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Segundo penso, o período 1960-1964 marca o ponto mais alto das lutas dos
trabalhadores brasileiros neste século [XX], até agora. O auge da luta de classes, em que
se pôs em xeque a estabilidade institucional da ordem burguesa sob os aspectos do
direito de propriedade e da força coercitiva do Estado. Nos primeiros meses de 1964,
1
Por exemplo, LEMOS. Renato. Anistia e crise política no Brasil pós-64. Topoi, Rio de Janeiro,
dezembro 2002, p. 287-313.
2
O’DONNELL, Guillermo. Tensões no Estado Autoritário-Burocrático e a questão da democracia. In:
COLLIER, David (org.). O Novo Autoritarismo na América Latina. Trad. Marina Leão Teixeira Viriato
de Medeiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 277.
2
O que procurava impedir era a transição de uma democracia restrita para uma
democracia de participação ampliada, que prometia não uma ‘democracia
populista’ ou uma ‘democracia de massas’ (...), mas que ameaçava o início da
consolidação de um regime democrático-burguês no qual vários setores das classes
trabalhadoras (e mesmo das massas populares mais ou menos marginalizadas, no
campo e na cidade) contavam com crescente espaço político próprio. 4
Uma reação contra reformas que poderiam ampliar as bases sociais do regime
democrático brasileiro e que também poderiam ser percebidas por setores médios e das
classes dominantes como indicativas de uma revolução em curso. Em relação a este
aspecto, é preciso não cometer anacronismo na análise dos temores de civis e militares
em relação à ameaça de revolução. O fato de ser um consenso, hoje, a tese de que não
havia condições para uma insurreição popular revolucionária anticapitalista no período
1961-1964 não pode ser razão para que se desqualifique de maneira absoluta a
percepção que segmentos da sociedade brasileira, inclusive militares, desenvolveram
acerca dessa possibilidade na época.
O inédito nível de mobilização dos trabalhadores da cidade e do campo se
combinava com importantes divisões no interior das Forças Armadas e configurava uma
situação perfeitamente perceptível como pré-revolucionária, invocando o espectro da
revolução comunista. Afinal, as revoluções anticapitalistas bem-sucedidas, como a
Russa (1917) e a Chinesa (1949), só o foram quando combinaram esses dois elementos.
Eles eram necessários à preparação da fase decisiva de uma revolução, ainda que não
suficientes. O que, essencialmente, distinguiu a nossa conjuntura de crise política dessas
experiências vitoriosas foi a ausência de um partido que pudesse se apresentar e ser
reconhecido como a direção revolucionária, papel que nem o Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB) nem o Partido Comunista Brasileiro (PCB), os dois mais influentes
junto à classe trabalhadora, tinham condições político-ideológicas de cumprir. Havia,
entre os opositores ao governo, quem tivesse consciência dessa limitação da turbulência
3
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. 5 ed. rev., ampl. e atualiz. São Paulo: Ática, 1998, p. 73. Grifo
meu.
4
FERNANDES, Florestan. Revolução ou contrarrevolução? Contexto, São Paulo, n. 5, mar. 1978, p. 21,
Grifos do autor.
3
social e militar,5 mas é razoável supor que um expressivo setor tenha agido por real
temor da “ameaça comunista”, vendo na oficialidade e nos subalternos identificados
com o governo nacional-reformista de João Goulart (1961-1964) a sua principal fonte.
5
Uma obra de referência sobre a temática da contrarrevolução e que trata, especificamente, da
manipulação de supostas ameaças revolucionárias com fins contrarrevolucionários é MAYER, Arno J.
Dynamics of Counterrevolution in Europe, 1870-1956: An analytic Framework. New York: Harper &
Row, 1971.
6
Ver, por exemplo, GREEN, James. Apesar de vocês. Oposição à ditadura brasileira nos Estados Unidos,
1964-1985. Trad. S. Duarte. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 50.
4
(...) sofre uma importante transformação em sua função: ela é finalmente adaptada pelas
camadas dominantes da burguesia. A burguesia passa de objeto a sujeito da teoria. Ela
representa, para a época, o exemplo mais notável de justificação e defesa de uma ordem
social ameaçada. A mudança de função da teoria acompanha a história da burguesia a
partir da luta de uma classe em ascensão contra os restos de uma organização social que
se transformou em obstáculo até a dominação absoluta de algumas camadas
privilegiadas contra o ataque de todas as forças progressistas; ela acompanha também a
rejeição, por essa burguesia, de todos os valores que havia proclamado na época de sua
ascensão. 7
No Brasil a implantação hipertardia da sociedade burguesa se deu – diferentemente do
ocorrido nos países de capitalismo originário e atrasado e como nos países de
capitalismo tardio –, em grande parte, sob o signo da ascensão do socialismo como
alternativa real ao capitalismo. Em consequência, como observou Florestan Fernandes,
a tarefa de construir a ordem burguesa se combinou com a de prevenir a revolução
socialista.8
MARCUSE, H. 1972. Ideias sobre uma teoria crítica da sociedade. Trad. Fausto Guimarães. Rio de
Janeiro: Zahar, p. .116. Ver, a propósito, DIAS, Romualdo. Imagens de ordem. A doutrina católica sobre
autoridade no Brasil, 1922-1933. São Paulo: Editora UNESP, 1996.
