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Nota
Edição Geral:
Nilza Iraci Silva
Composição/Arte final:
TD-Laser – Fone: 289-1295
Desenho da Capa:
Luiz Pê
Impressão e acabamento:
Gráfica Giramundo – Fone: 270.6285
Cadernos Geledés é uma publicação de Geledés – Instituto da Mulher Negra – Praça Carlos
Gomes, 67 – 5º andar – Cj. M – Cep: 01501-040 – Liberdade – São Paulo – SP – Fone (011) 35-
3869 – Fax 36-9901. É permitida a reprodução total ou em parte, desde que citada a fonte.
Outono/1991
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Esterilização: Impunidade ou Regulamentação?
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Indice
Esterilização: Indagações.................................................... 13
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Apresentação
O detalhamento de nossa visão sobre este tema encontra-se no artigo “Esterilização no Brasil:
Impunidade ou Regulamentação?” e nas nossas “Respostas a algumas perguntas que você pode
ter a respeito da Esterilização”.
Para ampliar a informação de quem não tem tido a oportunidade de acompanhar o presente debate
nacional, reproduzimos alguns documentos importantes que estão presentes nesta discussão, que
recrudesceu com o Projeto de Lei nº 1.167, de 1988, do deputado Nelson Seixas, o qual foi arquivado,
até o Projeto de Lei nº 209/91.
Apresentamos os documentos, na sua forma original, e em ordem cronológica inversa, do mais atual
para o mais antigo. O último anexo, que é o Projeto 1167/88, foi avaliado pelo relator da Comissão
de Seguridade Social e Família, Deputado Jofran Frejat que fez o seu relatório e apresentou um
projeto substitutivo. Por sua vez, o Deputado Eduardo Jorge, enquanto membro da Comissão de
Seguridade Social e Família, apresentou um parecer, no qual solicitava a ampliação do debate com
setores representativos da sociedade civil.
Ao mesmo tempo iniciou-se em São Paulo um processo de discussão que passou pelo Conselho
Estadual da Condição Feminina, Secretaria Municipal de Saúde e Movimento de Mulheres. Alguns
momentos dessa discussão estão registrados na Discussão do Projeto de Lei nº 1167/88.
Com o qual da Legislatura do Congresso Nacional e não tendo sido reeleito o Deputado Nelson
Seixas, o Projeto 1167/88 foi arquivado. Com o início da nova Legislatura em 1/1/91, o deputado
Eduardo Jorge organizou uma nova Mesa Redonda, na qual foi discutida a proposta de Projeto de
Lei sobre Direitos Referentes à Saúde Reprodutiva.
Após a realização da Mesa, o Projeto de Lei 289/91 foi elaborado pelas assessorias dos deputados
signatários.
Incluímos também nesse pequeno dossiê sobre a Esterilização o texto “Esterilização Feminina no
Brasil”, de Elza Berquó.
A Coordenação
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Esterilização: Impunidade ou Regulamentação?
Como costumam ser todos os debates no campo dos direitos reprodutivos, a questão da esterilização
vem causando muita polêmica nos últimos meses no cenário político nacional, envolvendo diversos
setores do movimento social, órgãos governamentais e representantes do Congresso Nacional.
Duas forças políticas do movimento social desempenham papel fundamental neste debate: o
Movimento de Mulheres e o Movimento Negro, pois se percebem particularmente atingidos por
esse tema.
- Setores que entendem que as metas definidas pelos órgãos e agências de controle da natalidade
no Brasil já foram alcançadas nas décadas de 70 e 80, o que se pode constatar pela brutal queda da
natalidade das mulheres brasileiras neste período. Supõe-se, ainda, que esta realidade explica o fato
de que a maioria das agências controlistas neste momento destinam seus recursos prioritariamente
para o Continente Africano.
Neste contexto, o debate que hoje se trava sobre o tema seria tardio e escamoteador da prioridade
política em relação à saúde da mulher, que seria a luta pela real implantação do PAISM (Programa
de Assistência Integral à Saúde da Mulher).
- Setores que entendem a esterilização como uma opção contraceptiva que deve estar ao alcance
da mulher, não devendo haver qualquer restrição legal ao seu uso, na medida em que seria uma
violação ao direito da mulher de decidir sobre o seu próprio corpo.
- Setores que entendem que, de fato, o controle da natalidade patrocinado pelas agências
internacionais de população já se efetivou no país de tal forma que a queda do crescimento
populacional no Brasil já se deu de forma vertiginosa nas duas últimas décadas. Apesar disso,
considera-se necessário estabelecer regras que representem um consenso social a respeito do que
se considera lícito, e criminalizar o que se considera ilícito.
Considera-se que a situação de abuso reinante é instrumentalizada pela ausência de uma legislação
específica, o que permite a proliferação de clínicas de esterilização, havendo uma completa distância
entre o Código Penal, a realidade social e as idéias e práticas das pessoas.
- Setores que consideram a esterilização como prática criminosa que ocorre à revelia da vontade
real das mulheres, não se constituindo num método contraceptivo, mas numa prática contraceptiva.
O Movimento Negro no Brasil tem uma posição histórica de denúncia das políticas controlistas da
natalidade que se desenvolveram no país através de instituições privadas como a BEMFAM e o
CEPAIMC, a despeito da ausência de uma política oficial por parte do governo.
