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CURSO ESTUDO DIRIGIDO PSI – INTENSIVO UERJ 2015 – Psicologia Clínica
CAPÍTULO 1
GESTALT-TERAPIA
CONCEITOS BÁSICOS
Fenomenologia
“Fenomenologia é uma disciplina que ajuda as pessoas a sair de sua maneira habitual de
pensar, para que possam verificar a diferença entre o que está de fato sendo percebido e sentido na
situação presente e o que é um resíduo do passado” (IDHE, 1977 apud YONTEF, 1998, p.16). A
Gestalt-terapia toma aquilo que é sentido “subjetivamente” no presente, como algo que pode ser
observado “objetivamente”. Essa perspectiva contrasta com outras abordagens que buscam por meio
de interpretação alcançar o “significado verdadeiro”.
Teoria de campo
A Teoria de Campo é um método de exploração que descreve o campo total onde um evento é
parte. O campo é um todo, no qual as partes estão em relacionamento imediato e reagem umas às
outras, e nenhuma deixa de ser influenciada pelo que acontece em outro lugar do campo. Na teoria de
campo, as ações não ocorrem à distância, ou seja, o que afeta deve tocar o que é afetado no tempo e no
espaço.
Perspectiva existencial
A visão existencial afirma que as pessoas estão constantemente se refazendo ou se
redescobrindo. Portanto, não há uma essência da natureza humana “definitiva”. Sempre há novas
situações, novos questionamentos, novos problemas, novas oportunidades etc.
Diálogo
O diálogo existencial é uma parte essencial na metodologia da Gestalt-terapia. A relação
terapeuta/cliente é o aspecto mais importante da terapia. O relacionamento surge do contato, e por
meio dele as pessoas são capazes de crescerem e se desenvolverem. “Contato é mais do que aquilo que
duas pessoas fazem uma à outra. Contato é algo que acontece entre as pessoas, e nasce da interação
entre elas.” (p.19) O diálogo não pode ser buscado. Ele acontece entre pessoas que estão em contato,
ele emerge da interação.
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Relação Eu-Tu
Na Gestalt-terapia o foco é no cliente como em qualquer outra terapia. Entretanto, a relação é
horizontal: terapeuta e cliente falam a mesma língua, enfatizando a experiência direta dos dois
participantes. Os terapeutas, bem como os clientes, mostram sua presença total. O Gestalt-terapeuta
trabalha engajando-se num diálogo ao invés de manipular o cliente com objetivos e metas pré-
estabelecidas. A relação Eu-Tu é marcada por aceitação, entusiasmo e preocupação verdadeiros e
também por auto-responsabilidade.
Awareness
“É uma forma de experiência que pode ser definida como estar em contato com a própria
existência, com aquilo que é” (p.30). É o processo de estar em contato com total apoio sensório-
motor, emocional, cognitivo e energético. Uma awareness eficaz é baseada e energizada pela
necessidade dominante atual do organismo, sendo o ato de awareness sempre aqui-e-agora. A pessoa
que está aware sabe o que faz, como faz, que tem alternativas e escolhe ser como é.
Aqui-e-agora
Na Gestalt-terapia o foco é no aqui-e-agora. Isto não significa que eventos passados não
possam ser trabalhados na terapia. Entretanto, quando uma pessoa recorda algo do passado e relata na
psicoterapia, ela faz isso no tempo presente. Os Gestalt-terapeutas trabalham no aqui-e-agora
observando como ele carrega resíduos do passado (crenças, hábitos, posturas).
Metabolismo mental
É uma metáfora para o funcionamento psicológico. As pessoas crescem “ingerindo” comida,
ideias, relacionamentos, mastigando e descobrindo sua toxicidade ou nutrição. Se aquilo que está
sendo ingerido for nutritivo, o organismo o assimila e o torna parte de si. Sendo tóxico, o organismo o
rejeita. O metabolismo mental exige confiança no “paladar” e no pensamento.
