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NO CAMPO DOS
FORA-DA-LEI
Autor
WILLIAM VOLTZ

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Há muito tempo os senhores da galáxia, nome que se dá
aos seres misteriosos que dominam a nebulosa de
Andrômeda, vêm usando o povo dos twonosers como vigias
de Andro-Beta. Esta situação teve início há muitos milênios,
mas no ano de 2.402 os twonosers ainda cumprem sua missão
de vigilância segundo as ordens de seus senhores — o que
representa uma infelicidade para Perry Rhodan e os homens
da Crest.
A Crest II, que abandonou o satélite secreto Tróia,
introduzido em Andro-Beta para fazer um vôo de
reconhecimento, foi atacada e aprisionada pelos twonosers,
que a levaram para o interior de um moby. Depois de uma
luta feroz e sem esperança travada contra uma força
infinitamente superior de seres trombudos, Perry Rhodan e
seus homens foram dominados.
Dois mil terranos iniciam a triste caminhada para a
prisão. Em virtude de seu aspecto exterior, os prisioneiros
foram classificados como párias. Um trem levou-os à região
habitada pelos trombas brancas, que formam a casta mais
baixa dos twonosers.
Mas Perry Rhodan não fica preso por muito tempo.
Foge em companhia de um grupo selecionado de terranos e
entra em contato com os chamados criminosos domésticos. A
base de operação da luta de libertação é o Campo dos Fora-
da-Lei!

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Brodger Kapitanski — Um terrano que monta guarda “dentro”
de um mundo estranho.
Icho Tolot — O halutense que exerce as funções de abalroador.
Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar e sócio
dos criminosos domésticos.
John Marshall — Chefe do exército dos mutantes.
Tronar e Rakal Woolver — Os sprinters que vivem criando
confusão.
Pohiik e Larkaat — Dois criminosos domésticos.
Garko o Forte — Chefe dos trombas brancas.
1

O sargento Brodger Kapitanski estava parado na escuridão do corredor lateral;


mantinha-se na escuta. De vez em quando ouvia, bem ao longe, o ribombar dos trens
intercastas, que atravessavam as veias do moby em alta velocidade, em algum lugar
situado acima de sua cabeça. Kapitanski sabia que o sistema de propulsão desses trens era
completamente silencioso, mas as vibrações que seus rolos de sustentação provocavam
no monotrilho propagavam-se por vários corredores principais. As mãos robustas de
Kapitanski se puseram a apalpar, à procura da tocha que ficava à sua frente. A mesma
fora fabricada pelos criminosos domésticos, do caule de uma planta. Cada um dos
guardas do campo levava consigo uma tocha desse tipo, pois só assim poderia clarear a
escuridão reinante nos estreitos corredores laterais.
Mas havia uma coisa em que o sargento confiava muito mais do que naquela tocha.
Era a pequena arma energética twonoser, que lhe fora entregue. Tinha certa dificuldade
em segurar o pequeno cabo, mas apesar disso a arma lhe dava um sentimento de
autoconfiança.
E os cinqüenta terranos que haviam escapado à prisão dos trombas brancas bem que
precisavam de autoconfiança.
Kapitanski colocou a tocha entre os pés. Sentou sobre um bloco de cristal, com os
olhos cravados na escuridão. Se houvesse um ataque da polícia dos trombas azuis, o
mesmo só poderia ser lançado através de um dos estreitos corredores secundários. O
campo era habitado por cerca de cento e cinqüenta criminosos domésticos. Com exceção
de vinte trombas azuis, todos eles pertenciam à casta A, que era a classe inferior. Os
quatro trombas brancas que tinham fugido do pavimento abdominal do moby em
companhia de Perry Rhodan e seu grupo haviam levado os terranos ao acampamento
secreto. Rhodan levara apenas alguns dias para eliminar a desconfiança dos proscritos e
aos poucos foi conquistando sua confiança.
Só assim se tomara possível que os terranos montassem guarda juntamente com os
criminosos domésticos, e tivessem permissão de usar as armas twonosers.
Kapitanski sorriu. Estava zangado. Ali, em meio aos corredores entrelaçados que
cercavam o esconderijo tão bem instalado, finalmente tinham recebido as informações
que ainda lhes faltavam a respeito dos twonosers. No interior de seu acampamento os
sem-classe — nome pelo qual os criminosos domésticos se designavam com certo
orgulho — mantinham uma criação muito grande de bioparasitas, com os quais
sustentavam um rendoso negócio de contrabando.
Os terranos já sabiam por que os trombas vermelhas dominavam as duas outras
castas, embora não dispusessem de uma grande força militar. Os membros da casta C
controlavam as quatro unidades geradoras atômicas situadas no pavimento costal do
moby. Estas unidades produziam toda a energia de que precisavam os twonosers.
O maior privilégio a que podia aspirar um tromba vermelha era poder entrar nessas
unidades energéticas e manipular seus controles. O suprimento de energia dos inúmeros
sóis artificiais existentes na parte inferior do moby dependia exclusivamente dos
twonosers pertencentes à casta C. Qualquer rebelião contra a casta superior fatalmente
acarretaria a suspensão imediata do fornecimento de energia, o que equivaleria a uma
condenação à morte.
Kapitanski sabia que o abastecimento de energia e de alimentos no interior do
cadáver do moby era muito mais difícil que num planeta normal. No interior do gigante
tudo tinha de ser produzido artificialmente.
Kapitanski já não tinha a menor dúvida de que os trombas vermelhas não eram mais
inteligentes que os outros twonosers. A casta C só gozava de superioridade no plano
social, porque era capaz de controlar à vontade o suprimento de energia do moby.
Kapitanski sobressaltou-se com um ruído. Logo ficou bem desperto. Parecia que
uma pedrinha se desprendera do teto e caíra ao chão bem à sua frente.
Mas talvez fosse alguém que se aproximava silenciosamente, e tinha pisado num
pequeno bloco de cristal.
Kapitanski pensou em acender a tocha, mas logo abandonou a idéia. A
luminosidade da mesma o transformaria num excelente alvo, enquanto ele mesmo não
veria quase nada. Mas segurou a tocha na mão esquerda, enquanto a direita agarrava a
arma energética.
Levantou bem devagar, evitando qualquer movimento abrupto.
O ruído não se repetiu, mas Kapitanski ficou bem alerta. Dali a pouco seria
revezado e poderia voltar ao interior do acampamento. O sargento já estava perfeitamente
familiarizado com a área adjacente ao mesmo. Havia vinte corredores principais que
levavam para lá, além de pelo menos vinte artérias menores. Todos os acessos, com
exceção de um único, tinham sido devidamente preparados com explosivos. Se a polícia
dos trombas azuis descobrisse o acampamento, os criminosos domésticos detonariam as
cargas explosivas, provocando o desmoronamento de todos os corredores, com exceção
de um, que seria utilizado na fuga.
Kapitanski não se sentiu muito à vontade ao lembrar-se que os trombas azuis, que
caçavam impiedosamente os criminosos domésticos, pudessem aparecer por ali. Ao
menor sinal de um ataque, os proscritos fariam explodir as veias, sem a menor
consideração pelos guardas postados nas mesmas.
Era um risco que todos os guardas tinham de assumir.
De repente voltou a ouvir o ruído.
Brodger Kapitanski prendeu a respiração. Desta vez viera de bem mais perto.
Era claro que podia ser mais um bloco de pedra que se desprendera do teto. Mas o
sargento não pôde deixar de reconhecer que naquela altura a probabilidade de não se
tratar de um ruído natural era bem maior.
Ninguém poderia saber que o sargento Brodger Kapitanski permanecia imóvel no
corredor, prestando atenção. Nem mesmo o melhor policial tromba azul poderia ter
conhecimento disso.
“São os nervos”, pensou Kapitanski depois de algum tempo. “Eles me pregaram
uma peça”.
Assim mesmo ficou com o corpo ligeiramente inclinado para a frente, um homem
baixo, de meia-idade, que trajava o uniforme simples da frota do Império Solar. Naquele
momento se amaldiçoava por ter insistido tanto em conseguir o posto de guarda. Melbar
Kasom se oferecera para cuidar disso. Kapitanski não pôde deixar de reconhecer que o
ertrusiano teria dado um guarda muito melhor do que ele.
Lá estava de novo!
Desta vez até parecia uma coisa arranhando no chão.
Kapitanski teve um calafrio. Alguém se aproximava, vindo pelo corredor estreito.
Kapitanski segurou a tocha com tanta força que sua mão começou a doer. O
desconhecido não teria motivo para ter tanto cuidado em não fazer barulho se não
contasse com a presença de um guarda. Esta idéia não contribuiu nem um pouco para
aumentar a autoconfiança de Kapitanski.
O sargento lamentou-se de que a arma energética twonoser que segurava na mão
direita não pudesse ser regulada para produzir um feixe mais largo. Quando atirasse teria
de fazer boa pontaria, senão a segunda chance seria do desconhecido.
Talvez fosse um criminoso doméstico vindo de outro acampamento, que queria
entrar em contato com os seres desclassificados.
Kapitanski sabia perfeitamente que teria de tomar uma decisão. Qualquer demora
representaria um risco para a segurança do acampamento. Mas enquanto não houvesse
luz não poderia fazer nada. Tinha que acender a tocha.
Kapitanski esticou o braço esquerdo, até que a ponta da tocha tocasse na parede da
veia. Resolveu esperar mais um pouco. Bastaria uma pressão ligeira da tocha contra o
mineral duro para incendiar o material inflamável.
Mas antes que o sargento tivesse tempo para isso, três tochas se acenderam a cerca
de cinqüenta metros de distância.
A reação instantânea salvou a vida de Kapitanski, que saltou para trás de um bloco
de cristal, sem perder tempo para refletir sobre quem poderia ter sido responsável pela
súbita claridade.
A descarga energética de um tiro verificou-se a quatro metros do lugar em que se
encontrava. O salto desesperado que resolvera dar fizera com que Kapitanski batesse com
os braços no chão. A tocha estava jogada do outro lado do corredor. Felizmente sua arma
estava intacta.
Kapitanski espiou para fora do abrigo, sem importar-se muito com sua segurança.
Foi quando os viu. Vinham do teto, e não do outro lado do corredor, conforme
acreditara. Havia uma galeria que ligava a pequena veia a um corredor que ficava em
cima da mesma. Kapitanski não sabia disso.
Provavelmente os atacantes tinham construído essa galeria há pouco tempo, para
chegar ao acampamento sem que ninguém os percebesse. Sua ação só seria bem-sucedida
se conseguissem pôr fora de ação o guarda, antes que o mesmo tivesse tempo para avisar
os criminosos domésticos.
Os três policiais trombas azuis tinham descido por cordas prateadas. Certamente
não tinham provocado nenhum ruído durante a descida.
Provavelmente estavam mais bem armados que ele. E não era só isso. Sem dúvida
dispunham de algum tipo de campo energético que os protegia.
Por isso Kapitanski teve dúvida em atirar neles, embora à distância de cinqüenta
metros ele os visse perfeitamente deitados no chão. Parecia que estavam discutindo a
situação. Kapitanski fazia votos de que o revezamento não chegasse justamente naquele
momento, pois nesse caso o guarda ficaria sob a mira das armas dos intrusos.
Dali a pouco um dos trombas azuis acenou com uma das trombas. Kapitanski
resmungou alguma coisa em tom de desprezo. Será que estes caras achavam que ele era
louco? Não sairia tão depressa do seu abrigo, embora este fosse bastante duvidoso diante
do armamento inimigo.
Kapitanski tirou do bolso do uniforme a máquina tradutora twonoser que trazia
constantemente consigo. Todo terrano destacado para servir de guarda recebia um
aparelho destes, para que pudesse comunicar-se com algum criminoso doméstico que
chegasse perto dele e não possuísse máquina tradutora.
Pelos cálculos de Kapitanski, mais dez minutos se deviam ter passado quando um
dos policiais voltou a acenar para ele.
— Desconhecido! — disse neste instante uma voz saída do alto-falante.— Sabemos
que não é nenhum criminoso doméstico. Renda-se, e terá permissão para voltar ao seu
campo de prisioneiros.
Os trombas azuis possuem pelo menos uma tradutora, refletiu o sargento. Isso era
uma prova de que estavam muito bem equipados. Pôs-se a refletir intensamente. Que
resposta poderia dar? Certamente seria inútil tentar deter os Invasores. Eram muito
inteligentes para que tentasse isso.
— Que garantias podem oferecer? — gritou em voz alta.
— Garantimos que, se não se entregar, morrerá — respondeu o tromba azul.
Brodger Kapitanski esboçou um sorriso de desprezo. Sua pele morena, de poros
largos, brilhava à luz das tochas. Possuía bastante experiência de combate, e por isso
podia manter-se calmo diante de uma ameaça desse tipo.
— Estou perdido e não tenho nenhuma arma! — gritou.
— Saia daí! — disse seu interlocutor.
Os policiais não mostravam se estavam acreditando em suas mentiras.
O sargento Brodger Kapitanski saiu rolando bem devagar de trás da rocha atrás da
qual estava abrigado, com a pequena arma apontada.
— Estou saindo! — gritou.
Atirou três vezes em seguida, fazendo pontaria para as cordas prateadas que
pendiam de um buraco no teto. As cordas volatilizaram-se logo embaixo do teto. Os
pedaços caíram sobre os twonosers.
Três tiros energéticos atingiram o chão bem à frente da rocha que lhe servia de
abrigo, mas Kapitanski já se recolhera atrás da mesma. O grande bloco de cristal tornou-
se incandescente. Soltava fumaça, prejudicando a visibilidade.
De qualquer maneira, cortei-lhes a retirada, pensou, satisfeito.
Sem dúvida uma força mais poderosa da polícia dos trombas azuis estava escondida
nas veias superiores, à espera do momento em que a vanguarda desse o sinal de ataque.
Pensando bem, continua quase tudo na mesma, refletiu Kapitanski. O fogo concentrado
dos três twonosers destruiria em pouco tempo a rocha atrás da qual se abrigara.
O acampamento propriamente dito ficava a cerca de cinco quilômetros do lugar em
que estava Kapitanski. Por isso as chances de que o ataque tivesse sido notado eram
muito reduzidas. Não adianta eu ficar me recriminando, pensou o sargento. Deveria ter
sabido que não tinha a menor aptidão para servir de guarda. Qualquer twonoser que
estivesse em seu lugar não teria deixado que o pegassem de surpresa. Sairia correndo
para dar o alarme assim que ouvisse o primeiro ruído.
Enquanto isso ele estava deitado atrás de um bloco de cristal, praticamente à mercê
de três inimigos que estavam muito mais bem armados.
Kapitanski saiu rastejando para trás, na esperança de atingir um bloco maior.
Em alguns lugares o chão áspero cortava que nem vidro. Kapitanski foi ferido nos
braços e nas pernas. Atrás dele os twonosers começavam a destruir a rocha que lhe servia
de abrigo. O chiado dos tiros energéticos parecia interminável. Kapitanski lançou um
olhar ligeiro para trás. Uma densa cortina de fumaça o separava dos atacantes. O sargento
levantou-se de um salto e saiu correndo.
Mas logo viu que subestimara os trombas azuis, pois os mesmos saíam correndo da
nuvem de fumaça e atiravam contra ele. Kapitanski cambaleou e apoiou-se na parede.
Um projétil roçara seu ombro direito. Kapitanski resolveu não olhar para o ferimento.
Disparava contra os perseguidores, que quase não conseguia distinguir em meio à
fumaça, esperando ser atingido a qualquer momento por um tiro que o matasse.
De repente ouviu um ribombar prolongado, vindo de bem longe. Kapitanski deu um
grito. Os criminosos domésticos haviam notado a presença dos policiais trombas azuis e
começavam a fazer explodir os corredores que davam acesso ao acampamento. Dali a
pouco o teto da veia em cujo interior se encontrava também desabaria.