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Assessoria e Participação, do Governo Maluf, de necessidade do controle da população negra
para evitar a perda da hegemonia branca no poder. Já denunciávamos, enfim, o médico Elsimar
Coutinho, do Centro de Pesquisa e Assistência em Reprodução Humana, que realizava em 1986
campanhas racistas de controle populacional.
Neste Seminário foram divulgados pela primeira vez os números alarmantes de mulheres esterilizadas
no país, obtidos a partir da pesquisa PNAD de 1986, realizada pelo IBGE. Enquanto integrantes
da Comissão de Mulheres Negras daquele Conselho, tomamos então conhecimento de que a
esterilização feminina era o método contraceptivo mais utilizado no Brasil (44%), seguido da pílula
(41%); a vasectomia (esterilização masculina) era baixíssima (0,9%), o DIU 1,5% e a camisinha 1,8%,
coito interrompido, 2,5% e a tabela 6,2%.
Iniciou-se então a discussão a respeito da necessidade de normas que pudessem coibir as práticas
extremamente abusivas que se pode depreender das informações divulgadas.
Junto com outros setores do movimento de mulheres manifestávamos então a nossa preocupação
com relação aos possíveis efeitos de uma regulamentação da esterilização, e enfatizávamos a
necessidade de priorização do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher.
Dada a gravidade das repercussões sociais e políticas que a aprovação de um projeto como
este teria, participamos de intensas discussões e debates que vieram a contribuir, num primeiro
momento, para barrar o Projeto 1.167/88 que foi, finalmente arquivado; e, num segundo momento
para a elaboração do Projeto 289/91 que está tramitando no Congresso Nacional.
Assinam este Projeto deputados identificados com os interesses dos setores populares deste país:
Eduardo Jorge (PT/SP), Benedita da Silva (PT/RJ), Jandira Feghali (PcdoB/RJ), Maria Luisa Fontenelle
(PSB/CE), Sandra Starling (PT/MG), Luci Choinaski (PT/SC), Socorro Gomes (PcdoB/PA).
A importância do tema e a gravidade da situação que este projeto procurará coibir é tal que a
discussão vem se ampliando em diferentes fóruns organizados no país, e deverá possibilitar um
maior aprofundamento com a constituição da CPI sobre Esterilização de Mulheres no Brasil, proposta
pela Deputada Federal Benedita da Silva.
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A direita na produção de efeitos especiais
Nesse cenário diversificado, deve ser registrada a escandalosa aparição do pirotécnico ministro
Alceni Guerra que, ao mesmo tempo em que entrega a Divisão Nacional de Saúde Materno- Infantil
(DINSAMI) a outro pediatra, como ele, e deixando às moscas o Programa de Atenção Integral à
Saúde da Mulher (PAISM), troca os pés pelas mãos colocando no mesmo saco dos responsáveis
pela esterilização de mulheres no Brasil a famigerada BEMFAM e entidades que contam com o
respeito do movimento social brasileiro, a exemplo do IBASE.
Mas como para o ministro tudo não passa de efeitos especiais, ele fala da incrível estatística de 25
milhões de mulheres esterilizadas (número três vezes e meia maior do que os dados da PNAD do
IBGE) como se ele não tivesse nada a ver com essa tragédia.
O que o ministro precisa responder é o que ele está fazendo para coibir este quadro de abuso
aos direitos reprodutivos das mulheres brasileiras? O que o Ministério da Saúde está efetivamente
fazendo para oferecer alternativas de contracepção às mulheres brasileiras? Estará o Ministério
fornecendo camisinhas, diafragmas, geléia espermicida, DIU´s e pílulas em quantidade suficiente
para atender a demanda das secretarias estaduais e municipais de saúde de todo o país? Estará
o Ministério da Saúde financiando treinamentos de profissionais de Saúde em todos os métodos
aprovados no país, inclusive os naturais? Quanto o Ministério da Saúde gasta com contracepção?
É necessário ter cuidado e disposição para compreender quem é quem no rock do movediço
cenário político nacional. Como se não bastasse, o Ministério da Saúde fazendo denúncias como
se nada tivesse a ver com a atuação do seu Ministério, um homem como o Deputado Erasmo Dias,
defensor da pena de morte e de triste memória como um inusitado aliado das mulheres, defendendo
nada mais nada menos que... a legalização do aborto!
Teria o deputado Erasmo Dias se curado da sua congênita posição ideológica direitista e, de repente,
não mais que de repente, passado a defender a liberdade sexual das mulheres?? Não, amados
leitores, ele não captou a mensagem. Erasmo Dias defende a legalização do aborto não a partir da
perspectiva da liberdade das mulheres, da perspectiva dos seus direitos de cidadania, mas a partir
da idéia de que se deve impedir o nascimento dos pobres, que na tacanha sociologia do deputado
quer dizer a mesma coisa que bandidos.
Fatos como esse servem para sinalizar que nem sempre as coisas são o que parecem ser, e para
compreender o posicionamento das diferentes figuras e forças políticas no cenário, é necessário
utilizar como bússola a história de cada uma delas.
