais em termos individuais na forma das palavras-conceito Eu-Tu e Eu-Isso, mas em termos de
que estes tipos de relação pudessem ser difundidos e também aplicados em termos sociais, vide seu trabalho em prol da comunidade
judaica e de sua relação com outras comunidades. Enfim, basta ler sua biografia para compreender sua preocupação com o social. De
acordo com von Zuben (in Buber, s/d, p XVII), Buber

“via sua missão como uma resposta à vocação que havia recebido: a de levar os homens a descobrirem a realidade vital de suas
existências e a abrirem os olhos para a situação concreta que estavam vivendo”.

Ainda segundo von Zuben (in Buber, s/d, p LXVIII),

“No âmbito da política, o âmago da mensagem buberiana baseava-se no desejo de comunidade, apresentando a possibilidade para o seu
povo de realizar topicamente a verdadeira utopia. O seu socialismo utópico repousava sobre uma verdadeira metafísica da amizade, do
encontro dialógico”.

Para mim, não há nada mais característico para definir a franca maioria das relações sociais nos tempos atuais, que inimizade – sob a
forma de desconfiança – e interesse. E isto me parece ser decorrência do fato de que grande parte das pessoas busca sua segurança
naquilo que é material, palpável, tangível, e não numa fé em si próprio e nos outros. Acredito que esta é uma das leituras possíveis do
mundo atual: o outro como inimigo, meu concorrente, pois pode me tirar o que é material, por conseguinte minha segurança. Porisso ajo
pautado no interesse. A crescente busca de valores espirituais e de espiritualidade, parecem ser uma resposta a este fenômeno. Mas o
perigo está à espreita: indivíduos de má-fé se utilizam disto de forma interesseira.

Por fim, uma citação de Buber (in Amatuzzi, 1989, p. 43):

“O homem é antropologicamente existente, não no seu isolamento, mas na integridade da relação entre homem e homem: é somente a
reciprocidade da ação que possibilita a compreensão adequada da natureza humana”.

Paul Goodman (1911-1972) é certamente o nome mais controvertido entre os grandes nomes da Gestalt e, acredito, ao lado de Laura
Perls, sua síntese mais perfeita. Em termos sociais e políticos, nada é tão significativo na Gestalt quanto a sua contribuição. Num livro
extremamente interessante e contundente, Stefan Blankertz (1988) faz um apanhado da vida e da obra de Goodman.

Primeiramente a história de Goodman. Nascido em Greenwich Village, New York, em 1911, de descendência judaica, teve infância e
adolescência muito difíceis, formando-se em Literatura e Filosofia. Graças à sua grande erudição e competência, conseguiu trabalho em
afamadas instituições de ensino. Foi, no entanto, demitido delas devido ao fato de ser homossexual. Na realidade, era bissexual. Em parte
devido a estas demissões, tornou-se um árduo crítico de instituições sociais e fervoroso defensor de minorias. Foi casado, teve três filhos,
sendo uma grande marca em sua vida, a morte do filho mais velho num acidente automobilístico.

Escreveu muitas obras, sempre publicadas apenas por pequenos editores. Dedicou-se ao estudo de História, Antropologia, Pedagogia,
Economia, e Psicologia. Escreveu em parceria com seu irmão Percival, que era arquiteto, um livro sobre urbanismo e qualidade de vida
(Goodman & Goodman, 1990). Depois de conhecer e trabalhar com Perls, dedicou-se também à prática psicoterapêutica, e foi se tornando
mais conhecido. A partir da edição de seu livro “Growing Up Absurd” (1956), em que critica duramente o sistema educacional norte-
americano, vai se tornando mais e mais popular, chegando a se tornar uma espécie de guru da juventude norte-americana contra o
“establishment”. Até sua morte, em 1972, teve uma vida extremamente conturbada com muitos altos e baixos. Fica a impressão de ter
sido um visionário, um sonhador, que apesar dos golpes recebidos nunca deixou de acreditar que aquilo que ocorria à sua volta poderia ser
diferente. O que de fato ocorreu, talvez não na escala por ele esperada.

Uma das grandes lições deixadas por Goodman parece ser o inconformismo com que se apresentava e o não esmorecimento frente às
dificuldades encontradas – fatores certamente necessários para aqueles que têm críticas políticas e sociais e que queiram dar sua
contribuição para que algo se modifique. É lutar por algo no que se acredita, com ciência de que a vitória nesta luta é o produto final que se
alcança, e não efêmeras sensações de vitórias episódicas. É lutar por um legado, por uma marca que se deixe no mundo, na história,
independentemente da atividade à qual o lutador se dedique.

Absolutamente coerente com suas idéias e sentimentos, Goodman propõe o seu pragmatismo crítico.

“O cerne da crítica de Goodman, está indissoluvelmente ligado à sua história de vida. A crítica social nos escritos de Goodman é pragmática
em duplo sentido: criada por razões pragmáticas – isto é, a propósito de um agudo debate político, no qual Goodman considerava ter que
interferir no sentido de seu próprio bem estar e também em prol do bem estar dos outros cidadãos – e composta com um objetivo
pragmático – isto é, com um desejo de imediata efetividade sobre o seu próximo” (BLANKERTZ, 1988, p. 9).

Em termos de ação, o pragmatismo crítico significa uma ação tão imediata quanto possível, não que impensada, mas que não fica
procurando as origens e razões de determinado fato. Atua sobre ele, na firme convicção de que isto levará a uma reorganização do
sistema, mexendo, assim, inclusive com suas origens, com fé no fato de que tudo que é vivo é capaz de se re-organizar, se re-equilibrar. É
nítida a inspiração anarquista de seu pragmatismo crítico. À respeito disto, diz Goodman:

“Freqüentemente sou questionado por estudantes radicais sobre o que estou tentando fazer com minha forma utópica de pensar e inventar
alternativas; talvez o uso do intelecto sirva para ajudar a transformar revolta e confusão (“riot”, no original inglês) em desordem criativa”
(Goodman in Blankertz, 1988, p 15).

Por fim, uma citação de Goodman, tirada de Communitas, o livro escrito em parceria com o irmão, em que fala sobre padrão de vida:

“Não seria uma coisa pequena para as pessoas, compreender claramente que a pobreza é um padrão social universal, e que não deve ser
entendida em termos de miséria ou de casos de desventura.
O padrão de subsistência que descrevemos está, com certeza, muito acima daquele em que a maioria das espécies humanas de fato
subsiste; contudo, ele está fundamentado em condições fisiológicas, higiênicas, climáticas e morais e não é uma ilusão cultural paroquial,
promovida por homens de vendas, como o Padrão de Vida Americano. A awareness profunda destes padrões, ajudaria a banir dos cidadãos
americanos a atitude que têm em relação a outras pessoas, a de considerá-las como se não fossem humanas (Goodman & Goodman, 1990,
p 217).

Awareness é uma palavra chave. E está ao nosso alcance promover junto às pessoas das quais estamos próximos a awareness daqueles
que são diferentes de nós. Diferentes por qualquer razão, por raça, credo, doença, uso de drogas, atividades excusas, sexualidade e/ou
status econômico ou social. À medida que estes grupos se fecham em si, seja por seus membros se acharem melhores que os outros, seja
por resposta ao rechaço de outros grupos, rompe-se o diálogo entre os diversos segmentos sociais e têm início os problemas sociais. É o
rompimento da Dialogia Social. É difícil para mim imaginar algo mais agressivo que ter minha existência negada, desconfirmada, ou usada
para fins com os quais não estou de acordo.

Voltando à citação de Goldstein, é bom que Eu e Tu façamos parte “daqueles que sabem” e não apenas façamos de conta que somos parte
deste grupo, quando na realidade somos do grupo “dos que não sabem”, do grupo que é tutelado. Pois sabendo, estaremos em condições
de ajudar “os que não sabem” a saberem.

Ainda em termos da citação de Goldstein, quando diz que “Levar em conta isto é particularmente importante, pela revelação que é
desnecessária a hipótese de uma inferioridade mental, que uma investigação cuidadosa prova não existir”, e em termos do rompimento da
Dialogia Social, fico me perguntando o quanto poderíamos “despatologizar” muitos cidadãos, na medida que lhes fosse restituído o direito à
Dialogia Social, forma de ampliar suas fronteiras e (re)inserí-los no mundo comum aos outros cidadãos.

Acredito que é preciso interferir no mundo de forma clara, de posse de uma visão de homem clara, com convicções políticas claras. Acredito
na necessidade de sermos pragmáticos críticos, pensando em termos de Goodman. E isto enquanto cidadãos e profissionais. Viver nem
sempre é confortável. Mas é o desconforto do desequilíbrio que nos fará buscar o equilíbrio através de mudanças. É bom que nos
desequilibremos, ou seja, é bom que nos deixemos tocar.

Nos termos de Goodman, acredito que já temos revolta e confusão suficientes para instaurarmos uma desordem criativa. Não estou
propondo aqui uma revolução, um grande movimento social, nem meu discursos pretende ser incendiário. Entendo a desordem criativa
como nosso desatrelamento das verdades históricas, dos paradigmas inquestionáveis, daquilo que nos é imposto. Falta Dialogia entre a
história passada e a atual. Não há dúvida que a história nos dá grandes lições e é extremamente rica em exemplos, idéias e conceitos. Mas
é preciso questioná-los quanto à sua validade, se já não expirou seu prazo de efetividade. Ou seja, é desejável que consigamos ir além do
que concebe nosso Zeitgeist – o espírito de nosso tempo, como o fizeram Smuts, Goldstein, Lewin, Buber, Goodman e o casal Perls – nem
que seja apenas um pouco. E isto nada mais é que a proposta de Robert Jungk, afamado e respeitado estudioso do futuro. É preciso
fantasiar, é preciso que procuremos, com crítica, sermos visionários. É preciso que constantemente questionemos e atualizemos nossa
ética. Uma ética caduca é paralisante, deixa de ser funcional. Um exemplo de velharia é a dicotomia educação-terapia.

As questões do homem contemporâneo mudaram, consequentemente as práticas psicoterapêuticas também estão tendo que mudar sua
ótica individualizada – e o Zeitgeist individualista dos últimos tempo é talvez o grande responsável pela não leitura de conteúdos sociais da
Gestalt – para uma ótica mais social que contemple estas novas questões do homem com respostas igualmente novas. Estas mudanças
implicam em que mexamos com valores individuais e sociais.

Vejo a Gestalt como um excelente e fascinante instrumento para pensar o indivíduo e a questão social. Em seu bojo estão uma sólida visão
de homem e um sólido posicionamento político. Ela me serve de referência. Tenho uma relação Eu-Tu com ela. Eu a considero um
excelente crivo, uma excelente e abrangente perspectiva filosófica, pelo qual faço passar aquilo que tenciono sejam minhas ações. Se as
ações passarem pelo crivo, são boas; senão procuro outras. Isto tem por conseqüência Eu não precisar de uma técnica específica, ela vai
sendo criada na medida de minhas necessidades e Eu posso aplicá-la a uma infinidade de situações. Com ela não fico restrito somente a
intervenções terapêuticas na assepsia do meu consultório. Ela me dá liberdade de intervir numa gama enorme de situações. Posso
trabalhar onde quer que haja relações humanas. Psicólogos, Pedagogos, Médicos, enfim, todos os profissionais de saúde/educação são, em
minha opinião, por excelência os profissionais das relações humanas. Saúde/educação é para mim uma unidade, não um binômio; uma
unidade que visa um cidadão saudável.

Certa vez, conversando com um amigo sobre estas questões, nos chamou a atenção o fato de que todos os nomes de gestaltistas até aqui
citados pertencem a minorias. Será que é preciso pertencer a minorias para ter sensibilidade com a questão social, com o que é diferente
de mim? De alguma forma isto parece fazer sentido. Afinal, estar imerso num universo de iguais não é exatamente propiciador de
awareness sobre as diferenças, sobre a dor do universo vizinho. Me responsabilizo só pela manutenção do meu universo. Como se o que
ocorre no universo ao lado não afeta também o meu. Será que é preciso experienciar algum tipo de rechaço para que esta luz se acenda?

Me chama a atenção o fato de que o tema social está presente em toda a literatura gestáltica, só que de forma um tanto escamoteada.
Convido-te a uma (re)leitura desta literatura, em que fiques bem atento às entrelinhas sociais. Comece por Gestalt-Therapy de Perls,
Hefferline e Goodman!

Peço-te, que não me tornes conhecido por pendurar a palavra social em conceitos alheios, como, por exemplo, Dialogia Social, Organismo
Social ou Ecologia Social. Tenho dúvidas quanto a pertinência e aplicabilidade destes conceitos; mas eles me ajudam a realçar (alçar de
novo) a um plano de relevância, idéias e conceitos importantes perdidos nas entrelinhas.

Minha idéia com este trabalho, foi justamente a de realçar estas idéias e mostrar que o social está presente na Gestalt desde seu início, e
que é parte substantiva desta abordagem. E de que entendo política como a luta para que o suprimento das necessidades humanas seja
privilégio da maioria – se possível, de todos – e, que para isto, é necessário que tenhamos uma clara e sólida visão de homem. O
apoliticismo é uma falácia, via de regra com consequências funestas.

Ainda uma palavra sobre a fé. Precisamos ter fé em nós mesmos, precisamos acreditar que somos capazes de tornar nossos anseios
realidade. Um ato de criação, um ato de mágica transcendência do material, do concreto. Joseph Zinker consegue falar disto de forma
magistral (Zinker, 1991, p. 12)

“A criatividade é a celebração de nossa própria grandeza, o sentimento de que podemos fazer qualquer coisa que se torne possível. É uma
celebração da vida, minha celebração da vida. É uma afirmação ardente: Estou aqui! Amo a vida! Me amo! Posso ser tudo! Posso fazer
tudo!

