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CURSO ESTUDO DIRIGIDO PSI – INTENSIVO UERJ 2015 – Psicologia Clínica

CURSO PREPARATÓRIO CONCURSO UERJ 2015

GESTALT - YONTEF, Gary M.


Prof.ª Helena P. Jacó Vasconcelos

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CURSO ESTUDO DIRIGIDO PSI – INTENSIVO UERJ 2015 – Psicologia Clínica

Yontef, Gary M. PROCESSO, DIÁLOGO E AWARENESS: ENSAIOS EM


GESTALT-TERAPIA.

CAPÍTULO 1

GESTALT-TERAPIA

A Gestalt-terapia é uma abordagem fenomenológico-existencial fundada na década de 1940


por Frederick (Fritz) Perls e sua esposa, Laura Perls. Esta abordagem utiliza a fenomenologia como
método, enfatizando aquilo que é diretamente percebido ou sentido.
A relação terapêutica pauta-se no diálogo, onde cliente e terapeuta comunicam suas
perspectivas fenomenológicas. O objetivo é tornar os clientes conscientes (aware) do que fazem, como
fazem, como podem transformar-se e, ao mesmo tempo, aprender a aceitar-se e a valorizar-se.
A ênfase da terapia é o processo (o que está acontecendo). O foco é no que está sendo feito,
pensado e sentido no momento, desenfatizando o que era, poderia ou deveria ser.

CONCEITOS BÁSICOS

Fenomenologia
“Fenomenologia é uma disciplina que ajuda as pessoas a sair de sua maneira habitual de
pensar, para que possam verificar a diferença entre o que está de fato sendo percebido e sentido na
situação presente e o que é um resíduo do passado” (IDHE, 1977 apud YONTEF, 1998, p.16). A
Gestalt-terapia toma aquilo que é sentido “subjetivamente” no presente, como algo que pode ser
observado “objetivamente”. Essa perspectiva contrasta com outras abordagens que buscam por meio
de interpretação alcançar o “significado verdadeiro”.

Teoria de campo
A Teoria de Campo é um método de exploração que descreve o campo total onde um evento é
parte. O campo é um todo, no qual as partes estão em relacionamento imediato e reagem umas às
outras, e nenhuma deixa de ser influenciada pelo que acontece em outro lugar do campo. Na teoria de
campo, as ações não ocorrem à distância, ou seja, o que afeta deve tocar o que é afetado no tempo e no
espaço.

Perspectiva existencial
A visão existencial afirma que as pessoas estão constantemente se refazendo ou se
redescobrindo. Portanto, não há uma essência da natureza humana “definitiva”. Sempre há novas
situações, novos questionamentos, novos problemas, novas oportunidades etc.

Diálogo
O diálogo existencial é uma parte essencial na metodologia da Gestalt-terapia. A relação
terapeuta/cliente é o aspecto mais importante da terapia. O relacionamento surge do contato, e por
meio dele as pessoas são capazes de crescerem e se desenvolverem. “Contato é mais do que aquilo que
duas pessoas fazem uma à outra. Contato é algo que acontece entre as pessoas, e nasce da interação
entre elas.” (p.19) O diálogo não pode ser buscado. Ele acontece entre pessoas que estão em contato,
ele emerge da interação.

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Relação Eu-Tu
Na Gestalt-terapia o foco é no cliente como em qualquer outra terapia. Entretanto, a relação é
horizontal: terapeuta e cliente falam a mesma língua, enfatizando a experiência direta dos dois
participantes. Os terapeutas, bem como os clientes, mostram sua presença total. O Gestalt-terapeuta
trabalha engajando-se num diálogo ao invés de manipular o cliente com objetivos e metas pré-
estabelecidas. A relação Eu-Tu é marcada por aceitação, entusiasmo e preocupação verdadeiros e
também por auto-responsabilidade.

Awareness
“É uma forma de experiência que pode ser definida como estar em contato com a própria
existência, com aquilo que é” (p.30). É o processo de estar em contato com total apoio sensório-
motor, emocional, cognitivo e energético. Uma awareness eficaz é baseada e energizada pela
necessidade dominante atual do organismo, sendo o ato de awareness sempre aqui-e-agora. A pessoa
que está aware sabe o que faz, como faz, que tem alternativas e escolhe ser como é.

Aqui-e-agora
Na Gestalt-terapia o foco é no aqui-e-agora. Isto não significa que eventos passados não
possam ser trabalhados na terapia. Entretanto, quando uma pessoa recorda algo do passado e relata na
psicoterapia, ela faz isso no tempo presente. Os Gestalt-terapeutas trabalham no aqui-e-agora
observando como ele carrega resíduos do passado (crenças, hábitos, posturas).

Interdependência ecológica: o campo organismo/ambiente


Uma pessoa existe pela diferenciação e pela conexão entre o “eu” e o outro. Diferenciação e
conexão são as duas funções de uma fronteira. Através do contato a pessoa percebe novidades no
ambiente que podem ser tóxicas ou nutritivas. Aquilo que é nutritivo é assimilado, e o que é tóxico,
rejeitado.

Metabolismo mental
É uma metáfora para o funcionamento psicológico. As pessoas crescem “ingerindo” comida,
ideias, relacionamentos, mastigando e descobrindo sua toxicidade ou nutrição. Se aquilo que está
sendo ingerido for nutritivo, o organismo o assimila e o torna parte de si. Sendo tóxico, o organismo o
rejeita. O metabolismo mental exige confiança no “paladar” e no pensamento.

Regulação da fronteira
A fronteira entre o self e o ambiente deve se manter permeável para que haja trocas, porém,
suficientemente firme para ter autonomia. Até aquilo que é nutritivo precisa ser discriminado de
acordo com a necessidade do momento

Distúrbios da fronteira de contato


No bom funcionamento da fronteira, as pessoas são capazes de unir e separar, contatar e
afastar. Quando a fronteira perde a permeabilidade, a nitidez ou desaparece, isso resulta na perda da
distinção entre o eu e o outro, um distúrbio tanto de contato quanto de awareness. Todo distúrbio da
fronteira de contato pode ser saudável ou patológico, dependendo das circunstâncias e do grau de
awareness. Yontef (1998) aponta seis distúrbios da fronteira de contato. São eles:
Confluência: É uma fusão. A distinção e separação entre o “eu” e o outro perde tanta nitidez que a
fronteira é perdida.
Isolamento: A fronteira se torna impermeável e a importância dos outros sai da órbita da awareness.

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Retroflexão: É uma divisão dentro do self. A retroflexão substitui o meio pelo self. Dessa forma, a
pessoa faz a si o que gostaria de fazer ao(s) outro(s) ou faz a si o que gostaria que o(s) outro(s) a
fizesse(m).
Introjeção: O material externo é absorvido sem discriminação. A introjeção é vista em Gestalt-terapia
como um “engolir sem mastigar”. Valores e comportamentos introjetados são impostos ao self.
Projeção: É uma confusão entre o self e o outro. É uma atribuição ao meio de algo que é do self.
Deflexão: É uma esquiva, uma fuga, uma tentativa de evitar o contato.

Auto-regulação organísmica
É a regulação baseada no reconhecimento acurado e completo (holístico). Nela, a escolha e o
aprendizado ocorrem com uma integração natural de corpo e mente, pensamento e sentimento,
espontaneidade e deliberação.

Responsabilidade
As pessoas, na visão da Gestalt-terapia, são responsáveis pelo processo de existir, ou seja, são
agentes fundamentais na determinação de seu próprio comportamento. É importante ressaltar que há
uma distinção clara entre o que cada um escolhe e o que lhe é oferecido.

Teoria paradoxal da mudança


Beisser defendeu que a mudança não ocorre por uma tentativa forçada do indivíduo ou de
outro para mudá-lo, mas sim, ocorre quando a pessoa usa seu tempo e esforço sendo o que é, para estar
integralmente em sua posição atual. Assim, “o paradoxo é que quanto mais alguém tenta ser o que não
é, mais permanece o mesmo. Muitas pessoas focalizam o que “deveriam” ser, e ao mesmo tempo,
resistem ao(s) deveria(s)” (p.49).

Polaridades e dicotomias
As dicotomias ocorrem quando o campo é considerado uma diversidade de forças não-
relacionadas e/ou competidoras. O pensamento dicotomizado pode interferir na auto-regulação do
organismo e tende a ser intolerante com diversidades entre pessoas.
As polaridades são partes opostas que se complementam ou se explicam. O conceito de
polaridades considera os opostos como parte de um todo, como yin e yang. A ausência de integração
de polaridades cria divisões tal como corpo/mente, bom/mau, inconsciente/consciente,
biológico/cultural etc.

Saúde
O conceito de saúde na Gestalt-terapia refere-se à formação de boas gestalten. A boa gestalt se
apresenta como uma figura clara, bem delineada contrastando com um fundo mais amplo e menos
distinto. A relação entre figura e fundo é significado e na boa gestalt o significado é claro. Na saúde, a
figura muda conforme a necessidade, ou seja, uma nova figura surge quando a figura anterior é
satisfeita ou superada por uma figura mais urgente. Na saúde, a awareness representa de maneira
acurada a necessidade dominante no campo inteiro. De forma resumida, saúde pode ser entendida
como a formação e a dissolução de gestalten.

