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A clínica fenomenológica-existencial e o atendimento com adolescentes

O CASO P. V

A formação em Psicologia Clínica perpassa por muitas inseguranças e modificações para


lançarmos o nosso olhar sobre o outro, sabemos que muitas vezes o senso comum vê a atuação
clínica como algo curativo, que pode proporcionar a diminuição total do sofrimento do sujeito e
que coloca o terapeuta em uma posição onipotente. Sabe-se que não é bem assim, e para evitar
tais pensamentos enquanto profissionais, especificamente da perspectiva existencial, deve-se
dedicar a compreender o adoecimento e o sofrimento de cada sujeito, não lhes assegurando
uma cura, mas uma tomada de consciência sobre sua real existência.

A clínica psicológica dentro dessa abordagem existencial propõe a respeitar todas as


experiências do cliente e a sua autonomia para dar novo sentido a sua história de vida, sendo
que para isso, o terapeuta deve ir além do ouvir as palavras ditas, utilizando-se da escuta ativa e
empática para chegar ao significado contextual e simbólico do que está sendo dito pelo cliente.

Para tornar mais sintetizado, o terapeuta se coloca em uma postura de facilitador das
expressões de seu cliente, para isso não se utilizando da interpretação, mas sim, da
compreensão existencial imediata do cliente (GOMES; CASTRO, 2010).

Sabe-se que em psicoterapia a maior ferramenta de trabalho é a fala, porém quando não
possuímos essa atitude do cliente deve-se notar que a comunicação não é apenas verbal,
podendo ser expressa também de um modo não-verbal onde o “falar” pode se ter um sentido
mais amplo, em apenas “comportar-se”.

Mesmo se terapeuta e paciente iniciam a terapia pela fala, muitas mensagens são transmitidas
de forma não verbal ao longo do processo, e cada um, paciente como terapeuta, aprende a “ler”
e interpretar a linguagem silenciosa do outro no diálogo terapêutico. (FIGUEIREDO, 2005, p.32).

Miranda e Freire (2012), em seu artigo sobre comunicação terapêutica, nos traz um pensamento
do próprio Rogers, que em seu livro “Tornar-se Pessoa” (1961-1997), relata seu entendimento
sobre as maneiras de se comunicar, nos dizendo que, normalmente uma pessoa desajustada
possui muitas dificuldades em falar, pois rompeu a comunicação consigo mesmo sendo,
portanto o resultado disso o prejuízo com a comunicação com os outros.

Com base nos fundamentos teóricos sobre fenomenologia-existencial, considera-se que


existencialmente a fase da adolescência e puberdade se configura em um modo de existe
totalmente desconfortável. As cobranças familiares, sociais dentro desse processo acarretam
diversas formas de sofrimento ao sujeito em transição, tanto no que se refere ao corpo físico,
sua maneira de comportar e pensar, ou seja, percebe-se um verdadeiro conflito existencial
(FERREIRA; ANASTÁCIO,

Torna-se necessário um contato mais sensível, sem cobranças e imposições para que o
tratamento seja bem aceito pelo cliente (MIRANDA, 2012).

De alguma maneira a palavra adolescência nos remete a uma forma de adoecer e de sofrer,
podemos confirmar tal pensamento tomando as ideias de Jerusalinsky (2004) quando ele fala
sobre adolescência e contemporaneidade, relatando que o sofrimento pela falta da proteção da
infância passa a se tornar uma exposição, exposição essa que por sua vez causa sofrimento e
sentimentos de desamparo e angústia.
Diante de tais sentimentos nessa fase, é que de alguma forma o sofrimento psíquico vai se
instalando de forma gradual,

Em nosso estudo de caso especificamente, observamos uma maneira de se mostrar para um


mundo em que o silêncio foi única saída para tais sensações de exposição.

O quadro de embotamento e o silêncio pode ser um comportamento apresentado por muitas


pessoas com o intuito de fugirem do mundo externo e de suas experiências.

