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INTRODUÇÃO
Neste sentido, tal trabalho não tem a intenção de ser romântico ou recheado de
esperanças irreais, vazias e de um otimismo ilusório. Muito pelo contrário,
objetiva, a partir da experiência em um hospital geral, sugerir a possibilidade de
oferecer ao paciente uma nova visão do processo do adoecer, aparentemente
desintegrador, percebendo-o, outrossim, como uma vivência transformadora.
Pode-se ainda dizer que este estudo é também um "grito de alerta", como uma
espécie de convocação a todos os profissionais da saúde, principalmente
psicólogos, para que reflitam sobre sua real postura de agentes ativos dentro do
contexto hospitalar, no sentido de reverter o significado restrito e precário que se
vem dando ao adoecimento.
Um outro objetivo que este estudo vem propiciar é o incremento das produções
gestálticas na área da saúde. A bibliografia neste contexto hospitalar é restrita,
sem oportunidade de mostrar o que se pode realizar na prática do atendimento,
principalmente com pacientes no leito. Aproveitando a leitura da Gestalt-Terapia,
deseja-se enfatizar que o estar doente, como a própria expressão indica, visa
um estado, um processo e, não, algo estático, sintomático e sem perspectiva de
transformação. O grande desafio é justamente ampliar este invólucro de ideias
limitadas. Embutida na patologia pode estar uma tensão emocional que, se não
cuidada, permite a supressão dos recursos próprios do indivíduo, tornando-o
"cego" às suas potencialidades e autossuporte. Se pudermos fazer uma
analogia, uma semente precisa apodrecer
e se desfazer, a fim de que dê frutos.
Caso isto não ocorra, ela perde a sua função. Assim também é o adoecer
humano: se um estado de debilitação não puder ser reconfigurado e reconhecido
como um percurso de crescimento, o homem fica desacreditado de si, fechando
suas fronteiras de contato, numa restrição e paralisação, muitas vezes, fatais.
Faz-se então urgente modificar o foco de apreensão deste processo,
decodificando a serviço do que ou de quem este ajustamento disfuncional está
tomando passagem. Para tanto, a instrumentalização gestáltica se mostra
eficaz, em sua abordagem prática e teórica, ao se aventurar a percorrer sempre
o limite daquilo que, em nenhum instante, o homem perdeu: sua liberdade de
ser!
DESENVOLVIMENTO
Durante muito tempo, o hospital era visto unicamente como um lugar onde se
priorizava a gravidade dos casos e o contato incessante com a morte. Sua marca
era a eterna luta entre a vida e a morte, culminando no aprisionamento da
esperança e da "cura". Os significados relevantes que as doenças iam
ganhando, deixavam o homem no anonimato de suas potencialidades. Aliás, o
que é isto? Será possível falar de potencialidades humanas, de aspecto saudável
no processo de adoecimento em plena instituição hospitalar?
Este é um desafio que começa aqui e que prima por reconhecer que o grande
engano do sistema de saúde é acreditar que seus profissionais detêm o saber
sobre o outro - paciente. Muito pelo contrário, torna-se urgente apontar que "esta
verdade a priori" apaga a capacidade intrínseca do sujeito doente de validar o
conhecimento que tem de si mesmo e até de propor o que ele precisa, auxiliando
o manejo de seu tratamento.
Por outro lado, pode acontecer o perigo de se cair no extremo oposto; ou seja,
naquele onde há uma tal "psicologização" do adoecer e uma
categorização emocional das somatizações, que mais uma dicotomia se
manifesta. E, em consequência, o humano continua sendo distorcido em sua
totalidade. Por esta razão é que, neste trabalho, pretendo apresentar a visão
fenomenológico-existencial, como uma das alternativas possíveis de abarcar o
homem e seu adoecimento, privilegiando a integração de partes, até então vistas
como fragmentadas e de escassa potencialidade. Nesta visão, a patologia
precisa ser explorada sim, e até medicalizada; mas dentro de um contexto; como
um processo que, neste momento, vem bloquear a expressão e percepção do
indivíduo em sua forma mais produtiva. E é por este motivo que
se faz necessária uma ampliação das maneiras de abarcar o adoecer, na medida
em que é fundamental delegar ao próprio sujeito hospitalizado os poderes de
buscar um sentido para sua vida; de reconfigurar sua existência.
Um enfermeiro, por sua vez, também estará tendo uma atitude amorosa e
humanizada, na medida em que atentar para como está o soro ou um curativo
que está vazando, ao invés de, unicamente, preocupar-se com os sonhos,
medos e expectativas daqueles dos quais cuida. Torna-se claro que é muito
tênue a linha que separa as atitudes de cada profissional da área de saúde. Mas,
o importante é que cada um reconheça seus limites e capacidades no lidar com
o outro, dentro das condições de sua especialidade e levando em conta sua
singularidade enquanto pessoa.
Para alcançar este novo olhar e esta nova atitude frente o adoecer, é
imprescindível que se reavalie e se reconceitue a própria doença. Esta pode ser
entendida como uma parte estruturante da existência. E isto significa que a
doença também pode ser vista como "... um fenômeno do cotidiano" (KOVÁCS,
1992: 144), prescindindo de uma singularização, cujos contextos não se
fundamentem em polaridades fragmentadas, mas em polaridades que se
complementem, a fim de estarem a serviço da própria "cura", na medida em que
assumirem um sentido que esteja a serviço do próprio doente em si. Perceber o
processo de adoecimento como uma polaridade do estado saudável é uma
novidade, talvez pouco fundamentada até então.