Impasse
O impasse consiste em uma situação onde o suporte externo não se apresenta e a pessoa
acredita não ter autossuporte. A crença em um autossuporte falho ocorre porque a força da pessoa se
divide entre impulso e resistência. Quando ocorre um impasse, a maneira mais frequente de lidar com
ele é manipulando os outros. Na Gestalt-terapia os clientes conseguem superar o impasse devido à

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ênfase no contato e na responsabilidade do cliente. O terapeuta não infantiliza, não resgata e nem faz o
trabalho que cabe ao cliente.

O PROCESSO PSICOTERAPÊUTICO

Todos os estilos e modalidades da Gestalt-terapia se apoiam nos princípios de ênfase na


experiência direta e na experimentação (fenomenologia), uso do contato direto e presença pessoal
(existencialismo dialógico), aqui-e-agora e processo (o quê e como). As intervenções se desenvolvem
de acordo com o contexto e a personalidade do terapeuta e do cliente.
Esta abordagem é mais uma exploração do que uma modificação direta de comportamento. O
objetivo é o crescimento e a autonomia com um aumento de consciência. O Gestalt-terapeuta tem
uma presença viva, calorosa, honesta e direta. Cada sessão é vista como um experimento, um encontro
existencial. Nesse encontro, o cliente é auxiliado para usar suas habilidades para a focalização
fenomenológica e o contato dialógico, avaliando o que está e o que não está funcionando.
Durante todo o processo psicoterapêutico os clientes são encorajados a tomar decisões por si
próprios. Algumas temáticas devem ser discutidas com o terapeuta, entretanto, a última palavra e a
escolha são sempre do cliente.

CAPÍTULO 2

UMA REVISÃO DA PRÁTICA DA GESTALT-TERAPIA

Frederick Perls fundou um estilo de psicoterapia que integra variáveis comportamentais e


fenomenológicas. Emergindo juntamente com a psicologia humanista, a Gestalt-terapia vê a
psicoterapia como um meio de aumentar o potencial humano, utilizando-se de uma observação não-
manipulativa do comportamento aqui-e-agora e enfatizando a importância da awareness.
O Gestalt-terapeuta alega não curar e nem condicionar ninguém. Ao invés disso, ele se
percebe como um observador do comportamento e um guia para o aprendizado fenomenológico do
cliente.
Tendo uma de suas bases na teoria da Gestalt, os Gestalt-terapeutas consideram o
comportamento e as percepções do indivíduo como fenômenos organizados pelas necessidades
organísmicas mais relevantes. No indivíduo “normal”, uma configuração com qualidades de boa
gestalt é uma figura formada pela necessidade dominante. O indivíduo então pode atender a esta
necessidade contatando o ambiente. O contato é organizado pela figura de interesse contra um fundo
do campo organismo/ambiente. Na Gestalt-terapia, tanto sentir o ambiente quanto o movimento motor
são funções ativas de contato.
Quando uma necessidade é atendida, a gestalt que ela organizou se completa, não exercendo
mais influência. Dessa forma, o organismo está livre para a formação de novas Gestalten. Quando a
formação e/ou destruição de gestalten se encontra bloqueada ou fixa em qualquer etapa, o fluxo fica
perturbado. Necessidades não atendidas formam gestalten incompletas que clamam por atenção e
interferem na formação de novas gestalten. Sem a experienciação das necessidades e impulsos a auto-
regulação organísmica fica insuficiente, gerando uma dependência de regulação externa.
A awareness é sempre acompanhada por formação de gestalt. Por meio da awareness o
organismo pode mobilizar sua agressividade para que o estímulo ambiental seja contatado
(experimentado) e rejeitado ou assimilado. Quando figura e fundo não formam uma gestalt clara ou
quando os impulsos são impedidos de expressão, a awareness não se desenvolve, formando assim
gestalten incompletas, surgindo então a psicopatologia.

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“Awareness é uma propriedade da gestalt, que é uma integração criativa do problema.


Somente uma gestalt consciente (awareness) leva à mudança” (p.72). Uma gestalt forte é em si
mesma a cura, pois a figura de contato é a integração criativa da experiência. A cura não é um produto
acabado, mas um aprendizado da pessoa para desenvolver a awareness que necessita a fim de resolver
seus próprios problemas.
Perls observou que o cliente perdeu a consciência (awareness) dos processos pelos quais ele
aliena (não percebe) partes de seu próprio funcionamento. Utilizando experimentos com awareness
dirigida o cliente é capaz de aprender como evita a percepção. Pode-se dizer que o que Perls fazia era
ensinar o cliente a aprender.
A “receita” de Perls para clientes e terapeutas é “perca sua cabeça e descubra seus sentidos”.
Ele enfatizava o uso dos sentidos para a ampliação da awareness. Pela ressensibilização o cliente pode
perceber o mecanismo que utiliza para a rejeição da awareness e a expressão dos impulsos.
A Gestalt-terapia não tem por objetivo a resolução do “problema”. Não cabe ao terapeuta o
papel de condicionador ou descondicionador. O cliente é um participante ativo em seu processo
psicoterapêutico e é dele a responsabilidade por seus comportamentos, pela mudança dos
comportamentos e pelo trabalho para alcançar tal mudança.
O papel do Gestalt-terapeuta é de observador-participante do comportamento aqui-e-agora e
catalisador da experimentação fenomenológica do cliente. O cliente aprende experimentando na
segurança da situação terapêutica. A Gestalt-terapia busca a maturidade, que para Perls é a transição
do suporte ambiental para o auto-suporte.
Este processo de transição é alcançado quando há um equilíbrio entre suporte e frustração.
Uma frustração excessiva pode resultar na recusa do cliente a se conectar com o terapeuta. Suporte
excessivo fragiliza e encoraja o cliente a continuar manipulando o ambiente para a obtenção de
suporte (que o cliente acredita não possuir em si mesmo). De forma sucinta, o Gestalt-terapeuta
equilibra frustração e suporte (visando o crescimento do cliente) enquanto mantém um relacionamento
embasado no Eu-Tu de Martin Buber.

O encontro na Gestalt-terapia não implica forçar mudanças pelo confronto do


terapeuta ou de outros clientes. Na Gestalt-terapia o terapeuta está aberto para,
responde a, e expressa seus sentimentos. A disponibilidade, a honestidade e a
abertura são conceitos-chave. O terapeuta está disponível e modela a honestidade e a
abertura. O Gestalt-terapeuta não força, não permanece agressivamente no enfoque
Eu-Tu – aqui-e-agora (p.91).

O MODELO EXPERIMENTAL DE PSICOTERAPIA

A Gestalt-terapia tem como proposta viver e ampliar a própria experiência. É uma abordagem
não-interpretativa e que busca integrar a personalidade dividida e fragmentada no aqui-e-agora. Perls
buscou substituir a interpretação pela observação e experimentação. Toda atividade em Gestalt-terapia
consiste de experimentos em awareness dirigida. O objetivo dos experimentos é que o cliente
descubra o mecanismo por meio do qual aliena parte dos processos do self, evitando a awareness de si
e do ambiente. Os experimentos e suas regras têm por função ajudar na descoberta e não na imposição
de determinada atitude ou comportamento.
A observação é primordial na experimentação em Gestalt-terapia. Ela se concentra na busca
dos modos de evitação e alienação. O Gestalt-terapeuta procura ouvir a comunicação total em vez de
a estritamente verbal. A linguagem corporal é uma parte importante na observação do Gestalt-
terapeuta e é considerada mais precisa e verdadeira que a comunicação verbal.
Os experimentos em Gestalt-terapia sempre retornam aos dados sensoriais primários da
experiência. “O óbvio, o momentâneo, o concreto e os processos fisiológicos são todos enfatizados na

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Gestalt-terapia” (p.83). O papel do Gestalt-terapeuta é ajudar o cliente a perceber o seu


comportamento e as conseqüências e implicações do mesmo.

“REGRAS” DOS ENCONTROS EXPERIMENTAIS

De pessoa para pessoa


A comunicação baseada numa relação Eu-Tu requer envio e recebimento direto. Dessa forma,
a fala é transformada em uma afirmação e dirigida diretamente a uma pessoa específica. A
contrapartida de uma fala direta é a escuta ativa: escutar como um ato de pessoa e não como uma
recepção passiva de um estímulo.

Fofocando
Fofocar na Gestalt-terapia é falar a respeito de alguém que se encontra presente e que poderia
ter a palavra diretamente dirigida a ele. Portanto, há uma “regra” contra a fofoca. A confrontação
direta mobiliza afeto e vivacidade de experiências.