Sabemos que o ser humano é afetivo e que precisa dessas manifestações para conviver de
maneira saudável. Partindo-se da conceituação de afetividade descrita por Ballone (2005), para
compreender melhor a sua importância. Portanto afetividade é como uma energia capaz de
impulsionar o indivíduo para a vida, como uma energia psíquica dirigida ao relacionamento do ser
com sua vida, como o humor necessário para valoração das vivências.

Quando essa energia já não é mais suficiente, nos deparamos muitas vezes com quadros graves
de doenças psicológicas como a depressão, ou seja, a falta de vontade de enfrentar a vida é
maior do que vontade de expressar seus conflitos e problemáticas a serem melhoradas.

É por meio do se manter calado que sujeito, neste caso o adolescente, vai “enfrentando” as
vicissitudes do seu processo de desenvolvimento (JERUSALINSKY, 2004).

O silêncio psicoterapêutico como manifestação do sofrimento


É recorrente ouvir-se falar sobre como o silêncio em psicoterapia se torna um momento
angustiante, principalmente para o terapeuta em formação, que está em processo de estágio e
que diante disso muitas vezes acredita não estar fazendo um bom trabalho. Como terapeutas
existenciais entende-se o quão importante é a fala no processo de trabalho terapêutico, porém
em alguns casos deparamos com a ausência dessa manifestação verbal e a partir daí temos uma
nova forma de entrar em contato com o fenômeno, ou seja, por meio da compreensão empática
dos comportamentos não verbais.

“É preciso salientar que o terapeuta deve examinar e apreender a linguagem verbal e não verbal
do cliente, sempre baseado no contexto.

Nas palavras de Erthal (1995), o silêncio, a imobilidade ou qualquer outra forma de renúncia já
em si uma comunicação” (ALMEIDA; NETO, 2012). 

De frente a tal dificuldade é necessário um olhar mais compreensivo do que interpretativo, e dar
consciência ao cliente sobre essa experiência de se calar.

Fazemos isso por meio de intervenções mais assertivas, ou seja, fazer com o que o cliente
perceba os seus comportamentos, sinalizando para ele suas condutas e a sua forma de
comunicação não verbal.

No caso clínico descrito, o adolescente se recusa não apenas a se expressar, a sua recusa está
estabelecida também diante dos contatos afetivos e sociais, na sua alimentação, no seu modo
de andar.

Torna-se complexo para esse sujeito, colocar para fora, de modo literal, todas suas
manifestações, a sua forma de existir consiste em estar totalmente voltado para dentro, onde o
mundo exterior não é aceito.

Em busca dessa compreensão utilizamos do conceito da redução fenomenológica, ou seja,


entrar em contato com o que é observado no fenômeno de maneira limpa, sem se utilizar de
qualquer juízo de valor (époche), para dar significado às experiências do cliente (HOLANDA,
1997).

Nesse sentindo a redução é observar o fenômeno do silêncio e apreender para além do não é
dito, é considerar que sua totalidade existencial que vai além de uma hipótese diagnóstica e
interpretativa e sim lançando um olhar para o sujeito integral que está em terapia.
Outra característica expressa por esse adolescente está estabelecida por meio de um
embotamento severo, onde o contato afetivo e social é negado pelo sujeito, suas experiências
estão se voltando para um mundo interno, impossibilitando o acesso do terapeuta por meio da
fala.

Tornando-se apenas possível estabelecer o contato e possível vínculo, por meio de perguntas
diretas e objetivas, sendo correspondidas com “sim” ou “não” expresso por movimentos com a
cabeça. Mediante isso, o papel do terapeuta é assinalar para o cliente que essa foi a maneira
encontrada para lidar com o vazio.

Enquanto psicólogos clínicos existenciais, devemos compreender que em alguns momentos o


calar-se não é um ato de covardia, mas sim de luta, muitas vezes contra si mesmo.

Portanto, cabe a nós como profissionais aprendermos a lidar com o nosso próprio silêncio para
que o processo terapêutico se torne um espaço em que possamos ouvir para além do que é dito,
um espaço de acolhida, mesmo que a princípio não seja manifestado nenhuma fala.

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