A criatividade não é somente o conceito, senão o ato em si; a realização do que é urgente, do que necessita ser afirmado. Não é somente a
afirmação do espectro total da experiência e sentimento de unidade de cada pessoa, mas também um ato social, um compartilhar com
nossos semelhantes esta celebração, esta afirmação de viver uma vida plena.

A criatividade é a expressão da presença de Deus em minhas mãos, olhos, cérebro: em todo o meu ser. A criação é a afirmação que cada
indivíduo faz de sua devoção, do seu transcender a luta diária pela sobrevivência e o peso da mortalidade: um grito de angústia e
celebração.

A criatividade é a ruptura de limites, a afirmação da vida além da vida, a vida movendo-se para além de si própria. Devido ao seu próprio
sentido de integridade, a vida nos pede que afirmemos nossa natureza intrínseca, nossa essência como seres humanos.

Finalmente, a criatividade é um ato de valentia. Estabelece: Estou disposto a arriscar-me ao ridículo e ao fracasso para poder experimentar
este dia com novidade e frescor. Aquele que se atreve a criar, a transpor limites, não só participa de um milagre, mas chega a descobrir
que em seu processo de ser, ele é um milagre”.
Quanto ao título deste trabalho. Gestalt – Resgatando Fronteiras ou Em Busca das Respostas Perdidas, espero ter podido contribuir com o
resgate das fronteiras da questão social. Afinal, é na fronteira que se dá o contato! E isto com a esperança de que esta fala sirva para que
sejam encontradas respostas que se perderam no tempo. A Gestalt implica num posicionamento político sim, ela tem propostas para o
social sim. Estar no mundo per si implica em influenciar o universo. Então, porque não influenciá-lo de maneira a que fique mais aprazível
para mim e para meu próximo?

Muito obrigado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Amatuzzi, M.M.; (1989) O Resgate da Fala Autêntica. Campinas: Papirus

Blankertz, S.; (1988) Der Kritische Pragmatismus Paul Goodmans. Köln: Edition Humanistische Psychologie

Buber, M.; (s/d) Eu e Tu. São Paulo: Editora Moraes

Clarkson, P.;Mackewn, J.; (1993) Fritz Perls. London: Sage Publications

Goldstein, K.; (1996) The Organism. New York: Zone Books

Goodman, P.; Goodman, P.; (1990) Communitas. New York: Columbia University Press

Hall, C.S.; Lindzey, G.; (1973) Teorias de Personalidade. São Paulo: E.P.U.

Lewin, K; (1973) Problemas de Dinâmica de Grupo. São Paulo: Cultrix

Lilienthal, L.A.; (1995) Aprender é descobrir que algo é possível, apresentado na plenária “A Abordagem Gestáltica Aplicada à Educação”.
Anais do “V Encontro Nacional de Gestalt-terapia, Vitória, ES, setembro/95, s/p

Lilienthal, L.A.; (1997) A Gestaltpedagogia sai às Ruas para trabalhar com Crianças e Educadores de Rua. Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado.

Perls, F.S.; Hefferline, R.; Goodman, P.; (1991) Gestalttherapie – Praxis. München: dtv/Klett-Cotta

Zinker, J.; (1991) El Proceso Creativo en la Terapia Guestalt. Cid. Mexico: Ed. Paidós Mexicana,

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

Goodman, P.; (s/d) Aufwachsen Im Widerspruch. Darmstadt: Verlag Darmstädter Blätter

Goodman, P.; (1991) Nature Heals. Highland: Gestalt Journal

Haken, H.; (1990) Erfolgsgeheimnisse der Natur. Frankfurt Ullstein

Jungk, R.; (1990) Die Zukunft hat schon begonnen. München: Wilhelm Heine Verlag

Perls, L.; (1989) Leben an der Grenze. Köln: Edition Humanistsiche Psychologie

Perls, L.; (1997) Der Weg zur Gestalttherapie. Köln: Peter Hammer Verlag

Smuts, J.; (1996) Holism and Evolution. Highland: The Gestalt Journal Press

NOTA: A tradução de todas as citações em língua estrangeira constantes neste trabalho, foram feitas para o português pelo autor do
mesmo.

A HOMOSEXUALIDADE EM TERAPIA
Klecius Borges
Psicólogo pela Universidade Federal de Minas Gerais, pós-graduado pela USP e diversos seminários no Esalen Institute

Em psicoterapia, pacientes enfrentando a questão da orientação sexual, muitas vezes não são capazes de expressar suas angústias de
forma direta e objetiva. Essa dificuldade pode tanto ser função de dúvidas e confusão sobre desejos e sentimentos, como também por
vergonha ou medo da rejeição por parte do terapeuta.
Para ajudar a essas pessoas a identificar a problemática e facilitar aos terapeutas o acesso ao mundo interno de seus pacientes, descrevo a
seguir alguns fatores freqüentemente presentes na dinâmica associada à homossexualidade.
É importante lembrar que são apenas generalizações, e portanto, um mero ponto de partida para uma investigação mais profunda, ou seja,
muitos desses fatores podem estar presentes em pacientes não homossexuais.Assim:
Via de regra, o indivíduo homossexual:
- Aprendeu desde muito cedo a sentir-se diferente, sendo essa diferença associada à inferioridade e à menor valia. Esses sentimentos
costumam aparecer muito cedo, por volta dos 6 ou 7 anos como resultado da reação negativa dos pais a comportamentos e atitudes que
diferem do padrão esperado para o sexo da criança.
- Desenvolveu um alto grau de autocontrole e tende a não confiar em seus próprios sentimentos, o que pode levar a uma forte alienação de
si mesmo. Esse autocontrole tem como objetivo evitar qualquer demonstração dos sentimentos verdadeiros e como conseqüência pode
levar a uma percepção empobrecida de si mesmo.
- Sente-se só, culpado, envergonhado e com medo de ter seu segredo descoberto e com isso perder o amor e o respeito dos demais
- Tem alta probabilidade de sofrer depressão crônica associada a algum grau de imobilidade, o que pode levar a diferentes formas de
dependência química. Essa imobilidade decorre da falta de perspectiva de solução para o conflito interno aliada à impossibilidade de dividir
o problema com qualquer outra pessoa.
- Está sujeito a acidentes fatais e suicídio (principalmente adolescentes) por temer ter sua verdadeira identidade revelada e portanto
frustrar as expectativas dos pais e da sociedade em geral
- Tem uma história de abusos verbais (podendo vir até mesmo de entes queridos que não sabem sobre sua identidade) e/ ou físicos
- Costuma viver em dois “mundos” simultaneamente.
- Freqüentemente desenvolve uma estratégia para manter uma identidade heterossexual pública. Essa identidade tem como função reduzir
o conflito interno, na medida em que possibilita uma dissimulação tanto para si próprio como para os demais

Para o terapeuta heterossexual que deseja atender indivíduos homossexuais de acordo com uma abordagem afirmativa, positiva e aberta,
sugiro os seguintes cuidados:
- Procure rever seus próprios preconceitos, fantasias e sentimentos sobre a homossexualidade
- Se o paciente apresentar alguma patologia, é a patologia que deve ser examinada, não a homossexualidade.
- Cuidado com os estereótipos
- Lembre-se que o paciente espera de você acolhimento, apoio e principalmente respeito
- Tenha em mente que o paciente homossexual tem, em algum grau, um histórico de opressão
- Procure ficar atento às dificuldades do paciente em expressar raiva e lidar com sentimentos eróticos
- Esteja preparado para ajudá-lo a se livrar de sentimentos de culpa e vergonha
- Aprenda sobre os diferentes estilos de vida homossexual e descubra o que a comunidade local oferece
- Deixe que o próprio paciente estabeleça os limites sobre os aspectos íntimos de sua sexualidade que deseja compartilhar com você.
- Não se esqueça de reafirmar a orientação sexual de seu paciente como manifestação natural de sexualidade humana.

Bibliografia:
Loving someone gay
Don Clark, Celestial Arts, Berkley

COMENTÁRIOS DE PARTICIPANTES DESTA PALESTRA

“Gostaria de parabenizar o espaço Koema* pela iniciativa de propiciar um encontro com pessoas interessantes, inteligentes, onde se é
possível trocar e aprender coisas novas. Foi muito bom!”

“Gostei muito por ser uma palestra “bate papo” onde pudemos fazer perguntas e trocar idéias e reflexões. Muito didático e consistente ao
trazer sua compreensão dinâmica, seu trabalho e experiências vividas. Parabéns pelo trabalho e pela proposta.”

“Foi muito importante ver um profissional da psicologia acreditando no próprio trabalho com tanta energia. São necessários pessoas e
amigos como esta para que as pessoas encontrem seus caminhos.”

“O Papo na Cozinha foi muito importante para minha vida pessoal e profissional, pois propiciou um diálogo extremamente rico, que
possibilitou uma nova visão sobre a homossexualidade.”

* Koema foi o primeiro nome do Instituto Gestalt de São Paulo

COM CERTEZA, ATÉ PORQUE


Ênio Brito Pinto

“O futuro chama-se incerteza.”


Edgar Morin

É fato sabido que cada época histórica traz em seu bojo uma série de modismos e de características próprias que lhe dá o tom e, ao mesmo
tempo, a desvenda. Assim, a década de sessenta, por exemplo, trouxe como grande marca a revolução cultural representada pelos hippies
e pela palavra de liberdade neles simbolizada, que trazia ao mundo o desvendamento de uma época plena de descobertas libertadoras,
desde a maior liberdade sexual alcançada então até a possibilidade da liberdade da vida na terra, com as viagens até a lua.

Desde lá, muito tempo passou, muita coisa mudou, o mundo já não é o mesmo. Outras palavras apareceram com o intuito de nos desvelar
para nós mesmos, se tivermos a paciência de prestarmos atenção. Neste início de século no Brasil, duas expressões chamam a atenção
pela quantidade de vezes em que são usadas, quer seja pelos principais meios de comunicação, quer seja pelas pessoas comuns em suas
conversas cotidianas. São as expressões que dão título a este artigo: ‘com certeza’ e ‘até porque’. Não é preciso muito trabalho para
percebermos como elas são usadas e como fazem parte inextricável de nosso dia-a-dia. Basta uma passada de olhos pelo jornal que logo
nos encontraremos diversas vezes com elas, basta um pouquinho de tempo diante da TV, principalmente diante de programas de
entrevistas, para ouvirmos uma e/ou outra dessas expressões.

Se por um lado elas se tornam até cansativas para quem tem os ouvidos mais sensíveis e mais atentos, por outro lado elas fazem pensar:
por que será que justamente essas expressões se tornaram tão marcantes nessa nossa época a ponto de serem tão repetidas? O que será
que poderemos entender sobre nós mesmos a partir de uma análise, ainda que ligeira, dessas expressões?

A primeira expressão (‘com certeza’) é extremamente interessante porque geralmente é dita numa entonação de ênfase, uma ênfase às
vezes até exagerada. As pessoas usam ‘com certeza’ a todo momento, substituindo por esta expressão o simples ‘sim’, o perigoso ‘talvez’,
o angustiante ‘não sei’ e outras palavras ou expressões pouco em voga ultimamente, como, por exemplo, ‘tomara’. No entanto, nenhuma
expressão é tão desatualizada atualmente como o ‘com certeza’.

Se olharmos para a história da humanidade, notaremos que quanto mais a ciência se desenvolveu, mais as certezas humanas foram
derrubadas, desde a certeza de estarmos no centro do universo até a certeza de que poderíamos prever o futuro da humanidade e do
planeta.

No Brasil de hoje, então, nem se fala quão pouca certeza temos. Ao sairmos de casa, já não temos mais a certeza de que voltaremos, tal a
violência que grassa em nossas cidades; ao chegarmos ao trabalho, que certeza temos de que ainda amanhã lá estaremos? Ao olharmos
para nossos filhos, que certeza podemos ter acerca do futuro deles?

Por aí afora, são tantas as incertezas que têm cercado nosso dia-a-dia, que não estranha que se use com tanta ênfase o ‘com certeza’. Ele
nos dá uma certa compensação, uma ilusão de que estamos mesmo no comando de nosso destino, por mais que na verdade estejamos
mesmo é sujeitados a toda sorte de desmandos governamentais ou do mercado, aparentemente indefesos diante de uma estrutura de
poder que nos tenta roubar a todo momento nosso direito à cidadania, como se não bastassem as tantas incertezas ontológicas de nosso
destino enquanto seres humanos, frágeis e prescindíveis criaturas destinadas à morte.

Se o mundo de hoje não nos possibilita as certezas, ele nos enche de alternativas em todos os aspectos da existência: desde o aspecto
religioso (são tantas as religiões!), até o aspecto das opções existenciais (cada vez mais pessoais), a variedade de possibilidades diante do
ser humano moderno é enorme. Somos obrigados a escolher, mas não devemos nos posicionar com muita clareza. Ou seja, escolher
sofisticadamente, sem simplicidade. O ‘até porque’ possibilita escolhas relativas pelas quais pouco se tem que lutar. Afinal, estamos no
mundo das mudanças, do volátil, do modismo e da divinização da novidade. A profundidade é pecado no mundo globalizado atual. O ‘até
porque’ mantém a vida rasa. Some-se a isso o fato de que o mundo hoje tem pressa, de que tudo tem que ser muito rápido, pois as
pessoas não têm tempo para perder com conversas ou com leituras, e aí está mais uma justificativa para o ‘até porque’. Eu não explico,
você faz de conta que entende, e está tudo bem.