Perguntas
As perguntas geralmente são afirmações disfarçadas ou exigências de heterossuporte. Na
Gestalt-terapia os cliente são solicitados a transformar as perguntas em uma afirmação que comece
com “Eu”. Este procedimento é embasado na relação Eu-Tu, onde a comunicação é feita de forma
direta, honesta e aberta. As afirmações objetivam-se a encorajar o cliente a ser mais assertivo e a
desenvolver mais autossuporte.

Semântica
A escolha das palavras possui um efeito sobre o pensamento. O esclarecimento semântico
pode ser usado para melhorar a observação e levar a novas atitudes e perspectivas. Ao explicar as
operações e as conseqüências das diferentes palavras, as distinções não notadas anteriormente podem
constituir-se foco para o cliente. Ex. mas, por que, não posso.

JOGOS DE GESTALT-TERAPIA

Os jogos são utilizados em terapias individuais ou grupais com o objetivo de descoberta e


sensibilização. Há diversos jogos em Gestalt-terapia e sua aplicação varia conforme o terapeuta, o
contexto e o(s) cliente(s).

Jogos de diálogo
Quando observa-se uma divisão, o Gestalt-terapeuta pode sugerir ao cliente que experimente
cada parte alternadamente e tente um diálogo. Os diálogos podem ocorrer com qualquer divisão, por
exemplo: agressividade-passividade; partes do corpo (mão direita-mão esquerda). Esses jogos também
podem acontecer quando há uma pessoa significativa e ausente (neste caso o cliente imagina a pessoa
presente e dialoga com ela).

Jogo “Eu assumo a responsabilidade”


Para a Gestalt-terapia todo comportamento, sentimento e pensamento são atos que uma pessoa
manifesta. Geralmente o cliente desconsidera ou aliena estes atos. Quando isto acontece, uma técnica
possível é pedir ao cliente que após cada afirmação diga: “...e eu assumo a responsabilidade por isto”.

Jogos projetivos

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Quando o cliente imagina que outra pessoa tem um determinado sentimento ou característica,
pede-se que ele experimente a si mesmo com tal sentimento ou característica. Geralmente o cliente
descobre que ele tem o mesmo sentimento que imagina no outro e que apresenta e rejeita a mesma
característica que percebe nos outros.

Jogo dos opostos


Quando o terapeuta percebe que o comportamento do cliente pode ser o oposto de um impulso
latente, pode sugerir ao cliente que desempenhe o papel oposto do que vem fazendo.

Jogos de ensaio
Quando o cliente apresenta medo ou um alto grau de ansiedade referente a uma situação, o
terapeuta pode propor um ensaio. Com o ensaio o cliente é capaz de perceber diversos aspectos
(sentimentos, comportamentos...) e atenuar seu medo/ansiedade em relação à situação.

Jogo do exagero
Pequenos gestos e movimentos podem substituir ou bloquear a awareness. O Gestalt-terapeuta
observa os movimentos corporais e os relatam. Ele pode pedir ao cliente que repita e/ou exagere um
movimento, o que leva a um aumento da percepção de um importante meio de bloqueio de awareness.

“Você consegue permanecer com este sentimento?”


“Nos relatos de awareness, os clientes fogem rapidamente dos sentimentos frustrantes [...]. O
terapeuta pede que permaneçam com esses sentimentos para ficarem com o continuum de awareness.
Tolerar essa dor psíquica é uma necessidade para superar o impasse” (PERLS, 1966, p.7 apud
YONTEF, 1998, p.100).

TRABALHO COM SONHOS

Para a Gestalt-terapia os sonhos são usados para integrar e não são interpretados. Perls
considera que o sonho é uma mensagem existencial e não a realização de um desejo. Ele não o
terapeuta como aquele que sabe mais do que o cliente a respeito do significado dos sonhos.
Cada parte do sonho é considerada por Perls como uma projeção, uma parte alienada da
pessoa. Assim, ele propõe que a pessoa encene seu sonho e assuma cada parte dele, realizando uma
conexão entre as partes divididas do self.

CAPÍTULO 3

TENDÊNCIAS RECENTES EM GESTALT-TERAPIA NOS ESTADOS UNIDOS E O QUE


PRECISAMOS APRENDER

A Gestalt-terapia inicia-se como uma reação à rigidez da psicanálise clássica. A ênfase da


nova abordagem é no relacionamento terapêutico ao invés da transferência. Suas raízes estão fixadas
na crença do poder das capacidades humanas. Neste modelo, terapeuta e cliente crescem por estarem
ativamente presentes e engajados nas sessões e no mundo em geral. Esta abordagem enfatiza que as
pessoas sabem e que podem aprender ao focalizarem sua capacidade de percepção (awareness).

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Em Gestalt-terapia a atitude experimental sustenta uma forma de funcionamento mais ativo


tanto pelo terapeuta quanto pelo cliente. Os primeiros grupos de Gestalt deram ênfase à supremacia da
realidade sobre a transferência, da presença ativa sobre a tela em branco, do diálogo e do enfoque
fenomenológico sobre a associação livre e a interpretação.
Nesta teoria o significado é uma figura que emerge de um fundo, uma configuração que
contrasta com um contexto geral. Apesar do foco no aqui-e-agora, compreende-se a importância do
contexto histórico. É preciso, portanto, a consciência do contexto histórico, pois ele é parte
constituinte do fundo do qual salta a figura.
A teoria paradoxal da mudança exerce um papel fundamental na Gestalt-terapia. Nela, a
resistência é reconhecida, aceita, identificada e entendida. A resistência não é entendida como algo
indesejável, é simplesmente entendida. Dessa maneira, não se busca rompê-la ou evitá-la.
A teoria paradoxal da mudança consiste em: “Quanto mais você tenta ser quem não é, mais
permanece o mesmo”. A tentativa de ser quem não se é, não é autossuporte. O autossuporte deve
incluir tanto autoconhecimento quanto autoaceitação. Não é possível haver autossuporte sem
autoconhecimento.
A identificação com o próprio estado é um aspecto muito importante do autossuporte. Isto
significa conhecer o próprio estado, sua experiência, comportamento e situação presente. A situação
das pessoas muda com o tempo, portanto, a identificação com o próprio estado inclui a identificação
com o fluxo dos estados.
Quando um cliente é “conduzido” a uma mudança, mais ele permanecerá onde está. Forçar ou
direcionar geralmente leva à resistência. Quando isso ocorre, há uma dupla resistência: uma se refere
ao próprio funcionamento organísmico, e a outra, à intrusão do terapeuta. Se um cliente muda por um
“empurrão” do terapeuta, esta mudança não está baseada em autonomia e autossuporte.

RESISTÊNCIA

A resistência só não é considerada saudável se não for consciente (awareness) ou se não fizer
parte do ajustamento criativo do organismo. Resistir pode ser uma reação saudável. Em Gestalt-terapia
busca-se trazer a resistência à consciência para que o cliente possa ter uma autorregulação embasada
por contato e awareness. Compreende-se nesta abordagem que, para que a terapia seja um espaço de
crescimento, a resistência precisa ser compreendida e integrada, e não aniquilada.
O terapeuta deve respeitar as defesas do cliente. É importante conhecer e saber identificar as
defesas ou evitações. Deve-se perceber o nível de autossuporte que o cliente é capaz. O objetivo é
auxiliá-lo a entender suas resistências e se encarregar delas com total awareness, e isso precisa ser
feito no ritmo do cliente.

ENGAJAMENTO DIALÓGICO

Na visão dialógica, a realidade é relacionar-se. A awareness (conceito básico da Gestalt-


terapia) é relacional: é a orientação para a fronteira entre a pessoa e o restante do campo
organismo/ambiente. O contato também é relacional: o que acontece entre a pessoa e o ambiente.
A pessoa (self) é definida em termos das inter-relações entre pessoa e campo. Self é o sistema
de contatos e o agente do crescimento. O self pode ser considerado na fronteira de contato, contudo, a
fronteira não está isolada no ambiente: ela entra em contato. A fronteira pertence a ambos: ambiente e
organismo.
No encontro dialógico, cada pessoa é tratada como um outro distinto, como um fim em si
mesmo (Eu-Tu). Uma pessoa no diálogo sabe, reconhece e confirma o outro como pessoa igualmente
especial. Buber traz a comunicação genuína e sem reservas como uma importante característica da

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relação dialógica. No relacionamento dialógico, o terapeuta está presente como pessoa, não se
mantendo reservado na esfera analítica e nem funcionando primariamente como um técnico.
Este processo confirma a existência da outra pessoa como um ser humano com existência
própria, alma independente, igual à do terapeuta. O terapeuta confirma que o cliente existe, influi e
tem tanto valor quanto qualquer outra pessoa.

CAPÍTULO 4

GESTALT-TERAPIA: SUA HERANÇA DA PSICOLOGIA DA GESTALT

A Gestalt-terapia faz a aplicação clínica do método da Gestalt. Tanto a Gestalt-terapia quanto


a Psicologia da Gestalt se pautam na fenomenologia, onde dois aspectos merecem destaque:
1) Se baseiam na experiência imediata. Consideram importantes todos os dados da experiência:
objetivos, subjetivos, interiores e exteriores;
2) Buscam as inter-relações funcionais que formam o todo, independente da situação de estudo.