Regulação da fronteira
A fronteira entre o self e o ambiente deve se manter permeável para que haja trocas, porém,
suficientemente firme para ter autonomia. Até aquilo que é nutritivo precisa ser discriminado de
acordo com a necessidade do momento
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Retroflexão: É uma divisão dentro do self. A retroflexão substitui o meio pelo self. Dessa forma, a
pessoa faz a si o que gostaria de fazer ao(s) outro(s) ou faz a si o que gostaria que o(s) outro(s) a
fizesse(m).
Introjeção: O material externo é absorvido sem discriminação. A introjeção é vista em Gestalt-terapia
como um “engolir sem mastigar”. Valores e comportamentos introjetados são impostos ao self.
Projeção: É uma confusão entre o self e o outro. É uma atribuição ao meio de algo que é do self.
Deflexão: É uma esquiva, uma fuga, uma tentativa de evitar o contato.
Auto-regulação organísmica
É a regulação baseada no reconhecimento acurado e completo (holístico). Nela, a escolha e o
aprendizado ocorrem com uma integração natural de corpo e mente, pensamento e sentimento,
espontaneidade e deliberação.
Responsabilidade
As pessoas, na visão da Gestalt-terapia, são responsáveis pelo processo de existir, ou seja, são
agentes fundamentais na determinação de seu próprio comportamento. É importante ressaltar que há
uma distinção clara entre o que cada um escolhe e o que lhe é oferecido.
Polaridades e dicotomias
As dicotomias ocorrem quando o campo é considerado uma diversidade de forças não-
relacionadas e/ou competidoras. O pensamento dicotomizado pode interferir na auto-regulação do
organismo e tende a ser intolerante com diversidades entre pessoas.
As polaridades são partes opostas que se complementam ou se explicam. O conceito de
polaridades considera os opostos como parte de um todo, como yin e yang. A ausência de integração
de polaridades cria divisões tal como corpo/mente, bom/mau, inconsciente/consciente,
biológico/cultural etc.
Saúde
O conceito de saúde na Gestalt-terapia refere-se à formação de boas gestalten. A boa gestalt se
apresenta como uma figura clara, bem delineada contrastando com um fundo mais amplo e menos
distinto. A relação entre figura e fundo é significado e na boa gestalt o significado é claro. Na saúde, a
figura muda conforme a necessidade, ou seja, uma nova figura surge quando a figura anterior é
satisfeita ou superada por uma figura mais urgente. Na saúde, a awareness representa de maneira
acurada a necessidade dominante no campo inteiro. De forma resumida, saúde pode ser entendida
como a formação e a dissolução de gestalten.
Impasse
O impasse consiste em uma situação onde o suporte externo não se apresenta e a pessoa
acredita não ter autossuporte. A crença em um autossuporte falho ocorre porque a força da pessoa se
divide entre impulso e resistência. Quando ocorre um impasse, a maneira mais frequente de lidar com
ele é manipulando os outros. Na Gestalt-terapia os clientes conseguem superar o impasse devido à
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ênfase no contato e na responsabilidade do cliente. O terapeuta não infantiliza, não resgata e nem faz o
trabalho que cabe ao cliente.
O PROCESSO PSICOTERAPÊUTICO
CAPÍTULO 2
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A Gestalt-terapia tem como proposta viver e ampliar a própria experiência. É uma abordagem
não-interpretativa e que busca integrar a personalidade dividida e fragmentada no aqui-e-agora. Perls
buscou substituir a interpretação pela observação e experimentação. Toda atividade em Gestalt-terapia
consiste de experimentos em awareness dirigida. O objetivo dos experimentos é que o cliente
descubra o mecanismo por meio do qual aliena parte dos processos do self, evitando a awareness de si
e do ambiente. Os experimentos e suas regras têm por função ajudar na descoberta e não na imposição
de determinada atitude ou comportamento.