Além disso, o ‘até porque’ denuncia um grave problema brasileiro: ele é substituto para outras expressões quando há falta de um
vocabulário melhor construído. Com o nível da educação no Brasil, como podemos esperar que a maioria de nossa população tenha um
bom vocabulário? Com a substituição da conversa na família pelo silêncio diante da televisão, como esperar que as pessoas possam
desenvolver melhores formas de comunicação? Haja, então, ‘até porque’.

Desta forma, penso que há um sentido para que essas duas expressões estejam tão presentes na fala brasileira cotidiana, pois elas nos
retratam ao mesmo tempo em que nos permitem que nos escondamos de nós mesmos. Dizendo convictamente ‘com certeza’, ignoramos
(a um alto custo, é verdade) as possibilidades tantas da vida e seguimos fazendo de conta que pouco podemos diante das incertezas de
nossa existência. Dizendo tantos ‘até porque’, mantemos nossa pobreza de vocabulário, falamos como se escrevêssemos telegramas,
tentamos não nos atordoar diante das tantas alternativas existenciais que o mundo moderno nos propicia.

É bem verdade que fingirmos que uma coisa não existe não a faz desaparecer, mas que é tentador fazer isso, não há a menor sombra de
dúvida. Ao fingirmos que temos certeza, podemos não nos afastar de nossas inseguranças, mas conseguimos nos afastar das nossas
responsabilidades diante do mundo que diuturnamente criamos. Ao não aprofundarmos nossas escolhas e ao não nomearmos nossos
motivos, continuamos a fazer escolhas, mas haverá sempre um ‘até porque’ nos facilitando não lutar por elas.

Num mundo de uma globalização tão despersonalizadora e assustadora como o atual, não é à toa, portanto, que as pessoas buscam ter
tantas certezas, não é à toa que é tão difícil para as pessoas se acalmarem diante do ato de escolher.

EBP/Set/2001

ALGUNS ASPECTOS DA HISTÓRIA E DA FUNDAMENTAÇÃO


DA GESTALT-TERAPIA
Ênio Brito Pinto
Minha intenção é apresentar um breve panorama da história da Gestalt-
terapia. Talvez mais do que um panorama, um breve retrato. Um retrato
bastante reduzido, mas que, espero, possa dar uma idéia suficientemente
abrangente da filosofia e da técnica da Gestalt-terapia.
A Gestalt-terapia é uma teoria de personalidade e uma teoria de
psicoterapia que vem sendo continuamente desenvolvida por autores
contemporâneos. Faz parte da chamada terceira força em Psicologia, ou
corrente humanista, que emergiu como reação às visões psicanalítica e
comportamentalista do ser humano.
São alguns conceitos básicos da Gestalt-terapia: o ser humano é um ser de
relação (relação consigo mesmo, com o mundo, com os outros); totalidade
e integração (a pessoa como uma unidade psique-corpo-espírito); o ser
humano como unidade indivíduo-meio (o ser humano está constantemente
interagindo com limites sociais e ambientais); unidade de passado, presente
e futuro (o aqui-e-agora é o tempo e o lugar onde as modificações podem
ocorrer); auto-regulação (o ser humano é um todo unificado que se auto-
regula). Em suma, a teoria da Gestalt-terapia é uma teoria de processos, ou
seja: o que importa é o relacionamento entre eventos. A visão do gestalt-
terapeuta é uma visão voltada para a dinâmica que acontece em
determinado momento da vida de uma pessoa. Assim, entendem-se as
estruturas da personalidade como funções ou conjuntos de funções, não
como entidades. São mais importantes o ‘como’ e o ‘para que’ do que o ‘o
que’ ou o ‘porquê’.
A premissa da qual parto é a de que toda abordagem em psicologia
apresenta, ainda que apenas implicitamente, uma teoria do ser humano. A
Gestalt-terapia pretende ser uma síntese criativa e coerente, em constante
transformação, de algumas correntes filosóficas ou psicoterápicas: o
humanismo, o existencialismo, a psicologia fenomenológica, a psicanálise
freudiana, os trabalhos de Reich, a psicologia da Gestalt, a teoria
organísmica de Goldstein, a teoria de Lewin, alguns aspectos do taoísmo e
do budismo. É desse base de influências que se pode depreender a visão de
ser humano da abordagem gestáltica.
O principal criador da Gestalt-terapia foi Frederick Salomon Perls, o Fritz
Perls, como ficou conhecido. Fritz nasceu em Berlim, em 1893, filho de pais
judeus.
Em 1920, aos 27 anos, portanto, graduou-se em Medicina, passando a
trabalhar como neuropsiquiatra.
Em 1926, em Frankfurt, trabalhou com o neuropsiquiatra Kurt Goldstein e
com sua assistente, Laura Posner, mais tarde co-fundadora da Gestalt-
terapia, assim como Paul Goodman e Ralph Hefferline. Perls e Laura
casaram-se algum tempo depois de seu trabalho com Goldstein.
Goldstein é um dos expoentes da teoria organísmica, uma das principais
influência exercidas sobre Perls e, por extensão, sobre a Gestalt-terapia.
Vem daí a idéia central na Gestalt-terapia de se considerar o indivíduo como
um todo, uma entidade biopsicossocioespiritual.
Do trabalho de Goldstein, imensamente importante para a Gestalt-terapia,
pode-se deduzir que “o ser humano é regulado e tende ao equilíbrio.
Realiza-se intensamente atendendo às suas necessidades. Para tanto,
compõe-se com o ambiente e/ou redistribui intensamente sua energia pelo
organismo. É este o homem uno e integrado.” (Martins, 1995, p. 57) Para
Ribeiro (1999, p. 118 e ss), os processos básicos, em termos de dinâmica
específica de comportamento, segundo Goldstein, são 3: 1) Processo de
equalização ou centragem do organismo;2) Auto-realização; 3) Pôr-se em
acordo com o meio ambiente.[1]
Uma vez que já vimos, ainda que muito superficialmente, as idéias básicas
de Goldstein que influenciam a Gestalt-terapia, vamos dar uma olhada em
outra das mais importantes bases da Gestalt-terapia: assim como muitas
das abordagens em psicoterapia, a Gestalt-terapia é, de certa forma, filha
da Psicanálise. Fritz Perls e sua mulher, Laura, eram psicanalistas quando
lançaram as bases da Gestalt-terapia. Durante este tempo de trabalho,
fizeram um trajeto desde a Alemanha (de onde fugiram do terror nazista)
até os EUA, onde finalmente se radicaram, passando pela Holanda e pela
África do Sul, onde residiram e trabalharam por alguns anos, até fugirem do
fascismo representado pelo “apartheid”, chegando finalmente aos EUA. As
influências da Psicanálise sobre a Gestalt-terapia são um dos pontos mais
debatidos no interior da abordagem gestáltica, havendo mesmo teóricos
que dizem que ela se dá muito mais pelo que não fazer que pelo que fazer
em um trabalho psicoterapêutico. Voltarei mais adiante a este tema.
De Friedlander, Perls aproveita o conceito de indiferença criativa e a
maneira de ver as polaridades, ou seja, o aspecto da qualidade polar da
vida humana: a polaridade da personalidade é um dos pilares da Gestalt-
terapia. De Jan Smuts, Fritz traz importantes reflexões sobre o holismo.
Com relação ao trabalho com os sonhos, há influência de Jung, que via os
sonhos mais como expressões pessoais criativas do que como disfarces
inconscientes de experiências problemáticas ou apenas motivados por
realizações de desejos. Em Gestalt-terapia, os sonhos são entendidos
também em termos de situações inacabadas que clamam por satisfação e
finalização. Este conceito (situação inacabada) nos leva a outra influência
recebida pela Gestalt-terapia: a teoria da aprendizagem da Gestalt,
desenvolvida por Wertheimer, Köhler e Koffka, na Alemanha dos anos vinte.
Influência tão marcante que acabou por determinar o nome da teoria que
Perls criaria.
A fundamentação básica da Psicologia da Gestalt é a de que a percepção
depende da totalidade das condições estimulantes, ou seja, depende do
campo total (indivíduo-meio), quer dizer, depende de características do
estímulo e da organização neurológica e perceptiva da pessoa.
A palavra “Gestalt”, derivada da raiz germânica “Gestalten”, significa todo
ou configuração. Na Psicologia da Gestalt, gestalten são totalidades
significantes da experiência. Para a Psicologia da Gestalt o todo é diferente
da soma de suas partes. Há uma condição inata de necessidade humana de
organização e de integridade da experiência perceptual, da qual podemos
depreender que uma pessoa não pode prosseguir seu processo de
crescimento até antes de haver completado qualquer coisa que experiencie
como incompleta em sua vida.
O conceito da Psicologia da Gestalt de figura e fundo é básico para a
Gestalt-terapia. Tal conceito permite ao ser percipiente organizar suas
percepções numa unidade dinâmica a mais vigorosa possível. Os conceitos,
oriundos da Psicologia da Gestalt, principalmente o que se refere a figura e
fundo, são importante base para as noções de saúde e de doença da
Gestalt-terapia. Além disso, há que se dar atenção a uma série de princípios
que regem a percepção, segundo os teóricos da Psicologia da Gestalt:
proximidade, similaridade, direção, disposição objetiva, destino comum e
pregnância. Também como conceito básico importante é o que trata do aqui
e agora em termos de percepção : a experiência da percepção aqui e agora
tem mais influência na percepção de um objeto ou de uma forma que a
experiência passada com essa mesma figura. Além disso,
subjacente a estes e a outros conceitos oriundos da Psicologia da Gestalt
está a diferença entre a realidade psíquica (o que eu percebo) e a realidade
objetiva (o mundo das coisas) e a impossibilidade de compreender o
homem sem uma visão holística do mesmo, que agrupe numa Gestalt
(numa configuração) as partes deste homem bem como sua relação com os
outros homens e com a natureza. (Martins, 1995, p. 55)
Outra influência colhida pelo casal Perls veio de Adler, cujas concepções “do
estilo de vida e do eu criador apoiaram a participação única e ativa de cada
indivíduo que – no curso de sua evolução pessoal – entalha a sua natureza
específica. (…) Adler relembrou aos psicoterapeutas a importância da
superfície da existência. Para a Gestalt-terapia, a superfície da existência é
o plano do foco preordenado, a própria essência do homem psicológico. É
nesta superfície que existe a consciência, dando à vida sua orientação e
significado. Vem de Adler a influência para que, em Gestalt-terapia,
acreditemos “que o homem cria a si mesmo”. A maior energia para a
realização deste esforço prometeico provém de sua consciência e da
aceitação de si mesmo tal qual é.” (Ribeiro, 1985, p. 21)
A orientação humanista da Gestalt-terapia se deve a algumas influências
sofridas pelo casal Perls, notadamente de Otto Rank, que acreditava que a
primeira luta humana é aquela pela individuação pessoal, o que se tornou
também uma das preocupações centrais da Gestalt-terapia. Esta luta se dá
através dos esforços que a pessoa faz para integrar seus medos polares de
separação e de união, ou seja, a eterna luta humana entre autonomia e
heteronomia. Se nos separamos demais, corremos o risco da perda da
relação com o outro; se nos unimos demais, o risco é o da perda da
individuação.
A idéia da resistência vista como criativa e como facilitadora de uma nova
organização pessoal também advém de Rank e é capital na Gestalt-terapia.
A resistência não deve ser combatida, mas sim deve ser trazida à
consciência do cliente e respeitada como um limite do seu agora.
Outra base importante para a Gestalt-terapia é a filosofia existencial,
principalmente através de Heidegger, Martin Buber, Binswanger, Rollo May
e Merleau-Ponty.
O ser humano como um ser em relação é uma das contribuições que o
movimento existencialista do pós-guerra trouxe à Gestalt-terapia. Além
desta, podemos listar outras contribuições dos existencialistas: experiência;
autenticidade; confrontação; ação viva e presente.
Para a Gestalt-terapia, isto implicou na ênfase na “singularidade,
particularidade, e concretude do homem diante de suas relações e de sua
responsabilidade frente a seus projetos e às suas escolhas.” (Barbalho,
1995, p. 2) Metodologicamente, a implicação diz respeito à fundamentação
da terapia no relacionamento dialógico e na fenomenologia.
Tratando da influência de Buber no trabalho gestáltico, Cardella (2002, p.
36 e ss) argumenta que Buber acredita que a civilização moderna, ao não
valorizar os aspectos relacionais da vida, ampliou o espaço para o
narcisismo e para o isolamento do ser humano. Esta relação, o inter-
humano, está presente no e dando sentido ao diálogo, entendendo aqui
diálogo não somente no que se refere ao discurso, mas ao fundamento
relacional da existência humana. Este diálogo acontece “na esfera do
‘entre’, mediante a vivência de duas polaridades, EU-TU e EU-ISSO, as duas
atitudes fundamentais do ser humano para relacionar-se com os outros e
com o mundo.” (Cardella, 2002, p. 37) Para Buber (1979, passim), o ser
humano não pode viver sem relações EU-ISSO, mas não é humano aquele
que só vive relações EU-ISSO. Diz o filósofo que a realização do EU se dá na
relação com o TU, uma relação de seres em sua totalidade. Assim, a relação
EU-TU valoriza o outro na sua alteridade, de modo que a outra pessoa é um
fim em si mesma. Na relação EU-ISSO, a outra pessoa é considerada um
objeto a partir do qual se atinge um fim.
O encontro EU-TU não pode ser forçado, de maneira que só podemos nos
colocar disponíveis para ele; este encontro é algo que acontece, é quase
que uma graça, se me é permitido usar de um termo religioso. A existência
sadia pode ser caracterizada, dentro deste ponto de vista, pela possibilidade
da vivência da dualidade EU-TU e EU-ISSO, uma alternância entre
aproximação (relação) e separação, um ritmo de ir e vir, uma alternância
de contato e retraimento num compasso sempre muito pessoal.
Ao valorizar o aspecto relacional da existência humana, a Gestalt-terapia se
mostra com uma atitude terapêutica e uma visão de ser humano
fundamentada na abordagem dialógica, a qual valoriza o ‘entre’, “o
verdadeiro lugar e o berço do que acontece entre os homens.” (Buber, cit.
em Hycner, 1997, p. 29) Segundo Hycner (1997, p. 29),
aquilo que nos une como seres humanos não é, necessariamente, o visível e
o palpável, mas, sim, a dimensão invisível e impalpável ‘entre’ nós. É o
espírito humano que permeia qualquer interação nossa. É o ‘fundo
numinoso’ que nos envolve e interpenetra. A partir dele emergem nossa
singularidade e individualidade, tornando-se figura. É a fonte da cura.
Data de 1927, a mudança de Fritz para Viena e o começo de seu
treinamento em Psicanálise. Fritz foi analisando de Wilhelm Reich; teve
também Karen Horney como supervisora e terapeuta. Sem dúvida, uma das
maiores influências exercidas sobre os Perls veio de Reich. O corpo, os
gestos, o olhar, a entonação da voz, passam a fazer parte da terapia. Além
disto, há uma preocupação não só com a estrutura da fala, mas também
com a forma da fala. Reich reformulou o conceito de libido, definindo-a
como excitação, o que torna adequada para explicar a atividade presente no
indivíduo, sem ter que apelar para especulações sobre os instintos ou sobre
a infância. Através do conceito de couraça muscular do caráter, Reich fez
com que “a terapia se devotasse ao afrouxamento desta rigidez corporal
restritiva, de forma a liberar a excitação para o comportamento natural que
o indivíduo havia enterrado. (…) Esta foi uma perspectiva
surpreendentemente simples do homem, que iluminou os aspectos básicos
e simples do comportamento: a sensação, o orgasmo, e a riqueza da
expressão imediata e não distorcida. (…) A tendência de Reich de ver com
simplicidade as ações simples levou a uma fenomenologia mais vigorosa.”
(Polster e Polster, 1979, p. 275/276)
Moreno e o Psicodrama, com o conceito de que é mais provável fazer-se
descobertas participando-se de uma experiência do que falando sobre ela, é
uma de outra das influências recebidas pela Gestalt-terapia.
Em 1942, Fritz escreveu o livro “Ego, Fome e Agressão”, no qual critica a
teoria psicanalítica com base em pesquisas sobre percepção e motivação.
Neste livro Fritz lança uma importante discordância teórica com relação à
psicanálise: a idéia de que a base da agressão e do sadismo está na fase
oral e não na fase anal do desenvolvimento infantil. É também neste livro
que Perls lança alguns conceitos básicos do que seria, mais tarde, a Gestalt-
terapia: a realidade do aqui e agora, o organismo como totalidade, a
unidade organismo/meio, a dominância da necessidade emergente e uma
reflexão sobre o conceito de agressão, que é entendida como uma força
biológica importante para o crescimento. Data de 1951 o lançamento de
Gestalt Therapy – Excitement and Growth in Human Personality, escrito por
Frederick Perls, Paul Goodman e Ralph Hefferline, livro no qual, pela
primeira vez, foi utilizado o termo “Gestalt-terapia”, e que é o livro mais
básico da Gestalt-terapia.
Em 1962, Perls entra em contato com o zen-budismo ao passar uns tempos
em um mosteiro no Japão e aprende lá alguns conceitos que se incorporam
à filosofia da Gestalt-terapia; dentre esses conceitos, quero aqui destacar
três: permitir o fluir da experiência, ou seja, seguir o fluxo de awareness; a
aceitação do que se é; e a possibilidade de se aprender a lidar com o vazio,
o qual é fértil de possibilidades, uma vez que, não raro, é o momento que
precede o ato criativo.
Fritz faleceu em 14 de março de 1970, no Canadá. Laura, em 1990, nos
EUA. Deixaram como legado uma das mais importantes abordagens da
Psicologia e da psicoterapia atual, uma abordagem em constante
desenvolvimento e em constante luta por um mundo mais humano e mais
simples.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
BARBALHO, M. C. M. Histórico da Gestalt-terapia. in Revista do I Encontro
Goiano de Gestalt-terapia, Goiânia, 1995
CARDELLA, Beatriz Helena Paranhos. A Construção do Psicoterapeuta: Uma
abordagem gestáltica. São Paulo: Summus, 2002
MARTINS, Antonio Elmo de Oliveira. A Concepção de Homem na Gestalt-
terapia e suas implicações no processo psicoterápico. Revista do I Encontro
Goiano de Gestalt-terapia, março/abril de 1995
PERLS, Frederick S. Ego, Fome e Agressão: Uma revisão da teoria e do
método de Freud. São Paulo: Summus, 2002
PERLS, Frederick S., HEFFERLINE, Ralph e GOODMAN, Paul. Gestalt-terapia.
São Paulo: Summus, 1997
POLSTER, E. & Polster, M. Gestalt Terapia Integrada. Belo Horizonte,
Unilivros, 1979
RIBEIRO, J. P. Gestalt-terapia: Refazendo um Caminho. São Paulo,
Summus, 1985
RIBEIRO, J. P. Gestalt-terapia de Curta Duração. São Paulo: Summus, 1999
EBP/2006
——————————————————————————–
[1] Como este texto pretende ser somente de apresentação, não me
estenderei sobre esses processos, remetendo o leitor para o livro de
Ribeiro.
11 3842 8939 /