TEORIA DE CAMPO FENOMENOLÓGICA

Experiência imediata do percebedor


A abordagem de campo estuda o fenômeno dado pela experiência. O método de estudo é
descritivo e se ocupa da estrutura e função (o que e como). A abordagem de campo gestáltica é
fenomenológica, portanto, estuda o campo conforme ele é experienciado por uma pessoa num dado
momento.
“Na abordagem de campo, todo fenômeno é considerado legítimo e adequado para
investigação. Nenhum fenômeno é considerado causal, nem mesmo eventos extraordinários ou não
repetitivos” (YONTEF, 1998, p.159).
O terapeuta fenomenológico observa, confia e facilita o progresso da experiência total do
cliente. Além disso, ele emprega uma especial atenção no aspecto da experiência do cliente que está
sendo inibido ou negligenciado. Assuntos que são importantes no presente e estão fora da awareness
atual do cliente, são trazidos a ela.
O método fenomenológico de campo ressalta que o observador é parte da situação. Isto
envolve três aspectos:
1) Como a pessoa vê é, em parte, função de como a pessoa olha;
2) O observador afeta seu objeto de estudo;
3) Ninguém é capaz de ver tudo.
A exploração fenomenológica baseia-se em experiência. Portanto, é essencial que aquilo que é
experienciado se diferencie de elementos presumidos, aceitos como verdade, aprendidos ou inferidos
(Husserl – colocação em parênteses). Durante a investigação fenomenológica, preconceitos são
postos de lado para que o indivíduo possa experienciar o que é “dado” na situação sem contaminação.
A ênfase da Gestalt-terapia no presente é uma herança da Psicologia da Gestalt. Entretanto,
sua ênfase no “agora” é pouco compreendida. A teoria de campo fenomenológica localiza a
experiência do percebedor no tempo e espaço (aqui e agora). O processo de ter consciência acontece
no presente, no aqui-e-agora, embora o objeto da awareness possa estar no “ali” ou no “então”.

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Estrutura inerente
“A premissa básica da Psicologia da Gestalt é que a natureza humana se organiza em padrões
ou totalidades [...] é experienciada pelo indivíduo nesses mesmos termos e só pode ser entendida como
função desses padrões ou totalidades dos quais ela é feita” (PERLS, 1973, p.3-4 apud YONTEF, 1998,
p.162).
Nós percebemos em totalidades segregadas, não vemos estímulos isolados. Vemos objetos se
destacando (figura) ou se diferenciando de um fundo. O todo tem qualidades próprias, não sendo
meramente um agregado das partes que o constituem. Assim, o todo é maior que a soma de suas
partes. Ele é um campo que determina suas partes.

Experimentação sistemática
A fenomenologia utiliza a experimentação como principal método de pesquisa ou terapia. A
experimentação capacita o indivíduo a perceber por si mesmo o que é adequado ou verdadeiro.

CAPÍTULO 5

INTRODUÇÃO À TEORIA DE CAMPO

Teoria de campo é um enfoque ou ponto de vista para examinar e elucidar eventos,


experienciações, objetos, organismos e sistemas, que são partes significativas de
uma totalidade conhecível de forças mutuamente influenciáveis, que, em conjunto,
formam uma fatalidade unificada interativa (campo), em vez de classificá-las de
acordo com a natureza inata ou analisá-las com a finalidade de obter aspectos
separáveis e fatalidades formativas e somáveis. A identidade e a qualidade de
qualquer evento, objeto ou organismo desse tipo apenas o é, em um campo
contemporâneo, e somente pode ser conhecida, por meio de uma configuração,
formada por uma interação mutuamente influenciável entre percebedor e percebido.
(YONTEF, 1998, p.210).

Teoria de campo é a forma de pensamento científico que melhor funciona com o sistema
teórico da Gestalt-terapia. Ela é capaz de incluir as amplas temáticas (intelectuais, sociais, culturais,
políticas, sociológicas) tratadas pela Gestalt-terapia. A teoria de campo possibilita a Gestalt-terapia a
focalizar a pessoa como agente ativo, tendo sempre em mente as complexidades das relações de
campo no presente, as mudanças e os diferentes contextos pelos quais as pessoas constroem seus
selves.
O campo é definido fenomenologicamente. Sua amplitude e natureza variam dependendo do
que está sendo estudado. Um campo pode ser pequeno como um átomo ou grande como o universo;
pode ser físico, tangível ou intangível.

CARACTERÍSTICAS DO CAMPO

Um campo é uma teia sistemática de relacionamentos


Um evento é o resultado da interação entre dois ou mais fatos. Na perspectiva da teoria de
campo, cada fenômeno é estudado no contexto de forças inter-relacionadas que se reúnem no tempo e
no espaço.
O campo é uma teia de relacionamentos que existe numa teia de relacionamentos ainda maior.
A organização do campo é inerente, assim, quando há problemas ou disfunções na organização do
campo, as soluções estão presentes em sua dinâmica.

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Um campo é contínuo no espaço e no tempo


O conceito de campo pode ser definido em termos de continuidade. O campo existe no espaço
e no tempo. Pela abordagem de campo pensa-se em sobrevivência, movimento e mudança da interação
energética no tempo.

Tudo é de um campo
Objetos e organismos existem como parte de um campo e seus significados se encontram na
interação em um desses campos. O campo exerce influência sobre o organismo e o organismo
influencia o campo.

Os fenômenos são determinados pelo campo todo


O comportamento e a experiência são funções do campo do qual são parte. Todos os
movimentos, de qualquer parte, são determinados pelo campo todo (inter-relação).

O campo é uma totalidade unitária: tudo no campo afeta todo o resto


A essência de um campo é seu aspecto dinâmico. Num campo existe inter-relação entre todas
as suas partes, de forma que, o estado de qualquer parte depende de todas as outras.

A realidade percebida é configurada pelo relacionamento entre o observador e o observado


De acordo com a teoria de campo, nenhum campo pode ser definido separadamente do tempo,
espaço e awareness do observador. O observador afeta a observação. Da mesma forma, o observado
também afeta o observador.

O Princípio da Contemporaneidade
Este princípio afirma que somente fatos presentes podem produzir comportamento e
experiência. A Gestalt-terapia enfatiza o aqui-e-agora como o ponto central do fluxo do tempo. O
“agora” não é estático ou absoluto: a awareness ocorre no aqui-e-agora, mas inclui recordar e
antecipar.

Processo: tudo é tornar-se


Tudo e todos se movem e vêm a ser. Nada é fixo e estático de forma absoluta. Tudo muda.
Até o que parece estático se transforma no tempo. “A orientação processual confia no que emerge, na
gestalt emergente, em vez de confiar em conceitos estáticos, fixos” (YONTEF, 1998, p.202).

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CAPÍTULO 6
GESTALT-TERAPIA: FENOMENOLOGIA CLÍNICA

O QUE É AWARENESS?

É uma forma de experienciar. É o processo de estar em contato vigilante com o


evento mais importante do campo indivíduo/ambiente, com total apoio sensório-
motor, emocional, cognitivo e energético. Um continuum e sem interrupção de
awareness leva a um Ah!, a uma percepção imediata da unidade óbvia de elementos
díspares no campo. A awareness é sempre acompanhada de formação de gestalt. [...]
Awareness é, em si, a integração de um problema. [...] A awareness é acompanhada
por aceitação, isto é, o processo de conhecimento do próprio controle, a escolha e a
responsabilidade pelo próprio sentimento, e pelo comportamento [...]. Sem isso a
pessoa pode estar vigilante para a própria experiência e espaço de vida, mas não
para discriminar o poder que tem e o que não tem. Assim, uma awareness
funcionalmente completa equivale a responsabilidade – quando estou totalmente
aware, naquele instante estou resposta-hábil, e não consigo ser responsável sem
estar aware (YONTEF, 1998, p.215-216).

A awareness é eficaz apenas quando fundamentada e energizada pela necessidade atual


dominante do organismo. Sem isso, o organismo está aware, mas não onde a nutrição ou
toxicidade são mais agudas para ele. Assim, não há energia sendo investida na figura
emergente, portanto, a figura não tem significado, poder ou impacto.
A awareness não está completa sem conhecer diretamente a realidade da situação e como
se está na situação. Quando a situação é negada, a awareness é distorcida. A pessoa
reconhece verbalmente sua situação, mas não a vê, conhece ou reage a ela; não está em
contato pleno.
A awareness é sempre aqui-e-agora e está sempre mudando, evoluindo e transcendendo.
Ela é sensorial, portanto, existe. Tudo o que existe o é no aqui-e-agora. O passado existe no
agora em forma de lembrança, memória, arrependimento, tensão corporal etc. O futuro não
existe exceto no agora, como fantasia, esperanças etc. O “agora” muda a cada momento. A
awareness é um novo reunir-se e exclui a visão de um mundo com caráter fixo, imutável. A
awareness não pode ser estática, é um processo que se renova a cada instante.