A observação é primordial na experimentação em Gestalt-terapia. Ela se concentra na busca
dos modos de evitação e alienação. O Gestalt-terapeuta procura ouvir a comunicação total em vez de
a estritamente verbal. A linguagem corporal é uma parte importante na observação do Gestalt-
terapeuta e é considerada mais precisa e verdadeira que a comunicação verbal.
Os experimentos em Gestalt-terapia sempre retornam aos dados sensoriais primários da
experiência. “O óbvio, o momentâneo, o concreto e os processos fisiológicos são todos enfatizados na
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Fofocando
Fofocar na Gestalt-terapia é falar a respeito de alguém que se encontra presente e que poderia
ter a palavra diretamente dirigida a ele. Portanto, há uma “regra” contra a fofoca. A confrontação
direta mobiliza afeto e vivacidade de experiências.
Perguntas
As perguntas geralmente são afirmações disfarçadas ou exigências de heterossuporte. Na
Gestalt-terapia os cliente são solicitados a transformar as perguntas em uma afirmação que comece
com “Eu”. Este procedimento é embasado na relação Eu-Tu, onde a comunicação é feita de forma
direta, honesta e aberta. As afirmações objetivam-se a encorajar o cliente a ser mais assertivo e a
desenvolver mais autossuporte.
Semântica
A escolha das palavras possui um efeito sobre o pensamento. O esclarecimento semântico
pode ser usado para melhorar a observação e levar a novas atitudes e perspectivas. Ao explicar as
operações e as conseqüências das diferentes palavras, as distinções não notadas anteriormente podem
constituir-se foco para o cliente. Ex. mas, por que, não posso.
JOGOS DE GESTALT-TERAPIA
Jogos de diálogo
Quando observa-se uma divisão, o Gestalt-terapeuta pode sugerir ao cliente que experimente
cada parte alternadamente e tente um diálogo. Os diálogos podem ocorrer com qualquer divisão, por
exemplo: agressividade-passividade; partes do corpo (mão direita-mão esquerda). Esses jogos também
podem acontecer quando há uma pessoa significativa e ausente (neste caso o cliente imagina a pessoa
presente e dialoga com ela).
Jogos projetivos
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Quando o cliente imagina que outra pessoa tem um determinado sentimento ou característica,
pede-se que ele experimente a si mesmo com tal sentimento ou característica. Geralmente o cliente
descobre que ele tem o mesmo sentimento que imagina no outro e que apresenta e rejeita a mesma
característica que percebe nos outros.
Jogos de ensaio
Quando o cliente apresenta medo ou um alto grau de ansiedade referente a uma situação, o
terapeuta pode propor um ensaio. Com o ensaio o cliente é capaz de perceber diversos aspectos
(sentimentos, comportamentos...) e atenuar seu medo/ansiedade em relação à situação.
Jogo do exagero
Pequenos gestos e movimentos podem substituir ou bloquear a awareness. O Gestalt-terapeuta
observa os movimentos corporais e os relatam. Ele pode pedir ao cliente que repita e/ou exagere um
movimento, o que leva a um aumento da percepção de um importante meio de bloqueio de awareness.
Para a Gestalt-terapia os sonhos são usados para integrar e não são interpretados. Perls
considera que o sonho é uma mensagem existencial e não a realização de um desejo. Ele não o
terapeuta como aquele que sabe mais do que o cliente a respeito do significado dos sonhos.
Cada parte do sonho é considerada por Perls como uma projeção, uma parte alienada da
pessoa. Assim, ele propõe que a pessoa encene seu sonho e assuma cada parte dele, realizando uma
conexão entre as partes divididas do self.
CAPÍTULO 3
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RESISTÊNCIA
A resistência só não é considerada saudável se não for consciente (awareness) ou se não fizer
parte do ajustamento criativo do organismo. Resistir pode ser uma reação saudável. Em Gestalt-terapia
busca-se trazer a resistência à consciência para que o cliente possa ter uma autorregulação embasada
por contato e awareness. Compreende-se nesta abordagem que, para que a terapia seja um espaço de
crescimento, a resistência precisa ser compreendida e integrada, e não aniquilada.
