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INSTITUTO DE PSICANÁLISE HUMANISTA

ESPECIALIZAÇÃO EM PSICANÁLISE

Aline Tatiane de Carli

A AUTOTRANSCENDÊNCIA E O SENTIDO DA VIDA


ATRAVÉS DA PSICANÁLISE HUMANISTA

Santa Maria – RS
2

2022
Aline Tatiane de Carli

A AUTOTRANSCENDÊNCIA E O SENTIDO DA VIDA


ATRAVÉS DA PSICANÁLISE HUMANISTA

Trabalho de conclusão de Curso apresentado ao


Programa de Pós-Graduação em Psicanálise Clínica,
do Instituto de Formação em Psicanálise (ITPH) em
convênio com a Faculdade Einstein (FACEI) como
requisito parcial para obtenção do grau de
Especialista em Psicanálise Clínica, sob orientação
do professor Dr. Salézio Plácido Pereira e co-
orientação do professor Dr. Daniel da Rosa Eslabão.

Santa Maria – RS
2022
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RESUMO

Este estudo visa elucidar como a Psicanálise Humanista consegue auxiliar o Ser em
sua jornada e seus desafios, impulsionando-o sempre à superação a fim de
descobrir o sentido de sua vida, ressignificando sua forma de viver e levando-o
quase que inevitavelmente à sua autotranscendência. Este amoroso processo de
análise pessoal que a Psicanálise Humanista nos proporciona, é riquíssima herança
advinda da teoria de Erich Fromm, sociólogo e psicanalista, que tendo atualmente
seus estudos somados à logoterapia de Viktor Frankl, nos fornece uma visão
profunda do Ser perante a existência. Ao mesmo tempo em que desvela valioso
método para chegarmos ao objetivo comum almejado por todos nós, consciente ou
inconscientemente, de profunda conexão com o Todo e sentimento de
preenchimento, permite que cada indivíduo busque de forma singular o sentido de
sua vida, auxiliando, facilitando e potencializando esse processo.

Palavras-chave: Existência. Autotranscendência. Superação. Psicanálise.


Logoterapia.
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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................05
2 TRANSCENDER......................................................................................................06
3 A BUSCA PELA UNIDADE......................................................................................14
4 O AMOR COMO TRANSCENDÊNCIA....................................................................19
4.1 Amor Fraterno.......................................................................................................20
4.2 Amor Materno........................................................................................................20
4.3 Amor Erótico..........................................................................................................21
4.4 Amor Próprio.........................................................................................................21
4.5 Amor Por Deus......................................................................................................22
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INTRODUÇÃO

O tema do presente artigo “A autotranscendência e o sentido da vida através


da psicanálise humanista”, foi escolhido por sua relevância, profundidade e comum
interesse de nossa comunidade científica, bem como de sua importância na
demanda clínica.
Visa buscar nas fontes da psicanálise e logoterapia um vislumbre de como
auxiliar profissionais e pacientes a encontrarem um sentido para a sua vida,
respeitando a subjetividade e particularidades de cada ser, tendo em vista as
angústias e desafios que a existência pode trazer.
Neste trabalho, foi possível abordar temas relevantes como a busca do ser
pela transcendência de suas limitações; a angústia da separatividade e consequente
busca pela unidade, que pode se dar de forma saudável ou patológica e como
identificá-la; a contribuição de Viktor Frankl através da logoterapia que dá
direcionamento para o encontro do sentido da vida e; a teoria psicanalítica de Erich
Fromm sobre como esses conflitos ocorrem internamente e como através do amor
podemos amenizá-los.
Sendo assim, o primeiro capítulo traz o conceito de transcender em suas
diferentes abordagens até chegar à psicanálise humanista e os contornos que
ganhou através dela unindo seu conhecimento com o da logoterapia. O segundo traz
clareza quanto a nossa necessidade de pertencimento e como a busca pela unidade
pode se dar de forma saudável ou patológica por vias preponderantemente
religiosas e científicas. O terceiro, por fim, nos traz o conceito de amor de Erich
Fromm em suas diferentes configurações, onde se encontram acalentadoras
respostas a questões humanistas existenciais.
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2 TRANSCENDER

Para discorrer-se sobre o conceito da transcendência, é interessante num


primeiro momento analisar a etimologia da palavra. Sua origem vem do latim
transcendere, que significa: “passar subindo, atravessar, ultrapassar, transpor,
cruzar por cima”, (trans = através. + scandare = “subir, escalar”) (TRANSCENDER,
2021).
Esta definição apresenta uma base para entendermos os vários significados
que este conceito adquiriu através do tempo, até tornar-se um objeto de estudo na
psicanálise humanista.
Em seu livro Homem, ser de transcendência (2013), o autor e filósofo Márcio
José Cenatti elenca alguns conceitos de transcendência, em diferentes abordagens:
Afirma que na Teologia surgiu o primeiro significado de transcendência como
um exercício reflexivo. Nesse sentido, significa que Deus é transcendente, pois está
muito além da fisicalidade e também do imaterial. Ou seja, que Deus é. Onipotente,
onipresente e onisciente.
Já a Fenomenologia entende que transcender seria algo inerente à própria
consciência, um fenômeno em que a consciência se transpassa a ela mesma.
Ainda segundo ele, para a Sociologia, outra contribuição interessante vem do
sociólogo Peter Ludwig Berger, que considera que há transcendência quando o
universo cultural de sistemas e significações do homem e seu instinto humano
andam juntos. Ou seja, que a cultura formada pelo homem em sociedade e a sua
ação dentro dela seria uma forma de transcendência do homem sobre o que nele é
puramente biológico.
Afirma que Freud, por sua vez, trouxe como contribuição à Psicanálise a ideia
de que o homem transcende a si mesmo quando reprime através de sua vontade
consciente ou inconsciente o que é próprio de seu biológico (suas pulsões), e vai
para além do seu corpo. Ele (Freud) entende que nesta atitude de ir além do corpo o
homem transcende o que nele costumava ser puramente biológico. (Embora sob o
olhar da Psicanálise Humanista seja mais seguro afirmar que o mecanismo utilizado
para este meio de transcendência seria a sublimação, em vez da repressão, pois
esta nos traz a ideia de algo que é jogado para o inconsciente, enquanto na
sublimação o conteúdo é conscientizado e criativamente trabalhado.).
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Tendo refletido sobre estes diversos conceitos de transcendência, temos,