Kapitanski caiu bem no meio do corredor. Os trombas azuis estavam parados.
Seguiu-se mais uma explosão, que fez tremer o chão. Ao que parecia, os atacantes
aproximavam-se do acampamento aparecendo de vários lados. Outro guarda reagira mais
depressa que Kapitanski, prevenindo os criminosos domésticos.
O sargento olhou para trás, mas não viu mais os três twonosers. Certamente sabiam
quais seriam as conseqüências da explosão e resolveram fugir. Um sorriso amargurado
cobriu o rosto de Kapitanski. Sobrevivera ao ataque dos policiais, mas dificilmente
escaparia aos efeitos da explosão que poderia ocorrer a qualquer momento.
Correu o mais depressa que o chão acidentado permitia. A escuridão voltou a
envolvê-lo. As tochas dos trombas azuis se tinham apagado. O sargento viu-se obrigado a
confiar exclusivamente em seu sentido de orientação. Estendeu os braços, para não
esbarrar violentamente numa parede.
De repente as bombas escondidas pelos criminosos domésticos detonaram atrás de
Kapitanski. Este só ouviu a explosão propriamente dita; depois disso só percebeu o
retumbar de seus tímpanos. O corredor foi desabando em tomo dele. Uma rocha caiu do
teto e roçou seu corpo. Por pouco não o derrubou. O sargento prosseguiu cambaleante.
De repente viu uma claridade à sua frente.
Um gigante de quatro braços aproximou-se, saindo das nuvens de poeira e dos
fragmentos de rocha.
— Tolot! — gritou Kapitanski com um alívio infinito.
O gigantesco halutense segurava duas tochas e passou sem dificuldade entre as
massas de pedra. Um bloco de cristal caiu e atingiu Tolot. Qualquer outra criatura teria
sido esmagada, mas a peça saltou sobre o corpo do halutense como se fosse uma bola de
borracha. As pernas de tronco abriam caminho sem cessar.
Kapitanski se abrigara atrás de dois fragmentos maiores. Tossiu quando a poeira
penetrou em seus pulmões. Finalmente Tolot inclinou-se sobre ele.
— Vim para revezá-lo, sargento — disse o halutense.
Kapitanski levantou os olhos, estupefato. Admirou-se de ter entendido as palavras
de Tolot.
— Revezar-me? — repetiu em tom de incredulidade. — O acampamento foi
cercado pelos trombas azuis. Os criminosos domésticos estão provocando explosões nos
corredores de acesso.
Tolot riu baixinho, mas assim mesmo o ruído superou o estrondo das pedras do teto
que desabava.
— Eu estava brincando, terrano — disse o halutense.
Kapitanski comprimiu com as mãos o crânio que zumbia e saiu do seu abrigo. Tolot
inclinou-se sobre ele para protegê-lo.
— Vamos esperar que as coisas se acalmem — disse Tolot. — Depois disso o
senhor poderá subir nas minhas costas e daremos o fora.
Kapitanski lançou um olhar desconfiado para o corredor escassamente iluminado
pelas tochas que Tolot estava segurando.
— A maior parte do teto desabou — lembrou. — Como vamos sair daqui?
Tolot não respondeu. Dava a impressão de que estava refletindo. Estava sentado
num bloco de cristal. Parecia que não havia nada que pudesse abalá-lo.
— Os criminosos domésticos estão evacuando o acampamento — disse depois de
algum tempo. — Vão levar os bioparasitas que estão criando às escondidas. Tentarão
atingir outro acampamento.
Kapitanski passou a língua pelos lábios ressequidos. Sentiu o sabor da poeira de
cristal depositada em sua pele.
— O que vamos fazer? — perguntou. — Acompanhar os proscritos que se dirigem
a outro acampamento?
— Vamos voltar à Crest — disse Tolot como se fosse a coisa mais natural deste
mundo. — Os criminosos domésticos nos ajudarão. Já fizemos alguns planos.
Kapitanski conhecia os planos. Rhodan pretendia ocupar o centro de distribuição
situado no pavimento superior do moby. Este centro era mais importante que os
conjuntos geradores atômicos. Os terranos tinham descoberto que o centro de
distribuição, que era controlado por robôs, era o ponto de ataque mais favorável. Parecia
impossível conquistar os quatro centros geradores. Mas a energia produzida pelos
mesmos era armazenada no centro de distribuição, e conduzida aos diversos setores do
moby.
Quem estivesse no centro de distribuição poderia perfeitamente controlar o
suprimento de energia do moby.
Era bem verdade que Kapitanski tinha suas dúvidas de que conseguissem chegar lá.
A única esperança era que houvesse uma guerra entre as diversas castas. Rhodan
acreditava que seria perfeitamente possível provocar uma revolta, desde que
conseguissem assumir o controle do suprimento de energia. E para isso tornava-se
necessário entrar no centro de distribuição.
— Vamos! — disse Tolot em meio às reflexões do sargento. — Está na hora de
sairmos daqui.
Tossindo fortemente, Kapitanski subiu à nuca de Tolot. O corpo do halutense
parecia mais duro que o chão cristalino. Kapitanski sabia que Tolot estava em condições
de modificar a estrutura atômica das células de seu corpo. Tolot teria que transformar-se
num colosso de aço, pois só assim poderia atravessar as montanhas de destroços.
Kapitanski leve um calafrio. Acreditava que nunca seria capaz de acostumar-se às
faculdades dessa criatura.
— Segure-se! — pediu Tolot.
Houve mais quatro explosões, uma em seguida à outra. Os criminosos domésticos
estavam provocando explosões nos corredores de acesso que ainda restavam. O sargento
fazia votos de que os trombas azuis não conseguissem descobrir o caminho de fuga dos
párias, que tinha sido muito bem camuflado.
Tolot saiu andando. Apoiado sobre os braços de salto, perdera a aparente lerdeza.
Kapitanski ouviu os primeiros blocos de cristal se quebrarem sob o peso do corpo de
Tolot. Poeira e pedras caíam sobre os dois seres desiguais. Kapitanski segurava uma
tocha acesa com uma das mãos, enquanto com a outra se agarrava a Tolot. O sargento
sabia que a qualquer momento um pedaço do teto poderia desabar sobre ele. Nesse caso
nem mesmo Tolot poderia protegê-lo.
Conseguiram avançar rapidamente, apesar dos montes de pedras que às vezes
atingiam alguns metros de altura e das nuvens de poeira que impediam a visão.
Kapitanski lançou um olhar desconfiado para a tocha, que por várias vezes parecia querer
apagar-se. As condições de ventilação, que não eram nada boas, pareciam não atingir o
halutense.
O sargento não sabia quanto tempo levariam para chegar ao acampamento. Era
impossível avaliar a distância que tinham percorrido. De vez em quando ouviam o
ribombar de mais uma explosão. Kapitanski já compreendia por que motivo os
criminosos domésticos se haviam limitado a construir abrigos provisórios no interior de
seu acampamento. Para esses seres que estavam sendo caçados não adiantaria concentrar-
se em determinado lugar. A qualquer momento poderiam ser localizados e expulsos do
lugar em que se encontravam.
A tocha apagou-se de vez e Kapitanski atirou-a para longe. Respirava com
dificuldade. Precisava desesperadamente de ar. A poeira penetrava em seus pulmões.
— Daqui a pouco vai melhorar — gritou Tolot, que parecia notar as dificuldades
que o terrano estava enfrentando.
Kapitanski sabia que os olhos do halutense eram perfeitamente capazes de varar a
escuridão. Mas o sargento só notava os obstáculos pelos movimentos do ser que o
carregava.
Sempre que possível, Tolot tentava contornar os montes de pedras desabadas. Mas
às vezes não havia alternativa se não abrir caminho à força. Quando isso acontecia,
Kapitanski era obrigado a proteger o rosto com os braços, para evitar que o mesmo fosse
ferido pelos fragmentos de cristal.
Atingiram um lugar em que as destruições não eram tão extensas. O ar era menos
viciado e o sargento conseguiu recuperar-se um pouco.
Tolot parou um instante.
— Já fizemos mais ou menos metade do caminho — disse sua voz, saída da
escuridão.
— Só metade? — perguntou Kapitanski com a voz rouca. Acreditara que já
estivessem chegando ao acampamento.
— O último trecho do corredor não apresenta tantos desabamentos — disse Tolot.
— Avançaremos mais depressa.
— O que houve com os outros guardas? — perguntou Kapitanski.
— O senhor é o único terrano que estava de guarda quando os criminosos
domésticos se viram obrigados a fazer explodir os corredores — informou Tolot.
— O senhor conhece o caminho da fuga? — perguntou Kapitanski, que não
acreditava que ainda fossem encontrar um ser vivo no acampamento.
— Não — respondeu Tolot. — Mas saberei encontrá-lo.
Tomara que os trombas azuis não sejam mais rápidos que o halutense, pensou
Kapitanski.
2

As pequenas luminárias do teto tremeram nervosamente. Perry Rhodan lançou um


olhar para a praça principal do acampamento, na qual os twonosers corriam
nervosamente de um lado para outro. Há instantes chegara a notícia de que a polícia dos
trombas azuis cercara a maior parte do acampamento e pretendia avançar por vários
corredores secundários.
Pohiik, o chefe dos criminosos domésticos, reagira com uma calma surpreendente
diante da notícia.
— Isso tinha de acontecer — dissera a Rhodan. A amargura da criatura caçada
vibrara em sua voz. — Eles sempre acabam encontrando nossos esconderijos.
Pohiik saíra correndo, para dar suas ordens. Os primeiros criminosos domésticos já
tinham desaparecido no corredor que seria utilizado na fuga. Rhodan não perdera tempo:
dava ordem para que seus homens também fossem para lá.
Atlan e Melbar Kasom eram os únicos que continuavam n interior do acampamento.
Kasom encontrava-se ao lado de Rhodan. O arcônida encontrava-se em algum lugar no
interior da pequena unidade geradora dos criminosos domésticos, à espera de Rakal
Woolver, que saíra em direção à Crest. O sprinter não devia demorar a voltar.
Rhodan viu os twonosers colocarem todos os bioparasitas em recipientes
previamente preparados. Cada um deles levava um desses recipientes amarrado às costas.
— Tomara que Rakal Woolver não chegue tarde, senhor — disse Kasom. — Os
corredores foram destruídos, mas os trombas azuis encontrarão um meio de chegar a este
acampamento.
Rhodan acenou com a cabeça. Não estava tão preocupado com o mutante, que
poderia fugir a qualquer momento. Quem lhe dava mais preocupações era Atlan, que
estava à espera na unidade geradora.
— Vá falar com Atlan e procure convencê-lo de que seria preferível que também
saísse do acampamento — disse a Kasom.
Kasom fitou o Administrador-Geral com uma expressão de dúvida.
— Enquanto o senhor estiver aqui, o lorde-almirante certamente não fugirá — disse.
Rhodan não tinha nenhuma dúvida de que o ertrusiano tinha razão.
— Vá de qualquer maneira — ordenou.
Kasom saiu andando. Atravessou a praça sem demonstrar muita pressa e entrou
num edifício que parecia estar em ruínas. Rhodan viu um número cada vez maior de
twonosers desaparecerem na artéria que não seria atingida pelas explosões.
Dali a alguns minutos Pohiik voltou a aparecer perto de Rhodan. O chefe dos
criminosos domésticos era um tromba branca. Suas trombas pareciam débeis e finas.
Havia uma cicatriz profunda em cima do olho facetado. Era difícil avaliar a idade de um
twonoser, mas Rhodan acreditava que Pohiik era um dos seres trombudos mais velhos
que já tinha visto.
— Vamos salvar os bioparasitas — disse Pohiik, apontando para os homens que
estavam carregando os últimos recipientes.
— Não só os bioparasitas — completou Rhodan. — Nenhum de nós será preso
pelos trombas azuis.
Pohiik colocou no cinto do uniforme a pequena pistola térmica que até então
estivera segurando em uma das mãozinhas retorcidas.
— Pois eu serei preso — disse.
Rhodan regulou o volume da tradutora.
— O que quer dizer com isso? — perguntou, espantado.
Pohiik fez um gesto com a tromba. Até parecia que queria enlaçar o acampamento.
— Daqui não saio — disse com a voz cansada. — Já fugi quatro vezes e quatro
vezes mandei construir um novo, acampamento. Para um velho já chega.
Rhodan deu um passo na direção do twonoser. Tinha que convencer Pohiik a
abandonar suas intenções suicidas. Pohiik estava informado sobre os planos dos terranos.
Mesmo que não quisesse, acabaria revelando os mesmos aos trombas azuis. E não era só
isso. Pohiik era o único criminoso doméstico em cuja opinião a presença dos terranos
representava uma possibilidade de modificar a estrutura do poder no interior do moby. Se
Pohiik ficasse, era bastante duvidoso que o sucessor do mesmo também concordasse em
apoiar os terranos.
— O senhor é velho; quanto a isso não há dúvida — disse Rhodan em tom
insistente. — Mas é justamente por isso que os desclassificados não podem dispensar seu
auxílio. O senhor possui bastante experiência para tomar as decisões acertadas.
— Ninguém me fará mudar de opinião — respondeu Pohiik em tom obstinado.
— Quem sabe se não está com medo de começar de novo? — perguntou Rhodan
em tom pensativo. — Não quer assumir responsabilidades.
Pohiik ficou calado. Seu olho facetado fixou-se na praça que ficava no centro do
acampamento. Rhodan sabia que o twonoser estava refletindo intensamente para
encontrar um meio de contestar as acusações que acabavam de ser formuladas. O
Administrador-Geral teve de fazer um esforço para não sorrir. Dificilmente havia uma
forma de vida inteligente na Galáxia que não possuísse algum orgulho. E na nebulosa de
Andro-Beta as coisas não eram diferentes.
Pohiik torceu as trombas.
— Está bem — disse depois de algum tempo. — Irei com vocês.
— Eu sabia — respondeu Rhodan.
Pohiik colocou a tromba sobre o ombro de Rhodan.
— Vamos — disse ao terrano. — Está na hora de irmos atrás dos outros. Daqui a
pouco os trombas azuis começarão a fazer explosões para abrir caminho para o
acampamento.
Rhodan apontou para os edifícios.
— Estou esperando três amigos, Pohiik.
De repente o twonoser parecia ter recuperado o arrojo. Rhodan percebeu que estava
cada vez mais nervoso.
— Leve os fugitivos a um lugar em que estejam seguros — sugeriu, dirigindo-se ao
criminoso doméstico. — Iremos depois.
Pohiik balançou as trombas, num gesto de indecisão. De repente afastou-se de
Rhodan. Saiu andando sem dizer mais uma única palavra. Os últimos twonosers já
tinham abandonado o acampamento. Os edifícios em ruínas pareciam estar desocupados
há vários anos.
Rhodan saiu andando devagar em direção à casa na qual Melbar Kasom acabara de
entrar. Antes de entrar na mesma, ouviu as primeiras explosões. Os trombas azuis
estavam abrindo caminho para o acampamento, conforme previra Pohiik.
Rhodan não estava preocupado com Tolot. O halutense salvaria Kapitanski,
evitando que o mesmo caísse nas mãos dos policiais, isso se o sargento ainda estivesse
vivo.
Rhodan parou na entrada do edifício.
— Kasom! — gritou para dentro do hall escuro.
— Siga para a direita logo depois da entrada, senhor — respondeu a voz familiar do
especialista da USO. — Atlan desligou quase todas as luzes, para poupar energia.
Rhodan não perdeu tempo. Atravessou o recinto escuro. Mal tinha percorrido alguns
metros, ouviu um vozerio à sua frente. Distinguiu a voz de Rakal Woolver. O mutante
acabara de voltar. Dali a pouco algumas lâmpadas se acenderam.
Rhodan viu que Atlan e Kasom estavam sentados à frente de algumas máquinas. O
sprinter estava com as mãos nos quadris, e apoiava as costas num painel de controle.
— Conseguiu chegar à Crest, major? — perguntou Atlan.