O terapeuta deve respeitar as defesas do cliente. É importante conhecer e saber identificar as
defesas ou evitações. Deve-se perceber o nível de autossuporte que o cliente é capaz. O objetivo é
auxiliá-lo a entender suas resistências e se encarregar delas com total awareness, e isso precisa ser
feito no ritmo do cliente.
ENGAJAMENTO DIALÓGICO
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relação dialógica. No relacionamento dialógico, o terapeuta está presente como pessoa, não se
mantendo reservado na esfera analítica e nem funcionando primariamente como um técnico.
Este processo confirma a existência da outra pessoa como um ser humano com existência
própria, alma independente, igual à do terapeuta. O terapeuta confirma que o cliente existe, influi e
tem tanto valor quanto qualquer outra pessoa.
CAPÍTULO 4
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Estrutura inerente
“A premissa básica da Psicologia da Gestalt é que a natureza humana se organiza em padrões
ou totalidades [...] é experienciada pelo indivíduo nesses mesmos termos e só pode ser entendida como
função desses padrões ou totalidades dos quais ela é feita” (PERLS, 1973, p.3-4 apud YONTEF, 1998,
p.162).
Nós percebemos em totalidades segregadas, não vemos estímulos isolados. Vemos objetos se
destacando (figura) ou se diferenciando de um fundo. O todo tem qualidades próprias, não sendo
meramente um agregado das partes que o constituem. Assim, o todo é maior que a soma de suas
partes. Ele é um campo que determina suas partes.
Experimentação sistemática
A fenomenologia utiliza a experimentação como principal método de pesquisa ou terapia. A
experimentação capacita o indivíduo a perceber por si mesmo o que é adequado ou verdadeiro.
CAPÍTULO 5
Teoria de campo é a forma de pensamento científico que melhor funciona com o sistema
teórico da Gestalt-terapia. Ela é capaz de incluir as amplas temáticas (intelectuais, sociais, culturais,
políticas, sociológicas) tratadas pela Gestalt-terapia. A teoria de campo possibilita a Gestalt-terapia a
focalizar a pessoa como agente ativo, tendo sempre em mente as complexidades das relações de
campo no presente, as mudanças e os diferentes contextos pelos quais as pessoas constroem seus
selves.
O campo é definido fenomenologicamente. Sua amplitude e natureza variam dependendo do
que está sendo estudado. Um campo pode ser pequeno como um átomo ou grande como o universo;
pode ser físico, tangível ou intangível.
CARACTERÍSTICAS DO CAMPO
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Tudo é de um campo
Objetos e organismos existem como parte de um campo e seus significados se encontram na
interação em um desses campos. O campo exerce influência sobre o organismo e o organismo
influencia o campo.
O Princípio da Contemporaneidade
Este princípio afirma que somente fatos presentes podem produzir comportamento e
experiência. A Gestalt-terapia enfatiza o aqui-e-agora como o ponto central do fluxo do tempo. O
“agora” não é estático ou absoluto: a awareness ocorre no aqui-e-agora, mas inclui recordar e
antecipar.
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CAPÍTULO 6
GESTALT-TERAPIA: FENOMENOLOGIA CLÍNICA
O QUE É AWARENESS?
FENOMENOLOGIA GESTÁLTICA
Fenomenologia é a busca de entendimento pelo “dado”, aquilo que é óbvio ou revelado pela
situação, e não por interpretação do observador. Uma observação fenomenológica integra o
comportamento observado, relatos pessoais e experienciais. A exploração fenomenológica busca uma
descrição clara e detalhada do que É, desenfatizando o que seria, poderia ser, pode ser e foi.