ENGANOS E DESENGANOS À RESPEITO DO PROJETO


SOCIAL DA GESTALT-TERAPIA
Trabalho apresentado no II Congresso Regional de Gestalt-terapia, mesa redonda:
“A Gestalt-terapia e a Transformação Social”
Rio de Janeiro, 1999

Claudia Baptista Távora

Há vários anos, em um Congresso Internacional, ouvi de respeitável colega estrangeiro a decretação da falência do projeto social da
Gestalt-terapia. Lembro-me bem do meu desconforto na ocasião, quando as questões da vida em sociedade, da organização coletiva, da
existência ou ausência de um projeto para a clínica comprometido com a viabilização/transformação das relações sociais já me ocupavam

Bem, dizem os ditos populares: “Quem cala, consente” e “Os incomodados que se mudem”. Por uma (im)provável mistura de ‘oralidade’ e
vocação, jamais consegui calar sobre essa questão. Não pude me conformar – pois isso implicaria em agregar mais uma falência a um já
longo rol de fracassos de tantos projetos sociais. Afinal, a paz e o amor não puderam neutralizar os efeitos dos mísseis; o comunismo não
sucedeu o capitalismo; alguns irmãos do Henfil até voltaram, mas (ainda) não se pode dizer que tenham seu sonho realizado. Pior que não
calar, por teimosa ou seduzível que seja, não me mudei – como deveriam fazer os incomodados – mas preferi ficar e continuar a
elaboração dessa recusa em aceitar tão prematuramente como fechada e conclusa uma questão (uma Gestalt) que absolutamente não o é.
Felizmente tenho encontrado, aqui e ali, pelas curvas desse sinuoso caminho, algo imprescindível para que o conteúdo do que falo adquira
uma forma coerente que o sustente: companhia. Com base em experiências de interlocução com pessoas e grupos diversos (colegas da
clínica privada e pública de orientação gestáltica, psicanalítica, corporal, analítico-institucional; clientes de consultório e pacientes
institucionalizados e suas famílias; associações e comunidades; etc.), penso que tenha algumas considerações a fazer, de modo a
(re)acender e/ou colocar mais lenha nessa ‘fogueira’. No presente texto vou procurar desenvolver algumas dessas considerações, e o farei
em três tempos, como em uma espécie de jogo em que se combinam a briga de forças e o lúdico.

PRIMEIRO TEMPO: LUTO E MELANCOLIA


Chamo a esse tempo inicial do jogo ‘Luto e melancolia’ em referência à idéia (freudiana, em princípio) de perda do objeto amado e
conseqüente introjeção do mesmo. Nesse primeiro tempo é necessário e faz sentido concordar com a falência do projeto social da Gestalt-
terapia, porém de um modo bem diferente do que comumente se faz. Esse projeto é falido, sim, não apenas porque a contracultura não
vingou, porque era desde sempre ou acabou sendo capturada pela ideologia dominante; também não porque a teoria da Gestalt-terapia
não era ‘suficientemente consistente’ para que a abordagem alcançasse a extensão que prometia, promovendo uma reconfiguração dos
campos clínico e social.

A falência (em primeiro tempo) do projeto social da Gestalt-terapia representa, muito mais amplamente, a falência – ainda não
completamente assumida – do projeto da psicoterapia como técnica, apoiado no projeto inicial da psicologia como ciência. Posso explicar
isto, ainda que simplificadamente, por três eixos de discussão: o epistemológico, o sócio-antropológico e o psicológico propriamente dito.

· O primeiro eixo, epistemológico, é o que permite compreender como o projeto da psicologia como ciência é sustentado por um conceito
de ‘objetividade estática’, do que deriva a concepção de ‘sujeito metafísico’. Há uma pressuposta separação entre tais sujeito e objeto, que
se transpõe para outras cisões, a saber: conhecimento X aplicação, teoria X técnica e self X outro. Como resultado, nos vários projetos
psicológicos ‘científicos’, sujeito e objeto passam por uma longa e nociva separação, apenas muito recentemente começando um processo
de reconciliação, pela via do que se tem chamado a ‘mudança de paradigma’.

· O segundo eixo, sócio-antropológico, é o que permite observar os efeitos da longa e elaborada produção do moderno individualismo.
Quando o indivíduo se torna o valor moral supremo, a única concepção possível de sociedade (a única que resta) é a de ‘associação’ de
elementos individuais. Essa característica das sociedades atuais tem uma importância sutil – principalmente para quem compreende a
diferença entre as perspectivas associacionista (na qual se parte dos elementos) e holista (que privilegia o todo em relação às partes).

· O eixo psicológico revela como a ‘falência’ em questão se refere a que:

1) A objetividade se superpôs à objetividade, determinando a produção de concepções estáticas sobre presumidas ‘estruturas’ psíquicas – o
self, o ego, o id, a personalidade, a consciência, etc.; e isso atravessando diversas escolas e linhas, sempre com base na ruptura
fundamental entre self e outro.

2) O próprio desenvolvimento da psicologia e suas aplicações contribuiu para uma enorme ênfase no ‘intra-psíquico’, que foi se tornando
‘inchado’, enquanto o ‘extra-psíquico’ foi se diluindo. Assim, a atual crise das identidades é também crise desse tipo de individualidade, é
crise de pertencimento, carência daquilo a que se referir e em que investir como sujeito. Ou seja, o narcisismo e a ‘auto-absorção’ andam
lado a lado com a impotência, o esvaziamento da dimensão da ação em âmbito comunitário, social, político, econômico. Ou, como disse
Castel (1987, p.157), virando a metáfora marxista da religião como ‘o sol de um mundo sem sol’: a psicologia teria se tornado ‘o social de
um mundo sem social’ – um mundo de objetos, de coisas, um mundo do qual o homem teria se retirado e sobre o qual pensara que
poderia impor sua vontade.

Em resumo, a falência do projeto clínico e social de que falo corresponde à falência do projeto de psicologia científica que ‘encapsula’ a
subjetividade e do projeto mecânico-tecnocrático de psicoterapia que visa a manipulação do indivíduo pelo uso de modelos normativos.
Esses projetos confundem alhos com bugalhos, ou seja, pressupõem como dado o que é abstração formal ou desenvolvimento
metodológico, separando o que não pode ser separado (sujeito e objeto, homem e mundo, indivíduo e coletividade) e censurando o que
não pode ser censurado (a intencionalidade da consciência humana em sua visada de mundo). Não custa lembrar que em Gestalt-terapia
os projetos em questão também se manifestam, pela reificação e uso mecânico de conceitos como ‘self autêntico’, ‘contato íntimo
espontâneo no aqui-agora’, etc. Mas a verdadeira transformação de relações, em vários níveis, necessita uma atitude distinta. De modo
que esse primeiro tempo implica em reconhecimento do fracasso, da perda ou do fim de um projeto; da constatação de que “apesar de
termos feito tudo, tudo o que fizemos / ainda somos os mesmos / e vivemos como nossos pais” (Belchior, “Como nossos pais”) – sejam
eles Newton, Descartes, Freud, Perls…

Felizmente, graças a um desses pais, já passamos dos estágios iniciais de desenvolvimento e a introjeção pura foi apenas o começo da
história e do jogo. Podemos então passar ao segundo tempo.

SEGUNDO TEMPO: NEUROSE DE ANGÚSTIA OU TRANSTORNOS ANSIOSOS MÚLTIPLOS

Nesse segundo tempo é possível avaliar, na Gestalt-terapia, o que é prejudicado pela imersão inevitável no contexto científico-profissional e
sócio-cultural e, também , o que é capaz de sobreviver e reconfigurar essa falência em primeiro tempo.

Sabemos que uma das fontes do radicalismo da Gestalt-terapia vinha da ênfase na autonomia criativa da atividade saudável e na
propriedade estética (demostrada pela Psicologia da Gestalt) pela qual as pessoas tendem a viver e organizar a experiência em todos,
caracterizados por forma, estrutura e unidade. Esse radicalismo se traduzia em uma posição anarquista oposta às ideologias liberais que
podem promover a manipulação dos indivíduos por especialistas – cidadãos por políticos, pacientes por terapeutas, etc. (Miller, 1980).