FENOMENOLOGIA GESTÁLTICA

Fenomenologia é a busca de entendimento pelo “dado”, aquilo que é óbvio ou revelado pela
situação, e não por interpretação do observador. Uma observação fenomenológica integra o
comportamento observado, relatos pessoais e experienciais. A exploração fenomenológica busca uma
descrição clara e detalhada do que É, desenfatizando o que seria, poderia ser, pode ser e foi.
No início de um processo psicoterapêutico os clientes não conseguem dizer aquilo que
querem. Dessa forma tentam explicar ou justificar algo cuja existência precisa não lhes é clara. Eles
perdem o óbvio. Essa falta de clareza ocorre por dois processos relacionados: os clientes pensam sem
integrar o sensorial e o afetivo; e usam sua agressão mais contra si mesmos do que para contato e
assimilação. (Obs. Agressividade em Gestalt-terapia é uma força, uma energia vital sem tons
moralistas positivos ou negativos).

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A Gestalt-terapia busca que o cliente aprenda a usar seus sentidos para explorar por si mesmo
e aprender a encontrar as soluções para seus problemas. O Gestalt-terapeuta ensina o cliente o
processo de ficar aware daquilo que está fazendo e como está fazendo. A Gestalt-terapia é processo-
orientada (divergindo de terapias tradicionais que são conteúdo-orientadas). Nesta abordagem, mais do
que falar a respeito, experimenta-se. O trabalho em Gestalt-terapia é voltado para a experimentação
fenomenológica, que inclui exercícios de awareness dirigida. Os exercícios têm a função de tornar o
cliente aware, perceber como conseguir ficar aware e de como evita ficar aware.
O Gestalt-terapeuta busca que cada cliente regule a si mesmo e acredita na capacidade do
cliente de lidar com a vida. Não se utiliza métodos verbais ou de recondicionamento para manipular o
cliente a viver um ideal.
A Gestalt-terapia possui um “arsenal de tecnologia fenomenológica”. As técnicas surgem da
relação Eu-Tu e são utilizadas para que o cliente possa alcançar a awareness da estrutura/função de
qualquer comportamento. Cada intervenção em Gestalt-terapia é baseada em ver e sentir. “Às vezes,
simplesmente compartilhamos o que vemos (feedback) ou o que sentimos (explicitação). Nosso ver e
sentir faz surgir algo que torna o cliente aware” (YONTEF, 1998, p.222).

O NEURÓTICO

O neurótico não se permite ser aware de, aceitar e permitir às suas necessidades
verdadeiras organizar seu comportamento. Em vez de permitir que seu
comportamento vá total e criativamente para cada necessidade, ele se interrompe:
ele usa uma parte de sua energia contra si mesmo, e outra para controlar a parte do
terapeuta no diálogo. [...] O neurótico não consegue abraçar inteiramente o Eu-Tu,
pois seu caráter é rígido, seu autossuporte é reduzido e ele normalmente acredita que
é incapaz de superar o seu padrão de comportamento repetitivo e insatisfatório
(YONTEF, 1998, p.224).

O neurótico possui fraca percepção das próprias fronteiras, pois rejeita a awareness de si
(projeção) e aceita coisas estranhas como se fossem ele próprio (introjeção). Portanto, o neurótico está
dividido, possui awareness reduzida e é auto-rejeitador. Essa auto-rejeição e a ausência de awareness
reduzem o autossuporte, assim, o neurótico acredita que não pode se autorregular e autossuportar.
Dessa forma, o neurótico controla a si e aos outros como coisas, e se permite ser controlado.
O trabalho com o neurótico se desenvolve por meio de contato e compartilhamento. O Gestalt-
terapeuta compartilha suas observações, reações e habilidades criativo-artísticas. O terapeuta se recusa
a dirigir a vida do cliente, mas dirige exercícios e experimentos para aumentar a awareness.

AVALIAÇÃO E MATURIDADE

A Gestalt-terapia é bem sucedida quando o cliente é capaz experienciar e julgar por si próprio
ao invés de necessitar de uma medida extrínseca de ajuste (em outras palavras, quando o cliente
desenvolve autossuporte). Para que isso ocorra é importante que o terapeuta se conecte ao cliente de
maneira afetuosa, como ele é, evitando “ajudar”. O terapeuta precisa trabalhar para restaurar a
awareness das próprias necessidades do cliente, suas próprias forças, potencial de criação e novas
formas de lidar com o mundo.
A maturidade em Gestalt-terapia pode ser definida como o engajamento no processo de
ajustamento criativo. Ajustamento criativo é um relacionamento entre a pessoa e o meio no qual a
pessoa 1) contata, reconhece e lida com seu espaço de vida e 2) assume a responsabilidade pela
criação de condições que conduzirão ao seu próprio bem-estar.

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CAPÍTULO 7
GESTALT-TERAPIA: UM MÉTODO DIALÓGICO

O diálogo existencial é um comportamento que compreende o relacionamento Eu-Tu. Na


Gestalt-terapia o diálogo foi ampliado para incluir um encontro entre duas pessoas como pessoas,
mesmo sem palavras.
O contato é o processo básico do relacionamento. Por meio do contato pode-se verificar a
diferença entre o self e o outro. Entrar em contato compreende quatro aspectos: conectar, separar,
mover e awareness. A awareness é exigida para reconhecer diferenças. Reconhecer o outro exige
awareness, tanto do self quanto do outro.
Perls definiu o processo de contato como “órgão de encontro”, o engajamento com o
ambiente. A pessoa existe num campo organismo/ambiente, e o campo se diferencia pelas fronteiras.
As fronteiras não são entidades, mas processos. Uma fronteira é um processo de ligação e separação.
A fronteira que diferencia uma pessoa daquilo que a cerca é chamada de Fronteira do Ego.
Uma fronteira eficaz caracteriza-se por permeabilidade suficiente para permitir o acesso da
nutrição, e impermeabilidade suficiente para manter a autonomia e rejeitar o que é tóxico. As
fronteiras eficazes são flexíveis para ir de um grau de abertura/fechamento a outro. A regulação da
fronteira exige awareness.
Contatar é um movimento de união e separação. Quando uma pessoa contata, ela se une e
mantém sua autonomia, sua existência independente. O relacionamento dialógico é uma forma
especializada do contato. No contato dialógico, a figura de interesse de ambas as partes é a interação
com a outra pessoa como pessoa.

Isolamento Confluência Contato

Eu-Tu é uma forma de relacionamento. No isolamento não existe contato. Na confluência


também não há contato, pois não existe apreciação das diferenças. No Eu-Isto existe uma relação,
contudo, é uma relação onde o outro se torna um objeto de manipulação. O outro na relação Eu-Isto
não é abordado como pessoa, mas como um meio para um fim. As relações “Isto” são verticais,
enquanto as relações “Tu” são horizontais.

REGULAÇÃO DEVERÍSTICA

Essa regulação é baseada em introjeções, em “deverias”. “Deverias são afirmações de


“obrigação”, que dizem ao indivíduo como regular seu comportamento por padrões externos, isolados
de suas necessidades organísmicas ou da avaliação de suas prioridades internas” (YONTEF, 1998,
p.243). A regulação baseada em “deverias” é fixa e inflexível. Baseia-se numa entidade imutável e não
na interação entre exigências externas e necessidades internas.

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AUTORREGULAÇÃO ORGANÍSMICA

Esta regulação é baseada no reconhecimento das necessidades do meio e dos recursos internos.
É uma assimilação ao invés de introjeção. A autorregulação organísmica é um processo em constante
renovação que se baseia no ajustamento criativo. Essa forma de regulação exige um continuum de
awareness e vigilância para novas necessidades e mudanças de recursos no self, no outro e na
sociedade.
Quando uma pessoa analisa, experimenta, escolhe e assimila o julgamento dos outros que ele
acredita e rejeita o que não lhe serve, está se regulando por autorregulação organísmica. Essa
regulação requer capacidade para averiguar a realidade exterior e suas necessidades, bem como as
necessidades internas, sentimentos e crenças. A partir daí, reconhece holisticamente o que do ambiente
lhe serve.

TERAPIA SEM AGENTE DE MUDANÇA

Os clientes vêm à terapia pedindo para mudar, geralmente de maneira deverística e


dualista, tentando ser o que não são. O cliente está dividido contra si mesmo e pede
que o terapeuta tome partido no conflito intrapsíquico. [...] O terapeuta que tenta
mudanças com uma base dessas opta pela mudança de um aspecto determinado pelo
cliente, à custa do reforço de autodivisão, que inibe a autorregulação organísmica
(YONTEF, 1998, p.247).

Na Gestalt-terapia o foco é no que precisa ser explorado, e não o que precisa ser mudado. O
terapeuta observa o que é importante para a regulação do cliente, acreditando que a awareness
expandida e o contato levarão ao crescimento. A pessoa inteira é observada e aceita. Este é o suporte
básico para o início do diálogo do cliente com o mundo. Objetivar diretamente a mudança ao invés de
reconhecer o que é, e a partir daí crescer, viola tanto a atitude fenomenológica quanto a dialógica.