No início de um processo psicoterapêutico os clientes não conseguem dizer aquilo que
querem. Dessa forma tentam explicar ou justificar algo cuja existência precisa não lhes é clara. Eles
perdem o óbvio. Essa falta de clareza ocorre por dois processos relacionados: os clientes pensam sem
integrar o sensorial e o afetivo; e usam sua agressão mais contra si mesmos do que para contato e
assimilação. (Obs. Agressividade em Gestalt-terapia é uma força, uma energia vital sem tons
moralistas positivos ou negativos).
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A Gestalt-terapia busca que o cliente aprenda a usar seus sentidos para explorar por si mesmo
e aprender a encontrar as soluções para seus problemas. O Gestalt-terapeuta ensina o cliente o
processo de ficar aware daquilo que está fazendo e como está fazendo. A Gestalt-terapia é processo-
orientada (divergindo de terapias tradicionais que são conteúdo-orientadas). Nesta abordagem, mais do
que falar a respeito, experimenta-se. O trabalho em Gestalt-terapia é voltado para a experimentação
fenomenológica, que inclui exercícios de awareness dirigida. Os exercícios têm a função de tornar o
cliente aware, perceber como conseguir ficar aware e de como evita ficar aware.
O Gestalt-terapeuta busca que cada cliente regule a si mesmo e acredita na capacidade do
cliente de lidar com a vida. Não se utiliza métodos verbais ou de recondicionamento para manipular o
cliente a viver um ideal.
A Gestalt-terapia possui um “arsenal de tecnologia fenomenológica”. As técnicas surgem da
relação Eu-Tu e são utilizadas para que o cliente possa alcançar a awareness da estrutura/função de
qualquer comportamento. Cada intervenção em Gestalt-terapia é baseada em ver e sentir. “Às vezes,
simplesmente compartilhamos o que vemos (feedback) ou o que sentimos (explicitação). Nosso ver e
sentir faz surgir algo que torna o cliente aware” (YONTEF, 1998, p.222).
O NEURÓTICO
O neurótico não se permite ser aware de, aceitar e permitir às suas necessidades
verdadeiras organizar seu comportamento. Em vez de permitir que seu
comportamento vá total e criativamente para cada necessidade, ele se interrompe:
ele usa uma parte de sua energia contra si mesmo, e outra para controlar a parte do
terapeuta no diálogo. [...] O neurótico não consegue abraçar inteiramente o Eu-Tu,
pois seu caráter é rígido, seu autossuporte é reduzido e ele normalmente acredita que
é incapaz de superar o seu padrão de comportamento repetitivo e insatisfatório
(YONTEF, 1998, p.224).
O neurótico possui fraca percepção das próprias fronteiras, pois rejeita a awareness de si
(projeção) e aceita coisas estranhas como se fossem ele próprio (introjeção). Portanto, o neurótico está
dividido, possui awareness reduzida e é auto-rejeitador. Essa auto-rejeição e a ausência de awareness
reduzem o autossuporte, assim, o neurótico acredita que não pode se autorregular e autossuportar.
Dessa forma, o neurótico controla a si e aos outros como coisas, e se permite ser controlado.
O trabalho com o neurótico se desenvolve por meio de contato e compartilhamento. O Gestalt-
terapeuta compartilha suas observações, reações e habilidades criativo-artísticas. O terapeuta se recusa
a dirigir a vida do cliente, mas dirige exercícios e experimentos para aumentar a awareness.
AVALIAÇÃO E MATURIDADE
A Gestalt-terapia é bem sucedida quando o cliente é capaz experienciar e julgar por si próprio
ao invés de necessitar de uma medida extrínseca de ajuste (em outras palavras, quando o cliente
desenvolve autossuporte). Para que isso ocorra é importante que o terapeuta se conecte ao cliente de
maneira afetuosa, como ele é, evitando “ajudar”. O terapeuta precisa trabalhar para restaurar a
awareness das próprias necessidades do cliente, suas próprias forças, potencial de criação e novas
formas de lidar com o mundo.