Causas e Efeitos
Assim, devemos perguntar: por que se dá esse quadro abusivo de esterilização das mulheres no
Brasil? Temos algumas respostas:
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2. Conivência dos governos com essas instituições internacionais e privadas, permitindo-
lhes agir de forma criminosa e irresponsável através de clínicas particulares ou mesmo
convênios com secretarias da Saúde, estaduais ou municipais, enquanto oficialmente se
mantinha a nível federal uma atitude de avestruz diante da demanda da população por
métodos anticoncepcionais.
4. Omissão do sistema público de saúde, que não oferece alternativas seguras e eficazes
que permitam às mulheres o controle de sua fertilidade sem ter que lançar mão de um
método cirúrgico, praticamente irreversível, como a laqueadura.
6. Tecnização cada vez maior da medicina, que difunde na sociedade uma desvalorização
dos processos naturais da vida e da reprodução, bem como dos métodos contraceptivos
mais simples, e privilegia interferências tecnológicas, ocultando os riscos e seqüelas
produzidas.
Há consenso geral em todos os setores do movimento social organizado com relação à necessidade
de se dar um basta a esta situação. O problema político concreto que se coloca hoje em relação
à esterilização no Brasil é a necessidade de mecanismos de controle, que impeçam a
impunidade dos indivíduos e instituições responsáveis pelo quadro de profundo desrespeito aos
direitos reprodutivos das mulheres no Brasil.
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os direitos das mulheres, estarão, de fato, buscando a eliminação da pobreza pela eliminação pura
e simples dos pobres.
Deste ponto de vista, a denúncia e a mobilização política são os instrumentos considerados mais
eficazes para reverter o processo de impunidade em que a esterilização se encontra no país.
Entendemos que a esterilização massiva de mulheres no Brasil tem sido sistematicamente objeto de
denúncia e da ação política do Movimento de Mulheres e do Movimento Negro ao longo dos últimos
15 anos. Desta ação resultaram inúmeros estudos, diagnósticos, cartilhas amplamente divulgados
nacional e internacionalmente mas que infelizmente não impediram que a esterilização de mulheres
atingisse no Brasil os índices alarmantes que se verificam hoje. Talvez se poderia supor que estes
índices seriam maiores não fosse o combate político empreendido pelo movimento de mulheres e
demais setores sociais neste período.
Todavia parece-nos ser evidente a necessidade de um instrumento legal que possa ser utilizado por
todos os interessados em combater os abusos cometidos em nosso país.
A apresentação do Projeto não encerra o processo de discussão; pelo contrário, ele deve ser discutido
e avaliado, podendo incorporar sugestões através de emendas, que deverão ser apresentadas
pelos deputados.
Por outro lado, a criação de um dispositivo legal que regulamente a esterilização é apenas um dos
instrumentos necessários ao movimento social para o combate à esterilização massiva de mulheres
no Brasil. A eficácia de um dispositivo desta natureza depende da vigilância e permanente ação
política dos movimentos sociais.
Para concluir, gostaríamos de enfatizar que tanto a construção de um instrumento legal quanto as
atividades de denúncia vão no sentido de mudar o atual quadro de impunidade e abuso.
A manutenção da atual situação, em que há uma completa distância entre o que está escrito no
Código Penal, a realidade instalada no país e as idéias e as práticas cotidianas das pessoas serve
para manter este país como uma terra de ninguém, em que todas as falcatruas e maracutais são
admitidas, inclusive a esterilização de meninas de 15 anos de idade.
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Esterilização: Indagações
O que é a esterilização?
A esterilização masculina, que é chamada de vasectomia, consiste numa operação feita nos canais
deferentes dos órgãos genitais do homem, que fecha a passagem da saída dos espermatozóides,
que são as células reprodutoras do homem. O homem continua ejaculando, mas o sêmen não
conterá mais espermatozóides e, portanto, não fecundará mais a mulher.
Muitas mulheres desconhecem o fato de que, ao se esterilizarem, não poderão nunca mais ter filhos.
Muitas mulheres relatam que após a esterilização se tornaram “frias” ou “imprestáveis”, pois para
elas sexualidade e reprodução estão indissoluvelmente ligadas e, ao perderem a capacidade de
reproduzir, se sentem assexuadas.
Outras, relatam que passaram a viver a sexualidade de forma mais tranqüila, sem medo de engravidar.
Quanto a efeitos biológicos, são ainda pouco conhecidos, mas são relatadas alterações menstruais,
inclusive a menopausa precoce, aumento da probabilidade de gravidez ectópica (gravidez fora do
útero, nas trompas), queixas de dores no baixo ventre, aumento de peso, etc.
Todavia, como nenhuma referência específica é feita à esterilização, isso deu margem a que outras
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interpretações pudessem ser feitas, na medida em que há casos em que a esterilização é indicada
por razões de saúde: 43% dos 7 milhões de mulheres esterilizadas no Brasil alegaram problemas
de saúde para explicar porque se esterilizaram.
Provavelmente a maioria delas foram orientadas a dar tal explicação para evitar dificuldades com a
lei.
Todavia, ela vem sendo utilizada em larga escala por mulheres que não apresentam estes problemas
de saúde, mas eventualmente não querem ou não podem, por diversas razões, ter mais filhos.