ainda, como contribuição à Psicanálise Humanista que:

Fromm entende transcender como um processo humano da superação dos


limites costumeiros, socialmente transmitidos e considerados ‘normais’ por
serem muito frequentes, tais como nossas angústias, fobias, inseguranças,
nossos medos e tendências de regredir – tudo aquilo que evita liberdade e
razão, individualidade e verdadeira comunhão. (GNISS, 2010, p. 59)

Pode-se compreender então que para a Psicanálise Humanista a


transcendência é um fenômeno que projeta o ser humano para algo além de si
mesmo, trabalhando as suas potencialidades em detrimento de suas angústias, com
o objetivo de atingir a sua superação pessoal. Essa superação pessoal é
necessidade intrínseca para nossa existência.

Entende-se então, que existir é transcender. A existência está sempre em


processo de autotranscendência, a cada etapa existem perdas, mas existem
mudanças necessárias e ganhos. O homem sempre tem a liberdade de
fazer suas escolhas, o desafio se apresenta: acomodar-se ou enfrentar
corajosamente. (BORGERT, 2018, p. 27).

Segundo Zekhry (2021) “transcender é promover uma mudança no modo de


querer, pensar, sentir e agir.” e esta transcendência pode ser a nível cultural, social
ou religioso.
Pode-se perceber também que uma das características principais de um ser
que está transcendendo é a de que ele pode “Rejeitar, com coragem, toda tentativa
de domínio, submissão ou restrição da liberdade de escolher e liberdade de ser.
Porque o ser humano nasce livre e sua essência está na liberdade.” Então ele deve
“desafiar constantemente e superar sem medo, todos os interditos, indo além de
todos os limites impostos pelo meio ambiental, social e cultural.” (ZEKHRY, 2021).
Uma das frases mais conhecidas e sábias de Fromm é a de que “A felicidade
é a aceitação corajosa da vida”, pois a cada instante, a cada dia, surgem novas
oportunidades e para aproveitá-las o ser precisa sair da sua zona de conforto. Se
não tiver a coragem necessária para o enfrentamento dos desafios que se
apresentam, ele cai na entropia psíquica e se acovarda diante da vida.
Como explica May: “O ser nunca se dá automaticamente, como acontece com
as plantas e os animais, mas depende da coragem do indivíduo; e sem coragem
perde-se o ser.” (1986, p. 112).
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Segundo Borgert (2018), as qualidades necessárias para que o homem torne-


se cada vez mais criativo, produtivo e desenvolva sua autotranscendência são:
“coragem, disciplina, persistência, determinação, enfrentamento, entusiasmo,
dedicação e estudo.”.
Sendo assim, pode-se afirmar que

Transcender é parte inseparável da autoconsciência, onde a pessoa como


ser no mundo tem a capacidade para se posicionar e examinar a si próprio e
a situação envolvida, encontrando uma solução e guiando-se por uma
infinidade de possibilidades. O fato mais crucial em relação à existência é
que ela emerge, isto é, está sempre em processo de formação, sempre se
desenvolvendo no tempo, e jamais poderia ser definida em termos estáticos.
(BORGERT, 2018, p. 28).