A maturidade em Gestalt-terapia pode ser definida como o engajamento no processo de
ajustamento criativo. Ajustamento criativo é um relacionamento entre a pessoa e o meio no qual a
pessoa 1) contata, reconhece e lida com seu espaço de vida e 2) assume a responsabilidade pela
criação de condições que conduzirão ao seu próprio bem-estar.
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CAPÍTULO 7
GESTALT-TERAPIA: UM MÉTODO DIALÓGICO
REGULAÇÃO DEVERÍSTICA
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AUTORREGULAÇÃO ORGANÍSMICA
Esta regulação é baseada no reconhecimento das necessidades do meio e dos recursos internos.
É uma assimilação ao invés de introjeção. A autorregulação organísmica é um processo em constante
renovação que se baseia no ajustamento criativo. Essa forma de regulação exige um continuum de
awareness e vigilância para novas necessidades e mudanças de recursos no self, no outro e na
sociedade.
Quando uma pessoa analisa, experimenta, escolhe e assimila o julgamento dos outros que ele
acredita e rejeita o que não lhe serve, está se regulando por autorregulação organísmica. Essa
regulação requer capacidade para averiguar a realidade exterior e suas necessidades, bem como as
necessidades internas, sentimentos e crenças. A partir daí, reconhece holisticamente o que do ambiente
lhe serve.
Na Gestalt-terapia o foco é no que precisa ser explorado, e não o que precisa ser mudado. O
terapeuta observa o que é importante para a regulação do cliente, acreditando que a awareness
expandida e o contato levarão ao crescimento. A pessoa inteira é observada e aceita. Este é o suporte
básico para o início do diálogo do cliente com o mundo. Objetivar diretamente a mudança ao invés de
reconhecer o que é, e a partir daí crescer, viola tanto a atitude fenomenológica quanto a dialógica.
Inclusão
O terapeuta honra a experiência fenomenológica do cliente, entra de maneira respeitosa no
mundo fenomenológico do cliente, experienciando-o como ele é, aceitando o cliente como ele é.
Presença
O terapeuta mostra seu verdadeiro self. Numa terapia dialógica, o terapeuta mostra sua atenção
mais pela honestidade do que por sua constante delicadeza. Ele não somente permite ao cliente ser
quem é, como se permite ser quem é como resposta.
Não-exploração
A Gestalt-terapia é um relacionamento não-exploratório, não manipulativo pessoa-a-pessoa,
no qual o terapeuta considera cada pessoa como uma finalidade em si mesma. Embora a mutualidade
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da terapia não seja total e haja uma diferenciação de papeis, nenhum sistema de status hierárquico é
encorajado ou adotado pelo terapeuta. Dessa forma, o relacionamento é horizontal.
Vivendo o relacionamento
Os Gestalt-terapeutas se concentram mais em experiência do que em conceito. Entrar em
contato é relacionar-se com a vida e com o imediato agora. Relacionar-se é viver em vez de contar
histórias.
CAPÍTULO 8
DIAGNÓSTICO
A palavra diagnóstico tem origem em duas palavras gregas que significam “saber” e “por meio
de ou entre”. Pode ser definido como uma investigação cuidadosa de fatos para determinar a natureza
de algo; a decisão ou opinião resultante de tal investigação; qualquer classificação de um indivíduo
com base em caracteres observados.
Diagnosticar pode ser um processo de prestar atenção. O terapeuta observa padrões gerais
sobre o tipo de pessoa que o cliente é, qual o problema central e os principais recursos; a trajetória
provável do tratamento e os sinais de perigo. O diagnóstico auxilia o terapeuta a ser mais preciso e
alerta com antecedência para precauções a serem tomadas. O diagnóstico deve estar presente sempre
que houver uma psicoterapia competente.