37% dos 7 milhões de mulheres esterilizadas no Brasil explicaram que o motivo da esterilização foi
já ter o número desejado de filhos.
Nesses casos, a mulher se interna, geralmente para fazer um parto marcado antecipadamente
como cesáreo, e paga ao médico por fora o preço da esterilização.
Para contornar as dificuldades de que o Inamps não paga a cirurgia de esterilização devido aos
aspectos legais, a solução encontrada pelo famoso “jeitinho brasileiro” foi orientar a mulher para
engravidar e, ao final, fazer um parto cesáreo, que representa para a mulher doze vezes mais riscos
do que um parto normal, durante o qual é realizada a ligadura de trompas.
Assim, de fato, o Sistema Público de Saúde está viabilizando muitas esterilizações ao pagar pela
internação, médico, auxiliares etc., envolvidos no parto, além de submeter as mulheres a riscos
desnecessários.
Por outro lado, como é altíssimo o número de cesáreas desnecessárias devido a outras causas –
interesses econômicos de hospitais e médicos – após realizar 2 ou 3 cesáreas, a mulher se torna
candidata “natural” à esterilização, pois uma nova gravidez passa a representar risco de vida.
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Quais as causas da enorme quantidade de mulheres esterilizadas no Brasil?
São diversas causas. Podemos mencionar como causas importantes:
»» Tais agências dispõem de clínicas ou até mesmo assinam convênios com Secretarias
de Saúde, oferecendo serviços de “planejamento familiar” que claramente induzem as
mulheres a escolher métodos considerados de alta eficácia como a esterilização e a pílula.
»» Ausência de uma política firme por parte dos governos federal, estaduais e municipais
no Brasil, de real implantação do PAISM (Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher)
em todo o território nacional, oferecendo alternativas reais às mulheres que lhes permitam
o controle de sua fertilidade de maneira segura e eficaz.
»» Além disso, com a mudança de papel social, mudam as expectativas das mulheres,
que se colocam outros objetivos além de constituir família e criar os filhos: isso faz com que
as mulheres não desejem mais famílias tão numerosas quanto no passado.
»» Falhas dos métodos contraceptivos reversíveis existentes, muitas vezes por uso
inadequado decorrente da falta de orientação à mulher, que resultam em gravidez
indesejada e colocam a mulher num terrível dilema devido à clandestinidade do aborto no
Brasil: os riscos, o custo, a culpa fazem com que ela não queria mais correr o risco de nova
gravidez, e decida encerrar definitivamente sua vida reprodutiva.
Por que é necessário fazer uma lei específica para regulamentar a esterilização
no Brasil?
Primeiro, porque falta clareza se o Código Penal criminaliza ou não a esterilização – pois se é crime,
como poderia ser feita nos casos em que há indicação médica?
Se se admite que seja feita em determinadas circunstâncias, é necessário que a lei estabeleça que
circunstâncias são essas, distinguindo perfeitamente quando é crime e quando é admitida.
Considerar que não há necessidade de lei específica porque o Código Penal já regulamenta, é
reconhecer que ele não funciona, pois na sua vigência, 7 milhões de mulheres foram esterilizadas!
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Considerar que não há necessidade de lei específica porque as leis não servem para nada, é
curvar-se à barbárie e considerar, por exemplo, que não valeu de nada o enorme esforço para ter
escrito na Constituição Federal que o racismo é crime.
Além das situações em que há condições clínicas que indicam a realização da esterilização pois a
gravidez colocaria em risco a vida das mulheres, a esterilização pode ser admitida como um último
recurso, quando todos os outros métodos contraceptivos considerados seguros para a saúde da
mulher já foram usados corretamente, com a necessária orientação de médicos e outros profissionais
de saúde, e a mulher está segura de que mesmo que mudem as suas condições de vida – por
exemplo, se mudar de companheiro, se perder os filhos que tem, se melhorar as suas condições
econômicas etc. – nunca mais desejará ter filhos. Por isso estabelecer um limite mínimo de idade é
importante para uma lei de regulamentação da esterilização.
O projeto de lei em discussão no Congresso Nacional, dos deputados Eduardo Jorge, Jandira
Feghali, Benedita da Silva, Maria Luisa Fontenele, Luci Choinaski, Sandra Starling e Socorro Gomes,
propõe o limite de 30 anos, abaixo do qual a esterilização não poderá ser feita, se constituindo em
crime, ao qual será aplicado a legislação do Código Penal referente a lesão corporal grave.
Acreditamos que não. Primeiro, porque metade das mulheres esterilizadas no Brasil o foram antes
dos 30 anos, e são exatamente essas mulheres mais jovens que apresentam um grande índice de
arrependimento.
Segundo, porque o projeto de lei em questão cria mecanismos de controle que hoje inexistem:
b. deverá ser informada dos riscos da cirurgia, das dificuldades de reversão, e solici-
tar a cirurgia por escrito;
c. após a solicitação por escrito, terá que ser observado um período de 30 dias até a
realização da cirurgia, para permitir que a pessoa possa voltar atrás, caso se arrependa;
f. Mas o mais importante é que o Projeto explicita que fora das condições permitidas
pela lei a esterilização é crime e penaliza tanto o médico quanto a instituição responsável.