Será possível fazer sobreviver essa atitude radical em meio à atual ‘crise de contexto’, ou seja, em um mundo tornado não-social? Como
fazê-lo, se a individualidade moderna é tanto prisão quanto se propõe liberdade? Como, ainda, se a noção tão preciosa de autonomia se
confunde com uma ingênua (ou nem tanto) idéia de independência das relações em diversos níveis (o par, a família, a amizade, o tempo, o
espaço, o coletivo…)? Como, enfim, se perdemos a confiança em uma relação saudável ou propriamente eco-lógica como ambiente?

A angústia pela qual nomeio esse segundo tempo não pode ser entendida em termos estritamente freudianos. Ela é melhor descrita no
poema “Canção” de Cecília Meireles:

“Pus o meu sonho num navio


e o navio em cima do mar;
depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.
(……………………………………………….)
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito:


praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.”

Para mantermos fortes e produtivas nossas mãos e irrigáveis nossos olhos, é preciso saber que a grande diferença em termos de projeto
clínico e social está, não em qualquer técnica, mas na possibilidade de desenvolvimento e instrumentalização de uma teoria da
subjetividade não-encapsulada.

Em Gestalt-terapia esta tentativa está presente na profunda crítica desenvolvida por Perls, Hefferline & Goodman (1977/1951) ao conceito
de self passivo-interno-individualizado-biológico. Ali se encontra a caracterização do self como função fronteiriça, sistema de contatos,
processo ativo no conflito de superfície, devir; e não como estrutura interna, núcleo rígido, individualizado ou separado do ambiente. Mas é
preciso ir além dessa crítica, ou da sua introjeção passiva, para fazer justiça a algo encontrado já nos primórdios do desenvolvimento da
Gestalt-terapia, em “Ego, Hunger & Aggression” (1969/1942): o valor atribuído por Perls à mastigação, à agressividade, fundamentando
nos primeiros estágios do desenvolvimento a possibilidade tão profundamente humana de criticar e elaborar a experiência.
A diferença é, portanto, começar com o sujeito experienciando já dentro do mundo, ao mesmo tempo e paradoxalmente sem haver
realmente dentro e fora, já que não há mundo objetivo ou indivíduo objetivo senão por abstração. Essa era a posição radical que Husserl
(s/d) propunha com sua fenomenologia, contrária à tendência de abstrair organismo, abstrair ambiente e depois tentar recombinar os dois
secundariamente – tendência da qual derivam os efeitos mais esdrúxulos.

É preciso poder mastigar e destruir, então, para combater a falsa idéia de que a solução dos males psico-sociais está exclusivamente na
intimidade entre seres individualizados – ou de que a intensidade das emoções é tudo que importa. É preciso mastigar e destruir para saber
que as emoções nos informam sobre o que existe ou está faltando em nós e no mundo, de modo que importa bem mais a qualidade do
direcionamento das emoções em relação ao ambiente (Miller, op.cit.) e os modos de sermos afetados por ele. Novamente como dito em
Perls, Hefferline & Goodman (op.cit.): “se toda a energia provem de dentro, perde-se a possibilidade de uma solução criativa das
contradições de superfície”, ou seja, do conflito desejo X impossibilidade, necessidade X não-realização… Isso é diferente, pois ao contrário
da idéia tradicional, self e conflito (sujeito e contexto) não se inviabilizam mutuamente. É como dizem João Bosco e Aldir Blanc em
“Transversal do tempo”:

“As coisas que eu sei de mim são pivetes da cidade; pedem, insistem e eu me sinto pouco à vontade, fechado dentro de um táxi numa
transversal do tempo…”

Falando em tempo, é hora de passarmos ao terceiro.

TERCEIRO TEMPO: UM MUNDO, UMA LÍNGUA? COMO ASSIM, CARAS-PÁLIDAS?

O terceiro tempo é a hora dos pênaltis, do inusitado, hora de jogar com a paradoxalidade da clínica psicoterapêutica, caracterizada pela
ética que propõe um compromisso entre os campos individual e social da experiência, mesmo quando trabalhamos com indivíduos
empiricamente dados.

Lembrando os dois tempos já referidos (depressivo e ansioso), vê-se que representam momentos em geral presentes em todo conflito
entre o passado e o novo, entre o já (re)conhecido e o desconhecido, entre o self-até-agora e o self-a-partir-de-agora. Esses dois tempos
também representam dois grupos de sintomas (depressivos e ansiosos) que referem muito do sofrimento típico desse início de século nos
diversos conflitos entre homem e mundo (entre parceiros conjugais, pais e filhos, povo e governo, homem e natureza, trabalhador e
(des)emprego, cidadão dentro do carro e pivete no sinal, etc.). Estados depressivos e ansiosos falam da decepção, desapontamento,
desilusão e do seu contraponto: a excitação, o desejo e a mobilização em relação ao mundo que não é como queremos, mas do qual não
podemos abdicar.

Por isso penso que os diversos estados depressivos e ansiosos podem, de certo modo, falar por outros quadros ‘clínicos’ significativos, seja
como sintoma manifesto ou conteúdo latente, por exemplo: no caso de alguém tomado de medo que sabe que deve guardar bem seu
próprio segredo; de alguém inundado de melancolia por jamais ter colocado um novo sonho num navio; de alguém revoltado, tipo bem
brasileiro, que dá pernada a três por quatro, carcará, mais coragem do que homem; ou de alguém que, para se salvar, precisou perder
realmente o mundo. Se ficar melhor em linguagem mais técnica, então, respectivamente: na paranóia, na depressão grave, no ‘transtorno
de personalidade agressiva’ e na esquizofrenia.

Estados depressivos e ansiosos são, também, a expressão mais atual de como o conflito, a desorganização, a contradição, a negatividade,
a dúvida, a tristeza, o medo, tendem a ser predominantemente tratados: como afecções que devem ser medicalizadas – o clássico ‘o
médico e o monstro’ aparece em versão mais moderna.

Assim, o projeto ‘científico’ de previsão e controle avança, de modo que o capítulo para transtornos mentais do CID-10 da Organização
Mundial de Saúde tem 100 categorias para as equivalentes 30 da versão anterior, a CID-9. Os estados depressivos e ansiosos são, a
exemplo dos demais, minuciosamente descritos, de modo a tornar possível o diagnóstico classificatório de praticamente qualquer vivência
do sujeito, confirmando a direção que o slogan de um Congresso Internacional de Psiquiatria do qual participei (Espanha, 1996), apontava:
“One World, one language” (“Um mundo, uma língua”).

Sem pretender absolutamente negar o mérito da boa e séria pesquisa clínica, penso que é preciso ver com cuidado a busca desse nível
super sofisticado de padronização de ‘patologias’ que, mesmo quando reconhecidamente geradas por fatores culturais e sociais, tendem a
ser tratadas exclusivamente como problemas individuais. A ansiedade e/ou a depressão contemporâneas são, no mínimo, tanto sintomas
culturais e sociais quanto ‘desequilíbrios’ ou doenças pessoais e ‘privadas’. E enquanto sintomas dessa qualidade, são particularmente
sensíveis à manipulação.

É certo que nossos (im)pacientes ansiosos, inquietos, perturbados, agitados, ou, ao contrário, aqueles tão profundamente tristes ou
apáticos, nos deixam inquietos, perturbados, ansiosos, às vezes bastante tristes. Então é preciso saber e poder tolerar bastante ansiedade
para fazer valer esses estados que são resposta (atenção, não ‘conseqüência’, mas resposta) ao desafio da vida humana, resposta ao que
possa haver de ruim, dolorido, desiludido ou morto nas pessoas e no mundo – e também sinal do que ainda (quem sabe?) se sonha realizar
para si e para o mundo. Ou não é verdade que nós perdemos e sofremos a cada vez que um sonho ou projeto, seja pessoal, conjugal,
grupal, institucional, social, vai à falência? Sofremos à medida em que precisamos nos diferenciar daquilo com que nos identificávamos e
porque, para não falir junto, queremos de novo nos comprometer com um novo sonho ou projeto. E a identidade (individual, grupal, etc.)
só assim vai se constituindo, continuamente em processo de auto-exo-referência, implicada com as relações de todo tipo, com a ação social
e a vida cotidiana, portanto como paradoxo homogeneidade-heterogeneidade.

Não sei se parafraseando ou subvertendo o poeta/músico (Belchior, op.cit.), posso dizer, em relação, simultaneamente, à teoria da
subjetividade e ao projeto para a clínica e a sociedade em Gestalt-terapia, que é pertinente termos tristeza e medo, se percebemos que
não fizemos nada do que dissemos – pois afinal, já não somos os mesmos nem que nós mesmos.

A possibilidade de preservação, ou ainda melhor, de (re)criação de um projeto de transformação social na clínica psicoterapêutica está,
portanto, montada sobre o tipo de resposta que possamos dar a esses dois tipos de quadros, assim como a outros:

- Se essa resposta tende à exclusão ou erradicação dos mesmos é alienante, leva à falência do sentido próprio de subjetividade e de
humanidade, porque enquanto intenciona eliminar a diferença, o conflito, a revolta, a recusa, a desobediência, a agressividade, vai levando
embora junto o interesse, a curiosidade, a atividade, a positividade. Apaziguar precocemente ‘lutas’ não concluídas (seja entre cônjuges,
entre pais e filhos, entre neuróticos e psicóticos, entre profissionais de saúde mental e gerentes de políticas, entre cidadãos e mercado,
etc.) em nome da preservação de um suposto ‘self autêntico e equilibrado’ é um projeto conservador, uma vez que só pode haver
crescimento no desenvolvimento ativo do conflito.

- Por outro lado, se a resposta da clínica tende a interpretações reducionistas, é igualmente alienante. Então toda psicologia do self
individualizado, interiorizado, fixado, cristalizado, é neurótica; assim como toda psicoterapia exclusivamente individualista ou ‘familialista’
se torna também conservadora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O ‘PLACAR’ DO JOGO

É preciso sempre lembrar que a teoria é nossa metáfora instrumental para um projeto de ação-intervenção. A teoria da Gestalt-terapia é
especialmente atrativa por ser uma metáfora relacional da subjetividade enraizada nas relações sociais, potencialmente mobilizadora do
desejo em sua natureza ativa e coletiva e, nesse sentido, também potencialmente modificadora da realidade. A clínica em Gestalt-terapia é
sempre social, porque lida com o ‘entre’, com o dar e receber, com a troca, quer se queira ou não. O que não qualifica essa abordagem
como ‘boa’ ou ‘má’ – isso vai depender do tipo de troca facilitada ou impedida nas suas práticas concretas e reais.

O projeto para a clínica e o social que para mim faz sentido nesse contexto implica muito mais em abertura do que em fechamento; implica
em capacidade de fazer da clínica (particular ou institucional, privada ou pública, o lugar onde se privilegia e se dá suporte ao conflito, à
incerteza, à alteridade, ao desconhecido, à falta de controle do que nunca terá controle. O campo da saúde mental é, assim compreendido,
o lugar de validação da multiplicidade de línguas/linguagens, e não o da sua ‘unidade’.

O projeto social da Gestalt-terapia é seu projeto clínico, cuja vocação precisa, porém, para se consumar, de uma ótica multidimensional,
processual, polissêmica, capaz de reconhecer e gerar heterogeneidade onde só se pretendia (ou admitia) homogeneidade, capaz de fazer
valer a vontade onde só havia o ‘destino’, capaz de fazer emergir (con)textos novos e imprevistos onde só havia a figura do mesmo – ou do
si-mesmo.

Estejamos nós, terapeutas, com um paciente classe (ainda)média no consultório particular ou com um grupo de ‘loucos’ marginalizados
numa das instituições (semi)públicas de nosso país, saibamos que

“O que transforma o velho no novo bendito fruto do povo será. E a única forma que pode ser norma é nenhuma regra ter. É nunca fazer
nada que o mestre mandar. Sempre desobedecer Nunca reverenciar.”
(Belchior, “Como o diabo gosta”)

Não é um projeto tão tranqüilo, nem sempre suave, esse que proponho. Mas, do modo como vejo, se o projeto de intervenção e
transformação social da Gestalt-terapia vai à falência, vai também pelo mesmo caminho todo seu projeto clínico.

Então, que seja assim, trabalhoso e incerto. Ao usar no título dessa apresentação o termo ‘desengano’ pretendi evocar seu sentido
inevitável de ‘desilusão’, mas também o de ‘franqueza nas palavras e ações’. Espero que possamos encarar assim o trabalho e a incerteza:
não para que ‘morramos cansados de guerra’, mas para que talvez possamos viver ‘de bem com a nossa terra’*.

Obrigada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTEL, R. (1987) A Gestão dos riscos: da anti-psiquiatria à pós-psicanálise. Rio de Janeiro, Francisco Alves.

HUSSERL, E. (s/d) A idéia da fenomenologia. Lisboa, Edições 70.

MILLER, M. V. (1980) Notes on art and symptoms. The Gestalt Journal, vol. III, n. 1, Spring.

OMS (1993) Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: Descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto
Alegre, Artes Médicas.

PERLS, F.S. (1969/1942) Ego, hunger and aggression: the beginning of Gestalt-therapy. New York, Random House.

PERLS, F.S., HEFFERLINE, R.F. & GOODMAN, P. (1977/1951) Gestalt-therapy: excitement and growth in the human personality. New York,
Bantam Books.

BIBLIOGRAFIA

DUMONT, L. (1993) O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro, Rocco.

FIGUEIREDO, L.C.M. (1992) A invenção do psicológico: quatro séculos de subjetivação. São Paulo, EDUC.