Muitas pessoas buscam irrefreavelmente por estabilidade e segurança nas


mais diversas áreas da sua vida, como profissional, financeira, amorosa e etc., mas
percebe-se que essa busca exaustiva no mundo externo está fadada a fracassar em
algum momento se a pessoa não desenvolver as capacidades internas necessárias,
pois, como já falado anteriormente, a existência está sempre emergindo, não é
estática e as circunstâncias mudam todo momento.
Entretanto, é possível conquistar estabilidade e segurança emocionais,
provenientes do mundo interior que são necessárias para lidar com quaisquer
circunstâncias que se apresentem na vida. Uma estrutura emocional bem alicerçada
é capaz de transcender qualquer dificuldade externa.
Nisso consiste a proposta da Psicanálise Humanista: um convite ao desafio
de conhecer e fortalecer a si mesmo.
Para Kierkegaard (1979), que é por muitos historiadores considerado o
primeiro representante da filosofia existencialista, existir é escolher-se, optar por si
mesmo.
Quando o indivíduo se abre à possibilidade do processo analítico, isto é, de
fazer a análise pessoal guiada por um psicanalista, o que seria mais representativo
de “optar por si mesmo” de que esta atitude?
Sabe-se que na vida existem diversas formas de se chegar ao
autoconhecimento. O ser humano aprende através da dor, por experiências
traumáticas e dolorosas que precisa superar para seguir em sua existência, ou
através do amor, que é uma forma mais fácil em sua prática, embora exija um
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exercício contínuo de qualidades biofilas, estas que Fromm nos traz como sendo
uma arte o seu aprendizado.
Na contemporaneidade, o ser humano encontra-se aprendendo nessas duas
formas, ora pela dor, ora pelo amor, como num pêndulo onde jaz a dualidade.
Segundo Andréa (2018, p. 23) “A transcendência seria o desejo de erguer-se
acima de uma existência passiva e acidental, ela pode acontecer de modo positivo
ou negativo, criando ou destruindo a vida.”.
Quando o ser se depara com o sofrimento, a falta e a dor em sua vida, por
mais difícil que seja a situação, ainda assim possui a liberdade de escolha, podendo
optar pela vitimização ou pelo enfrentamento a fim de superar o que há de
desagradável em sua vida, consequentemente aprendendo, tirando lições dessa sua
experiência e por vezes auxiliando os outros que estão passando pelos mesmos
problemas.
O que não significa de forma alguma que o sofrimento seja indispensável em
sua vida.

Se for evitável, o que faz sentido é remover a sua causa, porque sofrimento
desnecessário é masoquista e não heroico. Por outro lado, mesmo se a
pessoa não puder mudar a situação que causa seu sofrimento, pode
escolher a sua atitude. (FRANKL, 1985, p. 134)

O que a vida exige para tanto, é coragem e senso de responsabilidade. Nesse


sentido, Frankl (1985 p. 106), nos traz que a essência da existência humana é a
responsabilidade, pois à vida somente pode-se responder sendo responsável.

A coragem é saber que tem condições de superar todo e qualquer


empecilho que se coloque na sua trajetória, portanto é desta natureza da
vontade de poder que o ser precisa estar imbuído para transcender inclusive
suas patologias, ou seja, existe sim a condição de lutar com todas as suas
forças para poder superar-se mesmo diante dos quadros de dificuldade
externas. (PEREIRA, 2007, p. 59)

Então conforme a vida e os desafios se apresentam, é provável que o ser se


interesse em buscar formas de adquirir esta coragem, pois vai se dando conta de
sua autorresponsabilidade e em algum momento dessa experiência humana, mais
cedo ou mais tarde, diante de sua incompletude se depara com algumas questões
importantes. Uma das principais, seria: qual o sentido de sua vida?
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A partir do instante em que surge esta questão, consciente ou


inconscientemente estabelece-se uma metanoia ávida por ser compreendida e
satisfatoriamente respondida. Assim que instalada, o ser passa dedicar a sua
existência na busca desse sentido.

A transcendência é o movimento de busca pelo sentido da vida humana,


sendo marcada por uma realidade que se apresenta constantemente
incompleta. De igual modo, também está marcada por uma constante
procura por plenitude que é experimentada pelo homem quando se depara
com a angústia de sua existência. (CENATTI, 2013, p. 13)

Neste ponto, a autotranscendência e a busca de um sentido para a vida


tornam-se movimentos poderosos que passam mutuamente a trazer respostas mais
confortantes à vida do ser, aprimorando a biofilia em sua existência, pois conforme o
ser transcende, cada vez mais agrega informações que o colocam em estado de
biofilia.
“Quem conhece um sentido para sua vida encontra, na consciência desse
fato, mais do que em outra fonte, ajuda para a superação das dificuldades externas
e dos desconfortos internos”. (FRANKL, 1990, p. 32).
Neste sentido, a Psicanálise Humanista herdada de Erich Fromm e a
Logoterapia criada por Viktor Frankl são presentes inestimáveis de contribuição
teórica e prática para o tratamento de seres que estão em busca de sua
autotranscendência e sentido para a sua vida.
Frankl, em sua obra majestosa Em busca de sentido (1985), esclarece que
não há como definir um sentido para a vida de uma forma generalista, pois este
difere de pessoa para pessoa, e também do momento em que se vive, pois:

Cada qual tem sua própria vocação ou missão específica na vida: cada um
precisa executar uma tarefa concreta, que está a exigir cumprimento. Nisto
a pessoa não pode ser substituída, nem pode sua vida ser repetida. Assim,
a tarefa de cada um é tão singular como a sua oportunidade específica de
levá-la a cabo. (p. 106)

O mesmo seria válido para a existência humana, que segundo ele, não se
deveria procurar um sentido abstrato à vida.

Uma vez que cada situação na vida representa um desafio para a pessoa e
lhe apresenta um problema para resolver, pode-se, a rigor, inventar a
questão pelo sentido da vida. Em última análise, a pessoa não deveria
perguntar qual o sentido da sua vida, mas antes deve reconhecer que é ela
que está sendo indagada. Em suma: cada pessoa é questionada pela vida;
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e ela somente pode responder à vida respondendo por sua própria vida. (p.
106)

Como cada pessoa é única e insubstituível em suas relações, potencialidades


e criatividade, a vida lhe exige respostas e ações que são intransferíveis. Entretanto,
Frankl (1975) nos dá uma luz e afirma que no processo pessoal de
autotranscendência pode-se descobrir este sentido na vida de três formas
diferentes:
“1. Criando um trabalho ou praticando um ato;
2. Experimentando algo ou encontrando alguém;
3. Pela atitude que tomamos em relação ao sofrimento inevitável.” (p. 107).
Para conseguir tais intentos, o ser precisa munir-se de seus valores e
conhecimentos e partir para a ação no mundo, também de uma forma prática.