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Existem falhas ou imperfeições no projeto de regulamentação dos deputados?
O projeto de lei pode ser aperfeiçoado através de emendas que podem ser encaminhadas pelos
deputados, especialmente pelos próprios autores ou pelos integrantes da Comissão de Seguridade
Social e Família da Câmara Federal. Com base na Proposta de Projeto de Lei sobre Direitos
Referentes à Saúde Reprodutiva datado de dezembro de 1990, propomos que sejam apresentadas
as seguintes emendas:
8. Por quê?
10. 2. Proibição do consentimento para a realização da esterilização ser dado por ocasião
do parto ou abortamento (Inciso III do art. 4º, da proposta de São Paulo).
12. O parto e o aborto costumam ser momentos de instabilidade para a mulher, não sendo
aconselhável, portanto, que tome neste momento uma decisão que é irreversível.
Por quê?
A cesárea sem indicação clínica constitui-se em enorme risco para a saúde e a vida da mulher, e
existem outras técnicas para se fazer a ligação das trompas que não necessitam abrir a barriga da
mulher.
Se se pretende coibir a esterilização em massa de mulheres no Brasil, por que não fazer um projeto
que simplesmente proíba a esterilização, tornando-a crime fora das condições em que há indicação
clínica?
Por que não acreditamos que pudesse ter força uma lei que bateria de frente (confrontaria) com
uma demanda colocada pela sociedade. Apesar de o Código Penal colocar claramente que o
aborto é crime, 3 milhões de mulheres realizam abortos no Brasil a cada ano. As mulheres têm
usado a esterilização como método contraceptivo, e não apenas por motivos de saúde. Se não
reconhecermos essa realidade e tentarmos criminalizar essa prática em todos os casos, o máximo
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que conseguiremos será criar uma rede clandestina de clínicas de esterilização, como hoje funcionam
as clínicas clandestinas de aborto.
• Queda acentuada da fecundidade, ou seja, do número médio de filhos por mulher no Brasil, com o
envelhecimento progressivo da população brasileira, na medida em que nascem menos indivíduos
e ao mesmo tempo a duração da vida aumenta, com a redução das taxas de mortalidade.
• Arrependimento de grande número de mulheres, com sérias consequências para sua vida
afetiva, sexual e conjugal, que assumem sozinhas o ônus da contracepção, que é rejeitado pelos
parceiros. Devem também ser registradas as denúncias de esterilização involuntária: mulheres que
são esterilizadas sem saberem, prática que não está qualificada, mas que estaria voltada para as
mulheres pobres e negras, principalmente de grande prole, e para alguns grupos específicos, por
exemplo, mulheres presidiárias portadoras de AIDS.
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A esterilização feminina do Brasil hoje
11Elza Berquó*2
Dados do IBGE, via PNAD-86 (ainda não publicados), revelam que aproximadamente 71%
das mulheres casadas ou unidas, entre 15 e 54 anos de idade, usavam, em 1986, algum meio
anticoncepcional. Para todas as mulheres, independentemente de estarem ou não casadas ou
unidas, este percentual é de 43%. Para as mulheres unidas que usavam algum anticoncepcional,
a esterilização feminina está no topo da lista. De fato, no Brasil, 44,4% destas mulheres já estavam
esterilizadas. Em termos absolutos, estima-se que aproximadamente 7 milhões de brasileiras entre
15 a 49 anos de idade estejam hoje esterilizadas. Ou seja, o Brasil abriga hoje um contingente de
mulheres na idade reprodutiva mas incapacitadas de se reproduzirem, em volume comparável à
população total de certos países europeus, como por exemplo, a Suíça e a Áustria. Se pensarmos
no número total cumulativo de esterilizadas, isto é, se incluirmos também as mulheres acima dos
50 anos, este volume deve corresponder à população global de país como a Bélgica, por exemplo.
Os métodos hormonais ocupam o segundo lugar e correspondem a 41.0% de uso. Ainda neste
elenco de recursos altamente eficazes para evitar uma gravidez, o dispositivo intra-uterino está
quase ausente, com apenas 1.5%, e 0.9% das mulheres têm maridos vasectomizados. Dentre os
métodos ditos de menor eficiência e que no país são preferidos por 12.2% das usuárias, 2,5%
correspondem ao coito interrompido, 1.8% ao Condom e 6.2% aos métodos naturais (Tabela 1).
1 Publicado in “Quando a Paciente é Mulher”, Relatório do Encontro Nacional Saúde da Mulher: um direito a ser conquis-
tado. Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, Brasília, 1989.
* Pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise Planejamento – CEBRAP e do Núcleo de Estudos de População – NEPO/UNI-
CAMP.
2(a) BERQUÓ, E. et alii. A fecundidade em São Paulo: características demográficas, biológicas e sócio-econômicas. São Paulo,
CEBRAP, Editora Brasileira de Ciências, 1977.