SCHNITMAN, D.F. (org.) (1996) Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre, Artes Médicas.

TÁVORA, C.B. (1994) Psicoterapia e individualismo: análise teórico-prática dos limites e possibilidades de um projeto para a clínica no
discurso da Gestalt-terapia. Dissertação de Mestrado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

____________. (1999a) Do Self encapsulado aos Selves processuais e construídos: atualidade da Gestalt frente aos novos paradigmas em
psicologia e psicoterapia. Revista de Gestalt, 8:7-15

——————————————————————————–

* Em referência a Guimarães Rosa e Chico Buarque de Hollanda.

NUEVOS APORTES AL ENFOQUE GESTALTICO: SU


INSERCION EN EL PRESENT Y SU PROYECCION FUTURA
Mesa Redonda
VI Congreso Internacional de Gestalt 
17 de junio de 1995
Carlos Alberto Vinacour
Hace unos meses apareció en Buenos Aires un nuevo libro de psicoterapia
gestáltica. Como tantos otros buenos libros del tema, lo editó nuestro amigo
Pancho Huneeeus -de Chile-
a través de su editorial Cuatro Vientos. Se llama “Fundamentos de la
Gestalt” y está escrito por Joel Latner un gestaltista norteamericano del
grupo que junto con Tobin y Yontef, se han preocupado por profundizar en
la teoria de la gestalt.
En el prologo Pancho transcribe una carta de Latner en donde entre otras
cosas dice:
” … aquí, en el país de la no-historia, no está en boga (se refiere a la
Terapia Gestáltica), incluso diría que está en el otro extremo de lo que fue
su posición de bastante notoriedad de hace veinticinco años atrás (la carta
esta fechada en enero del ’93, hace dos años y medio). Ya no está en la
mirada del público ni de los profesionales. El interés acá ahora no es ni
generoso ni sofisticado. Más bien, esta puesto en los tratamientos breves,
de bajo costo, y para problemas específicos: alcoholismo, depresión…”
Más adelante agrega: “…Muchos de los que se vieron atraídos a la TG
porque veían en ella una promesa de solución rápida y total, la han dejado
en favor de otras cosas. Hay menos contribuciones de artículos al Gestalt
Journal y en su mayoría son intentos de alinear a la Gestalt con intereses
convencionales tales como el desarrollo infantil….”
En los últimos parrafos concluye diciendo: “…el legado de Fritz ha sido
familiar a muchos con unas pocas cosas acerca de la TG, las técnicas de la
silla vacía y la silla caliente. Si es que hubo más ha sido olvidado. También
(se) ha limitado la TG de haber sido una parte vital y desafiante de la
psicoterapia y el tratamiento (hasta llegar) a ser solo un enfoque marginal
de influencias orientales diluidas, y (no más que) la suma de unas cuantas
técnicas dirigidas a la confortable e inhibida clase media con dificultades de
expresión.”
Pancho agrega en ese prólogo que el piensa que “la TG californiana de los
años 60 no se ha perdido del todo…” “…en todo caso, la Gestalt no está en
vías de extinción, ni mucho menos -aunque sí está evolucionando.” dice el.
Quisiera tomarme el atrevimiento de plantear una frase platónica que hace
al asunto que tratamos:
LO QUE ESTA ATRAVESADO POR EL TIEMPO NO PUEDE PERMANECER
IGUAL A SI MISMO. ES Y DEJA DE SER TODO EL TIEMPO. ESTA
NECESARIAMENTE EN UN CONSTANTE CAMBIO. EN OTRAS PALABRAS, LO
MORTAL ES SIEMPRE DIFERENTE A SI MISMO. SINO SERIA DIVINO,
PERTENECERIA AL ORDEN DE LOS DIOSES.
Y pensando en un sentido más heideggeriano, lo verdadero, sea lo que
fuere lo verdadero, yo creo que está más del lado de lo mortales que de los
dioses, es decir del lado del cambio: está atravesado por el tiempo.
Este prologo viene a cuenta porque para hablar de la gestalt, su inserción
en el presente, la crisis por la que aparentemente pasa, según Latner, y su
posible proyección en el futuro, creo que primero hay que tener muy en
cuenta de donde parte.
El primer libro de Perls “Yo, hambre y Agresión”, data de 1947, y si bien ahí
empieza a exponer sus primeras ideas originales, lo hace todavia un poco
atado a su bagaje freudiano, es en realidad un libro de transición.
En contraposición el segundo escrito, que aparece cuatro años más tarde,
en 1951 ya está sólidamente edificado en su concepción gestáltica.
Ese libro se llama “Gestalt Therapy” y son en realidad dos volúmenes. El
primero volcado más a las aplicaciones prácticas está escrito en
colaboración con Ralph Hefferline, un catedrático de la Universidad de
Columbia, y el segundo de claros contenidos teóricos está escrito en
colaboración con Paul Goodman.
Esto último es un dato que a mi entender se ha dejado muy de lado y no se
le ha dado el peso que creo tiene.
Perls, si bien es el representante más conocido de los inicios de la Gestalt,
no es en cambio su único fundador.
El libro que funda la Psicoterapia Gestáltica fue escrito por tres autores,
verdaderos padres del movimiento gestáltico.
Quiero detenerme especialmente en uno: Paul Goodman. Entre otras cosas
porque la influencia de Hefferline fue en verdad escasa. Ha sido solo un
investigador circustancial de técnicas y no conozco mas que su coautoria en
el libro mencionado.
Paul Goodman en cambio ha tenido en el movimiento gestáltico una
influencia ideologica mucho más importante que la que generalmente se le
reconoce.
Goodman es junto con Norman Brown el líder de la contracultura
norteamericana de los años sesenta. Goodman y Brown fueron en los
EE.UU. lo que Marcuse fue en Europa. Y para mi no es casual la referencia
de que sea con Goodman con quien Perls escribe los elementos teóricos de
su Gestalt Therapy.
QUE ES LA CONTRACULTURA
La contracultura norteamericana, junto con el mayo francés y algunos
movimientos de liberación latinoamericanos son los primeros movimientos
sociales, si pueden llamarse tales, que creo yo, denuncian la crisis de la
modernidad.
QUE ES ENTONCES LA MODERNIDAD
La modernidad ha sido el planteo filosófico que nos ha regido en los últimos
4 siglos.
La tesis de la modernidad (que se inicia en el Renacimiento en los siglos XV
y XVI) dice que solo desde la verdad racional se puede entender la realidad.
La Razón es la gran ordenadora y es la que asegura el progreso social, la
libertad, la soberanía de los pueblos y la justa distribución de las riquezas.
Todo es posible bajo el imperio de la razón y el progreso tecnoindustrial,
dice la modernidad.
Lo medular del proyecto moderno es:
A) un mundo diseñado racionalmente,
B) la fe ciega en la experimentación científica.
En los año sesenta esto está haciendo agua, es la época de la guerra fría,
Vietnam, los norteamericanos sienten la bomba atómica sobre sus cabeza.
En este estado de cosas surgue la contracultura; los movimientos
contraculturales norteamericanos denuncian todo esto, los jóvenes hippies,
los beatnicks y la nueva izquierda estudiantil americana irrumpen
planteando la necesidad de una nueva cultura en donde lo no intelectivo, es
decir la sensibilidad y el sentimiento, pueda prevalecer por sobre la
tecnocracia y puedan crear un nuevo paradigma de bondad, verdad y
belleza, frente al paradigma del consumismo, el status social y las guerras.
Es decir plantean una guerra abierta a lo racional, a lo intelectivo.
Hay que volver al hombre natural, dicen, y crear comunidades a la medida
del hombre.
Siempre que elementos no humanos, es decir culturales, doctrinas,
ideologías o bienes materiales, adquieran una importancia mayor que las
necesidades de la vida humana y el bienestar tendremos alienación.
En ese sentido siguen diciendo, el terrorismo revolucionario (una doctrina)
es solamente la contrapartida de la explotación capitalista.
Figuense como este que es el planteo de la contracultura lo es tambien de
la gestalt.
La conclusión es que la Gestalt no aparece solamente como una respuesta
al psicoanálisis acartonado y rígido de los 50, es la terapia que da el
sustento psicológico a la contracultura.
COMPAREMOS
TESIS N°1
A) CONTRACULTURA: La tesis de los 60 era rebelión, protesta social y
experimentación y expresión del afectos.
B) TERAPIA GESTALTICA: La tesis central de Perls, que plantea junto con
Goodman en Gestalt Therapy, es que los conflictos internos no son el tema
de la psicoterapia, si dejamos funcionar al organismo, el sistema interior
espontáneamente se autorregula, el problema surge cuando lo social se
introyecta y desorganiza a ese sistema interno. Gran parte de la
psicoterapia consiste en desenganchar las fuerzas externas para que no
molesten dentro y causen disturbios en la autorregulación organísmica.
Si el individuo logra virar un exceso de atención puesta en las exigencias
socioculturales y permite centrarse en los procesos del darse cuenta que lo
conectan con su sí-mismo, el organismo por sí solo logrará su
autorregulación y por lo tanto su equilibrio.
Dice Perls en Exploration and Human Potentialities de 1966: “La
competitividad, la necesidad de control, la exigencia de perfección y la
inmadurez son características de nuestra cultura actual. De este trasfondo
es que emerge la maldición y la causa de nuestra conducta social neurótica.
En un contexto así ninguna psicoterapia puede ser exitosa”.
TESIS N°2
A) GESTALT: La otra gran tesis de la gestalt es la dignificación de la
agresividad.
El planteo es que no hay que desconectarse de las cargas agresivas sino
mas bien dejarlas expresarse. Cuando nos comportamos de forma urbana y
educada, perdemos de vista nuestro pasado prehistórico donde la fuerza y
la agresividad fueron parte de nuestro compartimiento, de la misma manera
que las emociones tiernas. Los entornos urbanos de la tecnocracia
restringen este lado de nuestra naturaleza, la gestalt terapéutica de Perls
propone la libre expresión de las emociones agresivas.
B) CONTRACULTURA: Paralelamente la gestalt sociológica de Goodman
considera que la no violencia de los pacifistas a ultranza es innatural e
inaceptable y que para evitar la guerra y la destrucción, lo natural es la
pelea a puñetazos de los manifestantes antivietnam, que permite que la ira
se manifieste.
TESIS N°3
Por último el Goodman propulsor de las comunas a la medida del hombre y
el Perls instalado en Esalem o diseñando el kibut gestaltico de Canadá, son
solamente dos manifestaciones del mismo espíritu político y filosófico.
Hasta donde yo se, nunca antes una escuela psicoterapeutica se había
identificado tanto con una propuesta de cambio social y nunca antes una
psicoterapia fue tan identificada por el gran público con un movimiento (el
contracultural).
Aceptémoslo hoy a mediados de los noventa las propuestas del movimiento
contracultural no prosperaron.
La gestalt como parte de un proyecto terapéutico demostró que pueden
hacerse cosas bastante interesantes más alla de los rígidos acartonamientos
psicoanalíticos de los años cincuenta, y la comunidad terapéutica inteligente
lo asimiló.
En cambio la gestalt como proyecto socia, fue ampliamente absorbida por el
sistema. Los yeans rotos del hipismo hoy tienen marca y son muy caros, las
comunidades, son una rareza y no el paradigma del cambio, el Bill que
fumaba marihuana y manifestaba frente a la Casa Blanca hoy es presidente
y el teórico de la liberación americana rige los destinos del Brasil y acaba de
enfrentar una huelga petrolera que duró cerca de 30 días.
COROLARIO
Absorvido el movimiento contracultural por el sistema, la psicoterapia quedó
sin bases de sustentación, porque Perls no fue prioritariamente a pregonar
la Gestalt a Harvard sino a Esalem, y esto no es una crítica sino una
observación.
POSTMODERNISMO
Hoy en los 90 sentimos desde esta época signada por lo postmoderno que
lo que parecía que eran respuestas no eran respuestas.
Aceptémoslo, estamos en la dramaticidad de lo irresuelto. La denuncia de
los años sesenta sigue tan vigente o más pero los caminos de resolución no
fueron satisfactorios.
Vivimos una época en que se siente que se perdieron las referencias, las
certezas se debilitaron, las ideologías murieron.
La abundancia de algunas regiones se acelera pero el futuro está
definitivamente deshumanizado.
Habitamos una época donde la sensibilidad y la creatividad del hombre
hablan sobre la incertidumbre frente al mundo.
La modernidad se cayó, se agotó el proyecto que la sostenia, el hombre se
siente vacío y el progreso tecnoindustrial agudiza cada vez más las
diferencias materiales y presagia oscuridad. El proyecto moderno no pudo
concretarse; más aún los resultados de su cruzada se muestran en las
antípodas de lo que anticipaba la Razón como fundadora de todas las cosas.
El hombre se siente manejado por las lógicas de lo tecnourbano-masivo-
consumista. Todo está regido por los mensajes de los medios masivos de
comunicación que le hablan a un hombre que detrás de la pantalla del
televisor está indiscriminado y masificado.
Esta es la condición postmoderna, expuesta en el desencantamiento de la
existencia, el presente suena a inmodificable y está saturado de mensajes y
escenografias huecas.
La situación del hombre actual es una situación de intemperie.
El hombre de los 60 tenía sueños y esperanzas. El de mediados de los 90
esta desencantado y ya no cree en sueños de liberación.
El gran problema de la postura postmoderna es que solo atina a hacer la
denuncia. A diferencia de otros momentos de la historia, por ahora no
aparecen respuestas. Las que hasta este momento surgieron, aceptémoslo,
NO FUNCIONARON. Y la tecnocracia sigue avanzando.
Estamos en un momento de la historia en que buscamos respuestas y no las
hallamos. Creo que a la gestalt le pasa lo mismo. La gestalt californiana de
los 60, perdió sus comunidades y su contracultura, nació muy atada a un
proyecto de cambio social, desde el principio pregonó que no era solo una
forma psicoterapeutica, sino también una filosofía de vida. Se puso los
ropajes y alentó la postura contestataria. Pero hoy Esalem es solamente un
centro de descanso para la “confortable e inhibida clase media de Los
Angeles con dificultades de expresión” como dice Latner.
Pero lo que fracasó a mi entender fueron los caminos propuestos por la
gestalt sociológica. Y hemos estado tan preocupados por la psicologia que
olvidamos profundizar en la sociologia.
Para colmo, le hemos prestado más atención a las técnicas por un lado y tal
vez a los caminos comunitarios dificiles de viavilizar por otro lado. Todo esto
pudo haber sido bueno en un momento.
Pero nos hemos olvidado de profundizar en la teoría psicológica por una
parte y en compatibilizar la teroria sociologica con los momentos actuales,
por la otra.
Si volvemos a las fuentes podremos ver, que allí todavía hay mucho. El
Perls psicoterapeuta no se equivocó, profundicemos en su visión holística,
en su concepción del proceso del sí-mismo como objeto de la terapia, en su
postura sobre la teoria de campo y en su visión buberiana del hombre, que
creo era mucho más profunda de lo que el mismo admitía y veremos que
allí hay todavia mucho campo por estudiar y discutir.
El espíritu de los sesenta no se ha perdido del todo, concuerdo con Pancho,
la gestalt como psicoterapia no ha fracasado. Fracasó un proyecto social en
el que se embarcó.
Pero entiendame bien yo creo que asumir la postura gestáltica es
necesariamente adherirse a una postura contestataria frente al mundo. No
se puede ser en gestalt terapeuta de consultorio.
Profundizar más en la gestalt psicológica no supone renunciar a la gestalt
sociológica.
Pero creo que la postura sociológica de los 60 necesita actualizarse.
Como tambien creo que los gestaltistas argentinos no nos hemos puesto a
pensar demasiado porque la gestaslt acá surgio a mediados de los 70,
justamente en una época oscura y violenta de nuestra historia.
Como gestaltistas sabemos que identificarse con uno solo de los polos
puede deparar problemas.
En definitiva: seria bueno profundizar más las posturas teóricas y filosóficas
de la gestalt; pero son las posturas sociológicas las que necesariamente
debemos actualizar.
Yo creo que la gestalt sociológica tal vez puede acercarse a los nuevos
planteos de políticas sustentables que sintomaticamente han comenzado a
estudiarse en el seno mismo de las Naciones Unidas y que ¡OH
CASUALIDAD! responden en mucho al espíritu de las propuestas de
Goodman.
Creo que los gestaltistas como psicoterapeutas sabemos de sobra la
necesidad de renunciar a nuestro papel de agentes de cambio, tal como lo
propone Arnold Beisser, con su fundante teoría paradójica del cambio. Sin
embargo en nuestro rol comunitario debemos asumir que ser gestaltista es
adoptar necesariamente una postura de agentes de cambio social ya que
retomando la idea de Perls en un contexto enfermo ninguna psicoterapia
puede ser exitosa.
11 3842 8939 / 11 3849 1983
RUA FERREIRA DE ARAUJO, 652 - PINHEIROS - SÃO PAULO - SP