O ser na existência necessita da ação, mas não de qualquer ação, de uma


ação com um sentido, desde o momento que o ser humano começa a tomar
consciência, sua percepção ainda não é clara o suficiente para poder
apreender com segurança quais os valores e atitudes que promovem a vida.
Na medida em que amplia o seu raio de compreensão do real cabedal
cultural e emocional começa a dar a tonalidade de sua personalidade.
(PEREIRA, 2007, p. 22)

Como afirma Zekhry (2020), “O sentido da vida não pode ser apenas dado ou
inventado, mas procurado e descoberto através da expansão da consciência.”, pois
“a consciência é a essência do nosso ser e a sua expansão nosso dever sagrado”.
Tendo o ser atingido este nível de percepção, inicia o “despertar da
consciência”, por vários almejado e ao mesmo tempo temido.

A experiência analítica visa, em última instância, ao despertar. Despertar do


sono no qual o sujeito se achava mergulhado e que dava algum sentido à
sua vida. Com ele, o sentido deverá ser reinventado, e a liberdade que
então advém é congruente com uma radical entrega a tudo aquilo que
porventura possa vir do real. (JORGE, 2010, p. 223)

Esta tomada de consciência da realidade é por vezes temida, pois assalta o


ser de seu mundo de fantasias, o que de início pode ser um processo doloroso, mas
que o permite, pouco a pouco, em um movimento espiral-crescente, gozar com a
realidade tal qual se apresenta.
Frankl (1985, p. 134) afirma que “O sentido está disponível apesar do – não,
através do – sofrimento, desde que, como ressaltado (...), o sofrimento seja
inevitável.”.
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O sofrimento “evitável” que o ser carrega consciente ou inconscientemente


pode ter vários fatores de origem, como traumas e complexos, mas o que eles
possuem em comum e que torna mais difícil a sua ressignificação são as fantasias
que permeiam a psique, afetam a capacidade de interpretação da realidade dos
fatos e mantém o ser preso nesta percepção limitada da realidade.
As fantasias são recursos que a mente utiliza por meio de uma construção
inconsciente, às vezes necessárias para o sujeito se proteger de uma realidade
insatisfatória e traumática, mas que afastam o ser da realidade tal como é.
Segundo Freud “As fantasias possuem realidade psíquica, em contraste com
a realidade material, e gradualmente aprendemos a entender que, no mundo das
neuroses, a realidade psíquica é a realidade decisiva.” (1917, p. 86).
Por isso a importância da psicanálise acolher e trabalhar as fantasias,
alinhando essa realidade psíquica à realidade material. Dessa forma, vai ficando
cada vez mais fácil e fluído realizar o seu projeto de vida, desta vez baseado no
sentido que a vida o ofereceu e não no que o ego com sua sede de poder e
complexo “R” quer impor.
Atualmente fala-se muito sobre como ser um co-criador da realidade. “Co”
criador porque você cria em conjunto com o “todo”. O todo representa tudo o que é e
existe. Muitos chamam de Deus, Consciência Suprema, etc. A ciência, através da
física quântica explica como sendo o Vácuo Quântico, uma realidade não local de
onde tudo emerge.
E é exatamente o que acontece quando se chega neste estado de harmonia e
expansão da consciência: consegue-se utilizar a energia psíquica e os recursos que
a mente provê para projetar uma imagem ou holograma, protótipo de seu sonho.
A partir desse “projeto” (que podemos descrever ainda como uma construção
consciente, enquanto a fantasia seria uma construção inconsciente), o inconsciente
toma um movimento positivo através desse comando e impulsiona o ser até a
realização do seu objetivo que no devido tempo alcançará. E então é como se “o
universo conspirasse a seu favor”.
Quando o ser entende que necessita transcender a si mesmo repetidamente,
pois está sempre sendo desafiado a sair de sua zona de conforto, mesmo com certa
dificuldade cria a coragem e os recursos necessários para esta ação.
Conjuntamente, seguidamente encontra/aceita o sentido da sua vida, e como
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consequência surge um sentimento que é comum para todos que atingem esse
estado de consciência: a gratidão.
A gratidão é pela ciência reconhecida como uma “emoção de nível superior”.
(Emmons; McCullough, 2004). Em seu aspecto biológico, afeta o sistema
neuroquímico do cérebro em uma área específica conhecida como Núcleo Accubens
(NAcc), que ativa o sistema de recompensa cerebral, produzindo os hormônios
ocitocina e dopamina que geram uma sensação de prazer. Assim, aquele que a
sente constantemente passa a viver com entusiasmo (do grego enthousiasmós,
"inspiração divina"), ou seja: “com Deus dentro”.
Segundo Pereira:

Esta pulsão de vida está acima de qualquer trauma ou bloqueio, porque


mesmo as experiências mais dolorosas não conseguem fazer desaparecer
este desejo de transcender e resolver os seus dilemas pessoais. Este
desejo de superação relaciona-se com a busca de realização pessoal, da
aquisição de bens materiais, estudo, dotes físicos, beleza, inteligência,
privilégios. Todas estas vantagens que a existência oferecer para aqueles
que se tornaram dignos destas conquistas. (2012, p. 31)