8
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. 2. ed.
Rio de Janeiro: Zahar, 1976, p. 294-295 e 297.
5
9
RODRIGUES, José Honório. Tempo e sociedade. Petrópolis (RJ): Vozes, 1986, p. 20.
10
José Honório Rodrigues foi, também, pioneiro no tratamento rigoroso de duas questões centrais do
pensamento político-social brasileiro: a demolição do mito do caráter incruento da história nacional e o
papel cumprido pelas práticas de conciliação na dominação de classe.
11
RODRIGUES, José Honório. Aspirações nacionais. Interpretação histórico-política. São Paulo: Fulgor,
1963.
12
RODRIGUES, José Honório. Conciliação e reforma no Brasil. Desafio histórico-cultural. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.
13
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.
6
ensaio O tempo e a sociedade,14 de 1977, ele diz: “Não se pode compreender a história
sem as ideias definidas de tempo, de duração, de prazo longo e curto, sobre as quais
tanto insistiu Fernand Braudel em vários de seus escritos”.15
14
Revista de História de América, México, n. 84, julio-diciembre, 1977, republicado em RODRIGUES,
José Honório. Tempo e sociedade. Op. cit.
15
Idem, p. 15.
16
RODRIGUES, José Honório. “A revolução americana e a brasileira: 1776-1820”. In: ARAGÃO,
Raimundo Moniz et alii. Brasil – tempo e cultura. João Pessoa: Secretaria de Educação e Cultura, 1978,
p. 126. Conferência proferida no I Seminário Paraibano de Cultura Brasileira, em 2 de dezembro de 1976.
17
“Revolution”, tese apresentada ao XIV Congresso Internacional de Ciências Históricas, São Francisco
(EUA), agosto de 1975, apud idem, p. 111 e 125.
18
Idem, ibidem. Ver, também, entrevista concedida a Carlos Guilherme Mota, publicada em IstoÉ, São
Paulo, 12 de abril de 1978, e republicada em RODRIGUES, José Honório. Tempo e Sociedade. Op. cit.,
p. 144.
19
Idem, p. 94.
20
“Vamos discutir a história do Brasil”, debate publicado em O Estado de São Paulo, 22 de julho de
1978, e republicado em RODRIGUES, José Honório. Tempo e Sociedade. Op. cit., p. 152.
7
destaca essa nuance da luta política de longo prazo no Brasil, à qual dedicou muitas
páginas de suas publicações.21
24
RODRIGUES, José Honório. Aspirações nacionais. Op. cit., p. 23-24. Também em Conciliação e
reforma no Brasil. Op. cit., p. 130.
25
“Paládio contra revoluções políticas” [título editorial]. In: SILVA, José Bonifácio de Andrada e.
Projetos para o Brasil. Org. Miriam Dolhnikoff. São Paulo: Companhia das Letras; Publifolha, 2000, p.
79.
9
26
Também Octávio Ianni dedicou-se ao tema da contrarrevolução burguesa no Brasil. Ver o seu O ciclo
da revolução burguesa no Brasil. Petrópolis (RJ): Vozes, 1984.
27
Op. cit., p. 347-348. Grifos meus. José Paulo Netto discute o lugar da noção de contrarrevolução na
trajetória político-intelectual de Florestan Fernandes. Ver Florestan Fernandes: uma recuperação marxista
da categoria revolução. In: Marxismo impenitente. Contribuição à história das ideias marxistas. São
Paulo: Cortez, 2004, p. 203-221.
28
Ver, a propósito, LEMOS, Renato. Anistia e crise política no Brasil pós-64. Op. cit.
29
Democracia ou Bonapartismo na Europa - Resposta a Pierre Frank.
http://www.tedgrant.org/portugues/index.htm. Acesso em 12/8/2013.
10
30
Idem.
31
Idem.
32
ALTHUSSER, L. Contradiction et surdétermination (notes pour une recherche). In: ____. Pour Marx.
2. ed. Paris: François Maspero, 1966.
11
34
CAMBOA, M. [Mário Pedrosa] e LYON, L. [Lívio Xavier]. Esboço de uma análise da situação
econômica e social do Brasil. Trad. Fúlvio Abramo. In: ABRAMO, Fúlvio e KAREPOVS, Dainis. (Org.).
Na contracorrente da história. Documentos da Liga Comunista Internacionalista, 1930-1933. São Paulo:
Brasiliense, 1987, p. 74. Grifo meu.