Woolver acenou com a cabeça. Estava com o rosto sério. Rhodan viu pela expressão
do rosto do imartense que as notícias que o mutante estava trazendo não eram boas.
— Os trombas vermelhas começaram a desmontar algumas máquinas — informou.
— Felizmente ainda não destruíram nenhuma peça importante, mas é apenas uma questão
de tempo que eles causem danos irrecuperáveis nos propulsores.
— Era o que eu receava — disse Rhodan. — Devemos convencer Pohiik a apoiar-
nos num avanço imediato para os pavimentos superiores do moby.
— No momento o twonoser deve ter outros problemas — objetou Atlan.
— É possível — reconheceu Rhodan. — Mas de outro lado só pode ficar contente
com a idéia de atacar o inimigo no momento em que seus homens perderam o
acampamento em que estavam abrigados.
O ruído de outras explosões entrou na casa. Atlan e Kasom levantaram como se
estivessem obedecendo a um comando.
— Está na hora — disse Rhodan. — Daqui a pouco os trombas azuis deverão
chegar ao acampamento.
— E Tolot? — perguntou Melbar Kasom.
— O halutense sabe perfeitamente o que deve fazer — disse Atlan. — Não há
necessidade de nos preocuparmos com ele.
Saíram do edifício. Antes disso Atlan desligou todas as máquinas. Rhodan levou os
três até a entrada da artéria pela qual tinham fugido os criminosos domésticos. Quando
chegaram lá, pararam.
Rhodan apontou para as luzes do teto.
— Vamos destruí-las a tiro — disse. — Se o acampamento ficar no escuro, os
trombas azuis sofrerão um atraso.
Destruíram as luminárias e penetraram no corredor escuro. O espaço era suficiente
para que três homens andassem lado a lado.
— Como faremos para chegar aos pavimentos superiores? — perguntou Atlan ao
seu amigo terrano. — Se formos a pé, levaremos vários meses. O que adiantará que os
gêmeos Woolver possam chegar à Crest?
— Só existe uma possibilidade de chegarmos depressa — respondeu Rhodan. —
Teremos de atacar um trem intercastas e utilizá-lo na viagem de volta.
Atlan assobiou entre os dentes. A luz da tocha que estava sendo carregada por
Kasom, que caminhava na frente, permitiu que Rhodan visse o arcônida sacudir a cabeça.
— Pohiik sabe que você tem essa idéia? — perguntou Allan.
— Ele saberá assim que alcançarmos os fugitivos.
— Talvez consigamos atacar um trem e apoderar-nos do mesmo — disse Atlan. —
Mas tenho minhas dúvidas de que consigamos percorrer um quilômetro que seja no
mesmo.
Bem no íntimo Rhodan não se sentia tão confiante como fingia estar. Se não
contassem com o apoio dos criminosos domésticos, não poderiam executar seu plano.
Tudo dependia da opinião que Pohiik tivesse sobre a idéia de Rhodan.
***
Os twonosers agachados no chão e iluminados pelas tochas formavam um quadro
fantástico. Os desclassificados formavam um círculo amplo e tinham colocado algumas
tochas no centro do mesmo. Pohiik estava de pé ao lado dos vegetais acesos.
Os terranos mantinham-se mais ao fundo, pois Rhodan dera ordem para que os
twonosers não fossem perturbados em suas discussões. Fazia cerca de sete horas que os
fugitivos haviam atingido o pequeno pavilhão em cujo interior se encontravam. Tolot e
Kapitanski chegaram pouco depois. O corredor pelo qual tinham fugido havia sido
destruído por uma explosão provocada por controle remoto. No momento não havia
perigo de serem perseguidos pelos trombas azuis.
Rhodan viu Pohiik discutir exaltadamente com alguns twonosers mais jovens, que
pareciam não estar de acordo com os planos do chefe. Pohiik mandara matar um
bioparasita, que estava sendo assado no fogo das tochas. O alimento seria distribuído
pelos seres trombudos. Os terranos não aceitaram o convite de participar da refeição. O
cheiro desagradável da carne queimada continuava a encher o ar.
— Quanto tempo será que eles ainda levarão para chegar a uma conclusão? —
cochichou Kasom, que se encontrava ao lado de Rhodan.
— A situação de Pohiik não é nada fácil — respondeu Rhodan. — Os criminosos
domésticos estão acostumados a só pensar em sua vantagem imediata. Nas condições em
que se encontram, isso até se torna compreensível. Não será fácil convencê-los de que
poderá ser útil para eles apoiar nossos planos.
Pohiik estava falando mais alto. Levantou ambas as trombas. Dirigia-se em tom
apaixonado aos seus ouvintes. Finalmente arrancou uma das tochas espetadas no chão e
brandiu-a por cima da cabeça. Alguns twonosers levantaram-se e começaram a gritar.
— A discussão está ficando cada vez mais animada! — exclamou Atlan.
Pohiik saiu do lugar em que estava, atravessou o círculo dos ouvintes e veio
exatamente na direção de Rhodan.
— Siga-me — pediu. — Consegui convencer os outros de que nosso plano é
correto.
— Tenha cuidado, senhor — advertiu Kasom. — Não vá só com ele.
Rhodan deu de ombros. Não tinha alternativa senão confiar no chefe dos
desclassificados. Acompanhou Pohiik para junto dos twonosers exaltados, sem dar
atenção aos protestos de Kasom.
Pohiik atirou para longe a tocha e levantou a tromba. Rhodan espantou-se ao notar
que os outros seres trombudos se calaram.
— Achamos que é impossível avançar imediatamente até o pavimento habitado
pelos trombas vermelhas — disse Pohiik, dirigindo-se a Rhodan. — Não conseguiremos
abrir passagem entre os trombas azuis.
— Acontece que se não conquistarmos o centro de distribuição, não teremos
nenhuma chance de controlar o inimigo — disse Rhodan.
Pohiik esperou pacientemente que a tradutora transmitisse as palavras de Rhodan.
— Existe outra possibilidade — disse finalmente. — Na área habitada pela casta B
existe uma estação receptora central para a energia vinda do pavimento dos trombas
vermelhas, tal qual acontece nos outros pavimentos. É esta que devemos atacar.
Rhodan pôs-se a refletir. Não conseguia imaginar que pudesse haver uma
possibilidade de derrotar os trombas azuis, que estavam fortemente armados. Só por meio
de uma ação-relâmpago desenvolvida pelos gêmeos Woolver eles poderiam conseguir
alguma coisa no pavimento médio.
Quando Pohiik voltou a falar, Rhodan viu que o twonoser pensava da mesma forma
que ele.
— O ataque deverá ser realizado pelos dois homens que os senhores chamam de
mutantes — disse o desclassificado. — Se conseguirmos pôr em risco o suprimento de
energia da casta B, teremos boas chances de atravessar o pavimento médio.
— Existem outros pontos de recepção de energia além do centro principal? —
perguntou Rhodan.
— Existem — respondeu Pohiik. — Mas foram construídos para atender a casos de
emergência e por isso sua perda não pesaria muito.
Se os gêmeos Woolver conseguissem chegar ao centro de recepção de energia da
casta B e fazer alguns estragos por lá, seria bem possível que os trombas azuis pensassem
que a casta C era responsável por isso. Nesse caso poderia haver condições de provocar
um conflito entre as diversas castas.
— Também discutimos sua idéia de atacar um trem intercastas — disse a voz de
Pohiik em meio aos pensamentos de Rhodan.
— Chegaram a alguma conclusão? — perguntou Rhodan.
Pohiik hesitou.
— É muito difícil — disse finalmente. — Teremos de contentar-nos com um trem
de carga, no qual só viajam alguns guardas.
— Será que num trem de carga existem outros problemas? — perguntou Rhodan,
que começava a aprender como interpretar o comportamento de um twonoser.
— Existem — confirmou o criminoso doméstico. — Estes trens levam uma carga
de bioparasitas e frutas. Não será fácil encontrar lugar para todos. Além disso os parasitas
são perigosos.
Rhodan dirigiu-se aos ouvintes. Regulou a tradutora para o volume máximo. Teve a
impressão de que os twonosers o fitavam ansiosamente.
— Vamos atacar um trem de carga — disse em tom resoluto.
3

Havia uma ligação emocional entre os gêmeos Woolver. Em outras palavras, cada
sprinter sentia a grande distância as reações emocionais do irmão.
Rhodan teve a impressão de que por ocasião do ataque ao trem de carga poderiam
tirar proveito dessa faculdade dos dois imartenses.
Brodger Kapitanski não acreditava nisso. Mas nunca se atreveria a criticar os planos
do Administrador-Geral. No início, o sargento tivera a impressão de que os planos de
Rhodan eram sensatos.
Mas isso mudou no momento em que Kapitanski atravessou uma veia
insignificante, para chegar ao tubo pelo qual deveria vir o trem de carga.
Kapitanski estava parado sobre o trilho. A luz da tocha lançava sombras
fantasmagóricas. O trilho metálico parecia mais largo do que tinha na lembrança desde o
tempo em que viajara no trem intercastas. Fazia muita diferença estar sentado no trem ou
ficar à espera do mesmo, parado sobre o trilho.
Kapitanski lembrou-se de que Rakal Woolver usara um dos numerosos condutores
de energia que corriam pelo túnel para chegar à estação mais próxima e entrar às
escondidas no trem de carga. Tronar, irmão de Rakal, esperava com Icho Tolot uns três
quilômetros à frente do lugar em que estava Kapitanski. Era claro que Rakal Woolver não
podia saber em que lugar os criminosos domésticos espreitavam o trem. Era impossível
determinar o lugar de dentro do trem em movimento, enquanto os carros atravessavam a
escuridão da veia.
Por isso os dois sprinters combinaram um sinal muito simples. Rhodan esperava que
funcionasse, enquanto Kapitanski acreditava que seria um fracasso.
Assim que Icho Tolot ouvisse o ruído do trem, bateria fortemente no ombro de
Tronar Woolver. Rhodan escolhera isso de propósito, pois sabia que até mesmo uma
palmadinha amistosa do halutense provocaria dores. Rakal Woolver, que ficaria “na
escuta” com seus parassentidos, não deixaria de registrar o súbito ataque de dor do irmão.
Depois disso sabotaria o sistema de propulsão do trem de carga, para fazei parar o
mesmo.
O comboio deveria parar o mais tardar no lugar em que o sargento Kapitanski
estava à espera.
Quando se lembrava das inúmeras possibilidades de fracasso dos gêmeos Woolver,
Kapitanski começava a transpirar.
Era bastante duvidoso que Rakal Woolver conseguisse chegar ao trem. Além disso
poderia acontecer que o parassinal deixasse de ser transmitido. Nesse caso o trem
passaria que nem uma bala, e o sargento dificilmente teria uma possibilidade de fugir.
Brodger Kapitanski abaixou-se e encostou o ouvido ao trilho. Não ouviu nada.
Os terranos e os criminosos domésticos mantinham-se à espera a pouco mais de um
quilômetro do lugar em que estava Kapitanski, num ponto em que poderiam vê-lo acenar
com a tocha. O sargento representava uma estação sinalizadora entre Tolot e Perry
Rhodan. Apresentara-se voluntariamente para executar essa tarefa.
No momento bem que gostaria que não tivesse feito isso.
Sem querer, lembrou-se de Baynes, ou seja, de Lorde Kendall Baynes, que
sacrificara a própria vida para possibilitar sua fuga. Kapitanski não tinha a intenção de
transformar-se na segunda vítima. Era um homem que sabia pensar friamente. Não havia
nada que lhe fosse mais estranho que o romantismo ou o idealismo exagerado. Se
necessário, lutaria desesperadamente pela vida.
Voltou a abaixar-se e encostar o ouvido no trilho.
Desta vez ouviu alguma coisa.
Era o trem de carga que se aproximava. Devia estar a uns quinze quilômetros, ou
mais, mas aproximava-se inexoravelmente. O sargento teve de fazer um esforço para
ficar parado sobre o trilho. Ainda não tinha muita certeza de que ia dar certo.
O ruído do trem foi-se tornando cada vez mais forte. Kapitanski esperava ver a
qualquer momento os carros enormes saírem da escuridão e precipitarem-se sobre ele.
Levantou-se de um salto e acenou com a tocha. Um ponto luminoso acendeu-se por um
instante bem atrás dele. Rhodan estava acusando o recebimento do sinal.
Nesse momento Icho Tolot daria uma palmadinha “amistosa” no ombro de Tronar
Woolver, na esperança de que a súbita sensação de dor experimentada por Tronar se
transmitisse a Rakal.
Kapitanski lançou um olhar saudoso para o lugar em que sabia estar a pequena veia
salvadora, pela qual tinham penetrado no túnel. Ainda estava em tempo de ir a um lugar
em que estivesse em segurança.
Dali a instantes Kapitanski ouviu o trem, mesmo sem encostar o ouvido ao trilho.
Os rolos de sustentação produziam um chiado estridente e penetrante. Kapitanski mordeu
a ponta da língua. Estava com os nervos muito tensos.
Ficou de pé, com os olhos arregalados e a tocha bem erguida. Se nesse instante os
primeiros carros aparecessem no círculo de luz, não teria tempo de dar um passo para o
lado. A atmosfera deprimente dos planetas estranhos sempre causara uma ansiedade em
Kapitanski. Tornava-se difícil para ele aceitar coisas completamente estranhas. Ali, no
interior do corpo gigantesco de um ser vivo, a repugnância do sargento por tudo que não
fosse terrano tornava-se mais forte.
Kapitanski era bastante inteligente para lutar contra esse complexo, mas nos
momentos em que o perigo era maior este acabava sendo mais forte.
O barulho do trem estava aumentando. O túnel começou a vibrar. O trilho sobre o
qual Kapitanski estava parado parecia movimentar-se. A tocha começou a tremer.
Neste momento o sargento recuperou o sangue-frio. Tentou calcular a distância a
que se encontrava o trem. Kapitanski sabia que atrás dele os terranos saíam marchando
com seus novos aliados, a fim de ocupar o comboio.
O primeiro carro entrou no círculo de luz projetado pela tocha. Kapitanski soltou
um grito e atirou-se para o lado Sentiu instintivamente que, se o trem não parasse, não
teria nenhuma chance. Suas mãos estendidas tocaram a parede do túnel. Encostou-se
fortemente à mesma, embora isso não pudesse salvá-lo, já que os carros tomavam quase
todo o espaço da veia.
Fechou os olhos e ficou à espera do momento ligeiro da dor alucinante, que
precederia a morte. Mas não aconteceu nada. O sargento virou a cabeça. A tocha acesa
estava jogada sobre o trilho.
O primeiro carro do trem estava parado a uns vinte metros do lugar em que se
encontrava Kapitanski.
O sargento respirou aliviado. O plano de Rhodan dera certo. Rakal Woolver captara
o sinal transmitido pelo irmão gêmeo e entrara em ação antes que fosse tarde.
O sargento não se atrevia a aproximar-se do trem sozinho. Sabia que havia pelo
menos dez guardas no interior do mesmo. Além disso o trem devia levar centenas de
bioparasitas Kapitanski perguntou-se qual seria a reação dos guardas. Acreditava que
ficariam entrincheirados nos carros, pois não sabiam o que os esperava fora do trem.
Nestas condições seria difícil apoderar-se do comboio de carga. Mas Kapitanski não
se preocupou com isso. Os criminosos domésticos chegariam dentro de alguns minutos.
Saberiam como quebrar a resistência de alguns trombas azuis. Além disso Icho Tolot e
Tronar Woolver aproximavam-se do Irem, vindos do outro lado. E os guardas teriam de
inventar uma coisa muito boa para deter Icho Tolot.
Kapitanski fazia votos de que os ocupantes do trem não o descobrissem. Sozinho
estaria indefeso diante deles.
Tinham feito parar o trem. Faltava conquistá-lo.