LA QUESTION DEL SER EN LA TERAPIA GESTALTICA


Argentina Magazine Gestalt nº 2, 1995 pag. 10-11

Carlos Alberto Vinacour

En junio de 1995 se realizará en Buenos Aires el VI Congreso Internacional y I Nacional de Terapia Gestalt.

Para dicha ocasión he de presentar una ponencia a la que titulé “El proceso del sí-mismo-cabe-el-mundo: foco de atención del terapeuta
gestáltico”. Las normas del Congreso plantean que dicho trabajo debe ser inédito, razón por la cual no tengo la oportunidad de difundirlo
sino hasta ese momento. Pero en líneas generales planteo que si bien la búsqueda de Perls en un sentido filosófico puede estar referida al
Ser su intención en la práctica clínica se ha dirigido desde mi punto de vista, a lo que ha dado en llamarse el proceso del sí-mismo, razón
por la cual estudiar autores que como Kohut y Daniel Stern han sido profundos investigadores de esa instancia psíquica, nos permite
profundizar nuestra tarea como gestaltistas. Hago luego una reseña de por que creo que el foco no está solo en el sí-mismo sino en una
unidad más compleja que prefiero llamar el proceso del sí-mismo-cabe-el-mundo para diferenciarla de el ser-en-el-mundo de los
pensadores existencialistas, esta unidad holística remite a lo que en terapia gestáltica es uno de sus pilares, la teoría de campo.
No voy a detenerme aquí en consideraciones sobre el sí-mismo o la teoría de campo, a los interesados les invito a escuchar la charla que
daré en ese Congreso.

Lo que quiero aquí es detenerme en una frase que digo en ese trabajo y no desarrollo. Allí afirmo que si bien en la terapia gestáltica el foco
de atención es el proceso del sí-mismo-cabe-el-mundo, ella se dirige al Ser, afirmación cuanto menos oscura que me deseo aclarar.

Un método psicoterapéutico busca entender instancias psíquicas que permitan un mejor entendimiento de la problemática humana. No
obstante bajo ese manto se esconde siempre un supuesto filosófico, una mirada más profunda que no solo predende responder a la
pregunta básica de la psicología (¿cómo puedo ayudar a esta persona que sufre?). Bajo la práctica clínica se incluye siempre una metafísica
y una visión ontológica que dan al sistema su coherencia y sobre el que se funda una ideología que el terapeuta implícitamente sostiene, lo
sepa o no.

¿Quiénes somos?, ¿de dónde venimos?, ¿hacia dónde vamos?,¿ cuál es la escencia de nuestro Ser?. Estas son preguntas básicas que
subyacen en el fondo de la persona y de la psicología como ciencia.

Pero… ¿qué es el Ser?. El Ser, es en verdad, objeto de estudio de la filosofía, es un concepto filosófico antes que psicoterapéutico.

Para los primeros filósofos, parte de su búsqueda estaba centrada en definir y comprender el concepto del Ser y sobre todo su esencia
(ontología). Encontramos así tantas definiciones del Ser como filósofos. Pero es en este siglo donde Heidegger, uno de los padres del
existencialismo (aunque el mismo no se define como tal) marca una ruptura al sostener que la historia de la filosofía occidental es la
historia de un gran olvido, el olvido del Ser; en la búsqueda de la esencia se ha olvidado al Ser.

Heidegger plantea un profundo y gran cambio, aunque está todavía centrado en el logos, en la comprensión “razonada” del Ser.

Es por fin, con Buber donde el Ser deja de ser una abstracción; la búsqueda de la esencia y el esfuerzo por la comprensión del Ser llevó a
los hombres a omitir los aspectos humanos del Ser,

Heidegger hizo la denuncia, intentando llegar a la esencia se olvidó al Ser. Buber retoma y profundiza el problema, su planteo nos dice que
intentando comprender al Ser se olvidó al Hombre, al Existente. Para Buber el Ser deja de ser una abstracción para empezar a ser un acto,
un acontecer.

Al tomar el hombre conciencia de sus vicisitudes, la búsqueda de

la esencia del Ser deja de ser relevante. El Ser como abstracción perfecta cede su importancia y el foco de atención pasa a ser el
“existente” (dasein), que es un modo particular de Ser, es el ser con conciencia de su Ser.

Perls se define básicamente como un existencialistas, su inquietud está puesta en “sentir la existencia”; en su planteo subyace la profunda
noción existencialista de que “existencia es esencia”.

Pero Perls es también un buberiano. La noción de encuentro, remite al diálogo existencial Yo-tú y su famosa poesía gestáltica, tantas veces
repetida y tantas otras mal entendida es una declaración de principios profundamente buberiana.

Martín Buber, filósofo alemán contemporáneo a Perls, produce uno de los quiebres mas importantes en el pensamiento filosófico, rompe
con los planteos subjetivista y objetivista; el eje de atención buberiano deja de ser el sujeto o el objeto, y comienza a ser la categoría
relacional del “entre”, el espacio que existe entre dos personas:ESTE ES EL LUGAR DEL SER Y DE LA TRASCENDENCIA.

Deja, por lo tanto, de plantearse al Ser como esfera del sujeto. Adentro y afuera ya no son categorías pertinentes, lo que importa es el
ENTRE; el gran planteo de Buber es que el hombre se constituye como hombre en el ENTRE, en el encuentro, en el diálogo existencial,
aquel que se da libre de máscaras y roles, el que se produce de corazón a corazón.

si bien Buber es un dualista, establece un dualismo totalmente distinto y revolucionario para su época. Hasta ese momento la visión que se
tiene del yo es que es siempre el mismo. El yo se relaciona con el mundo pero permanece inmutable, sigue siendo siempre uno y el mismo
“yo”. Con Buber esto cambia, el dualismo se integra a la persona. En su relación con el mundo, el yo es en un instante de una manera y en
otro es de otra; es constitutivamente diferente en distintos momentos, adquiere distintas formas de estar en el mundo. La dualidad está en
la persona; depende de qué relación entable con el mundo, será de una forma o de otra.

El planteo buberiano parte de entender que el yo no existe aislado, es siempre en relación a algo o a alguien. EL YO ES

RELACIONAL. Buber rescata el yo relacional y plantea que cuando se dice yo, no se dice solamente yo. Instaura la categoría metafísica del
yo-tú, con el guión, para dejar establecido que es una sola palabra, la palabra primordial yotú.

No existe un yo aislado, existe un yo-tú o existe un yo-el. Estas son las dos palabras primordiales que definen a la persona en relación,
única manera de poder ver al Ser entero, una manera eminentemente holística.

Pero entiéndase bien el planteo de Buber no es psicológico es ontogenético, Buber no se ocupa de cuestiones psicológicas, el yo-tú es una
categoría metafísica. La gran genialidad de Perls ha sido llevar a una instancia psicológica un profundo planteo metafísico, con lo que la
terapia gestáltica es tal vez la expresión psicoterapeútica más acabada del planteo buberiano (lauros de los que también se sienten
acreedores los psicodramatistas morenianos).

Siguiendo con Buber, el plantea que el encuentro entre dos semejantes resignifica el mundo, aunque en verdad este encuentro no le
pertenece ni a uno ni al otro.

Pero… ¿ qué es el encuentro?, una definición posible seria afirmar que es compartir una determinada sensibilidad que me hace comprender
la interioridad del otro, porque encuentro siempre es con otro, aunque no sea simétrico. (En términos buberianos relación alude a
encuentro y este a dialogo yo-tú. Al hablar de vínculo nos remitimos al yo-ello).

Pero encuentro es algo más, el encuentro del que habla Buber es un hecho extraordinario, ya que si no lo llega a ser, no hay encuentro. El
tiempo y el espacio cambian en la relación; en este marco el antes y el después dejan de existir, el tiempo no funciona en sentido interno.
Al darse la relación yo-tú, que es la relación propia del encuentro, se percibe una emoción cósmica, una sensación de presencia plena, una
sensación de que pertenecemos al cosmos.

La hipótesis de Buber es que cada encuentro, cada tú, nos conduce al Tú Eterno.

Buber dice que la vida autentica se desarrolla en el filo de la navaja, comprometido fuertemente con las circunstancias. Vivir en serio sería
vivir en riesgo, en el sentido de la entrega y el compromiso con el ser entero. Vivir en serio es poner el cuerpo.

Pero el Yo-tú es el figurar de un devenir, es un relámpago, ya que sostener la disposición la intención y la apertura, es un hecho que
trasciende la propia voluntad. En el encuentro yo-tú hay intencionalidad, pero esta no es condición suficiente ya que el diálogo existencial
está en el orden del deseo no de la voluntad.

Por eso todo encuentro yo-tú está condenado en algún momento a transformarse en un vínculo yo-ello.
Entre el yo y el tú no se interponen ni fines, ni placer ni anticipación, en cada encuentro yo-tú reluce algo de la presencia divina ya que mi
tú no es un tú entre tues, en verdad el llena todo el horizonte por eso rompe las categorías. Si todo esto sucede en el diálogo existencial,
en el vínculo yo-ello en cambio se dan otro tipo de experiencias menos trascendentes. El ello es un objeto pasivo de mi experimentación, es
manipulable, es un objeto de uso, en la relación con el tú se entabla un diálogo que no nunca se entabla con el ello. Además el tu no tiene
confines porque no es aprehensible, no es manipulable, no es previsible, no está, como el ello, sometido a ninguna forma de dominio por el
yo.

En el vínculo yo-ello no hay presencia, en el sentido de estar con el ser entero.

Si la relación yo-tú está basada en el amor, el vínculo yo-ello esta fundado en el uso, por eso no hay diferencias fundamentales entre cada
ello, todos son en el fondo iguales, solo objetos de uso reemplazables.

Este es el tipo de relación que propone el terapeuta gestáltico.

Si el psicoanalista fomenta la neurosis de transferencia (y por ende un vínculo yo-ello), el gestaltista fomenta la difícil propuesta de llegar al
yo-tú, como modelo básico para despertar la conciencia de que el diálogo existencial es posible, deseable y por sobre todo es la experiencia
cumbre que abre la posibilidad de la conexión profunda con el Ser y por supuesto con el Tú Eterno. Abre la gran aventura del crecimiento.