O ser humano vive em busca do prazer, e podemos afirmar que, muito além
de suas necessidades puramente biológicas:

É pela relação com a transcendência que o homem pretende superar sua


condição de ser inacabado, ultrapassando sua limitação física e sua própria
racionalidade rumo à realização que está além dessas duas dimensões.
Ainda podemos afirmar que a dimensão de transcendência é específica e
peculiar apenas ao ser humano porque, dentre todos os animais, somente a
raça humana pode ser mais do que lhe foi concedido ser quando de seu
nascimento e do que é no presente. (CENATTI, 2013, p. 13)

Por detrás de todo esse movimento pela transcendência e o sentido da vida


que é exclusiva a nós, seres humanos, está a busca pela unidade.
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3 A BUSCA PELA UNIDADE

A teoria de Fromm tem por base de que o homem é o único ser na natureza
com consciência de si mesmo. Sendo o único que tem essa habilidade de
autopercepção, ele se utiliza da capacidade de reflexão e do exercício da razão e
assim se depara afastado da comunhão com a natureza, diferente dos outros
animais onde esta integração se dá automaticamente.
Esta separação é causa de uma ansiedade denominada “ansiedade de
separação”:
A experiência da separação desperta a ansiedade; é, de fato, a fonte de
toda a ansiedade. (...) Eis porque ser separado é o mesmo que ser
desamparado, incapaz de apreender o mundo, as coisas e as pessoas, de
modo ativo; significa que o mundo nos pode invadir sem que tenhamos
condições para reagir. (FROMM, 1962, p.)

Conforme Fromm (1983), as qualidades do homem que o diferenciam do


animal e o colocam neste estado de separatividade são:

Sua consciência de si mesmo como entidade independente, sua capacidade


de lembrar o passado, de visualizar o futuro e de indicar objetos e atos por
meio de símbolos; sua razão para conceber e compreender o mundo e sua
imaginação, graças à qual ele alcança bem além do limite de seus sentidos.
(p. 43)

E ainda acrescenta: “O homem é o mais inerme dos animais, mas essa


mesma debilidade biológica é a base de sua força, a causa primordial do
desenvolvimento de suas qualidades especificamente humanas.”
Sendo assim, diferentemente dos outros animais que nascem programados
genética e biologicamente para realizar instintivamente apenas tarefas básicas de
sobrevivência em determinado habitat, o homem nasce munido de potencial para
criar: sua história, sua cultura, seu ambiente, sua família, sua rotina, etc.

O mundo humano é programado de forma imperfeita por sua própria


constituição, o que nos permite afirmar que o mundo do homem não é
fechado como o mundo dos animais irracionais. É um mundo que vai
tomando forma pela atividade do homem no decorrer de sua existência. De
forma contrária aos animais não humanos, esse “mundo aberto” do homem
não é simplesmente dado a ele por conta de seu existir ou de seu nascer no
mundo. Não é pré-programado biológica e geneticamente para ele. O
homem tem em si a necessidade de estruturar um mundo para si.
(CENATTI, 2013, p. 11)
15

Consequentemente se vê isolado dos outros seres que vivem em harmonia


na natureza, algumas vezes se sentido isolado inclusive entre os seres da mesma
espécie. Afirma Fromm (1961):

O homem - de todas as idades e culturas - vê-se diante da solução de uma


só e mesma questão: a de como superar a separação, a de como realizar a
união, a de como transcender a própria vida individual e encontrar a
sintonia. (p. 16)

A ansiedade de separação vivenciada pelo ser, até onde sabemos e podemos


estudar, tem seu início no parto. Como afirma Sallin (2019):

A criança de fato está vinculada com a mãe no útero materno. A separação


com a mesma através do parto experimenta um sofrimento, e por que não
dizer de um trauma. Por isso que a separação é premissa de intensa
ansiedade. Em nossa vida estamos a todo momento nos separando de algo,
coisas e pessoas. São realidades que condizem com nossa existência. (p.
21)

Ao nascer, o ser entra em estado de sofrimento por conta dessa separação


repentina da mãe. O equilíbrio da realidade intrauterina é rompido para dar início a
uma autonomia, ainda que de início condicionada a dependências. Essa dor é causa
de uma enorme angústia psíquica que pode desencadear uma neurose que
prolongue este sofrimento. Segundo Pereira (2015 apud Sallin, 2019):

Quem está preso pelas amarras da neurose, não consegue ser diferente e
fazer a diferença, as estruturas neuróticas do passado não permitem que a
pessoa seja criativa, a neurose insiste em sempre repetir o mesmo padrão
de fantasia. (p.85)

Portanto, desde que o ser humano nasce ele está sendo desafiado pela
existência a superar-se. Se ele opta pela biofilia, superando seus medos e traumas,
está agindo num estado de consciência e, ao contrário disso, se sucumbe ao
fracasso e vitimismo, está num estado de inconsciência que acentua a pulsão de
morte, perpetuando a repetição da neurose.
Segundo a teoria de Maslow, os seres humanos possuem cinco necessidades
básicas, que podem ser elencadas no formato de uma pirâmide, na qual

Em sua base estariam as necessidades fisiológicas (sede, fome, sono,


oxigênio), acima as de segurança (do corpo, da família, da propriedade),
após, as necessidades sociais (amor, amizade, família, comunidade),
seguidas pela estima (autoestima, reconhecimento, status) e apenas então,
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no topo da pirâmide, a autorrealização (desenvolvimento pessoal,


criatividade, talento). (CARLI, 2018, p. 13.)