***
Havia dez guardas no trem de carga, conforme haviam previsto os criminosos
domésticos. Tratava-se de trombas azuis que tinham recebido um treinamento militar. Os
mesmos entrincheiraram-se no carro da frente e ofereceram uma resistência obstinada.
Conseguiram matar dois dos atacantes.
Mas Tolot e os gêmeos Woolver conseguiram pôr fim à luta.
Os guardas sobreviventes saíram por um enorme buraco na parede dianteira do
carro, com as trombas levantadas.
— Estão se rendendo! — exclamou Pohiik, satisfeito.
Os desclassificados investiram contra os trombas azuis e começaram a maltratá-los.
Rhodan foi logo para perto de Pohiik, para protestar contra esse comportamento.
— Diga aos seus homens que devem parar — disse em tom penetrante.
Pohiik encarou-o como quem não compreende nada.
— Eles são nossos inimigos — lembrou.
— São nossos prisioneiros — retificou Rhodan. — O que acharia se fosse preso e
alguém o tratasse assim?
Pohiik soltou um grunhido de desprezo.
— A mim ninguém prenderá — afirmou.
Rhodan reconheceu que seria inútil discutir com Pohiik. Ficou satisfeito quando
este deu ordem para que seus adeptos ocupassem o trem. Depois o mesmo fez um gesto
de desprezo em direção aos seis guardas que tinham sobrevivido ao ataque.
— Já pode mandar fuzilá-los — disse, dirigindo-se Rhodan.
Rhodan limitou-se a acenar com a cabeça. Aproximou se dos trombas azuis, com
uma tradutora na mão.
— Dêem o fora! — gritou. — Escondam-se antes que os criminosos domésticos os
peguem de novo.
Cinco dos guardas saíram correndo. O sexto fitou Rhodan.
— Quem é o senhor? — perguntou. Rhodan lançou um olhar rápido para o trem.
— Depressa — insistiu. — Se o senhor ainda estiver aqui quando Pohiik sair do
trem, o senhor estará perdido.
O tromba azul virou-se lentamente e saiu andando. Parecia não poder conformar-se
com a idéia de ter sido derrotado por um ser sem tromba.
O último guarda mal tinha desaparecido na escuridão da veia, quando Pohiik
apareceu de novo. O velho twonoser agitava alegremente as trombas.
— Não será difícil pôr o trem em movimento — disse — São somente quatro
carros. Não será difícil atravessar a área dos trombas azuis com os mesmos, desde que
seus mutantes consigam pôr fora de ação o centro de recepção da casta B.
— Os gêmeos Woolver farão tudo que estiver ao seu alcance para que esta parte do
plano também seja devidamente executada — asseverou Rhodan.
— Para um homem que não possui tromba o senhor parece bastante decidido —
observou Pohiik.
Rhodan não pôde deixar de rir.
— Pohiik, o senhor e Garko o Forte juntos poderão pôr fim à ditadura dos trombas
vermelhas.
O criminoso doméstico ficou aborrecido.
— Garko o Forte? Ele não tem coragem de colocar-se abertamente do nosso lado.
— Tenho minhas dúvidas quanto a isso. Acho que é muito inteligente para lançar-se
numa luta em que não tem nenhuma chance.
— Na luta com os trombas vermelhas nunca teremos uma chance — respondeu
Pohiik em tom pensativo.
Era a primeira vez que Pohiik dissera francamente o que pensava sobre a operação
em que estavam empenhados. O velho twonoser já sofrera muitas derrotas pela vida à
fora. Já não acreditava na vitória.
As reflexões de Rhodan foram interrompidas quando Icho Tolot enfiou a cabeça
maciça por um buraco do primeiro carro.
— Kasom! — gritou o halutense.
Melbar Kasom passou perto de Rhodan.
— O que houve? — perguntou com a voz potente.
— Este trem tem quatro carros — informou Tolot. — Estão todos carregados com
alimentos. Que tal?
— Bioparasitas e milho gigante twonoser — respondeu Kasom. — Um ertrusiano
não seria capaz de entusiasmar-se com isso.
4

Rakal Woolver materializou bem à frente de um distribuidor, no fim da linha do


trem tubular. O trem de carga corria pela veia a mais de dois mil quilômetros do lugar em
que ele se encontrava. Pelos cálculos de Woolver, o trem levaria pelo menos oito horas
para passar por ali. Quando isso acontecesse, o problema do abastecimento de energia
deveria manter os trombas azuis ocupados a tal ponto que não tivessem tempo para cuidar
do trem.
Woolver encontrava-se no interior de um pavilhão enorme, situado na área habitada
pela casta B. A alguns quilômetros dali havia um campo de pouso para pequenas
espaçonaves. Woolver acreditava que se tratava de um estaleiro, pois os hangares dos
trombas azuis ficavam nas área periféricas dos mobys. No momento não havia nenhum
perigo de Woolver ser descoberto por algum twonoser. Lá em cima, junto à entrada do
trem tubular, o único sinal da presença dos trombas azuis eram alguns depósitos de
ferramentas.
Em compensação o centro do pavilhão estava repleto de twonosers. Woolver viu
alguns edifícios alongados, que tinham certa semelhança com os quartéis terranos e
provavelmente desempenhavam a mesma função. O mutante lembrou-se de que quase
todos os trombas azuis pertenciam às forças militares.
Woolver não acreditava que fosse muito difícil descobrir a central energética do
pavimento médio. Bastaria Introduzir-se nos principais fluxos energéticos para chegar lá.
Imperava ser bem-sucedido depois de algumas tentativas. Mais já seria bem mais difícil
praticar alguns atos de sabotagem no interior do centro de recepção, que deixassem os
trombas azuis paralisados por algum tempo.
Tronar, irmão de Rakal, saíra com o mesmo objetivo. Depois de terem conversado
ligeiramente sobre o assunto, os dois imartenses chegaram à conclusão de que seria
preferível saltarem separados para o centro de recepção. Mas uma vez lá operariam em
conjunto. Desta forma teriam certeza de que pelo menos um deles chegaria ao destino.
Woolver não acreditava que o suprimento de energia dos trens intercastas viesse das
estações receptoras instaladas nos diversos pavimentos. Isso representaria um perigo
muito grande ao tráfego ferroviário no caso de um conflito. Provavelmente o
fornecimento de energia dos trens era controlado pulos trombas vermelhas, a partir do
centro de distribuição principal.
Dessa forma Woolver não chegaria ao destino se usasse os condutores que
abasteciam a via férrea. Teria que penetrar mais profundamente no pavilhão, à procura de
outras fontes de energia. O imartense esperava que suas suposições fossem corretas. Era
muito importante que o trem de carga prosseguisse viagem, mesmo que o suprimento de
energia do pavimento médio fosse interrompido.
No interior do pavilhão em cujo interior o sprinter acabara de materializar não havia
campos de milho nem fazendas de criação de bioparasitas. Isso era mais uma prova de
que os alimentos consumidos pelas duas castas superiores eram fornecidos
exclusivamente pelos trombas brancas. As diversas castas dependiam uma da outra,
embora suas relações não fossem nada amistosas. Isso levou Woolver a concluir que as
tensões existentes no interior dessa estranha estrutura social eram bem mais fortes do que
Rhodan acreditava. Até mesmo um pretexto insignificante poderia ser suficiente para
desencadear uma guerra entre os twonosers.
Woolver tentou fazer uma avaliação objetiva da situação reinante no interior do
moby. Não pôde impedir que suas simpatias pendessem para o lado dos trombas brancas,
uma vez que esta casta desenvolvia sozinha uma produtividade fora do comum. Os
trombas brancas eram obrigados a prover o sustento das castas B e C.
Rakal Woolver interrompeu suas reflexões e tentou localizar um eco de impulsos
independentes do sistema de fornecimento de energia do trem. A uns trinta metros do
lugar cm que se encontrava viu uma figura em forma de concha, que sobressaía alguns
centímetros sobre o solo. Os sentidos paranormais do mutante detectaram os fluxos
energéticos que pulsavam no interior do distribuidor que se encontrava à sua frente.
Havia pelo menos vinte ecos de impulsos, mas nenhum deles era bastante forte para
prometer um bom resultado.
O mutante introduziu-se em um dos fluxos e materializou quase no mesmo instante
num lugar diferente. Sentiu-se ofuscado e fechou os olhos. Estava envolvido por uma
claridade estonteante.
Seus olhos levaram alguns segundos para acostumar-se à forte luminosidade.
Woolver constatou que se encontrava num cubo que rodava lentamente. Sentiu
numerosos eco de impulsos, com os quais poderia afastar-se desse lugar mas queria
descobrir onde tinha materializado.
O cubo gigantesco fora feito de um bloco de cristal, de um tipo que era muito
abundante no interior do moby. Woolver não sabia como os twonosers tinham
conseguido escavar o cristal por dentro sem destruí-lo. A luz forte irradiada pelas paredes
do cubo representava outro enigma.
Woolver apalpou cuidadosamente o chão. O mesmo também irradiava uma
luminosidade extraordinária. Mas material era frio como gelo. O cubo tinha pelo menos
três metros de aresta. Fora colocado de tal maneira que só um dos vértices tocava o chão.
Woolver acreditava que a pedra gigante tinha sido montada sobre um disco giratório
Perguntou-se qual seria a finalidade do cubo.
Nenhum ruído chegava ao lugar em que se encontra o imartense, e sua vista não
conseguia atravessar as paredes luminosas.
Quando resolveu sair do lugar medonho, o cubo se abriu.
As paredes foram caindo para o lado todas ao mesmo tempo. O mutante contemplou
o espetáculo, fascinado. À medida que as paredes encolhiam, sua luminosidade diminuía.
Normalmente Woolver teria fugido nesse momento mas um sentimento indefinido o
manteve preso ao lugar.
As paredes continuaram a descer, pondo à mostra um recinto iluminado por tochas.
Havia pelo menos quinhentos trombas azuis, que formavam um círculo em tomo do cubo
mantendo as trombas abaixadas.
Ouviu-se uma música apavorante, vinda dos fundos sala.
Woolver compreendeu de repente que se transformara no centro de um ritual pagão.
Bem que poderia oferecer-lhes um espetáculo, pensou o mutante, zangado.
Ligou a tradutora que lhe fora entregue por Pohiik e saindo do cubo.
— Twonosers! — gritou com a voz potente.
As cabeças ergueram-se abruptamente. A música terminou. Quinhentos olhos
facetados fixaram-se em Rakal Woolver, revelando um temor indisfarçável.
Um tromba azul muito alto, sentado perto do cubo, levantou-se. Colocou as trombas
uma sobre a outra.
Na opinião de Woolver, devia tratar-se do ato preparatório de certo ritual.
— Vim para proibir que lutem contra os trombas brancas — disse o mutante
levantando a voz. Esperava que a tradutora transmitisse suas palavras com a mesma
ênfase com que tinham sido pronunciadas.
O tromba azul que se encontrava à frente de Woolver deteve-se em meio ao
movimento que estava fazendo. Suas trombas voltaram à posição original.
— Você exige muita coisa de nós, oh radiante — disse o twonoser.
Woolver começou a sentir-se inseguro. Qualquer coisa que dissesse poderia ser um
erro que levasse os trombas azuis a reconhecer a verdadeira identidade de Woolver. Mas
este resolveu fazer mais alguma coisa por Garko o Forte e seu povo.
— Se vocês atacarem os trombas brancas, os radiantes lhes recusarão suas graças.
O twonoser ergueu uma das trombas e estendeu-a na direção de Woolver, num
gesto de acusação.
— Ele está mentindo! — gritou.
Seguiu-se um momento de silêncio embaraçoso. O tempo parecia ter parado no
interior do recinto. Mas logo houve um tumulto indescritível. Metade dos twonosers que
até então tinham mantido uma atitude tão compenetrada saiu correndo na direção de
Woolver.
O mutante abandonou a postura cheia de dignidade e saiu correndo em direção ao
cubo. Não teve tempo para escolher um dos numerosos ecos de impulsos.
Desmaterializou no momento em que os primeiros twonosers estendiam a mão em sua
direção.
Esperava que seu súbito desaparecimento tivesse chocado os trombas azuis a ponto
de levá-los a acreditarem em sua ameaça. Mas de outro lado uma divindade que foge não
pode impor muito respeito. Woolver chegou a esta conclusão no momento em que estava
materializando de novo.
Fora parar num depósito repleto de armas de todos os tipos. Woolver trazia consigo
uma pequena pistola energética twonoser. Por isso preferiu não levar nenhuma arma
portátil. Não havia nenhum tromba azul por perto, e por isso Rakal pôde sair
tranqüilamente em busca de um eco de impulsos mais forte. Já estava na hora de ir ao
centro receptor. Tronar já devia estar à sua espera por lá.
Woolver deu o próximo parassalto e mais uma vez viu-se numa. situação
desagradável. Materializou entre várias naves twonosers destroçadas. Maçaricos atômicos
cortavam as placas de metal das naves transformadas em sucata bem em cima de sua
cabeça. Uma chuva de faíscas desceu sobre Woolver. O mutante deu um salto e colocou-
se em segurança embaixo de algumas chapas de metal. O rugido e chiado dos bocais dos
maçaricos abafavam os outros ruídos. Woolver ficou rastejando por algum tempo entre os
destroços das espaçonaves, mas não encontrou nenhum eco de impulsos em condições de
ser aproveitado. Perguntou-se como fora parar ali. As emanações dos maçaricos eram tão
fortes que sobrepujavam os impulsos produzidos pelos outros condutores. Não valeria a
pena introduzir-se na cabeça de combustão de um maçarico, que o transportaria a uma
distância de dez metros no máximo, para depois transformá-lo em cinza.
No interior das naves destroçadas não havia mais nenhuma energia. Todos os
condutores estavam mortos. O imartense não tinha alternativa senão afastar-se o mais
possível dos maçaricos.
De repente sentiu-se levantado. Agarrou-se desesperadamente a uma travessa
metálica, mas logo percebeu que a chapa sobre a qual estava deitado acompanhava o
movimento ascendente. Girou cuidadosamente o corpo. A um metro do lugar em que se
encontrava viu o suporte magnético de um guindaste. A carga balançava nervosamente de
um lado para outro. Woolver tinha medo de ser arremessado contra uma outra peça dos
destroços. Fez um rastreamento apressado. O suporte magnético do guindaste irradiava
um eco de impulsos quase imperceptível. Mas para Woolver foi suficiente.
Woolver recuperou sua substância orgânica bem acima do pátio de sucata, no
interior da cabine de controle do gigantesco guindaste. O twonoser que estava operando o
mesmo ficou tão perplexo que soltou as chaves de comando e contemplou Woolver como
quem vê um fantasma.
O mutante ouviu o guindaste soltar a carga, que caiu ruidosamente sobre os restos
da nave.
O twonoser não possuía arma, mas apesar disso era um inimigo muito perigoso.
Passou ao ataque mais depressa de que Woolver esperara. Como não tinha vontade de
materializar sobre um suporte de cinqüenta centímetros de comprimento, suspenso no ar,
o mutante procurou desesperadamente outro caminho de fuga.
A tromba do twonoser tocou seu corpo no momento em que este se desmanchava. O
tromba azul agarrou o vácuo. Woolver voltou a materializar do lado oposto da cabine de
controle. O tromba azul voltou obstinadamente a avançar em sua direção. Woolver não
queria usar a arma. Seria incapaz de atirar num ser desarmado, mesmo que este
representasse uma ameaça à sua vida.
De repente o twonoser agarrou uma alavanca de comando e modificou a posição da
mesma. O guindaste deu um salto. Woolver perdeu o equilíbrio e cambaleou de encontro
à parede da cabine. O twonoser saiu correndo em sua direção. Woolver fez o
rastreamento e desapareceu. O twonoser soltou um grito de raiva e decepção ao bater na
parede, no lugar exato em que pouco antes estivera o inimigo. Desta vez o imartense teve
mais sorte. Materializou na periferia da praça de sucata. As espaçonaves inutilizadas
estavam amontoadas à sua frente. Woolver viu o guindaste do outro lado. Viu o twonoser
que acabara de surpreender com sua presença descer num elevador. Sem dúvida queria
avisar seu superior.