COMENTARIOS SOBRE FENOMENOLOGIA GESTALTICA


Carlos Alberto Vinacour

A. Ejemplo 1

Imaginemos la siguiente escena. Un europeo en pleno siglo veinte se encuentra en una hermosa pradera compartiendo con su hijo una
caminata. De repente, el cielo se oscurece y el apacible día soleado deja paso a una abrupta e impensada tormenta de verano. Las ramas
de los árboles comienzan a crujir. Fuertes vientos se levantan y golpean la cara de los dos desprevenidos paseantes. El niño se asusta.

-Papá, tengo miedo ¿Qué es esto?

-Nada serio hijo, es solo una tormenta. Como ves llueve. Son frescas gotas de agua que caen. Aprovechémoslas, hasta ahora el calor era
agobiante. Te propongo quedarnos bajo un árbol y disfrutar.

-¿Pero, por qué llueve papá?.

-Es un fenómeno meteorológico. Una nube cargada de vapor de agua se encontró en la atmósfera con una masa de aire muy frío, el vapor
se condensó y cae en forma de gotas de agua. Eso es todo, no hay porqué asustarse.

Si pensamos la escena en la misma pradera seiscientos años antes de Cristo, en la Grecia antigua, el diálogo hubiera sido algo diferente

-¿Qué es esto papá? Pregunta el niño.

-Algo muy auspicioso hijo. Son las lágrimas de Zeus, señor del cielo, dios de las lluvias y acumulador de nubes.

-¿Pero, por qué llora?

-Démeter vio nuestros campos secos, se apenó por nuestras cosechas y debió pedirle a Zeus que se apiadará de su pueblo. Zeus ha
cumplido haciendo brotar de sus ojos las lagrimas que ves en la tierra. Los dioses están con nosotros y hay que agradecer lo que están
haciendo. Debemos ir ahora al templo de Delfos y dar una ofrenda por este regalo del Olimpo.

Ejemplo 2 (tomado de Bateson G. Metálogos: ¿Qué es un instinto? En Pasos hacia una ecología de la mente. Ed. Carlos Lohlé. Bs. As 1976.
Pg. 65)

Hija: Papá, ¿qué es un instinto?

Padre: Un instinto querida, es un principio explicativo.

H.: ¿Pero que explica?

P.: Todo… casi absolutamente todo. Cualquier cosa que quieras explicar.

H.: No seas tonto. No explica la gravedad.

P.: No, pero eso es porque nadie quiere que el “instinto” explique la gravedad. Si lo quisieran, lo explicaría. Podríamos decir que la luna
tiene un instinto cuya fuerza varía inversamente al cuadrado de la distancia…

H.: Pero eso no tiene sentido papá.

P.: Claro que no, pero fuiste tú la que mencionó el instinto, no yo.

H.: está bien… ¿pero qué es lo que explica la gravedad?

P.: Nada querida, porque la gravedad es un principio explicativo.

H.: ¡Oh!

Conclusión
Cada vez que observamos un fenómeno primero lo llenamos de sentido –“estas son gotas de agua” o “estas son lagrimas de Zeus”- y luego
intentamos buscarle una causa – “el vapor se condensó al chocar con una masa de aire frío” o “los dioses están tristes al ver nuestros
campos secos”-

B. El Porque de las causas

Dice Nietzsche: “Hablemos de la cronología de la causa y el efecto. El hecho fundamental de la experiencia es que la causa se imagina una
vez que el efecto tuvo lugar. Lo que llamamos efecto es en realidad la causa de la causa.”

En otras palabras, el efecto es el disparador de la causa.


Toda vez que observamos una conducta, solo en ese momento, estamos en condiciones de elaborar las causas de esa conducta. ¡Nunca
antes!.

Esto es lo que llevaba a Borges a afirmar que: “las causas son falibles…”, es decir inciertas, engañosas, “…los hechos no”. Solo los hechos
son una realidad cierta.

Dicho de otra forma, podemos afirmar que:

- No hay causa anterior cierta.

- No hay nexo cierto seguro entre causa y efecto.

Todas nuestras afirmaciones sobre las causas son construcciones; algunas altamente sofisticadas, sin duda, pero solo construcciones que
sirven para intentar explicar lo que en verdad es inasible y pertenece al terreno incierto de la elucubración.

La realidad es tan compleja que es inabordable, o por lo menos abordable parcialmente por la razón y sus métodos.

Son tantos los factores que anteceden a una conducta y a su vez esta repercute en tal cantidad de eventos, que, parafraseando a Jean
Ambrosi (terapeuta gestáltco de origen francés), produce vértigo.

Ambrosi dice: “Es todo movimiento, infinidad de movimientos que nosotros no podemos reducir a ecuaciones o precisar a partir de causas.
El fenómeno de la conducta no es aprensible ni comprensible”.

Existe un carácter arbitrario que construimos en cada nexo, y no advertimos que inventamos nexos a través de la razón. Nunca hay datos
ciertos, reales o verdaderos, son constructos que hace nuestra conciencia.

Hemos educamos, incluso a nuestros sentidos, con la ideología racionalista de la causalidad.

Estamos profundamente absorbidos por la razón, no sólo en el terreno de lo cognitivo sino también en el de los sentimientos y las
sensaciones, que sucumben frente al filtro racional.

Tenemos un estilo de dar cuenta de los hechos, aun de aquellos que pertenecen al terreno de los sentimientos y de lo sensorial, que es a
través de la explicación.

Entiéndase bien, no es que no haya condiciones para que se produzca determinado acontecimiento. No es que no haya causas. Lo que
sucede es que primero tiene que existir el efecto para después elaborar una construcción que nos permita “entender” cuales fueron las
condiciones determinantes de ese suceso.

Creo que esta es la máxima esclavitud a la que estamos sujetos: suponer que los datos son la realidad.

Husserl se revela contra esto y plantea: “no expliquemos, solo describamos”. Esta es la base de la fenomenología.

Sin embargo la descripción de un fenómeno no es menos inocente que la explicación causalista.

A pesar de que permite desligarnos del origen de los hechos, la fenomenología, al seleccionar y priorizar determinados aspectos del
fenómeno por sobre otros, se vuelve necesariamente selectiva y poco inocente.

Creo que esto sucede, entre otras cosas, porque del fenómeno, uno nunca podría describir la totalidad. Es imposible hacerlo. No nos queda
más remedio que seleccionar “arbitrariamente” (¿o deberíamos decir objetivamente?) algunos datos y armar con ellos una descripción.
Descripción que por el carácter selectivo del armado pierde ingenuidad.

Con todo Husserl no logró romper con la ideología racionalista explicativa. Se quedó preso en una teoría explicativa del procedimiento
intencional de la conciencia.

El también buscaba las causas, la verdad última, la explicación, pero con otros métodos. Husserl plantea otra ruta, pero llega al mismo
destino.

C. El sentido de las Cosas

Aclaremos, no es que las cosas no ocurran libres de causas, por supuesto que ocurren, pero dentro de un campo explicativo en que uno
está dándole un sentido al fenómeno.

No hay posibilidad de que exista un acontecimiento puro; los acontecimientos son dentro de un campo de sentido, y el campo es una
construcción absolutamente arbitraria que pretende explicar un fenómeno dándole no solamente una causa sino también un sentido.

Determinados campos del habla constatan determinadas realidades y no otras.

Es por lo tanto una arbitrariedad, dar sentido de Verdad a una subjetividad, (o si se quiere a un constructo social, o a una interpretación de
la época o de la ciencia de esa época).

Kant explicaba esto diciendo: “ No hay hechos en sí, hay hechos para.”

No hay fenómenos en sí, hay fenómenos para un campo. No hay “sí mismo” en sí, hay “sí mismo” para los gestaltistas. No hay superyo en
sí, hay superyo para los psicoanalistas. No hay lluvia en sí, hay lluvia para la meteorología.

No es que no hay cosa, por supuesto que hay. Pero lo que hay es cosa para un sistema de pensamiento. Armamos “la cosa” utilizando las
reglas de un sistema, y a la conclusión a la que llegamos le damos estatus de verdad, pretendiendo que esa es una verdad que excede al
sistema dentro del cual fue creada.

Lo que olvidamos o nunca decimos es que los sistemas verifican siempre al interior, se autoverifican, se autoafirman, por lo que no pueden
hablar de verdades. Por ejemplo, el superyo, se autoverifica constantemente dentro del desarrollo de la teoría psicoanalítica.

Esto se complementa con el planteo de Godel (1931) que sostiene que ningún sistema puede probar desde sí mismo sus propias
proposiciones. Por ejemplo, si bien el superyo se autoafirma en el desarrollo de la teoría del psicoanálisis, no es menos cierto que el mismo
psicoanálisis no puede probar de manera fehaciente su existencia. Como plantea Bateson en el Metálogo del ejemplo anterior: ¿qué es lo
que explica la gravedad?. Nada, porque la gravedad es un principio explicativo.

En el mismo sentido el superyo es en el campo psicoanalítico un principio explicativo, al igual que el sí mismo lo es para muchos
gestaltistas.

Borges decía: “toda clasificación del universo es arbitraria y conjetural. Por una razón muy simple, no sabemos que es el universo.” El
filósofo argentino Luis Jalfen proponía cambiar la palabra universo por la palabra cosa (todas las cosas, cualquier cosa, no solo el universo),
la frase se vuelve mucho más amplia y dramáticamente válida.
Perls pide en el prefacio de Ego, hambre y agresión “una depuración despiadada de todas las ideas meramente hipotéticas, especialmente
de aquellas hipótesis que se han transformado en convicciones rígidas, estáticas, y que en la mente de algunos se han impuesto como
realidad más que como teorías flexibles”.

Se ha hablado hasta el cansancio de las posturas anti-teóricas de Perls. Pero, ¿era en verdad un excéntrico anarquista que descreía de las
teorías? O estaba planteando una fenomenología más radicalizada y por ende mucho más difícil de sostener para nosotros, humildes
terapeutas atados a pesar nuestro a la carga racionalista de dos mil años de cultura.

Vivimos bajo el imperio de la ley que plantea convicciones rígidas, estamos sumidos en la Verdad como fuente de toda razón.

Sin embargo, nótese bien, no es lo mismo pensar que hay ley (lo absoluto) que reglas de juego (lo relativo). La ley se da en determinadas
reglas de juego.

¿El vaso cae, o la tierra se acerca al vaso?. ¿cuál es la ley? ¿por qué no pensar que lo del vaso que cae es una regla de juego?

Permitámonos aceptar que adherimos a verdades absolutas que son solo simples reglas de juego dentro de un campo.

Aceptemos que esas supuestas verdades, son relativas, pueden ser cuestionadas y hasta cambiadas. Tal vez en ese momento lograríamos
hacer más leves y livianas nuestras pesadas teorías.

Lo anterior supone plantear algunas preguntas inquietantes para nuestra tarea como gestaltistas: ¿existen causas o sistemas causales?,
¿existe algo llamado proceso?

¿Y si las conductas fueran solo emergencias?, conductas que emergen, antes que conductas “causadas por…” ¿Por qué no?

¿Y si las conductas simplemente aparecen?. ¿Y si desde nuestra esclavitud racionalista las cargamos arbitrariamente de sentido?

Los hechos son los únicos no falibles, decía Borges. Lo único cierto que podemos decir de un hecho es que “está siendo”. En el momento
que lo vemos “está apareciendo”. Todo lo demás es conjetural.

El sentido del hecho y el origen del hecho son absolutamente falibles, inciertos y conjeturales.

Cambiemos las reglas de juego permitámonos pensar en lo aleatorio de las conductas.

Si incorporamos el modelo de lo aleatorio, la fenomenología gestáltica, podría ser vista no ya como un modelo que intenta entender y llegar
a conclusiones, sin el prejuicio de la interpretación.

Desde la nueva visión podríamos hablar de

- Una metodología que sería la vía regia para permitir y alentar la emergencia de conductas aleatorias que aumenten el repertorio del
individuo y permitan su crecimiento.

Las conductas surgen de un fondo y se transforman en figura. En este eterno proceso de estar siendo y haciendo, las conductas aparecen y
desaparecen, sin cristalizaciones.

Sin embargo hay cristalizaciones en las patologías. Las patologías lo son, porque tienden a la cristalización.

Una conducta se repite y se repite, en vez de entrar en el eterno proceso de la aparición y la desaparición.

En las patologías las conductas se cristalizan y dificultan el surgimiento de nuevas conductas, de conductas originales y creativas.

¿Y si la tarea del terapeuta fuera solo crear las condiciones para que nuevas y originales conductas aparezcan? ¿Y si solo fuera eso? Sin la
pretenciosa actitud de darles a esas conductas un sentido o un por qué o un para qué.

Kant plantea “Los juicios de la sana razón común son el negocio de los filósofos” . Nietzsche agrega que cada vez que intentamos darle al
otro un sistema de verdad, nos estamos adueñando de esa persona.(“ Siempre que se habla de humanizar más el mundo, equivale a
adueñarse más de él.”)

Cada paciente viene inmerso en un sistema de verdad. Creo que no tenemos autoridad suficiente para cambiarlo. Pero creo también que
tenemos el derecho de intentar mostrarle que no hay sistema de verdad cierto, que hay muchas verdades al mismo tiempo y ninguna de
esas verdades es excluyente. Somos hijos del monosentido, nos resulta muy difícil pensar en más de un sentido.

Fue Aristóteles el que inauguró la idea de que “si a es a, no puede ser a su vez no a”. ¿Quién está dispuesto a afirmar hoy que esto sigue
siendo válido?

Cada evento, cada conducta, cada aspecto de la vida es en sí polisémico es decir que tiene una multiplicidad de sentidos. En eso radica “La
eterna levedad del Ser ”

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