Conforme ilustração:

Figura: A “pirâmide de necessidades” de Maslow.

Fonte: https://blog.waycarbon.com/2016/05/acv-sustentabilidade-dos-negocios/

Observando esta escala de necessidades desenvolvida por Maslow, percebe-


se que a grande maioria dos seres humanos está na base da pirâmide, “lutando”
para sobreviver, se alimentar. Uma segunda grande parte, classe média, tem o
básico para a sua sobrevivência e segurança garantido e consegue pensar em
outras coisas, mas tem dificuldade de transcender a terceira, que são as
necessidades sociais. Ou seja, passam grande parte da vida se dedicando a
solucionar problemas de relacionamento de todos os tipos, sejam eles amorosos,
fraternos, familiares e até consigo mesmo. Sendo assim, não chegam a galgar o
patamar de enfrentamento do nível “topo” da pirâmide, que abriga os movimentos de
busca pela autorrealização, de modo que a busca pelo retorno à unidade pode
acabar sendo prorrogada ou nunca acontecer tendo em vista a brevidade e finitude
da vida humana.
Esta informação pode ser confirmada simplesmente percebendo como o
marketing, o cinema, a música e outros meios de expressão de nossa cultura quase
que em sua totalidade tratam sobre este tema, com principal foco sobre a
sexualidade.
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Como já mencionado, o ser humano possui uma necessidade intrínseca de


sentir que pertence a algo, de fazer parte e ser incluído, pois ele almeja ser amado,
aceito, valorizado, reconhecido e desejado através da construção de vínculos ao
longo de sua vida. Esta necessidade o impele a buscar num nível social grupos de
afinidade que o tragam essa satisfação de ser aceito, incluído, reconhecido.
Esta busca social pode ser algo saudável quando munida de fraternidade e é
fácil de identificar quando assim o é, pois não gera dependência de nenhum tipo,
consiste em trocas e doações que elevam os seres que se uniram em busca de
interesses afins. Estas comunidades são raras e esparsas atualmente, mas existem.
Infelizmente muitos líderes possuem esse conhecimento a respeito das
necessidades e da psique humana e o utilizam a fim de controlar as pessoas mais
ingênuas e carentes. Criam uma “persona” fantasiosa fingindo ser si mesmo e
cativam o seu “rebanho” com palavras, demonstrações falsas de afeto e
reconhecimento, gerando esse sentimento de pertencimento de grupo, dando
respostas calculadas a essa necessidade humana, o que pode assumir contornos
patológicos, provenientes de líderes psicopatas.

A entrega a um tal sistema absoluto dispensa ao ser humano a necessidade


de decidir, de se justificar em seus atos, e a submissão a um sistema
absoluto confere ao seu adepto a superação dos sentimentos de isolamento
e limitação. A projeção das suas incertezas ao poder do grupo permite ao
homem sentir-se membro dele e participar do seu potencial. (GNISS, 2010,
p. 56)

Nessa sistemática, tais líderes acabam tornando as pessoas cegas e


dependentes de sua imagem e sua ideologia, seja ela política, religiosa, científica,
etc., fazendo definitivamente uma “lavagem cerebral” e escravizando os que neles
acreditam, impondo os seus condicionamentos e determinando seus
comportamentos.

O psicopata utiliza sua esperteza patológica para calcular e medir cada


estratégia de seu sadismo, seria como um lobo, vestido de cordeiro, na sua
essência existe uma “persona” com um papel social importante, aprendeu a
duras penas a ser um escravo de sua patologia, agora não resta outra
alternativa a não ser viver segundo a fantasia. (PEREIRA, 2021. p.21)

Os psicopatas são seres que não possuem a habilidade da empatia e fazem


qualquer coisa utilizando-se da sedução para obter poder sobre os outros.
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“O sedutor se utiliza da fragilidade e da carência, com a única finalidade de


realizar seu desejo nefasto, e sob o manto de uma profissão, cargo, ministério,
projeta na pobre vítima sua violência emocional e agressiva.” (PEREIRA, 2021. p.21)
Este seria um exemplo patológico de busca pela unidade.
Fromm identifica haver dois tipos de “autoridades”: a autoridade irracional,
daquele que possui caráter autoritário e submete os que nela acreditam, explorando
e causando dependência e, o contraste disto, a autoridade racional, que favorece a
autonomia e quer ajudar, almejando tornar-se supérflua.
Do ponto de vista religioso, Fromm as classifica como “religião autoritária” e
“religião humanista”.
A religião humanista nos fornece insumos mais saudáveis para realizarmos
esta busca e de fato transcendermos a separatividade:

A religião humanista, ao contrário, está centralizada pela ideia do homem e


das suas potencialidades. O homem deve desenvolver a força da sua razão,
para que possa entender a si próprio, as suas relações com os seus
semelhantes e o lugar que ocupa no universo. Ele deve reconhecer a
verdade, tanto no que se refere às suas limitações, como às suas
potencialidades. Cabe-lhe desenvolver a sua capacidade afetiva, não
apenas em relação ao próximo, como a si mesmo, e experimentar
solidariedade por todas as coisas vivas. Naturalmente, ele precisa de
princípios e normas para guiá-lo nesse sentido: a experiência religiosa,
nessa espécie de religião, é a experiência de união com o universo, como o
homem o concebe e sente. O objetivo humano consiste em atingir a máxima
força e não a máxima fraqueza; a virtude é a realização pessoal, e não a
passividade da obediência. A fé, na religião humanista, alicerça-se na
certeza da convicção obtida através das experiências intelectuais e
emocionais, ao passo que na religião autoritária o homem aceita as
proposições porque acredita em quem as formulou. Na religião autoritária, o
humor predominante é de tristeza e culpa; na religião humanista, o tom
emocional prevalente é de alegria. (FROMM 1962, p. 48).