Woolver mostrou um sorriso irônico. Ninguém acreditaria na história que a pobre
criatura iria contar.
O sprinter contornou com o maior cuidado um depósito e finalmente descobriu um
eco de impulsos mais forte. Fazia pelo menos três horas que tinha saído. Se Tronar
estivesse enfrentando as mesmas dificuldades que ele, a situação do trem de carga
comandado por Rhodan e Pohiik poderia tornar-se crítica. Os trombas azuis certamente
ficariam desconfiados ao verem um trem atravessar sua área fora do horário.
Quando chegou ao fim do próximo salto, Rakal Woolver compreendeu
imediatamente que desta vez chegara ao destino. A sala em cujo interior materializou
estava repleta de bancos de energia. Havia numerosas espulas amarelas penduradas no
teto. As mesmas estavam ligadas por fios de cinco centímetros.
Mas não foi isso que deu a Rakal Woolver a certeza de estar no interior do centro de
recepção dos trombas azuis. A prova disso era antes seu irmão Tronar, que estava
ajoelhado à frente de um console, desparafusando a chapa de revestimento do mesmo.
— Você não é nada cuidadoso — disse Rakal, cumprimentando o irmão. — O que
faria se em vez de mim aparecesse um twonoser?
Sem dizer uma palavra, Tronar apontou para a entrada. Tomara uma medida
simples, mas eficiente, para evitar que alguém o surpreendesse. A maçaneta da porta
estava amarrada com arame do lado de dentro. Qualquer ser que quisesse entrar
provocaria um barulho tremendo.
— Já faz muito tempo que chegou? — perguntou Rakal Woolver.
— Alguns minutos — respondeu Tronar. — Uma vez tive o azar de materializar no
meio de um exército de trombas azuis, que carregavam um transmissor com o qual
podiam retirar energia de qualquer fonte. O azar foi meu, pois estava justamente no
condutor que eles escolheram.
Rakal mostrou um sorriso de deboche.
— Devem ter desmaiado de susto quando você apareceu de repente perto do
aparelho — conjeturou.
Tronar Woolver apontou para um lugar em que seu uniforme estava chamuscado.
— A reação deles foi bem rápida — disse. — Não se esqueça de que fiquei pelo
menos tão assustado quanto eles.
Rakal Woolver inclinou-se para o irmão.
— Já revistei toda a sala — disse Tronar. — Constatei que os distribuidores mais
importantes ficam aqui — satisfeito, bateu no revestimento do console. — Ainda bem
que os twonosers resolveram montar todos os relês principais neste lugar.
— Você acha? — perguntou Rakal. — Acho que é uma grande desvantagem. Os
trombas azuis terão muito menos dificuldade em reparar as avarias, se as mesmas se
concentram num só lugar.
— Será impossível substituir todos os comandos num tempo muito curto — objetou
Tronar.
— Será mesmo? Não podemos excluir a possibilidade de que tenham um sistema
completo de controle de reserva. Afinal, este aparelho é a peça mais importante do centro
de recepção.
Tronar acenou com a cabeça. Parecia pensativo.
— Acho que você tem razão. Temos de inventar outra coisa.
Rakal Woolver apontou para os bancos de energia.
— Sabemos que cada um destes aparelhos fornece a energia consumida em certa
área do pavimento médio — disse. — Se conseguirmos destruir todos os cabos mestres,
conseguiremos mais do que se nos concentrarmos em alguns comandos.
— Tenho uma sugestão melhor — disse Tronar. — Destruímos ambas as coisas, os
cabos e os relês.
Tiveram tempo para trabalhar quase uma hora, antes que aparecessem os primeiros
trombas azuis.
***
Quando Rhodan percebeu que Pohiik começava a sofrer das faculdades mentais, o
trem já estava viajando há algumas horas. Esta situação perigosa devia ter começado por
ocasião da conquista do trem. Para um terrano era impossível conhecer as causas de uma
doença mental num twonoser.
Rhodan começou a desconfiar quando Pohiik apareceu na sala de máquinas e, sem
dizer uma palavra, deitou no chão, à frente dos controles. Além de Perry Rhodan,
estavam na sala de máquinas Melbar Kasom e Atlan.
— O que houve, Pohiik? — perguntou Rhodan. Esforçou-se para dar um tom gentil
às suas palavras, pois sabia que o criminoso doméstico podia tornar-se bastante irascível.
— Não existe nenhuma máquina twonoser que eu não possa controlar — respondeu
Pohiik.
— Ótimo — respondeu Rhodan com a voz tranqüila. Olhou para Atlan, que sacudiu
a cabeça sem dizer uma palavra.
Pohiik deitou de barriga e agarrou a alavanca do freio com a tromba.
— Posso fazer parar este trem — disse em tom sério.
— O senhor não seria capaz de fazer uma coisa dessas — disse Rhodan. — Basta
que saiba que é capaz disso.
Pohiik soltou um grunhido de desprezo e largou a alavanca. Começou a apalpar os
outros controles.
— Quando o centro de distribuição dos trombas vermelhas estiver sob nosso
controle, eu cuidarei das máquinas — anunciou Pohiik. — O objetivo de minha vida é
controlar o abastecimento de energia no interior do moby — deu uma risada estridente.
— Imagine para onde pode ser conduzida a energia. Até mesmo para o espaço, onde ela
se perderia.
— Ninguém teria nada a ganhar com isso — observou Atlan.
Pohiik levantou-se de um salto.
— Por que não? — perguntou em tom sério. — Isso me daria uma sensação de
poder formidável. Os twonosers morreriam de frio ou sufocados, enquanto eu veria a
energia ser descarregada no espaço. Poderia arremessar para o cosmos raios de várias
cores ou produzir espirais de fogo. Ninguém poderia impedir-me.
— Para isso teríamos de entrar no centro de distribuição — lembrou Rhodan.
De repente Pohiik voltou ao normal.
— O senhor acredita que seus mutantes consigam desviar a atenção dos trombas
azuis de nosso trem? — perguntou.
— Espero que sim — respondeu Rhodan. — O mais importante é que isso aconteça
no momento exato. Pohiik, o senhor sabe quando o trem chegará ao pavimento médio.
Se até lá o abastecimento de energia não tiver entrado em colapso, teremos de voltar
imediatamente.
— Isso não será possível — disse o tromba branca.
— Por quê?
— Há um trem intercastas atrás de nós — disse Pohiik.
— Se voltarmos, fatalmente vamos colidir com o mesmo.
— Quer dizer que seremos presos pelos trombas azuis, a não ser que os Woolver
consigam pôr fora de ação o centro de recepção — constatou Atlan em tom indiferente.
— Isso mesmo — reconheceu Pohiik, balançando as trombas. — Tenho uma idéia
— disse e retirou-se.
— Ele está batendo os pinos, senhor — disse Kasom em tom convicto, assim que a
porta se fechou atrás de Pohiik.
— Infelizmente parece que o senhor tem razão — disse Perry Rhodan. — Isto pode
causar-nos dificuldades. Não é só pelo que Pohiik poderá fazer. Não devemos esquecer
que sem ele não poderemos contar com a colaboração dos criminosos domésticos. Se
alguma coisa acontecer ao seu chefe, eles nos abandonarão imediatamente.
— O que devemos fazer? — perguntou Kasom.
Rhodan bem que gostaria de dar uma resposta satisfatória a esta pergunta. Só lhes
restava esperar que a mente de Pohiik ficasse mais ou menos em ordem até que tivessem
atravessado o pavimento da casta B.
— Talvez seria conveniente vigiá-lo discretamente — sugeriu Atlan.
— Se ele perceber, ficará furioso — disse Rhodan. — Suas reações são
imprevisíveis. Se o contrariarmos, poderá acontecer que ele nos abandone pura e
simplesmente.
Atlan deu uma risada sarcástica.
— Nosso melhor aliado é um louco. Que tal, Perry?
— Não estou gostando nem um pouco, mas temos de conformar-nos com a
realidade. O mais importante é permanecermos na sala de máquinas para cuidar dos
controles. Não podemos assumir o risco de Pohiik entrar aqui e mudar a direção do trem.
Se é verdade que há um trem intercastas atrás de nós, não podemos fazer nenhuma
parada.
Kasom tirou metade de um grão de milho twonoser do bolso. Mordeu um pedaço,
produzindo um forte estalo.
— Acho que podemos agüentar algum tempo por aqui — disse, satisfeito.
***
Os terranos se tinham acomodado nos dois compartimentos vazios do carro da
frente, enquanto os criminosos domésticos ocupavam o corredor do segundo carro. Os
fugitivos mantiveram-se afastados dos últimos dois carros, nos quais estavam guardados
os bioparasitas.
O sargento Brodger Kapitanski saiu do compartimento maior e foi para o corredor.
Se esperava que o ar por ali fosse mais puro, teve uma decepção. No corredor havia o
mesmo cheiro de mofo que fizera Kapitanski sair do compartimento.
Kapitanski bocejou. Dormira um pouco, mas não se sentia descansado. Os poucos
pedaços de milho que comera pesavam-lhe no estômago.
Mas apesar de tudo sentiu-se satisfeito por ficar sozinho no corredor por algum
tempo. Alguns dos homens que se encontravam no corredor roncavam, enquanto os
outros discutiam seus planos de fuga.
Kapitanski não ficou espantado quando viu Pohiik, chefe dos criminosos
domésticos, sair da sala de máquinas e aproximar-se lentamente. O velho twonoser
andava constantemente de um lado para outro.
Pohiik parou à frente de Kapitanski.
— O senhor tem de vir comigo — disse depois de algum tempo.
Kapitanski não possuía tradutora, mas o aparelho que o tromba branca trazia
consigo transmitia perfeitamente as palavras do dono.
— Para onde? — perguntou Kapitanski, que estava confortavelmente encostado à
porta do compartimento e sentia-se contrariado por ter de abandonar esta posição depois
de tão pouco tempo.
A tromba do twonoser apontou para o corredor.
— Para os últimos carros. Temos de fazer uma inspeção.
— Quem disse isso? — perguntou Kapitanski, indignado.
— Seu chefe — respondeu Pohiik. — O homem que usa o nome Perry Rhodan.
Kapitanski teve suas dúvidas. Que motivo poderia ter Perry Rhodan para querer que
justamente ele acompanhasse o twonoser para os carros de trás? Seria conveniente ir até a
sala de máquinas para ter certeza?
— Tolice — disse Kapitanski. Depois dirigiu-se a Pohiik. — Vamos.
Pohiik foi na frente. Quando não ouviu mais as vozes dos homens, o sargento
sentiu-se abandonado. Isso não mudou nem mesmo quando entraram no segundo carro e
passaram pelos criminosos domésticos. Alguns twonosers dirigiram a palavra a Pohiik,
mas este não parou e só deu respostas lacônicas.
Logo chegaram ao penúltimo carro. Não se ouvia nada, além do ruído do trem em
movimento. Kapitanski viu que os compartimentos nos quais estavam guardados os
parasitas estavam bem trancados. Pohiik foi até o fim do carro.
— Tudo em ordem por aqui — constatou. — Vamos ver o último carro.
Kapitanski lançou olhares desconfiados para as portas dos compartimentos. Sabia
que os bioparasitas ainda eram muito pequenos para que pudessem ter desenvolvido certo
grau de inteligência. Mas nem por isso se podia dizer que não fossem perigosos.
Pohiik parou no centro do carro.
— Vou mostrar-lhe uma coisa — disse, dirigindo-se a Kapitanski.
— Acho que seria melhor que voltássemos — disse o sargento.
— O senhor está com medo — constatou Pohiik, decepcionado.
— Naturalmente — resmungou Kapitanski. — Um velho sargento como eu já
passou por tanta coisa que é capaz de farejar o perigo a um quilômetro de distância.
— O que vem a ser farejar? — perguntou Pohiik, aborrecido.
— É uma expressão mais refinada que significa cheirar — disse Kapitanski, e
esperou que Pohiik voltasse.
Mas em vez disso o twonoser tirou do bolso um bastão de formato estranho.
Estendeu-o na direção de Kapitanski.
— Sabe o que é isto?
— Não — resmungou o astronauta. — Não faço a menor idéia. O senhor pode
explicar no carro da frente.
Parecia que Pohiik nem o tinha ouvido.
— Preste atenção! — pediu. Tirou do bolso uma sacola e despejou um pouco de pó
amarelo numa pequena abertura que havia no bastão.
— Isto é proibido — disse Pohiik em tom de mistério. — Mas o que não é proibido
para um criminoso doméstico?
Kapitanski recuou ao ver o twonoser aproximar-se de um dos compartimentos e
enfiar a extremidade pontuda do bastão na boca. Pohiik inclinou-se para a fenda da
fechadura. O sargento viu uma nuvem de pó amarelo surgir junto à porta. O twonoser
soprara o pó para dentro do compartimento no qual se encontravam os bioparasitas.
— Este pó produz um efeito surpreendente — disse Pohiik para explicar seu
procedimento misterioso. — O senhor logo verá o que acontece quando o pó cai sobre os
parasitas.
— Não estou gostando — exclamou Kapitanski, contrariado. — Não acredito que
Perry Rhodan concorde em que o senhor brinque com os parasitas.
Pohiik afastou-se da porta. Soprou várias vezes com força para dentro do bastão, até
que ficou envolto nas nuvens de pó. Dali a pouco Kapitanski viu uma placa fina sair por
baixo da porta.
— Cuidado! — gritou. — Um dos bichos está saindo. Nunca vira um parasita afinar
tanto.
Pohiik pisou na massa viscosa, que imediatamente envolveu suas pernas e subiu por
seu corpo. Kapitanski ficou como que paralisado.
— Nada me acontecerá — disse Pohiik. — Este pó me protege.
O parasita transformou-se numa camada finíssima que envolveu o twonoser. Logo
chegou até a altura dos quadris. Kapitanski viu outros parasitas saírem por baixo da porta.
— Este pó é feito com a substância desidratada de um parasita, que vivia no interior
do moby tal qual os bioparasitas — explicou Pohiik com a maior calma. — Havia uma
espécie de simbiose entre os bioparasitas e os chamados tongkts. Os tongkts permitiam
que os bioparasitas se fixassem sobre eles.
— Leve isso daqui — exigiu Kapitanski.
— Os bioparasitas só conseguem tornar-se viscosos quando entram em contato com
um tongkt — prosseguiu Pohiik, enquanto outros bioparasitas passavam por baixo da
porta, atraídos pelo pó amarelo.
Kapitanski virou-se abruptamente e quis sair correndo. Era necessário avisar
Rhodan. Mas o sargento constatou que o caminho estava barrado. Atrás dele o chão do
corredor já estava coberto pelos bioparasitas.
— Olhe o que o senhor fez — gritou para Pohiik.
Pohiik pôs as duas mãozinhas cautelosamente na camada elástica que cobria quase
completamente seu corpo. Bolhas transparentes surgiam nos lugares em que tocava na
mesma.
Kapitanski não prestou mais atenção às suas palavras. Viu a massa plasmática
estender-se em sua direção. Recuou apressadamente para a parte traseira do carro. Não
havia nenhum compartimento para o qual pudesse fugir, pois todos eles estavam
ocupados pelos bioparasitas. Pohiik lidava com a massa que o envolvia como se fosse um
encantador de serpente. Estranhamente a cabeça e as trombas ficaram livres.
— Pegue o pulverizador — gritou Pohiik para o sargento. — Ainda resta bastante
substância tongkt para protegê-lo.
— Prefiro proteger-me à minha maneira — disse Kapitanski em tom zangado e
pegou a arma térmica twonoser.