CARACTERÍSTICAS DA RELAÇÃO DIALÓGICA

Inclusão
O terapeuta honra a experiência fenomenológica do cliente, entra de maneira respeitosa no
mundo fenomenológico do cliente, experienciando-o como ele é, aceitando o cliente como ele é.

Presença
O terapeuta mostra seu verdadeiro self. Numa terapia dialógica, o terapeuta mostra sua atenção
mais pela honestidade do que por sua constante delicadeza. Ele não somente permite ao cliente ser
quem é, como se permite ser quem é como resposta.

Compromisso com o diálogo


O terapeuta dialógico está verdadeiramente comprometido com o diálogo. Ele permite ao
“entre” controlar. Quando duas pessoas mostram e expressam seu ser verdadeiro numa atitude Eu-Tu,
um fluxo livre de energia afetiva às vezes ocorre entre elas. Isso acontece quando ambas desistem de
controlar uma à outra, e permitem que o Tu aconteça.

Não-exploração
A Gestalt-terapia é um relacionamento não-exploratório, não manipulativo pessoa-a-pessoa,
no qual o terapeuta considera cada pessoa como uma finalidade em si mesma. Embora a mutualidade

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da terapia não seja total e haja uma diferenciação de papeis, nenhum sistema de status hierárquico é
encorajado ou adotado pelo terapeuta. Dessa forma, o relacionamento é horizontal.

Vivendo o relacionamento
Os Gestalt-terapeutas se concentram mais em experiência do que em conceito. Entrar em
contato é relacionar-se com a vida e com o imediato agora. Relacionar-se é viver em vez de contar
histórias.

CAPÍTULO 8

A APLICAÇÃO DIFERENCIAL DA GESTALT-TERAPIA

DIAGNÓSTICO

A palavra diagnóstico tem origem em duas palavras gregas que significam “saber” e “por meio
de ou entre”. Pode ser definido como uma investigação cuidadosa de fatos para determinar a natureza
de algo; a decisão ou opinião resultante de tal investigação; qualquer classificação de um indivíduo
com base em caracteres observados.
Diagnosticar pode ser um processo de prestar atenção. O terapeuta observa padrões gerais
sobre o tipo de pessoa que o cliente é, qual o problema central e os principais recursos; a trajetória
provável do tratamento e os sinais de perigo. O diagnóstico auxilia o terapeuta a ser mais preciso e
alerta com antecedência para precauções a serem tomadas. O diagnóstico deve estar presente sempre
que houver uma psicoterapia competente.
Em Gestalt-terapia o diagnóstico é a busca de significado, que nessa abordagem pode ser
compreendida como a relação entre figura e fundo. Dessa forma, deve ser feito com reconhecimento
completo da estrutura do todo. Como qualquer busca de significado, o diagnóstico não é absoluto: é
construído. Tal construção emerge do contato terapeuta/cliente.

Diagnóstico é o processo pelo qual o terapeuta busca insight ou significado para a


estrutura de caráter e de personalidade do cliente, identificando as semelhanças e
diferenças dos padrões desse cliente dos diferentes tipos de clientes, e delineando
uma abordagem de intervenção baseada nesse conhecimento. Este é um processo no
qual o terapeuta relaciona o que está emergindo num dado momento a uma gestalt
mais ampla, especialmente às invariáveis das interações da pessoa com múltiplos
campos organismo/ambiente, com a finalidade de criar a melhor intervenção
psicoterapêutica possível, dadas as circunstâncias globais (YONTEF, 1998, p.284).

Algumas declarações afirmam que a Gestalt-terapia não diagnostica, analisa ou interpreta.


Quando essas afirmações se referem à interpretação e análise psicanalíticas, estão corretas. Contudo, o
Gestalt-terapeuta observa e essas observações acrescentam dados de muitas maneiras. A escolha do
que observar, o que enfatizar, que significado é extraído da interação observador e observado
enriquecem os dados. As sugestões de experimentos, intervenções, tarefas, tudo se origina dos
significados que provêm da interação fenomenológica.
Há quatro fatores que tornam uma análise ou interpretação consistente com a teoria e prática
da Gestalt-terapia:
As afirmações devem ser focadas fenomenologicamente. Qualquer afirmação precisa passar
pela redução fenomenológica, separando a experiência atual da sedimentação de preconceito.

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A exploração dialógica é feita de maneira dialógica. O cliente é encorajado e treinado para


tomar parte na experimentação e elaboração das conclusões. Quando a análise é sobre o
cliente, a experiência fenomenológica consciente dele é o teste de precisão mais importante.
As conclusões devem ser colocadas na linguagem processual de campo. A linguagem deve
estar em termos de processo, e não numa linguagem mecanicista, classificatória, que rotule.
A análise precisa esclarecer a estrutura. A análise não deve ser tratada como um somatório
de partes individuais. Ela precisa tornar clara a estrutura do todo.

Na Gestalt-terapia, ao se iniciar uma avaliação ou diagnóstico, o terapeuta precisa buscar


centrar-se e se colocar “entre parênteses”. Dessa forma, permite-se que o óbvio (dado) seja percebido.
Alguns aspectos do cliente merecem uma observação atenta do Gestalt-terapeuta em relação ao
diagnóstico:

Padrão corporal e discurso


Iniciativa
Coerência da história
Vigor e emocionalidade
Mudanças durante a sessão de terapia
Suporte
Habilidade de contato
Processo de awareness
Relações pessoais
Trabalho

CAPÍTULO 9

TRATANDO PESSOAS COM DESORDENS DE CARÁTER


(DESORDENS DE PERSONALIDADE BORDERLINES E NARCÍSICAS)

As desordens de personalidade borderline e narcísica são comuns na prática clínica. Nestes


casos o diagnóstico faz uma grande diferença no transcorrer da terapia, na escolha da intervenção e na
compreensão dos suportes e necessidades do cliente. Sem uma compreensão adequada o tratamento
fica tortuoso, sem foco, sem sentido e pode até piorar o cliente. Alem disso, sem uma perspectiva
adequada, a terapia com esses clientes pode apresentar riscos para a saúde mental do terapeuta.
Contudo, apesar da necessidade de compreensão, é importante ter consciência de que não há
intervenção “certa”. Não há um caminho “certo”, estilo ou resposta “correta”, nem na Gestalt-terapia
nem em outras abordagens. Cabe enfatizar que a Gestalt-terapia não pode e nem deve ser tomada
como um livro de receitas, um manual. Esta abordagem exige que o terapeuta contate o cliente em sua
forma singular de existir.
Na prática clínica há clientes que não são psicóticos, mas são mais “problemáticos” que os
neuróticos: são os que apresentam desordens de caráter. Frequentemente esses clientes são frustrantes

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para o terapeuta. Esses clientes apresentam funcionamento erodido na maioria dos campos
organismo/ambiente.

Os neuróticos mostram awareness reduzida, ansiedade elevada, depressão e conflito


interno. Mas eles continuam manifestando interesse e capacidade para entender a
realidade consensual, inclusive a realidade fenomenológica de outros. Eles também
mostram uma continuidade de identidade pessoal, pelo menos algum amor-próprio e
estima pelos outros e se ajustam criativamente ao seu contexto. Nas desordens de
caráter tudo isto é diferente. Eles não mantêm nem conseguem ter esse tipo de
atividade, que depende de coesão pessoal, além de ocorrer na fronteira. Esse
distúrbio se dá na aquisição de sentido de coesão e/ou incapacidade de se relacionar
num contexto [...] (YONTEF, 1998, p.306).

A desordem de caráter é um nível de organização da personalidade que é mais perturbada do


que o neurótico e menos do que o psicótico. Nela há uma nítida deficiência na capacidade de a pessoa
exercer função de autorregulação do ego; ser continente; canalizar, assimilar e integrar variáveis de
emoção e desejo. Há uma dificuldade especial na formação de gestalt que leva o self e o outro em
consideração. As pessoas com desordem de caráter não apresentam coesão do contexto de quem são e
possuem deficiência de awareness centrada no presente. Além disso, “todas as desordens de
personalidade apresentam uma dicotomia de funções da personalidade, isto é, ao menos algum déficit
na capacidade de integrar polaridades em totalidades” (YONTEF, 1998, p.308).

DESORDEM DE PERSONALIDADE NARCÍSICA

O narcisista pode ser descrito como alguém que é magoado com facilidade, tem baixa
autoestima, é muito dependente de atenção, aprovação, respeito e amor dos outros para manter um
sentido de si mesmo. Os narcisistas exigem suporte externo para manterem um semblante de
equilíbrio. Possuem uma dificuldade em manter um sentido de identidade segura e coesa no tempo,
principalmente em situações difíceis.
Os narcisistas são autocentrados, porém, não centrados sobre seus selves verdadeiros. São
confluentes e campo-dependentes. Necessitam de recepção positiva e afável pelos outros, contudo,
tratam o ambiente como existente para lhes dar suporte. Não veem os outros como um “Tu”, mas
como um “Isto”.