Fromm (p.49) frisa ainda que “O importante em todos esses sistemas não é
tanto a estrutura intelectual, as concepções em si, mas a atitude humana que orienta
a doutrina.”.
E esta atitude, como se pode imaginar, está embasada num ensinamento que
foi deixado à humanidade há cerca de dois milênios: “amaivos uns aos outros”.
19

4 O AMOR COMO TRANSCENDÊNCIA

A terapêutica psicanalítica é, em sua essência, uma tentativa para ajudar o


paciente a conquistar ou reconquistar a sua capacidade de amar. Se este
objetivo fracassa, nada é realmente obtido, a não ser alterações superficiais.
(FROMM, 1962, p.103)

Em nossa sociedade preponderantemente materialista acredita-se muitas


vezes que o problema quanto ao amor está relacionado diretamente com o objeto a
ser amado. Que o amor não “funciona” pela falta do objeto correto e que quando
surgir este que foi idealizado em fantasia, então o amor acontecerá. (FROMM, 1958)
Entretanto,

A psicanálise mostra também que o amor, pela sua própria natureza, não
pode restringir-se a uma única pessoa. Quem ama apenas uma pessoa e
não ama "o seu semelhante" demonstra que essa atração exprime, na
realidade, um anseio de dependência ou de dominação, ou seja, uma
mistificação do amor. Além disso, quem ama o seu semelhante e não ama a
si mesmo mostra que o interesse no semelhante não pode ser genuíno. O
amor baseia-se numa atitude de afirmação e respeito, e quando essa
atitude não existe em relação ao próprio indivíduo, que é afinal de contas
um ser humano, não podemos falar em amor. (FROMM, 1962, p.103-104)

Fromm nos ensina que amar é uma arte que requer prática para seu
aprendizado. O amor apenas pode ser considerado real e genuíno quando possuir
um caráter universal, não direcionado unicamente a um objeto de desejo. Pois se
assim o é, não passa de uma estratégia narcísica para a existência.
O amor é uma faculdade que pode ser desenvolvida na vida se houver a
conscientização de que amar não é assim tão simples e fácil, e é por isso que
muitos relacionamentos ao longo da vida de uma pessoa podem fracassar se o ser
não buscar entender a real significação do que é o amor e como amar. Nesse
sentido,

O primeiro passo a dar é tornar-se consciente de que o amor é uma arte,


assim como viver é uma arte; se quisermos aprender como se ama,
devemos proceder do mesmo modo por que agiríamos se quiséssemos
aprender qualquer outra arte, seja a música, a pintura, a carpintaria, ou a
arte da medicina ou da engenharia. (FROMM, 1958, p. 13)

Então, como se pode aprendê-la?


Segundo Fromm, como em toda arte é necessário o domínio de sua teoria e
de sua prática, que unidas nos dão uma habilidade intuitiva natural na medida em
que a praticamos.
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Há também um terceiro fator muito importante, “o domínio da arte deve ser


questão de extrema preocupação; nada deve existir no mundo de mais importante
do que essa arte.” (p. 14).
Fromm sabiamente nos ensina em seu livro A Arte de Amar que o amor é a
resposta ao problema da existência humana, pois é através do exercício de amar
que o homem soluciona genuinamente a ansiedade pela separação, supera suas
angústias e patologias e transcende de seu egoísmo narcísico.
O amor, apesar de seu caráter universal, pode ser dividido em diferentes
formas e objetos, dos quais Fromm destaca 5 (cinco). Definidos a seguir:
4.1 Amor Fraterno:

Entendo por isto o sentimento de responsabilidade, de cuidado, de respeito


por qualquer outro ser humano, o seu conhecimento, o desejo de aprimorar-
lhe a vida. Desta espécie de amor é que a Bíblia fala, quando diz: ama o teu
próximo como a ti mesmo. O amor fraterno é amor por todos os seres
humanos; caracteriza-se pela própria falta de exclusividade. (FROMM,
1958, p. 41)

É o amor de igual para igual que temos pelo próximo, baseia-se no altruísmo
e na consciência de que Todos Somos Um e cada vida importa, devendo ser
cuidada e respeitada em suas particularidades.
4.2 Amor Materno:

(...) o amor materno é uma afirmação incondicional da vida do filho e de


suas necessidades. Adição importante, porém, a essa descrição deve ser
feita aqui. A afirmação da vida do filho tem dois aspectos; um é o do
cuidado e responsabilidade absolutamente necessários para preservação
da vida do filho e o seu crescimento. O outro aspecto vai mais longe do que
a simples preservação. É a atitude que infunde no filho o amor à vida, que
lhe dá o sentimento de ser bom viver, de ser bom ser um menino ou uma
menina, de ser bom estar nesta terra! (FROMM, 1958, p. 42)