Saiu andando resolutamente em direção aos bioparasitas. Pohiik quis barrar-lhe o
caminho. A cada passo que dava o twonoser, bolhas do tamanho de uma cabeça humana
surgiam sob seus pés. Arrebentavam com um forte estalo quando voltava a colocar os pés
no chão. O parasita envolvia o corpo do tromba branca como se fosse uma manta.
Kapitanski começou a atirar.
— Não faça isso! — berrou Pohiik, apavorado.
Quando foi atingida pelo raio térmico, a massa mudou de cor. Empinou e passou a
encolher. Pohiik ficou furioso. O parasita que o envolvia inchou. A figura do twonoser
parecia distorcida como acontece numa transmissão não muito boa pela televisão.
Kapitanski continuou a atirar, sacudido pelo pavor. O chão começou a queimar.
Nuvens de fumaça malcheirosa subiam ao teto. O sargento viu que Pohiik voltara a
colocar o pulverizador na boca e soprava desesperadamente a poeira em todas as
direções. Os parasitas que cobriam o chão tinham recuado. Kapitanski tomou impulso e
saltou por cima da última mancha que tinha sobrevivido aos tiros. Pohiik se transformara
numa bolha gigantesca, numa coisa inchada sem contornos definidos. Até parecia que o
twonoser estava preso num ovo gigante transparente, do qual só sobressaíam a cabeça e
as trombas.
— Fique aqui. Vou buscar socorro! — gritou Kapitanski.
— Posso jogar raios em cima do senhor! — gritou Pohiik com a voz estridente. —
Raios de todas as cores. Espirais energéticas que o envolverão. Quando estiver no centro
de distribuição, poderei segurá-lo caso queira fugir.
Ele ficou maluco, pensou Kapitanski, fortemente abalado.
Saiu correndo. Não parou perto dos criminosos domésticos, mas foi diretamente à
sala de máquinas. Quando abriu a porta, estava banhado em suor.
— Senhor! — exclamou com a voz rouca. — Venha comigo. Depressa! Pohiik está
no carro dos bioparasitas.
Viu Rhodan e Melbar Kasom.
— Que houve? — perguntou Rhodan.
— Eles o agarraram — informou Kapitanski. — Ficou louco.
— Aconteceu, senhor! — resmungou Kasom.
Saiu para o corredor, afastando o corpo trêmulo de Kapitanski com uma das mãos.
— Pohiik atraiu alguns bioparasitas para o corredor — disse Kapitanski. —
Envolveram completamente o twonoser.
— Ele está sendo devorado — disse Kasom em tom seco.
— Não; imunizou-se com o pó.
Kasom e Rhodan entreolharam-se, o que não escapou a Kapitanski. Os dois não
acreditavam no que dizia. Rhodan verificou a arma e dirigiu-se a Atlan, que continuava
no interior da sala de máquinas.
— Acho que você deve trancar a porta — disse Rhodan, dirigindo-se ao arcônida.
Atlan não disse uma palavra. Limitou-se a acenar com a cabeça.
— Venha conosco, sargento — disse Kasom, arrastando Kapitanski. — Vamos dar
uma olhada.
5

Assinalaram os pontos que lhes pareceram importantes. Eram setenta e três ao todo.
Quer dizer que teriam que disparar setenta e três tiros energéticos com boa pontaria antes
de sair do centro de recepção.
— É de esperar que, quando tivermos iniciado nosso trabalho, os trombas azuis
apareçam dentro de pouco tempo — disse Tronar Woolver em tom calmo. — Devemos
estar preparados para fugir a qualquer momento. Por aqui existem muitos ecos que
podemos usar para dar o fora.
Rakal Woolver pegou a arma energética twonoser. Não disse uma palavra. Tronar
também ergueu sua arma.
— Pronto? — perguntou Tronar.
— Pronto — confirmou Rakal.
Dali a alguns instantes o centro energético dos trombas azuis transformou-se num
inferno. As primeiras espulas derreteram, espalhando cascatas de fogo. Os projetores de
irradiação dos bancos de energia tornaram-se incandescentes sob a ação das armas
térmicas. Relâmpagos amarelos ofuscantes saíram dos bancos. Um barulho ensurdecedor
encheu o recinto. Houve tremendas descargas energéticas, que produziram o rugido de
uma trovoada.
— Não vamos agüentar! — gritou Rakal Woolver. — Morreremos queimados antes
que consigamos destruir as peças mais importantes.
Tronar apontou para as chamas que subiam ao teto.
— O que não conseguirmos destruir será consumido pelo fogo.
Naquele momento os primeiros trombas azuis apareceram na entrada. Sua reação
tinha sido surpreendentemente rápida. Usavam trajes protetores e penetraram no recinto
sem cuidar da própria segurança.
Suas figuras eram pouco nítidas em meio à fumaça e ao fogo. Rakal Woolver viu
que carregavam equipamentos de extinção de incêndio.
— Ainda não nos viram — gritou para o irmão. Tronar fez um gesto obstinado. Os
raios energéticos disparados pelos dois mutantes quase não podiam ser reconhecidos em
meio ao caos das energias liberadas. O cheiro acre da fumaça quase tornava impossível a
respiração. Os trombas azuis penetravam cada vez mais profundamente no recinto. Os
aparelhos de extinção de incêndio eram pequenos, mas muito eficientes.
— O quadro de comando! — gritou Tronar Woolver.
Atiraram nos relês que estavam à mostra. Um banco de energia explodiu do lado
oposto da sala. Era o sinal para os dois imartenses saírem dali.
Tronar fez um sinal com a arma e desmaterializou.
Rakal Woolver contemplou o espetáculo da destruição. Mais uma vez a linguagem
da violência estava sendo usada pelos representantes de formas de vida inteligentes.
Parecia não haver outra linguagem nas profundezas do Universo. Rakal cerrou os dentes.
Quem sabe se a paz só podia ser alcançada depois que os seres deixassem de correr atrás
dos segredos do cosmos?
Enquanto estava entretido nestes pensamentos, Woolver retirou-se da central
energética.
***
Pohiik era uma massa disforme, uma figura vitrificada, que se deslocava com
movimentos abruptos.
Rhodan abriu bruscamente a porta que dava para o último carro. Levantou a arma e
dirigiu-a para o twonoser.
— Fique parado, Pohiik.
Pohiik hesitou. Balançava que nem um bêbado de um lado para outro do corredor.
Parecia ter havido uma modificação com o parasita que o envolvia. Kapitanski teve a
impressão de que estava irradiando uma débil luminosidade.
— Não atire — disse Pohiik.
Kapitanski teve a impressão de que o tromba branca tinha de fazer um esforço
tremendo toda vez que queria falar.
— Leve isso de volta ao compartimento — ordenou Rhodan. — Não posso permitir
que entre nos carros da frente no estado em que se encontra.
— O senhor não está falando com Pohiik — disse Pohiik com a voz pesada. — Está
falando comigo.
— Ele enlouqueceu de vez, senhor — rugiu Kasom. — Acho que devemos prendê-
lo aqui.
— Espere aí! — disse Pohiik. — Vou provar que não está falando com Pohiik. Olhe
para o ombro direito do twonoser.
Kapitanski estremeceu ao ver uma bolha formar-se no ombro direito do tromba
branca. A mesma inchou até alcançar o tamanho de uma cabeça humana e arrebentou.
— Isso basta? — perguntou Pohiik.
— Um bioparasita do seu tamanho não possui inteligência — disse Rhodan.
Kapitanski teve a impressão de que alguém o mergulhara em água gelada.
Compreendia o que Rhodan queria dizer. Além de envolver o corpo de Pohiik, o parasita
dominava sua mente.
— Uso a inteligência de Pohiik — disse o parasita. — Ele pulverizou substância
tongkt em seu corpo, embora soubesse o que iria acontecer. Pohiik fugiu da realidade.
Queria que eu o assumisse.
— O que vem a ser a substância tongkt? — perguntou Rhodan.
Manteve a arma apontada para Pohiik, ou para aquilo que já fora Pohiik.
— Os tongkts eram uma forma de vida semi-orgânica, que também vivia no interior
do moby — disse o parasita.
— Muitas vezes viviam em simbiose conosco. Permitiam que mudássemos de
forma de uma maneira semelhante à que está se verificando junto ao corpo de Pohiik.
— Suponhamos que aquilo que o senhor diz é verdade — disse Rhodan. — O que
pretende fazer?
— Fomos criados para sermos devorados pelos twonosers — lembrou o ser que
dominava Pohiik, usando a voz do mesmo. — Enquanto nos encontrávamos num estado
que só permitia ações instintivas, nosso destino nos era indiferente, pois éramos
incapazes de processar inconscientemente os acontecimentos que se verificavam em
torno de nós. Mas com o auxílio do twonoser já posso pensar. Sei que os outros parasitas
acabariam por atingir certo grau de inteligência, desde que lhes fosse permitido evoluir
além do ponto que têm alcançado até agora.
Kapitanski teve a impressão de ter um pesadelo enquanto estava acordado. Sua
repugnância por tudo que era estranho foi despertada. Se Kasom não se encontrasse atrás
dele, obstruindo a passagem para os carros da frente, o sargento teria fugido.
— Liberte Pohiik, senão atiro — gritou Rhodan para dentro do corredor.
— Não atire! — disse o parasita. — Os pensamentos armazenados na mente de
Pohiik permitem que eu saiba que o senhor está em dificuldades. Seu lugar não é este
moby, da mesma forma que o dos twonosers não é. É bem verdade que o senhor tem a
intenção de abandonar o mesmo, enquanto os seres trombudos nem pensam em
abandonar seu espaço vital.
— Onde quer chegar? — perguntou Rhodan.
— Nós o ajudaremos a chegar a sua espaçonave. Em compensação o senhor nos
ajudará a crescermos calmamente, até que alcancemos um grau de inteligência que nos
permita oferecer resistência aos twonosers.
— Não estou em condições de travar uma guerra de libertação em benefício de
todos os bioparasitas que se encontram neste moby — respondeu Rhodan.
— Não é por todos — retificou o parasita. — Somente por aqueles que se
encontram neste trem.
— Suponhamos que eu aceite sua proposta — disse Rhodan. — O que poderia fazer
por nós?
— O senhor precisa acreditar que poderemos ajudar. Não posso dizer como, porque
neste caso o senhor tentaria obter este auxílio sem dar nada em troca.
Rhodan baixou a arma.
— Vou pensar — prometeu e fechou a porta.
— E agora, senhor? — perguntou Kasom. — Perdemos Pohiik. Assim que
souberem o que aconteceu com seu chefe, os criminosos domésticos abandonarão o trem.
Aí teremos de encontrar um meio de chegarmos sozinhos ao pavimento superior.
— E possível que os parasitas valham mais como aliados que os criminosos
domésticos — disse Rhodan em tom pensativo.
Voltaram à sala de máquinas para discutir o assunto com Atlan. Os criminosos
domésticos já estavam ficando inquietos. Parecia que estavam desconfiados de que havia
algo de errado. Era apenas uma questão de tempo que mandassem uma delegação aos
carros de trás para saber o que tinha acontecido com Pohiik. Em seguida enviariam outra
delegação à sala de máquinas, para obrigar os terranos a fazer parar o trem numa veia
secundária.
A situação dos fugitivos estava cada vez mais confusa. E nem sequer haviam
chegado ao pavimento médio.
Enquanto isso cerca de dois mil terranos que se encontravam na área dos trombas
brancas esperavam o momento de serem libertados.
***
Ás raras colunas luminosas que faziam parte do sistema de iluminação de
emergência não chegavam a clarear parte do gigantesco pavilhão. Todos os sóis artificiais
do pavimento médio se tinham apagado. Num tempo bastante curto o frio começou a
castigar os habitantes.
Os exércitos dos trombas azuis estavam em marcha. Dirigiam-se ao pavimento
superior. Alguns deles haviam feito uma ação de reconhecimento e contaram aos chefes
da casta B que na área dos trombas vermelhas não houvera nenhuma falta de energia. Os
trombas azuis pautaram sua ação por este fato. Em sua opinião os responsáveis pelos atos
de sabotagem praticados no centro de recepção de energia só podiam ser os trombas
vermelhas.
Rakal Woolver estava parado na escuridão e prestava atenção ao ruído dos pesados
veículos que estavam conduzindo as armas dos trombas azuis às estações das linhas
férreas que levavam às veias superiores. Era o terceiro pavilhão ao qual Rakal Woolver
se dirigira depois dos atos de sabotagem bem-sucedidos realizados no centro de recepção
dos trombas azuis. Enquanto Tronar Woolver tentava atingir o trem de carga antes que o
mesmo chegasse ao pavimento médio, Rakal procuraria descobrir o que estava
acontecendo depois que se verificara a falta de energia.
A reação dos trombas azuis foi de uma rapidez surpreendente. Enquanto seus
especialistas se esforçavam para consertar os estragos, as tropas preparavam o ataque aos
trombas vermelhas. Face à mentalidade da casta B, não foi tomada nenhuma medida
diplomática. O pensamento dessa classe guiava-se exclusivamente pelas considerações de
ordem militar.
Pelos cálculos de Woolver, a temperatura já devia ter baixado uns dez graus. E
cairia ainda mais, porque o equipamento de emergência não era suficiente para abastecer
as potentes luminárias presas ao teto. A oscilação da temperatura certamente se
transmitira aos outros pavimentos. Bastaria que a temperatura descesse alguns graus na
área da casta B, e não haveria nenhuma dúvida sobre a reação dos trombas brancas. Para
um povo habituado há várias gerações a viver numa temperatura constante, a súbita
mudança só poderia significar um ataque que ameaçava sua existência.
Provavelmente Garko o Forte finalmente seria capaz de tomar uma decisão.
Avançaria contra as duas castas superiores, que há muitos anos tiranizavam os trombas
brancas.
Rakal Woolver encontrava-se nas proximidades de alguns quartéis abandonados. O
ruído dos motores era cada vez menos intenso. Os veículos dos trombas azuis já tinham
desaparecido nas diversas veias. Rakal tinha certeza de que a casta B não se limitaria a
um ataque vindo de dentro. Usaria suas espaçonaves de alta velocidade para bombardear
o pavimento superior a partir do espaço. Mas sem dúvida os trombas vermelhas há muito
previam a possibilidade de um ataque. As chances de que a casta B subjugasse o
pavimento superior numa guerra-relâmpago eram bastante reduzidas. Haveria um conflito
demorado, ainda mais se os trombas brancas também resolvessem fazer valer suas
ambições de poder.
Woolver atravessou uma rua que passava entre dois blocos de edifícios residenciais.
Havia uma coluna luminosa solitária a uns cem metros do lugar em que se encontrava. A
claridade da mesma permitia que Woolver visse onde estava. Todas as máquinas do
pavimento médio tinham falhado. Só havia energia para as instalações mais importantes
dos trombas azuis.
O ataque repentino da casta B faria com que os trombas vermelhas não
prosseguissem nos trabalhos de desmontagem da Crest II. Todos os homens de que
dispunham seriam usados na defesa de seu espaço vital.
Iriam pagar pelo erro de terem confiado exclusivamente tarefas militares aos
membros da casta B. Os trombas azuis eram incapazes de avaliar quaisquer problemas
por outros pontos de vista que não fossem os estratégicos. Não conheciam os lances
psicológicos. Isso poderia ser o fim dos trombas azuis, desde que a casta C fosse bastante
inteligente.
Woolver não tinha a menor dúvida de que o resultado da guerra que estava
começando dependeria em grande parte daquilo que os trombas brancas iriam fazer.
Woolver procurou um eco de impulsos. Depois da falha do sistema de
abastecimento de energia os condutores que podiam ser usados pelos mutantes eram
pouco numerosos.
Não seria fácil chegar ao trem. Rakal resolveu esperar junto à boca do túnel, até que
aparecesse o trem. Havia todas as condições para que o mesmo atravessasse o pavimento
médio em segurança.
***
Tronar Woolver materializou na sala de máquinas do trem cargueiro. Rhodan, Atlan
e Kasom ainda não haviam chegado a nenhuma conclusão sobre o que fazer diante da
modificação sofrida por Pohiik.