A autoimagem inflada dos narcisistas os ajuda a evitar a experiência vergonhosa de


se esgotar e esvaziar. Quando predomina o padrão de vergonha a figura simpática do
narcisista fica mais em evidência. [...] tanto o quadro inflado quanto o esvaziado
sempre coexistem juntos como verdadeiros opostos polares. O cliente esvaziado tem
uma autoimagem grandiosa, consciente ou inconsciente – que é o contexto que torna
a experiência esvaziado-compreensível. Assim, também, o quadro esvaziado dá
significado à figura grandiosa ou inflada, que é tão tenazmente defendida
(YONTEF, 1998, p.310).

Imagem centrada e alienada: os narcisistas estão duplamente alienados: estão alienados das
outras pessoas porque são autocentrados, e estão alienados de seus selves verdadeiros, pois
estão centrados na autoimagem ao invés de em quem realmente são.
Necessidade de ser especial: eles precisam ser especiais e acreditam que não precisam fazer
esforço para ter direito a coisas ou tratamentos especiais que outras pessoas conseguem com
esforço, risco, aprendizado e tempo.

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Campo-dependente: as pessoas não existem separadas do campo do qual fazem parte,


contudo, nos diferenciamos do restante do campo. Os narcisistas apresentam uma grande
dependência do campo e o tratam como uma extensão do self e de suas necessidades.
Os Quatro D’s (deflação, depleção, depressão e desespero): há uma perda do sentido de si,
da segurança relativa, do bem-estar e da coesão estrutural. O narcisista se sente depletado,
como se estivesse vazio por dentro, como se não tivesse um self. Se sente deprimido, com o
funcionamento energético biopsicossocial e com a autoestima rebaixados. Sente desespero,
não mantendo esperança em outros acontecimentos além da crise.
Gangorra narcísica: os narcisistas estão presos em uma gangorra fenomenológica. De um
lado, a inflação, do outro, a deflação. Os dois pólos da gangorra não se integram, há uma
rigidez: tudo ou nada. O pólo da grandiosidade (inflação) ajuda a pessoa a evitar a awareness
do lado desinflado.
Distúrbios de fronteira: os clientes narcisistas são confluentes com suas imagens grandiosas
e idealizadas, e têm muitas introjeções sobre o que é digno de amor e respeito. Também
utilizam muita projeção: projetam seu self crítico sobre os outros e atribui a eles os
julgamentos, valores e emoções negativas.

A PSICOTERAPIA COM CLIENTES NARCISISTAS

Permitindo uma sintonia empática


O primeiro e mais importante aspecto do tratamento de clientes narcisistas é respeitar e confiar
na realidade fenomenológica deles. “Comece onde o cliente está” e “fique com a awareness” do
cliente: não tente “transportar” o cliente para uma awareness ou contato melhor. Os clientes com
distúrbio de personalidade narcísica precisam de um terapeuta que testemunhe, verifique e autentique
suas experiências; que os ouçam e respeitem a sua experiência fenomenológica. “O relacionamento
com um terapeuta empático pode ser a primeira vez em suas vidas que experienciam alguém que os
ouve [...] e entende como eles experienciam o mundo” (YONTEF, 1998, p.324).

Desapontamento
O desapontamento é inevitável em qualquer relacionamento. Em algum momento no decorrer
da psicoterapia o cliente se sentirá um pouco desapontado com o terapeuta. Para os clientes narcisistas
o desapontamento geralmente apresentará de forma vívida sua falta de coesão e integração, manifestas
em estados de intenso rancor, pânico, desprezo, destrutividade e inveja.
A situação geralmente piora quando ocorre uma reação defensiva do terapeuta, podendo ser
manifesta sob as formas de interpretação, confrontação ou julgamentos negativos. Isso pode ocorrer
disfarçado de gracejos, sugestões de experimentos e confrontação sobre responsabilidade.

Os clientes narcisistas precisam do terapeuta para cuidar de sua experiência, dos


significados que têm para eles e das suas experiências de desenvolvimento
relevantes. Durante as fases iniciais da terapia é mais importante explorar o
significado dessas decepções para o cliente, do que a construção de uma awareness
mais precisa ou o detalhamento maior pelo terapeuta da maneira que o cliente o
afeta. Depois, na terapia, poderá haver estrutura para essas outras vias de atividade
terapêutica (YONTEF, 1998, p.333).

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Individualizar
O terapeuta precisa entender o cliente e individualizar sua abordagem de tratamento. A boa
terapia não se faz no modo “livro de receitas”. O terapeuta deve levar à sério o que o cliente diz
experienciar. O trabalho psicoterapêutico precisa ser feito com a conexão entre os indivíduos
singulares.

Luto pela perda


A perfeição é impossível, inalcançável. O que é impossível precisa ser pranteado. Para sarar, a
pessoa precisa reconhecer a perda, os limites do possível, lamentar a perda e prosseguir. O ritmo com
um cliente narcisista deve ser ditado por ele mesmo.

DESORDEM DE PERSONALIDADE BORDERLINE

As pessoas com desordem de personalidade borderline são, em geral, consideradas como


imaturas e hiperemocionais. Embora às vezes os borderline pareçam funcionar muito bem, em geral se
desmancham. Quando aborrecidos, funcionam muito mal; perdem funções básicas do ego (percepção,
pensamento); sob estresse perdem fronteiras de tempo, espaço e pessoa. Usualmente apresentam um
sentido de constância objetal mal desenvolvido e muita confluência.

Polissintomático. Uma das primeiras indicações de diagnóstico borderline é quando o cliente


apresenta grande variedade de sintomas, muito mais ampla que a comumente encontrada e/ou
que raramente ocorre em uma mesma pessoa.
Comportamento impulsivo, viciado e atuante. É comum agirem prematuramente sem se
preocupar com as conseqüências éticas ou legais. Sexualmente, usam os outros sem
consideração por sua personalidade e têm tendências sexuais perversas polimorfas.
Manipulação e tendências suicidas. São manipulativos e podem apresentar ideação e/ou
comportamento suicida. Alguns utilizam de ameaças de suicídio para manipularem o meio.
Afetividade lábil e exacerbada (especialmente humores disfóricos). Suas emoções são
intensas e manifestam humores disfóricos, com pouquíssima capacidade de experienciar
afetos positivos: neles predominam raiva, ira, amargura e depressão.
Experiências psicóticas leves. Às vezes têm experiências psicóticas ego-distônicas,
transitórias e relacionadas ao estresse. Podem apresentar experiências dissociativas (embora
não apresentem ilusões e alucinações típicas).
Relacionamentos íntimos conturbados. Os clientes borderline têm ligações pessoais muito
intensas. Consciente e repetidamente saem machucados de relacionamentos íntimos e
costumam se sentirem “vítimas”.
Manifestações inespecíficas de fragilidade do ego. O borderline tem a estrutura da
personalidade pré-psicótica clássica, funcionando como uma desordem de caráter fraco, com
narcisismo infantil, masoquismo e operações defensivas primitivas. Utilizam com muita
freqüência o mecanismo de cisão.

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A PSICOTERAPIA COM CLIENTES BORDERLINE

A empatia, isoladamente, não cura o borderline. É necessário um tratamento dialógico em que


o cliente seja confrontado de maneira firme e realista quanto a assumir responsabilidade. Uma forte
presença do terapeuta é necessária para impedir a regressão, estabelecendo fronteiras claras e
condições para possibilitar uma terapia bem-sucedida. Com essa atitude por parte do terapeuta, muitos
borderline abandonam a terapia. Os que permanecem têm chance de melhorar.
Algumas sugestões e características que podem ser observadas no tratamento de clientes
borderline são:

Contato com fronteiras de contato baseadas na existência factual (realidade)


Embora o contato seja uma premissa da Gestalt-terapia, o cliente borderline necessita da
aplicação de tal premissa de forma disciplinada, consistente e orientada. O terapeuta precisa enfatizar
o contato verbal e não-verbal centrado no presente, e nos quais são afirmadas as realidades do cliente e
do terapeuta. A amplitude de diálogo com clientes borderline precisa ser mais ampla. O terapeuta
precisa estabelecer uma relação que constroi para o borderline o sentido de “e” (em contraponto às
cisões que os borderline apresentam). Muito do trabalho em Gestalt-terapia refere-se à fronteira de
contato. No tratamento do borderline o terapeuta precisa constantemente reforçar a fronteira.

Não alimente o self regressivo


Como já mencionado, os clientes borderline são manipuladores. Assim, o terapeuta precisa
estabelecer limites e “regras”. Caso o terapeuta mantenha uma atitude de excessiva compreensão, isso
pode prejudicar o processo psicoterapêutico, já que o self regressivo estará sendo alimentado.

Contratransferência
No atendimento de clientes borderline, é comum que o terapeuta apresente reações
contratransferenciais fortes. O borderline frequentemente atacará o ponto nevrálgico da autoestima do
terapeuta. O terapeuta precisa conhecer a si e seus limites, além de saber quando precisa de ajuda, seja
em terapia ou em supervisão.