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TABELA 1
Mulheres unidas de 15 a 44 anos de idade, usando algum anticoncepcional segundo o método
usado. Brasil e algumas unidades da federação, 1986
Método usado BR SP RJ RS PR MG GO AM BA PE
Esterilização 44,4 38,4 41,4 17,7 42,8 37,4 71,3 55,4 39,5 61,4
Pílula 41,0 39,4 45,3 64,9 45,5 44,0 20,2 35,6 40,1 27,1
Vasectomia 0,9 2,5 0,2 1,1 1,5 0,6 1,5 0,7 0,9 0,5
DIU 1,5 1,2 1,3 4,6 1,0 2,9 0,6 0,3 5,2 0,4
Condom 1,8 3,8 1,8 0,9 1,8 2,9 0,8 0,3 0,6 0,7
Interrupção 2,5 4,5 1,5 1,5 2,0 1,6 1,7 0,4 2,5 2,1
Tabela 6,2 7,5 6,8 7,3 3,6 8,6 3,5 6,3 7,8 5,5
Outros 1,7 2,7 1,7 2,0 1,8 2,0 0,4 1,0 3,4 2,3
O panorama da regulação da fecundidade para vários contextos brasileiros leva a perceber grande
variação na prevalência da esterilização, chegando esta a atingir 75.4% no Maranhão, 71.3% em
Goiás e 61.4% em Pernambuco. Em que pesem as flutuações de esterilização e uso dos hormonais,
quando se passa de um contexto a outro no território nacional, não cabe nenhuma dúvida de que
a presença destes dois métodos responde maiormente pela intensidade da queda da fecundidade
verificada no país nos últimos anos, atestada pela redução de 19% na taxa de fecundidade total, no
período de 1980 a 1984, quando o número médio de filhos por mulher passou de 4.3 a 3.5.
Neste sentido, é ilustrativo comparar o cenário contraceptivo brasileiro com aquele prevalente
nas regiões mais desenvolvidas. No que se refere à porcentagem de uso de anticoncepcionais,
empatamos, pois a média para aqueles países ficou em 70% em 1987 (Tabela 2). Entretanto, como
se pode ver, é muito diversa a distribuição de uso pelos diferentes métodos. De fato, apenas 7%
correspondem à esterilização feminina em contraste com os nossos 44%! A pílula teve a preferência
de 13% de usuárias enquanto que no Brasil 41% declararam usar este método hormonal. Por outro
lado, o DIU e a vasectomia tão raros no Brasil, correspondem, no mundo mais desenvolvido, a
6% e 4% de uso, respectivamente. Chama ainda a atenção o fato de que 38% das mulheres das
regiões mais ricas usem os chamados “outros métodos”, tidos por muitas agências de planejamento
familiar como “pouco eficientes”. Estes “outros métodos” incluem o Condom, o ritmo, a interrupção,
as duchas, a abstinência e métodos folclóricos. No Brasil, como nos mostra a Tabela 1, os “outros
métodos” correspondem a apenas 12.2%.
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TABELA 2
Uso de métodos anticoncepcionais por mulheres unidas, de 15 a 49 anos de idade – 1987
% de Outros
Esterilização Pílula DIU Condom
Uso metodos
Feminina Masculina 1 2
Mundo 51 13 5 8 9 5 1 10
Mundo mais
70 7 4 13 6 13 2 25
desenvolvido
Mundo menos
45 15 5 6 10 3 1 5
desenvolvido
África 14 1 - 5 2 0,5 2 3
Ásia e
50 17 7 4 13 3 1 5
Oceania
América Latina 54 19 0,5 17 4 2 2 9
Fonte: Nações Unidas, 1987
(1) Injetáveis, diafragma, capas cervicais e espermicidas.
(2) Abstinência periódica ou ritmo, interrupção, ducha, abstinência total quando praticada por razões anticonceptivas,
métodos folclóricos, etc.
Tendo em conta que os países desenvolvidos crescem a taxas extremamente baixas e que
a natalidade varia de 10 a 16 nascimentos vivos por mil habitantes, é válido questionar se os
denominados métodos de baixa eficácia o sejam realmente. Parece ser mais provável tratar-se de
situações onde a disponibilidade de informações, na área da fisiologia da reprodução humana e
dos mecanismos de ação dos diversos meios anticonceptivos, contribui no sentido de aumentar
a eficácia de uso. Ao lado disso, a existência de serviços de bom nível que comportam ações de
planejamento familiar viabilizam a efetivação de todo o processo de regulação da fecundidade. Não
se pode, por outro lado, perder de vista que em todos os países referidos o aborto está permitido,
com maiores ou menores restrições, desempenhando, certamente, papel importante em casos de
eventuais falhas.
Evolução no Tempo
Como já assinalado anteriormente, a esterilização feminina tem tido presença cada vez mais
acentuada no repertório contraceptivo em uso no país. Em São Paulo, por exemplo, os últimos oito
anos registraram 93% de aumento nesta prática de pôr um fim à capacidade reprodutiva, que atingiu
a 31% das mulheres, em 1986. O Nordeste, por sua vez, assinalou em seis anos, um crescimento
de 78%, ou seja, praticamente 25% das nordestinas casadas ou unidas, em idade fértil, já tiveram
sua vida reprodutiva encerrada. Os estudos sobre anticoncepção em São Paulo são mais antigos, o
23
que nos permite acompanhar a evolução no uso de contraceptivos e, em particular, da esterilização
ao longo do tempo. Em 1965, por exemplo, no Distrito de São Paulo, era de 7%(a) a prevalência
de esterilizadas, casadas na faixa dos 15 aos 49 anos de idade. A Tabela 3 nos permite visualizar
como evoluiu nos últimos dez anos a proporção de uso de anticoncepcionais em São Paulo. Em
que pese o fato de que os dados referentes a cada um dos quatro pontos temporais considerados
não se refiram exatamente à mesma unidade geográfica, somos tentados a concluir que houve um
aumento no interesse das mulheres em regular sua fecundidade. No que se refere à esterilização, o
aumento em dez anos foi maior do que 100%.