— O pavimento médio está sem energia — informou o mutante, indo diretamente
ao assunto. — Só está funcionando o sistema de emergência. Rakal pretende inspecionar
alguns pavilhões, para ter uma idéia sobre a reação dos trombas azuis.
Rhodan soltou um suspiro silencioso de alívio. Finalmente estava recebendo uma
notícia animadora. Já havia uma esperança de atravessar a área dos trombas azuis sem
que ninguém tentasse impedi-los.
— Estas notícias deixarão Garko inquieto — disse Atlan. — A falta dos sóis azuis
deve provocar um resfriamento até mesmo no pavimento inferior, pois parte do calor
dessa área será irradiada para o pavimento médio.
— Garko o Forte desconfiará de quem é responsável pelo ataque ao centro
energético — disse Rhodan. — Sabe que os trombas vermelhas são inteligentes demais
para pôr em perigo os seres que lhes fornecem alimentos.
— Isso poderá levar os trombas brancas a informarem os trombas vermelhas sobre o
que realmente aconteceu — disse Kasom.
Rhodan dirigiu-se a Tronar Woolver.
— Major, o senhor terá de saltar imediatamente para pavimento inferior e entrar em
contato com John Marshall no campo de prisioneiros. Marshall deverá explicar a Garko o
Forte que os trombas brancas têm uma boa chance de acabar com a ditadura da casta C.
— Vou tentar, senhor — disse Tronar. — Mas não devemos esquecer que o número
dos condutores de energia no momento é muito baixo.
— Não no interior dos túneis por onde passam os trens — disse Rhodan. — Os
comboios não dependem das centrais energéticas dos diversos pavimentos. O senhor terá
de seguir o trilho.
Rhodan deu outras instruções ao mutante. Marshall tinha de estar perfeitamente
informado sobre o que tinha acontecido, pois só assim teria argumentos irrespondíveis
para apresentar a Garko.
— Os trombas brancas já podem avançar para o pavimento médio do moby, sem
receio de serem expulsos pelos trombas azuis — disse Rhodan. — Garko sabe
perfeitamente que dali para a conquista do centro de distribuição é apenas um pequeno
passo. E quem tiver o controle da estação de distribuição dominará o moby.
— Está bem, senhor — disse Woolver. O peito de tonel do imartense subia e descia.
— Tomara que os tromba vermelhas não nos venham com um plano esperto.
— Temos de ser mais rápidos que eles — disse Rhodan.
Tronar Woolver entendeu a alusão. Estava na hora de pôr-se a caminho. Um ligeiro
momento de concentração total — e Tronar Woolver, major da USO, deixou de existir no
interior da sala de máquinas.
Quando Rhodan voltou a olhar para ele, Atlan sorriu.
— Vejo que já se familiarizou muito bem com meus mutantes especiais — disse o
arcônida.
— Se não fossem eles, praticamente não teríamos nenhuma chance — respondeu
Rhodan em tom sério. — De qualquer maneira quero ressaltar que os dois imartenses são
descendentes dos verdadeiros terranos, e por isso não pertencem à raça dos arcônidas.
Portanto, só mesmo em sentido administrativo você pode afirmar que são seus mutantes.
— O senhor não acha que é indiferente de quem sejam os mutantes? — perguntou
Kasom, que já começava a recear que a discussão se perdesse em meio a considerações
filosóficas.
— No momento sim — concordou Atlan. — Temos de resolver o problema
representado por Pohiik.
Antes que Rhodan pudesse responder, a porta foi aberta violentamente. Os
criminosos domésticos amontoavam-se junto à entrada. Ouviu-se um vozerio. Rhodan viu
o sargento Kapitanski pôr a mão na arma.
— Isso mesmo — disse Rhodan. — Parece que Pohiik realmente se transformou
num problema.
Virou o rosto para a porta.
— O que querem? — perguntou em tom enérgico. — Agora não temos tempo para
discussões.
— Onde está Pohiik? — perguntou o tromba branca que se encontrava junto à
entrada. Era um homem jovem e robusto, que muitas vezes contraditara Pohiik durante as
reuniões realizadas no acampamento. Rhodan lembrou-se de que o nome desse twonoser
era Larkaat.
— No carro de trás — disse Rhodan.
— Viemos de lá — disse Larkaat, zangado. — Não o encontramos.
Rhodan virou a cabeça.
— Pelo amor de Deus, deixe de mexer nessa arma, sargento Kapitanski — disse.
Kapitanski ficou muito vermelho e voltou a enfiar a arma energética no cinto.
Kasom foi para perto de Rhodan.
— Não podemos ser responsabilizados pelo que Pohiik faz — respondeu Rhodan
em tom áspero.
— Somos de opinião que está morto — retrucou Larkaat. — Se for verdade, passo a
ser o chefe dos criminosos domésticos.
— O que deseja, Larkaat? — perguntou Rhodan, olhando fixamente para o olho
facetado rígido do twonoser.
— Não sou obrigado a cumprir os acordos que Pohiik fez com vocês — exclamou
Larkaat em tom de ameaça.
— Quer fazer voltar o trem para que o mesmo colida com o trem intercastas que
vem logo atrás? — perguntou Rhodan em tom irônico.
Via-se perfeitamente que Larkaat ainda não tinha feito nenhum plano para o futuro.
Seguira um impulso repentino, dirigindo-se à sala de máquinas juntamente com os
companheiros. Era bem verdade que não esperara ser recebido com tamanha frieza e
indiferença.
— Pensarei no assunto — resmungou Larkaat e deu repentinamente as costas a
Rhodan.
Rhodan fechou ruidosamente a porta. Perguntou-se onde Pohiik se teria escondido
no momento em que os twonosers tinham entrado no carro de trás para procurá-lo.
— Estes caras são muito desconfiados, senhor — disse Kasom. — O que faremos se
eles nos abandonarem?
— Eles não nos abandonarão — cochichou Atlan em tom convicto. — A
possibilidade de apoderar-se do centro e distribuição fará com que superem a antipatia
que sentem or nós.
De repente, algumas luzes se acenderam nos controles do sistema de tração do trem.
A velocidade parecia diminuir automaticamente.
— O que é isso? — perguntou Kasom.
— Acabamos de sair do túnel e estamos atravessando o campo aberto — disse
Rhodan.
Kasom olhou para a janela com uma expressão de incredulidade.
— Está tudo escuro, senhor. Acho que ainda estamos numa veia.
— Não há energia lá fora — lembrou Rhodan. — Por isso não encontrará as luzes,
por mais que procure.
Kasom aproximou-se da janela e encostou o rosto à vidraça.
— Que coisa desagradável! Podemos estar atravessando um pavilhão gigantesco
sem ver nada.
Rhodan examinou os controles. Não sabia se o trem parava automaticamente nas
estações. Pohiik entendia o mecanismo de tração. Estaria em condições de aumentar ou
reduzir a velocidade do trem quando quisesse. Rhodan só conhecia a alavanca do freio de
emergência.
Não saberia o que fazer se o trem cargueiro parasse por algum motivo.
5

John Marshall, chefe do exército de mutantes de Rhodan, estava acostumado há


várias décadas a ler os pensamentos de inteligências estranhas. Nem sempre “escutara”
coisas agradáveis, e muitas vezes os pensamentos que captava eram incompreensíveis.
Mas os pensamentos de Garko o Forte pareciam perfeitamente compreensíveis e até
mesmo normais segundo os padrões terranos. Marshall informara o tromba branca sobre
as condições reinantes no pavimento médio depois que Tronar Woolver tinha aparecido
no campo dos prisioneiros para levar aos terranos a notícia do primeiro êxito importante
alcançado pelos cinqüenta fugitivos. O sprinter voltara imediatamente, pois queria chegar
quanto antes ao trem de carga.
Era claro que Garko o Forte não sabia que para o terrano esbelto que se encontrava
à sua frente seus pensamentos não eram nenhum segredo. E o chefe dos trombas brancas
tinha muito cuidado com o que dizia.
— A falta de energia no pavimento médio não pode afetar-nos — disse, dirigindo-
se a Marshall. — Naturalmente a temperatura também caiu por aqui, mas não a um ponto
que isso possa tornar-se perigoso.
Marshall mostrou um sorriso amável. Deduziu dos pensamentos de seu interlocutor
que o mesmo receava que o sistema de aeração do pavimento médio pudesse entrar em
pane. Sem energia os sistemas de regeneração deixariam de funcionar, e depois de algum
tempo seria completamente impossível atravessar a área da casta B. Marshall nem se
lembrara desse risco. Esperava que o mesmo não representasse um perigo para os
cinqüenta fugitivos.
— Provavelmente esta é a última chance de os trombas brancas porem fim à
situação humilhante em que se encontram — disse Marshall.
Storkeet, que continuava a ser o elemento de ligação entre Garko e os terranos, o
levara à residência do chefe dos trombas brancas. Ele e Garko estavam sentados numa
sala coberta de trepadeiras. As poltronas tinham sido substituídas por redes trançadas.
Marshall sabia que Rhodan também estivera em companhia de Garko o Forte na mesma
sala.
— O preço do auxílio que nos oferecem certamente será a libertação de todos os
prisioneiros — conjeturou Garko.
— Isso mesmo — reconheceu Marshall. — Sei que tem medo dos cinqüenta
trombas azuis que substituíram seus guardas. Mas os mesmos não demorarão a retirar-se
do pavimento inferior. Antes de vir para cá já percebi que estavam ficando nervosos.
Marshall não poderia dizer ao twonoser que vigiara os pensamentos dos trombas
azuis e descobrira que os mesmos esperavam um ataque dos trombas brancas e por isso
pensavam num meio de retirar-se o mais depressa possível da área controlada por seus
inimigos em potencial.
Ainda era cedo para libertar todos os terranos, pensava Garko. Se fizesse isso,
perderia o melhor meio de exercer pressão contra Rhodan. Infelizmente conheciam muito
pouco os desconhecidos para poderem confiar neles. Mas se os cinqüenta fugitivos
conseguissem apoderar-se do centro de distribuição, poderia dar ordem para libertar os
prisioneiros e até chegaria ao ponto de colocar à sua disposição um trem que os levasse
ao pavimento superior. Quanto mais cedo o terranos saíssem do moby, mais depressa
teriam oportunidade de ocupar o centro de distribuição, desde que fosse possível tirá-lo
dos trombas vermelhas.
Eram pensamentos perfeitamente lógicos, concluiu Marshall. Compreendia-se
perfeitamente que Garko o Forte não quisesse confiar plenamente nos terranos. Mas
enquanto mantivesse presos cerca de dois mil homens, Rhodan não se atreveria a traí-lo.
Marshall sabia que seria inútil tentar afastar as preocupações do twonoser. O
importante era que Garko estava disposto a libertar os terranos, desde que Rhodan
conseguisse ocupar o centro de distribuição e se dispusesse a entregá-lo aos trombas
brancas.
— Vamos esperar um pouco — disse Garko. — Assumo a responsabilidade por
meu povo. O senhor não pode querer que eu o leve à guerra sem pensar muito bem sobre
o assunto.
— Respeito sua posição — respondeu Marshall com a maior franqueza. — Tenho
certeza de que Perry Rhodan pensa da mesma forma que eu. Mas se resolver interferir no
conflito entre as duas castas superiores, eu lhe desejo boa sorte.
— O que significa boa sorte? — perguntou Garko o forte.
— Boa sorte — disse Marshall — é uma expressão que designa tudo aquilo que
nosso povo possa almejar.
— Boa sorte — repetiu Garko em tom pensativo. — Não me esquecerei destas
palavras, terrano. Pode retirar-se.
Marshall levantou e saiu. Storkeet estava à sua espera à frente do palácio do
governo. O comandante dos guardas parecia bem-humorado. Atravessou ao lado de
Marshall a fileira de soldados que vigiavam o palácio.
Quando estava entrando no veículo atrás do terrano, disse:
— Acho que a conversa que teve deu bons resultados.
Marshall não quis controlar os pensamentos de Storkeet. Por isso perguntou em tom
de perplexidade:
— O que lhe deu essa idéia?
O grande olho de Storkeet brilhou à luz dos controles.
— Qualquer um que fica tanto tempo com ele alcança bons resultados — disse em
tom seco.
***
Enquanto os quatro terranos que se encontravam na sala de máquinas faziam um
esforço desesperado para descobrir as funções dos diversos controles, o trem cargueiro
reduzia cada vez mais a velocidade. Rhodan tinha certeza de que dali a pouco pararia, a
não ser que conseguissem evitar o prosseguimento da frenagem.
— Não adianta movermos alguns controles ao alcance disse Rhodan. — Isso só
pode trazer outras complicações.
Temos de trazer Pohiik para cá.
— Do jeito que está, não conseguiremos passar com ele por cento e cinqüenta
criminosos domésticos que estão bastante desconfiados — preveniu Atlan. — Larkaat
veria confirmadas suas suspeitas e assumiria definitivamente o comando sobre os párias.
Rhodan sabia que o arcônida tinha razão, mas assim mesmo precisavam tentar
trazer Pohiik são e salvo para junto dos controles. Dentro de mais alguns instantes o trem
pararia de vez, no interior de um pavilhão mergulhado no escuro, que ficava na área dos
trombas azuis. Mesmo que os membros da casta B estivessem ocupados com seus
próprios problemas, não deixariam de dar atenção a um trem de carga parado.
O trem parou antes que os quatro homens chegassem uma conclusão. Melbar
Kasom voltou para junto da janela.
— Está mais escuro que o inferno — constatou em tom zangado. — Se houver um
soldado tromba azul de arma apontada a um metro do trilho, não o vemos.
A luz que saía pelas janelas não era capaz de iluminar os lugares mais próximos.
Rhodan sabia que a cada segundo que continuassem parados crescia o perigo de
serem atacados. Tinham de fazer alguma coisa.
— Kasom, saia com o sargento Kapitanski para fazer um reconhecimento —
ordenou Rhodan. — Enquanto isso tentarei trazer Pohiik à sala de máquinas. Atlan ficará
da guarda aqui.
Kapitanski não gostou da idéia de andar com Kasom pela escuridão. Mas não podia
deixar de reconhecer que precisavam saber onde estavam. Se não conseguissem
movimentar o trem, não poderiam andar às cegas pela escuridão.
— O que faremos se algum dispositivo automático resolver movimentar o trem no
momento exato em que Kapitanski e eu estivermos lá fora? — perguntou Kasom.
— Isso fica por conta de sua imaginação — disse Rhodan. — Sugiro que, se isso
acontecer, deixem de lado os regulamentos de tráfego do planeta Terra e tentem tomar o
trem em movimento.
Kasom não fez caso da ironia bonachona de Rhodan e bateu no ombro de
Kapitanski.
— Vamos andando, sargento — disse com a voz grave — Se houver um problema,
vamos dar um jeito.
Kapitanski engoliu em seco. Não sabia o que fariam na escuridão, caso o trem fosse
embora. Tinha de confiar era Kasom.
— Voltem dentro de dez minutos mais ou menos, gritou Rhodan atrás deles, quando
saíram para o corredor.
— Não temos relógio, senhor — disse Kapitanski dirigindo-se a Kasom, quando já
não podiam ser ouvido pelos outros.
Kasom suspirou.
— Ninguém espera uma pontualidade com a precisão de um segundo, sargento.
— Quer dizer que talvez fiquemos lá fora mais de dez minutos? — perguntou
Kapitanski.
— Depende do que encontrarmos por lá — respondeu o ertrusiano. Chegaram à
saída do vagão. Kasom foi o primeiro a saltar para fora. Kapitanski viu a figura robusta
do especialista da USO sair do círculo de luz projetado pelas luzes do trem. Fez um
esforço desesperado para reconhecer alguma coisa no meio da escuridão. Teve suas
dúvidas sobre se devia seguir Kasom.
— O que está esperando? — perguntou uma voz vinda de trás.