Necessidade de clareza do terapeuta


Acompanhar a experiência do cliente é uma excelente bússola no trabalho psicoterapêutico.
Contudo, com o borderline, a intuição e o julgamento clínico do terapeuta estão sob pressão. Assim, o
terapeuta precisa ter sua própria bússola.

Respostas polares
Com o borderline é aconselhável sempre explicitar a bipolaridade. Como a cisão é uma
questão forte nesses clientes, eles apresentam grande dificuldade de integração. Dessa forma, o
terapeuta deve apresentar a sua visão e contrastá-la com a do cliente, por exemplo. Caso isso não
aconteça, o cliente se fixa em apenas um dos pólos, tomando-o como único e como verdade absoluta.

Contato antes e depois


O contato pessoa-a-pessoa deve ser enfatizado com o borderline (inclusive no término das
sessões). Isso reafirma a presença do terapeuta (já que esses clientes apresentam dificuldades
relacionadas à constância objetal).

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Observar as separações
Como a questão do abandono tem uma importância central para o cliente borderline; como ela
apresente muita cisão e dificuldade na manutenção da constância objetal, toda separação e/ou
afastamento podem causar uma crise potencial no tratamento. É difícil para o cliente borderline
acreditar que será real para o terapeuta entre as sessões. Portanto, o terapeuta deve atentar-se para
essas separações, que podem vir acompanhadas de depressão, mágoa, raiva, medo, culpa, impotência e
vazio por parte do cliente.

Fúria e vingança
É comum que os clientes borderline tenham muitos e intensos sentimentos de fúria e
vingança. Suas fronteiras são enevoadas e repletas de substância amarga que “está no ar”. Fúria e
vingança geralmente são razões para o término precoce do processo terapêutico. O fim do processo
terapêutico surge como uma vingança por parte do cliente borderline ao terapeuta que não cuidou bem
dele, que não fez mágicas para “salvá-lo”.

CAPÍTULO 10

VERGONHA

Vergonha e culpa são duas importantes formas de reação negativa do self. Vergonha é o
sentimento que acompanha uma experiência de “não OK” e/ou “insuficiente”. Culpa é o sentimento
que acompanha a experiência de fazer algo ruim, de magoar alguém, de infringir um código moral ou
legal.
As reações à vergonha são emocionais e avaliativas negativas de si próprio para o que se é,
como se é e para com o que se faz. Geralmente estes sentimentos são experienciados de forma
nebulosa, obscura e confusa. A vergonha é capaz de se esconder da awareness com manobras
automáticas que funcionam para evitar a exposição ao self e aos outros. “Para a pessoa dominada pela
vergonha, a exposição, especialmente se inadequada ou ruim, traz à tona uma energia afetiva intensa
que é quase intolerável” (YONTEF, 1998, p.368).
Pessoas inclinadas à vergonha acumulam críticas e insultos pessoais e odiosos contra si
mesmas. Se veem como fracas, incompetentes, tolas, inadequadas, insuficientes, desajeitadas e assim
por diante. Essas autoacusações são tratadas por elas como fato consumado.
O vocabulário é um problema no trabalho com a vergonha. Embora haja diversas palavras
para descrever aspectos do processo de vergonha, a palavra-chave “vergonha” é pouco utilizada.
A sanção da culpa é a punição, e a da vergonha, o abandono. Tanto vergonha quanto culpa
podem estar embasadas em um sentido maduro e assimilado de si próprio que pode ser denominado de
autêntico. Por outro lado, podem basear-se em padrões introjetados, provocando reações não-
organísmicas. Culpa e vergonha requerem uma discriminação sobre as situações em que é lícito ficar
envergonhado ou culpado e em quais graus. A culpa autêntica pode ser aliviada com confissão,
arrependimento, reparação e perdão. Já o alívio da vergonha é mais demorado, gradual e difícil.

O oposto da vergonha é o orgulho. A pessoa que se orgulha de si tem um sentimento


bom, iluminado, caloroso, confiante a respeito do self. A pessoa envergonhada quer
se esconder, a pessoa que sente orgulho infla o peito, como se dissesse: “Olhem para
mim, estou OK”. A reação à vergonha é encolher-se e esconder-se e a de orgulho é a
de expandir-se, ser visto e ouvido. Levado ao extremo, o orgulho pode ser uma
questão de grandiosidade narcisista (YONTEF, 1998, p.377).

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CURSO ESTUDO DIRIGIDO PSI – INTENSIVO UERJ 2015 – Psicologia Clínica

SELF IDEAL

O self ideal refere-se a uma imagem ou figura do self de como a pessoa gostaria de
ser, ou acredita que teria de ser para tornar-se aceitável. Embora a imagem ideal
possa ser assimilada ou introjetada em graus variados, ela é frequentemente mais
assimilada ou ego-sintônica do que mero(s) deveria(s) (YONTEF, 1998, p.378).

As pessoas vergonha-orientadas se comparam a este self ideal e se identificam mais com ele
do que com sua verdadeira experiência. Pessoas dominadas pela vergonha possuem a autoimagem
ideal rígida e permitem apenas uma pequena amplitude de variação de traços. Elas excluem uma
ampla variação de comportamentos e experiências.

ABORDAGEM TERAPÊUTICA DA VERGONHA

“[...] o objetivo específico na terapia com pessoas vergonha-orientadas é aumentar


sua awareness de vergonha, e a awareness de suas opções para evitar a vergonha e a
culpa, ajudá-las a se libertar do automático e excessivo auto-ataque do processo-
vergonha, adquirir um sentido coeso, seguro, positivo e piedoso do self, e,
finalmente, ter um sentido de culpa e vergonha que é comandado com racionalidade
e sensibilidade por sua própria espiritualidade, valores e necessidades, num processo
de contato self-outros, awareness e epoché (YONTEF, 1998, p.383).

Alcançar esse objetivo exige um trabalho longo, repetido e gradual. O ritmo lento do trabalho
com a vergonha “é determinado não somente pela natureza inerentemente gradual de alterar atitudes
tão arraigadas, mas também porque no decorrer do tratamento em sua vida cotidiana, a vergonha
continua sendo evocada” (YONTEF, 1998, p.383).
É importante ressaltar que a eliminação total de culpa ou vergonha não é um bom resultado
terapêutico. Sentimentos de culpa são inerentes a uma pessoa inteira, completa. Já uma pessoa
“desprovida de vergonha” não tem um sentido apropriado dos próprios limites e de contexto.

O relacionamento no tratamento da vergonha


“A pessoa vergonha-orientada não consegue se curar exceto no contexto de contato pessoa-a-
pessoa” (YONTEF, 1998, p.384). A vergonha precisa ser expressa na presença de outro que possa
aceitar a pessoa numa atitude genuína e horizontal. A qualidade e a quantidade de contato são vitais.
É de suma importância que o cliente não seja envergonhado nem humilhado. Sarcasmo,
provocações, desprezo, pena e outras atitudes por parte do terapeuta (mesmo que camufladas) podem
ser devastadoras no tratamento de qualquer cliente, mas isso é especialmente verdadeiro em clientes
inclinados para a vergonha.

Iniciando o tratamento da vergonha


A iniciativa de identificar a presença de um processo de vergonha é principalmente do
psicoterapeuta. Ele observa sinais que sugerem a possibilidade de um processo de vergonha estar em
operação. Tais sinais podem ser sutis, exigindo sensibilidade por parte do terapeuta. Alguns dos sinais
óbvios incluem: mudanças de coloração (enrubescimento ou empalidecimento), “branco” repentino,
olhar para baixo, cabeça pendente, reações defensivas repentinas, mascaramento facial, quietude e
imobilidade.

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CURSO ESTUDO DIRIGIDO PSI – INTENSIVO UERJ 2015 – Psicologia Clínica

Self: então e agora


O trabalho com a vergonha deve levar em conta o desenvolvimento do cliente. É importante a
exploração das raízes do processo de vergonha nas experiências infantis, especialmente na família.
Este trabalho possui três objetivos principais:

“1. Explorar a indução da vergonha na família de origem, de maneira que o cliente


possa entender seu próprio processo no presente. Isto é, o uso do passado como pano
de fundo para entender o presente, que não presumo que o passado distante cause o
presente;
2. Completar situações inacabadas e poupar o cliente da energia emocional que
ainda não foi liberada. Os objetos desta observação centrada no presente são os
sentimentos ainda ativos baseados em gestalten antigas, que ainda não foram
completadas. Este trabalho inclui desfazer retroflexões, especialmente pela
expressão de emoções que estão sendo suprimidas, reprimidas e defletidas.
3. Reexperienciar e assimilar/rejeitar figuras paternas introjetadas neste período da
primeira infância. Novamente, com este objetivo, o passado é trabalhado na Gestalt-
terapia apenas à medida que aparece no trabalho existencial centrado no presente e
não por seus méritos próprios” (YONTEF, 1998, p.389).

Como resultado deste trabalho, o cliente pode viver uma existência completa, centrada no
presente, desobstruída de figuras que pertencem a campos passados.

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