O amor materno é o primeiro amor que temos contato enquanto humanos. É o


mais estruturante, que nos dá uma primeira referência de como é a experiência de
viver, dar e receber e ser amado. Difere um pouco das outras formas de amor, pois:

Em contraste com o amor fraterno e o amor erótico, que são amor entre
iguais, a relação de mãe e filho é, por sua própria natureza, de
desigualdade; nela, um necessita de toda a ajuda, o outro a dá. Por esse
caráter altruísta, abnegado, é que o amor de mãe tem sido considerado a
mais alta espécie de amor, o mais sagrado de todos os laços emocionais.
(FROMM, 1958, p. 43)
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4.3 Amor Erótico:


“(...) o amor erótico é o anseio de fusão completa, de união com uma outra
pessoa. É, por sua própria natureza, exclusiva e não universal; é também, talvez, a
mais enganosa forma de amor que existe.” (FROMM, 1958, p.44)
O amor erótico é o único exclusivo em sua própria espécie, pois apenas é
possível nos fundirmos eroticamente com uma única pessoa. Entretanto:

É exclusivo apenas no sentido de que só me posso fundir plena e


intensamente com uma pessoa. O amor erótico apenas. exclui o amor aos
outros no sentido da fusão erótica, da plena entrega em todos os aspectos
da vida, mas não no sentido do profundo amor fraterno. (FROMM, 1958,
p.46)

Para que esse amor erótico aconteça é necessário um processo constante de


baixar barreiras e nos aproximarmos da alma do outro em profundidade, para assim
tocá-la e conhecê-la, para além da união física.
Pode ser enganoso, pois muitas pessoas caem enamoradas em suas
fantasias sexuais, sendo que a única fusão que acontece nestes casos é a sexual. E
esta, unicamente, não sustenta uma união satisfatória e duradoura para além da
excitação hormonal.
4.4 Amor Próprio:

A idéia expressa no Bíblico “ama teu próximo como a ti mesmo” implica que
o respeito pela própria integridade e singularidade de alguém, o amor e a
compreensão de seu próprio ser, não se podem separar do respeito, do
amor e da compreensão para com outro indivíduo. O amor por meu próprio
ser liga-se inseparavelmente ao amor por qualquer outro ser. (FROMM,
1958, p. 49)

Diferente do narcisismo onde não existe amor, apenas uma imagem a ser
zelada, e do egoísmo onde desejo que apenas as minhas necessidades sejam
atendidas, ambos sem se importar com as demais pessoas, no amor próprio o ser
ama e cuida de si, na mesma medida que ama e cuida do outro.
Afinal, como conseguir amar, cuidar, respeitar e nutrir sentimentos por outro
alguém, sem antes saber fazer isso a si mesmo?
Visto que também é um ser humano, o seu amor deve partir de si e assim
espalhar-se aos outros.

Em geral, essas premissas são as seguintes: não só os outros, mas nós


mesmos, somos o “objeto” de nossos sentimentos e atitudes; as atitudes
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para com os outros e para conosco mesmos, longe de serem contraditórias,


são basicamente conjuntivas. (FROMM, 1958, p. 49)

4.5 Amor por Deus:


Com o amadurecimento e desenvolvimento de nossa capacidade de amar
que podemos chamar de “espiritualidade”, refinamos a nossa visão do que Deus
representa e forma como espelha o homem:

Deus toma-se para ela um símbolo em que o homem, numa etapa anterior
de sua evolução, expressou a totalidade daquilo por que o homem luta, o
reino do mundo espiritual, do amor, da verdade, da justiça. Tem fé nos
princípios que “Deus” representa; pensa verdade, vive amor e justiça e
considera a sua vida inteira como só valiosa enquanto lhe dá ocasião de
alcançar um sempre mais amplo desdobramento de seus poderes humanos
— como a única realidade que importa, como o único objeto de
“preocupação última”; e acaba não falando a respeito de Deus, nem mesmo
mencionando seu nome. Amar a Deus, se tal pessoa fosse usar esta
expressão, significaria, então, ansiar pelo atingimento da plena capacidade
de amar, pela realização daquilo que “Deus” representa em alguém.
(FROMM, 1958. p. 57)

O amor por Deus nesse contexto representaria o amor que sinto a tudo que
existe. O amor à vida. A biofilia por excelência.
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se por meio desse estudo que através da clínica e análise humanista,
somada a uma visão da logoterapia é possível ressignificarmos a existência a um
nível de sentido e amor à vida.
O ser através de sua análise pessoal consegue transcender suas limitações,
criando um projeto de vida onde pouco a pouco vai galgando uma nova forma de
existir e encarar a sua existência, de forma mais biófila, baseada nas diferentes
formas de amar e se realizar.
Os conflitos e angústias fazem parte dessa jornada chamada vida, mas
conforme vamos curando nossos traumas e ressignificando a nossa forma de ver a
vida e existir no mundo, novos horizontes de expansão da consciência e
possibilidades vão surgindo, elevando o homem a níveis cada vez mais elevados da
existência.
Quando desenvolvida e amadurecida plenamente a nossa capacidade de
amar, damos luz à nos mesmos, descobrimos o sentido de nossa vida e assim,
também o outro é abarcado por essa biofilia.
É esta transcendência, através do amor, que finalmente supera a nossa
ansiedade de separação.
Sendo o amor, como afirma Fromm, a resposta aos problemas da existência.
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