Em Gestalt-terapia o diagnóstico é a busca de significado, que nessa abordagem pode ser
compreendida como a relação entre figura e fundo. Dessa forma, deve ser feito com reconhecimento
completo da estrutura do todo. Como qualquer busca de significado, o diagnóstico não é absoluto: é
construído. Tal construção emerge do contato terapeuta/cliente.
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CAPÍTULO 9
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para o terapeuta. Esses clientes apresentam funcionamento erodido na maioria dos campos
organismo/ambiente.
O narcisista pode ser descrito como alguém que é magoado com facilidade, tem baixa
autoestima, é muito dependente de atenção, aprovação, respeito e amor dos outros para manter um
sentido de si mesmo. Os narcisistas exigem suporte externo para manterem um semblante de
equilíbrio. Possuem uma dificuldade em manter um sentido de identidade segura e coesa no tempo,
principalmente em situações difíceis.
Os narcisistas são autocentrados, porém, não centrados sobre seus selves verdadeiros. São
confluentes e campo-dependentes. Necessitam de recepção positiva e afável pelos outros, contudo,
tratam o ambiente como existente para lhes dar suporte. Não veem os outros como um “Tu”, mas
como um “Isto”.
Imagem centrada e alienada: os narcisistas estão duplamente alienados: estão alienados das
outras pessoas porque são autocentrados, e estão alienados de seus selves verdadeiros, pois
estão centrados na autoimagem ao invés de em quem realmente são.
Necessidade de ser especial: eles precisam ser especiais e acreditam que não precisam fazer
esforço para ter direito a coisas ou tratamentos especiais que outras pessoas conseguem com
esforço, risco, aprendizado e tempo.
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Desapontamento
O desapontamento é inevitável em qualquer relacionamento. Em algum momento no decorrer
da psicoterapia o cliente se sentirá um pouco desapontado com o terapeuta. Para os clientes narcisistas
o desapontamento geralmente apresentará de forma vívida sua falta de coesão e integração, manifestas
em estados de intenso rancor, pânico, desprezo, destrutividade e inveja.
A situação geralmente piora quando ocorre uma reação defensiva do terapeuta, podendo ser
manifesta sob as formas de interpretação, confrontação ou julgamentos negativos. Isso pode ocorrer
disfarçado de gracejos, sugestões de experimentos e confrontação sobre responsabilidade.
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Individualizar
O terapeuta precisa entender o cliente e individualizar sua abordagem de tratamento. A boa
terapia não se faz no modo “livro de receitas”. O terapeuta deve levar à sério o que o cliente diz
experienciar. O trabalho psicoterapêutico precisa ser feito com a conexão entre os indivíduos
singulares.
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Contratransferência
No atendimento de clientes borderline, é comum que o terapeuta apresente reações
contratransferenciais fortes. O borderline frequentemente atacará o ponto nevrálgico da autoestima do
terapeuta. O terapeuta precisa conhecer a si e seus limites, além de saber quando precisa de ajuda, seja
em terapia ou em supervisão.
Respostas polares
Com o borderline é aconselhável sempre explicitar a bipolaridade. Como a cisão é uma
questão forte nesses clientes, eles apresentam grande dificuldade de integração. Dessa forma, o
terapeuta deve apresentar a sua visão e contrastá-la com a do cliente, por exemplo. Caso isso não
aconteça, o cliente se fixa em apenas um dos pólos, tomando-o como único e como verdade absoluta.
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Observar as separações
Como a questão do abandono tem uma importância central para o cliente borderline; como ela
apresente muita cisão e dificuldade na manutenção da constância objetal, toda separação e/ou
afastamento podem causar uma crise potencial no tratamento. É difícil para o cliente borderline
acreditar que será real para o terapeuta entre as sessões. Portanto, o terapeuta deve atentar-se para
essas separações, que podem vir acompanhadas de depressão, mágoa, raiva, medo, culpa, impotência e
vazio por parte do cliente.