TABELA 3
Mulheres unidas de 15 a 49 anos, segundo uso de meios contraceptivos e esterilização. São
paulo
% de esterilizadas
% de % de esterilizadas sobre o total de
Anos sobre o total de
Uso usuárias com algum método
mulheres unidas
1978(1) 66 16 24
1984(2) 72 28 39
1986(3) 74 31 42
75(*) 27 36
1988(4)
77(**) 39 50
(*) Região Metropolitana
(**) Interior
(1) NAKAMURA, M.S. e FONSECA, J.P.B. – São Paulo State Contraceptive Prevalence Survey. PESMI/PUC/78.
(2) BERQUÓ, E. – “Sobre o declínio da fecundidade e a anticoncepção em São Paulo: análise preliminar”. TEXTO NEPO 6,
UNICAMP, Campinas, 1986.
(3) Pesquisa Nacional de Saúde Materno-Infantil e Planejamento Familiar. Brasil, 1986. Relatório Preliminar. Sociedade Civil
Bem-Estar Familiar no Brasil e Instituto para Desenvolvimento de Recursos. Rio de Janeiro, 1986.
(4) CEMICAMP. Avaliação do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher no Estado de São Paulo. Relatório I e II.
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TABELA 4
Percentual de mulheres de 15 a 54 anos que forma esterilizadas no último parto
Unidades da
% Unidades da Federação %
Federação
Sergipe 61.2 Pernambuco 75.6
Espírito Santos 62.8 Distrito Federal 75.6
Alagoas 64.4 Maranhão 76.2
Minas Gerais 65.5 Rio Grande do Norte 76.3
Santa Catarina 68.6 Mato Grosso do Sul 77.0
Bahia 69.2 Piauí 78.4
Paraná 69.4 Ceará 78.8
Rio Grande do Sul 71.0 Mato Grosso do Norte 79.2
Paraíba 73.0 Pará 82.6
Goiás 74.7 São Paulo 83.0
Rio de Janeiro 75.2 Amazonas 85.9
BRASIL 74.7
Fonte: FIBGE/PNAD-86 – Resultados Preliminares.
O fato das cesáreas continuarem com prevalência crescente nos últimos anos – chegando mesmo
a atingir a casa dos 50% de todos os partos, em algumas regiões brasileiras – pode ser evocado
para justificar a situação descrita. As cesáreas parecem continuar a merecer as preferências de
obstetras e, consequentemente, de gestantes, o que acaba por tornar estas últimas candidatas à
esterilização, após duas ou três intervenções deste tipo.
Além de liderar a lista de contraceptivos no país, a esterilização feminina vem sendo praticada
em mulheres bastante jovens. Infelizmente, os resultados preliminares da PNAD-86, aqui utilizados,
não oferecem a possibilidade de se estudar para o total do país a distribuição etária das mulheres
à época da esterilização. Para São Paulo e Nordeste isto foi possível e os resultados revelam a
presença desta prática já no grupo de 15 a 19 anos de idade, mais acentuada no Nordeste do que
em São Paulo. No contexto nordestino, 21.42% das esterilizadas o foram antes dos 30 anos, em
contraste com 14.46% correspondentes a São Paulo (Tabela 5).
25
TABELA 5
Mulheres esterilizadas segundo a idade na época da esterilização
26
TABELA 5
Mulheres de 15 a 49 anos esterilizadas, segundo a época da esterilização
27
TABELA 7
Época da
SÃO PAULO NORDESTE
esterilização
Idade na época de esterilização Idade na época de esterilização
15 a 19 20 a 29 30 a 39 40 a 49 15 a 19 20 a 29 30 a 39 40 a 49
Antes de
0.0 0.0 1.4 11.5 0.0 0.0 0.1 5.1
1970
1970 a 1979 0.0 4.5 27.2 46.1 0.0 4.2 19.8 51.4
1980 a 1982 0.0 14.4 30.1 25.0 16.7 19.0 31.4 26.2
1983 a 1986 100.0 81.1 41.3 17.3 83.3 76.8 48.7 17.3
Total 100.0(*) 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0
Fonte: FIBGE/PNAD-86 – Resultados Preliminares
(*) Ocorreu um só caso em 1986
Seguem-se, por ordem de importância, “problemas de saúde”, responsáveis por 38.7% e “já
ter feito muitas cesáreas”, com 8.3%. Além disso “problemas de saúde” foram muito citados em
todo o país, variando de 32.2% a 54.0% a proporção de mulheres que os mencionaram. Isto vem
demonstrar claramente o papel do poder médico em relação ao planejamento familiar. O fato do
código brasileiro de ética médica, como já mencionamos anteriormente, só permitir a esterilização
em casos excepcionais de problemas sérios de saúde da mulher explica, a nosso ver, que as
respostas dadas pela mulheres já esterilizadas se concentra nesta razão. Elas nada mais informam
do que repetir aquilo que é permitido dizer. Dificilmente se poderia aceitar tão alta incidência de
problemas de saúde, ainda mesmo quando se leva em conta as inadequadas condições materiais
de vida a que está sujeita a população brasileira. Estes resultados mais uma vez chamam a atenção
para a responsabilidade do setor público de saúde no sentido de coibir este abuso e direcionar o
planejamento familiar de forma compatível com a saúde e liberdade de escolha das mulheres.
