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Vivenciar a dor pode se tornar uma forma de cura

“-O que estão fazendo?


-Mas ela está chorando - disse um psicólogo!
-Tadinha - disse o outro.
-Ninguém se aproxima dela! (...) Eu disse ninguém chega perto dela! -
gritando em tom de ameaça.
A esta altura havia revolta, rostos sensibilizados, outros rostos chorando, a
bagunça estava feita (...)
-Qual o problema dessa mulher chorar ao se lembrar de algo que a
emociona? Não se pode mais nem chorar em paz sem receber um
‘coitadinha’ ou ‘não fica assim não’? Que saco vocês são um bando de
chatos!” (BASTOS, 2007 p. 65).

Em quantas situações nos percebemos diante da dor do outro com essa


inabilidade de apenas estar perto? Quantas vezes tentamos encontrar uma solução
mágica para fazer o outro melhorar?
Arrisco dizer que sempre! Isso mesmo... sempre!
Não somos preparados para lidar com a dor, sendo assim, o primeiro
movimento que temos a nos deparar com ela é fugir. Fugir da ferida, da
vulnerabilidade que está no outro, mas também está em mim. Basta lembrarmos da
postura que geralmente temos ao adentrarmos em um velório: jargões como “foi
melhor assim” ou “descansou” são formas que usamos para confortar, mas que
podem revelar uma inabilidade em estar presente com o outro em seu sofrimento.
Fazemos sem nem perceber e também sem más intenções, no entanto, agimos assim
para nos livrar da dor, pois, me perdoem a redundância, entrar em contato com a dor
dói demais!
Geralmente, atendo em meu consultório muitos clientes que fogem de suas
dores, que se desviam delas a todo momento para se defenderem daquilo que
machuca. Diante disso, buscou construir um espaço e uma possibilidade nos quais
seja possível que a pessoa em sofrimento se autorize a sentir sua dor, expor sua
vulnerabilidade, abandonar suas defesas (pelo menos no ambiente terapêutico) e
deixar que seu organismo se autorregule diante da situação que causa a dor ou da
adversidade que enfrenta. Quando o cliente se autoriza a isso, ele diz para si mesmo
que está tudo bem em não estar bem (darei os créditos dessa frase a uma cliente
minha que já vivenciou de forma bastante profunda e significativa o sentido desta
frase). Assim, aceitando a dor ou aquilo que tem para o agora abrem-se mais
possibilidades para a dor passar. Costumo dizer aos meus clientes que para isso
acontecer, é importante que ele seja muito generoso e tolerante consigo mesmo pois,
ao a aceitarmos (a dor), entramos em contato com o nosso lado mais frágil, vulnerável
e muitas vezes mais obscuro de nossa existência.
Diante disso, questiono ao meu leitor: quem na vida quer demonstrar
fragilidade que por vezes se torna sinônimo de fraqueza? Pois bem... Quase nunca
conseguimos ou queremos nos render a isso. No entanto, nos render possibilita o
fortalecimento de nossas estruturas psíquicas bem como aumenta o nosso repertório
de experiências, deste modo, tornamo-nos mais fortes para lidar com aquilo que
causa dor. Na verdade, aquilo que parece fraqueza, pode-se tornar sinônimo de força.
Por isso, não precisamos estar bem todos os dias, mas precisamos ser
honestos com nós mesmos e não lutar contra aquilo que está ali presente no aqui e
agora.
Neste mês de setembro, mês da prevenção ao suicídio, gostaria de fazer uma
ressalva a todos aqueles que, pela dor, não conseguem enxergar sentido e
significado em suas vidas e veem o suicídio como a única alternativa para a solução
de seus problemas. A este leitor, gostaria de dizer que você não está só e que tudo
tem jeito na vida menos a morte. Tenha fé!
Discorrerei mais sobre esse tema no próximo artigo!
Finalizo este ressaltando que não temos o dever de estar bem a todo
momento. Temos que cuidar da nossa dor, olhar para nossa ferida mesmo o quão
dolorido seja isso e, mais uma vez parafraseando minha cliente vou repetir à você:
“Está tudo bem não estar bem!”

BASTOS, R. O Clown Terapêutico. Juiz de Fora, MG: Bartlebee, 2017.

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