Fúria e vingança
É comum que os clientes borderline tenham muitos e intensos sentimentos de fúria e
vingança. Suas fronteiras são enevoadas e repletas de substância amarga que “está no ar”. Fúria e
vingança geralmente são razões para o término precoce do processo terapêutico. O fim do processo
terapêutico surge como uma vingança por parte do cliente borderline ao terapeuta que não cuidou bem
dele, que não fez mágicas para “salvá-lo”.
CAPÍTULO 10
VERGONHA
Vergonha e culpa são duas importantes formas de reação negativa do self. Vergonha é o
sentimento que acompanha uma experiência de “não OK” e/ou “insuficiente”. Culpa é o sentimento
que acompanha a experiência de fazer algo ruim, de magoar alguém, de infringir um código moral ou
legal.
As reações à vergonha são emocionais e avaliativas negativas de si próprio para o que se é,
como se é e para com o que se faz. Geralmente estes sentimentos são experienciados de forma
nebulosa, obscura e confusa. A vergonha é capaz de se esconder da awareness com manobras
automáticas que funcionam para evitar a exposição ao self e aos outros. “Para a pessoa dominada pela
vergonha, a exposição, especialmente se inadequada ou ruim, traz à tona uma energia afetiva intensa
que é quase intolerável” (YONTEF, 1998, p.368).
Pessoas inclinadas à vergonha acumulam críticas e insultos pessoais e odiosos contra si
mesmas. Se veem como fracas, incompetentes, tolas, inadequadas, insuficientes, desajeitadas e assim
por diante. Essas autoacusações são tratadas por elas como fato consumado.
O vocabulário é um problema no trabalho com a vergonha. Embora haja diversas palavras
para descrever aspectos do processo de vergonha, a palavra-chave “vergonha” é pouco utilizada.
A sanção da culpa é a punição, e a da vergonha, o abandono. Tanto vergonha quanto culpa
podem estar embasadas em um sentido maduro e assimilado de si próprio que pode ser denominado de
autêntico. Por outro lado, podem basear-se em padrões introjetados, provocando reações não-
organísmicas. Culpa e vergonha requerem uma discriminação sobre as situações em que é lícito ficar
envergonhado ou culpado e em quais graus. A culpa autêntica pode ser aliviada com confissão,
arrependimento, reparação e perdão. Já o alívio da vergonha é mais demorado, gradual e difícil.
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SELF IDEAL
O self ideal refere-se a uma imagem ou figura do self de como a pessoa gostaria de
ser, ou acredita que teria de ser para tornar-se aceitável. Embora a imagem ideal
possa ser assimilada ou introjetada em graus variados, ela é frequentemente mais
assimilada ou ego-sintônica do que mero(s) deveria(s) (YONTEF, 1998, p.378).
As pessoas vergonha-orientadas se comparam a este self ideal e se identificam mais com ele
do que com sua verdadeira experiência. Pessoas dominadas pela vergonha possuem a autoimagem
ideal rígida e permitem apenas uma pequena amplitude de variação de traços. Elas excluem uma
ampla variação de comportamentos e experiências.
Alcançar esse objetivo exige um trabalho longo, repetido e gradual. O ritmo lento do trabalho
com a vergonha “é determinado não somente pela natureza inerentemente gradual de alterar atitudes
tão arraigadas, mas também porque no decorrer do tratamento em sua vida cotidiana, a vergonha
continua sendo evocada” (YONTEF, 1998, p.383).
É importante ressaltar que a eliminação total de culpa ou vergonha não é um bom resultado
terapêutico. Sentimentos de culpa são inerentes a uma pessoa inteira, completa. Já uma pessoa
“desprovida de vergonha” não tem um sentido apropriado dos próprios limites e de contexto.
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CURSO ESTUDO DIRIGIDO PSI – INTENSIVO UERJ 2015 – Psicologia Clínica
Como resultado deste trabalho, o cliente pode viver uma existência completa, centrada no
presente, desobstruída de figuras que pertencem a campos passados.
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