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TABELA 8
Mulheres de 15 a 54 anos esterilizadas, segundo as razões alegadas para a esterilização
Valores percentuais mínimo e
Razões Brasil máximo para as Unidades da
Federação
Problema de saúde 43.4 32.2 – 54.0
Já atingiu número ideal de
37.7 18.4 – 48.3
filhos
Questões financeiras 8.4 3.4 – 17.1
Muitas cesáreas 7.2 1.4 – 12.6
Questão de idade 1.8 0.0 – 5.3
Outros motivos 1.4 -
TOTAL 100.0 -
Fonte: FIBGE/PNAD-86 – Resultados Preliminares
O já ter o número desejado de filhos como razão para fazer a cirurgia tem significados distintos em
São Paulo, em contraste com o Nordeste. De fato, em São Paulo, 57.6% tinham no máximo 3 filhos
quando recorreram ou foram induzidas à esterilização. Já no Nordeste 44.6% só a fizeram quando
tinham 5 ou mais filhos (Tabela 9). Este achado corrobora na explicação das taxas de fecundidade
bem mais baixas em São Paulo do que no Nordeste, ou seja, 2.71 e 4.96 filhos, em média por
mulher, respectivamente, em 1984.
TABELA 9
Mulheres de 15 a 54 anos esterilizadas, segundo o número de filhos que tinham quando foram
esterilizadas
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Em que instituições são feitas?
Quanto ao aspecto institucional, chamam a atenção, dada a não legalização da esterilização no país,
os altos índices de operações realizadas em unidades de saúde do INAMPS ou conveniadas. No país
este percentual corresponde a 23.4% e chega a atingir 56.6% no Rio Grande do Norte e na Paraíba
(Tabela 10). Certamente se trata de operações realizadas durante uma cesárea e pagas à parte ao
médico, sem constarem dos prontuários. Por outro lado, a grande maioria dos estados brasileiros
apresenta concentração de operações feitas em hospitais, clínicas ou consultórios particulares,
o que corresponde a 66.0% das respostas para o país e um máximo de 85.0% em Goiás. Ora,
considerando-se que a grande maioria da população vive com reduzida renda, é de se estranhar
esta situação de procura de serviços particulares de saúde, onde supostamente a esterilização seria
paga. No Nordeste, por exemplo, para mulheres de 15 a 54 anos de idade, 73.0% têm renda familiar
per capita abaixo de um salário mínimo. Como poderiam então pagar pela esterilização? Isto leva a
pensar que se trata de serviços privados onde o controle da natalidade é oferecido, sem ônus para
a mulher, porque são custeados por outras fontes. No caso de alguns estados do Nordeste, como,
por exemplo, o Piauí, chamam bastante a atenção os 41.8% de esterilizações feitas em unidades de
Saúde Pública e talvez a explicação seja a mesma proposta acima.
TABELA 10
Mulheres de 15 a 54 anos esterilizadas, segundo o tipo de serviço onde foi realizada a
esterilização, para algumas unidades da federação selecionadas
30
Pagas ou gratuitas?
Nossa interpretação para este panorama constrangedor fica reforçada pelos dados da Tabela 11, a
qual mostra os altos percentuais de operações feitas de forma totalmente gratuita, em contradição
com a elevada incidência deste tipo de cirurgia feita em serviços particulares de saúde.
TABELA 11
Proporção de esterilização gratuitas em mulheres de 15 a 54 anos, brasil e algumas
unidades da federação
Em síntese
Do exposto até agora, conclui-se que o país esteve mergulhado, nos últimos anos, em programas
muito mais próximos de um controle da natalidade do que de um planejamento familiar.
Por outro lado, na medida em que os órgãos públicos de saúde assumam cada vez mais ações de
planejamento familiar é de se supor que se reduza o recurso à esterilização, no nível em que vem
sendo adotada e que se amplie o leque de alternativas contraceptivas no país com a inclusão de
métodos baseados em novas tecnologias menos nocivas à saúde da mulher.
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A série Cadernos Geledés consiste num conjunto de publicações resultado da ação política do
Geledés – Instituto da Mulher Negra.
Com estes cadernos pretende-se divulgar as informações, reflexões, estudos e propostas relativas
particularmente às questões dos direitos de cidadania da população negra e da saúde da mulher
negra. Estes temas são os objetivos fundamentais dos Programas que estruturam esta entidade: o
Programa de Direitos Humanos e Igualdade Racial e o Programa de Saúde.
Esperamos que estas publicações possam contribuir para o avanço do encaminhamento político da
questão racial no Brasil.
Programa de Comunicaçã
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