'Houve um tempo em que nosso poder perante a Morte era muito pequeno. E,
por isso, os homens e as mulheres dedicavam-se a ouvir a sua voz e podiam
tornar-se sábios na arte de viver. Hoje, nosso poder aumentou, a Morte foi
definida como inimiga a ser derrotada, fomos possuídos pela fantasia onipotente
de nos livrarmos de seu toque. Com isso, nós nos tornarmos surdos às lições
que ela pode nos ensinar. E nos encontramos diante do perigo de que, quanto
mais poderosos formos perante ela (inutilmente, porque só podemos adiar...),
mais tolos nos tornamos na arte de viver. E quando isto acontece, a Morte que
poderia ser conselheira sábia transforma-se em inimiga que nos devora por
detrás. Acho que para recuperar um pouco da sabedoria de viver seria preciso
que nos tornássemos discípulos e não inimigos da Morte.
Mas, para isso, seria preciso abrir espaços em nossas vidas para ouvir a sua
voz...' (Rubem Alves, 1996, p. 73). Há algumas décadas atrás, a morte era aceita
como parte do desenvolvimento humano, onde os corpos eram capazes de
"...fertilizar a terra, acelerando o crescimento das plantas, sendo fonte de vida"
(KOVÁCS, 1992: 47). Por outro lado, nesta mesma época, o sacrifício de um
animal e posterior ingestão do seu sangue guardava a ideia de incorporação dos
elementos vitais do morto.
É fundamental ressaltar que, deste outro lado, pode não estar a "cura" entendida
como a vitória sobre os sintomas, a saúde. Mas, mais importante que isto, pode
estar o amadurecimento, a transformação, a transmutação do adoecimento e o
consequente contato com os recursos pessoais. Aqui se encontra a grande
diferença entre "...lutar contra a doença e transmutá-la. A cura acontece
exclusivamente pela transmutação da doença e nunca pela vitória sobre um
sintoma, pois a cura pressupõe a compreensão de que o ser humano se tornou
mais sadio, ou seja, um todo se tornou mais perfeito" (idem, p.18).
Assim, quando os pacientes ousarem lançar mão de seus próprios recursos (que
pode ser a partir, ou não, do suporte proveniente dos atendimentos terapêuticos),
o adoecer ganhará um sentido de movimento, de expansão para um contato
funcional e dinâmico, num encontro que, provavelmente, possa vislumbrar um
propósito de vida e uma abertura de possibilidades. Eis aqui uma outra diferença
entre lutar contra tal processo, extirpar os sintomas e, ressignificá-los em prol de
um funcionamento saudável!
"A doença precisa ser vista como a 'abertura para novas possibilidades
existenciais a partir do confronto com determinados impedimentos'..."
(REHFELD, 1991, p. 28-29). Se o indivíduo não se permite mergulhar no próprio
adoecimento e perceber o que ele quer dizer, ou como vem fazendo parte de
sua vida, dificilmente poderá experimentar-se são. A exploração de si mesmo, o
confronto com toda a gama de bloqueios e cristalizações que participam do
contato e da relação sujeito-ambiente deve surgir como um processo ativo e
delineador de uma conscientização fluida, inteira da totalidade fenomenológico-
existencial.
Este é um trabalho árduo para o terapeuta, uma vez que o paciente costuma
depositar naquele a autonomia e sabedoria de seu estado, culminando por
abortar uma via de diálogo produtivo ao seu desenvolvimento saudável.
Contudo, quando estas formas de contato entre o indivíduo e seu meio são
interrompidas e perdem a capacidade de transformar a situação em busca de
satisfação, diz-se que este ciclo apresenta bloqueios em sua dinâmica. O grande
desafio do trabalho gestáltico é justamente identificar onde e como estes estão
acontecendo, a fim de resgatar um "diálogo com nossos problemas,
reintegrando-os para iniciar um processo de cura" (HYCNER, 1995, p.139).
A raiva é o segundo estágio apontado por Elizabeth; ela constata: "o pior é que
talvez não analisemos o motivo da raiva do paciente; nós a assumimos em
termos pessoais quando, na sua origem, nada ou pouco tem a ver com as
pessoas em quem é descarregada" (idem, 1996, p.65). As falas recheadas de
raiva, muitas vezes vêm carregadas de sentimentos de inconformismo e
fracasso: "por que isto aconteceu comigo?"; "como pode um dia de sol se
transformar neste dia de tempestade assim?" (SIC).
CONCLUSÃO
Este "sopro" pode ser comparado ao aspecto saudável do adoecer, capaz de ser
descoberto na medida em que o indivíduo puder vivenciar suas emoções polares
em meio a este processo. Enfim, estar disponível a traçar um caminho, a ser
presença no diálogo relacional, iluminando e sendo iluminado pelo encontro
inter-humano é a grande tarefa e o grande presente da terapia gestáltica. Nada
de facilidades; porém, extremo empenho e criatividade, numa construção
artesanal, onde paciente e terapeuta tecem um caminho possível, fazendo do
adoecer uma experiência transformadora.
Referências
- PHILIPPSON, P. "Awareness, The Contact Boudary and the Field". In: The
Gestalt Journal v. 13, n. 2, set-nov. 1990