Virou-se abruptamente e viu Icho Tolot. O halutense quase não tinha saído do
compartimento em cujo interior se encontrava juntamente com outros fugitivos. Perry
Rhodan não tentara convencer Icho Tolot a desenvolver uma atividade mais intensa.
Kapitanski também sabia que não poderia esperar auxílio de Icho Tolot quando este
resolvesse acompanhar os esforços dos terranos com um interesse amável, mas preferia
não interferir pessoalmente. O súbito aparecimento do halutense quase deixou Kapitanski
mais preocupado que os perigos e a incerteza que o esperavam fora do trem.
O sargento lembrou-se que Tolot enxergava muito bem, até mesmo na escuridão.
— Está vendo alguma coisa? — perguntou.
— Estou — disse Tolot.
Kapitanski percebeu que o gigante se divertia deixando-o na incerteza. Zangado,
saltou do vagão. Ouviu Tolot dar uma gargalhada.
— Não vá para o fim do trem! — gritou Tolot. — Por lá é perigoso.
Kapitanski fez de conta que não tinha ouvido a advertência. Perguntou-se para onde
teria ido Kasom. Deu alguns passos e não viu mais nada. Olhou para trás e viu que as
Janelas do trem eram apenas retângulos luminosos que se destacavam na escuridão. Fez
um esforço para não suspirar. Provavelmente o trem podia ser visto a vários quilômetros
de distância. Deviam ter tentado desligar as luzes. Qualquer tromba azul que se
encontrasse por perto via os quatro vagões.
Kapitanski tropeçou num acidente do terreno. Desviou-se para a esquerda e bateu
numa coisa mole. Recuou assustado. Pôs a mão na arma energética. Teve a impressão de
ainda estar ouvindo a gargalhada de Tolot.
Enquanto segurava a arma com uma das mãos, estendeu a outra até encontrar
resistência.
— Pare de mexer em mim — resmungou Kasom. — Isso me deixa nervoso.
Kapitanski engoliu o grito que iria dar. Enfiou apressadamente a arma no cinto.
Fazia votos de que o ertrusiano não tivesse notado que por pouco não o atacara.
— Tolot está parado na entrada do vagão — disse com a voz insegura, apenas para
romper o silêncio.
— Não sou cego — a voz de Kasom soou mais forte. — Talvez nosso amigo tenha
chegado à conclusão de que finalmente chegou a hora de intervir de novo nos
acontecimentos.
Kasom prosseguiu enquanto estava falando. Kapitanski guiou-se por sua voz. Fazia
mais barulho do que seria conveniente na situação em que se encontravam. Perguntou-se
como um homem pesado como Kasom conseguia movimentar-se sem fazer nenhum
barulho.
— O que houve com seus pés? — perguntou Kasom quando Kapitanski tropeçou de
novo e teve de segurar-se nele.
— Queira desculpar, senhor — respondeu o sargento com a voz triste. — Tenho pés
chatos.
— Pés chatos? — repetiu o ertrusiano em tom de ira credulidade. — Pelos planetas
do Universo! Por que não usa palmilhas?
Kapitanski tinha suas dúvidas de que o momento era apropriado para falar sobre
palmilhas. Teve a impressão segura de que Kasom queria divertir-se à sua custa. O
especialista da USO ocupava o posto de major, e por isso o sargento não poderia deixar
de responder às perguntas que o mesmo formulasse.
— Deram-me sapatos especiais, senhor. Mas quase não consigo andar nos mesmos.
Consegui que o Major Bernard trocasse estes sapatos por um par de botas comuns.
— O senhor deve ser um gênio — disse Kasom, profundamente impressionado. —
Só assim se explica que justamente o senhor tenha convencido o Major Bernard a fazer
uma troca dessas.
Kapitanski sorriu. Sentia-se embaraçado. Não tinha impressão de ser um gênio. Os
pés chatos muitas vezes transformaram no alvo das zombarias do pessoal do convés F da
Crest II. Kendall Baynes fora um dos que nunca paravam de fazer suas brincadeiras.
— Deve haver um edifício grande lá na frente — disse Kasom quando já tinham
percorrido cerca de cem metros.
— Não vejo nada, senhor — confessou Kapitanski.
— É claro que não — disse Kasom. — Sinto no chão que está revestido com as
mesmas placas que vimos na pátios dos outros pavimentos.
Kapitanski lembrou-se das placas de pedra cristalina que os twonosers usavam
como piso. Passou cuidadosamente ponta do pé pelo chão, mas não notou nenhuma
diferença do terreno acidentado.
— O senhor tem razão — disse apesar de tudo.
Kasom poderia saber que se tratava de um edifício grande? Não havia nenhum
ponto de referência.
— Acha que há alguém no edifício? — perguntou.
— De forma alguma — respondeu Kasom. — Se bem que seria possível.
Kapitanski teve a impressão de que monstros terríveis estendiam suas garras na
direção dele em meio à escuridão. As janelas iluminadas davam-lhe um certo sentimento
de segurança. De repente viu que Tolot já não estava parado na porta do vagão.
Certamente se retirara para o interior do mesmo, ou então também tinha saído. O sargento
chamou a atenção de Kasom para o fato.
— Acho que já podemos voltar — disse o ertrusiano.
— Está tudo tão quieto que...
Uma lança de fogo rompeu a noite e fez com que ele se calasse.
Kapitanski deu um grito e deixou-se cair no chão. Kasom estava parado à sua
frente. Sua figura enorme estava envolta no fogo. Com movimentos rapidíssimos o
ertrusiano arrancou os pedaços do casaco do uniforme em chamas de cima do corpo.
Apavorado, o sargento Brodger Kapitanski arrancou a pequena arma energética que
trazia no cinto. Fez pontaria para a escuridão, mas não sabia de que lado tinha vindo o
ataque. Kasom caiu ao chão e rolou algumas vezes, para abafar as chamas.
— Aconteceu alguma coisa, major? — gritou Kapitanski, nervoso. Ouviu o
ertrusiano praguejar baixinho.
— O tiro deve ter sido disparado do telhado do edifício que fica lá na frente —
disse. — O atirador regulou sua arma para a abertura máxima, porque não conhecia nossa
posição exata. Felizmente só fui atingido de raspão.
— Está ferido? — perguntou Kapitanski.
A mão que segurava a arma energética tremia fortemente. O que fariam se houvesse
outros atacantes no meio da escuridão?
— Sofri algumas queimaduras ligeiras — gritou Kasom.
— Temos de sair daqui antes que eles ataquem o trem.
— Só há um tromba azul — disse alguém que se encontrava atrás de Kapitanski.
O sargento virou-se abruptamente. As palavras que ouvira tinham sido pronunciadas
por Tolot.
— O twonoser fugiu para dentro do edifício assim que deu o tiro — informou o
halutense.
Kapitanski ouviu Kasom levantar de novo. O sargento achou preferível continuar
deitado.
— Há outros trombas azuis por lá? — perguntou Kasom.
— Não acredito — respondeu Tolot. — Deve ser um guarda que resolveram deixar
por aqui. Ele não se arriscará a atacar o trem.
Kasom gemeu bem baixo. Seus ferimentos deviam ser mais dolorosos do que queria
confessar.
— Está vendo alguma coisa interessante? — perguntou, dirigindo-se a Tolot. Antes
que o halutense pudesse responder, acrescentou em tom contrariado: — O senhor poderia
ter evitado que isso acontecesse.
Icho Tolot demorou algum tempo para responder. Kapitanski aproveitou a pausa
para levantar.
— Não posso bancar o vigia sempre e em toda parte — disse Tolot finalmente. —
Se eu quisesse tratá-lo como uma criança, o senhor provavelmente seria o primeiro a
queixar-se.
— Não compreendo o senhor — disse Kasom. — O senhor prefere que um homem
seja morto a ajudá-lo?
— Acho que não deveríamos discutir sobre isso — respondeu Tolot. — Cada um de
nós tem suas opiniões, das quais não se afastará. O senhor ainda está vivo, e é o que
importa no momento.
— Está bem — disse Kasom em tom conciliador. — Vamos voltar ao trem. Tomara
que Rhodan tenha conseguido levar aquele maluco à sala de máquinas.
Kapitanski esquecera completamente o chefe dos twonosers. Dependia de Pohiik
que o trem voltasse a movimentar-se.
Se não contassem com o auxílio do criminoso doméstico, poderiam levar algumas
horas para descobrir os comandos corretos.
***
Rhodan encostou-se à porta fechada e pôs-se a escutar. Não ouviu nenhum ruído
vindo do carro de trás, mas Pohiik só podia estar por lá. Rhodan tirou a pequena arma
twonoser que trazia no cinto. O parasita que dominava Pohiik demonstrara suas intenções
pacíficas, mas isso podia mudar de repente. Rhodan não confiava muito num ser que
precisava tomar emprestada a inteligência de outra criatura para conversar com ele. Além
disso era possível que fosse Pohiik quem dominava o parasita, sem que o soubesse.
Rhodan segurou a maçaneta com a esquerda. Larkaat estivera lá há pouco tempo e,
conforme afirmara, não vira o velho twonoser. Rhodan hesitou novamente. Será que
Larkaat estava fazendo uma jogada ambígua?
A espera não proporcionaria a resposta a esta pergunta.
Rhodan abriu a porta apenas o suficiente para que pudesse ver o corredor do último
carro.
Pohiik estava sentado no canto mais afastado. Continuava envolto pelo bioparasita.
O ser que vivia em simbiose com o twonoser estava cobrindo até mesmo a cabeça do
mesmo. O olho de doze centímetros era a única parte de seu corpo que tinha ficado livre.
O parasita perdera a luminosidade. Sua face exterior era cinzenta.
Rhodan viu que as extremidades do parasita começavam a estender-se pelas duas
trombas de Pohiik. O aspecto do twonoser não era nada agradável.
O olho facetado rígido fitava Rhodan incessantemente.
— O senhor trouxe uma arma — constatou Pohiik depois de algum tempo.
— Trouxe — confirmou Rhodan. — Não sabia o que me esperava por aqui. Larkaat
se rebelou. Esteve aqui com alguns twonosers, para procurá-lo.
O alto-falante da tradutora de Pohiik transmitiu uma risada repugnante. Uma das
trombas fez um movimento pesado, apontando para a porta de um dos compartimentos.
— Estava conversando com meus amigos. Informei-os sobre nosso acordo.
Rhodan não tirava os olhos de Pohiik.
— Pensei que no estado em que se encontram os parasitas só possuíssem um
instinto pouco desenvolvido — disse. — Como pôde comunicar-se com eles?
— Despertei um sentimento de satisfação nos mesmos — disse Pohiik. — Uma
satisfação instintiva, mas antes isso que um vago mal-estar.
Rhodan acreditava que nunca saberia o que tinha acontecido com Pohiik. Mas
pouco importava que o ser que estava falando com ele fosse Pohiik ou um bioparasita,
desde que conseguisse levar o twonoser à sala de máquinas.
— Temos problemas — disse. — O trem parou. O senhor tem de assumir os
controles para que consigamos sair daqui antes que os trombas azuis nos ataquem.
Pohiik levantou devagar. O parasita ajustou-se perfeitamente ao seu corpo, que nem
uma membrana protetora. Rhodan viu que os dois bracinhos de Pohiik ainda estavam
livres. Parecia que o parasita não queria embaraçar os movimentos do twonoser.
— Teremos de passar por seus homens, Pohiik — disse Rhodan. — A não ser
naturalmente que queira sair comigo e ir lá para a frente no meio da escuridão.
— Eu poderia fugir — disse Pohiik. — Lá fora não há luz.
Rhodan empertigou-se.
— Vá na frente — disse em tom enérgico. Pohiik hesitou.
— Com sua arma apontada para minhas costas? — perguntou.
— Não vou assumir nenhum risco — disse Rhodan em tom enfático. — Não se
esqueça de que matarei seu hospedeiro caso tente a fuga. Nesse caso o senhor ficaria sem
a inteligência conquistada tão de repente.
Pohiik não deu resposta. Saiu caminhando em direção à saída. Rhodan seguiu-o a
dois metros de distância, com a arma apontada. Pohiik saltou do trem e esperou que
Rhodan se colocasse a seu lado.
— Vamos afastar-nos do trem — ordenou Rhodan. — Os criminosos domésticos
não devem ver-nos.
Pohiik mudou de direção sem formular qualquer objeção. Rhodan ainda tinha suas
dúvidas de que realmente fosse o twonoser que estava sendo controlado pelo parasita.
Mas se estivesse louco sempre seria um mistério como conseguia evitar que o mesmo o
usasse como alimento.
Rhodan teve o cuidado de manter-se fora da faixa de luz que saía das janelas. Cada
carro tinha quase cem metros de comprimento. Havia uma janela grande em cada
compartimento. Ao contrário dos trens intercastas, os vagões do trem cargueiro não
estavam divididos em vários pavimentos.
Rhodan perguntou-se qual seria a reação dos vinte trombas azuis que se
encontravam entre os criminosos domésticos diante do quadro oferecido pela sua área
residencial. Fazia votos de que seu velho espírito de casta não voltasse à tona, pois isso
traria novos problemas.
Pohiik parou de repente. Encontravam-se mais ou menos na altura do meio do trem.
Rhodan encostou imediatamente a arma em seu corpo.
— Ande! — gritou para o twonoser.
— Há alguém lá na frente — cochichou uma voz saindo do alto-falante da
tradutora.
Rhodan pôs-se a escutar, sem tirar os olhos de Pohiik.
— Não ouço nada — disse. — Não tente blefar, Rhodan aumentou a pressão da
arma contra o corpo do tromba branca.
O mesmo voltou a caminhar a contragosto. Dali a pouco Rhodan viu três figuras
iluminadas pela luz do primeiro carro. Eram Tolot, Kasom e o sargento Kapitanski. O
ertrusiano estava sem o casaco do uniforme. Rhodan imaginava que tinha havido um
imprevisto.
Os três entraram no trem. Pohiik dissera a verdade pensou Rhodan, sentindo-se
aliviado. Baixou a arma.
No mesmo instante as trombas de Pohiik fizeram um movimento para trás.
Atingiram Rhodan de ambos os lados ao mesmo tempo. O terrano conseguiu dar um tiro,
mas o mesmo passou perto de Pohiik. Uma das trombas do twonoser agarrou a arma de
Rhodan, enquanto a outra tentava enlaçar o pescoço do terrano.
Rhodan logo se recuperou. Caiu de joelhos e conseguiu escapar à tromba do
atacante. Pohiik puxava furiosamente o cano da arma energética, mas não conseguiu
arrancá-la das mãos de Rhodan. Este preferiu não gritar por socorro, pois dessa forma
despertaria a atenção dos criminosos domésticos.
Pohiik brandiu a tromba livre em forma de clava. No escuro tornava-se difícil
adivinhar as intenções do twonoser. O terrano levou uma pancada no ombro direito.
Pohiik era um velho, mas suas trombas não deixavam de ser armas perigosas.
Rhodan sabia que, se não dominasse logo o twonoser, acabaria sucumbindo.
Cedeu ao movimento de Pohiik que tentava puxar a arma e atirou-se contra o corpo
do inimigo. O impacto inesperado fez com que o tromba branca perdesse o equilíbrio.
Mas segurou-se em Rhodan. Os dois caíram ao chão. Rhodan caiu em cima do twonoser.
Houve um ruído surdo quando o parasita soltou parte do corpo de Pohiik e tentou agarrar
Rhodan. Este rolou para o lado. Pohiik esticou as rombas, sem soltar a arma. Ficaram
deitados lado a lado por alguns segundos, respirando com dificuldade, até que o twonoser
partiu novamente para o ataque.
A segunda tromba do adversário atingiu Rhodan no peito. O terrano gemeu, pois
uma dor lancinante quase o deixa sem fôlego. Pohiik soltou um grunhido de triunfo e
preparou o segundo golpe, mas desta vez só atingiu os pés de Rhodan.
Rhodan sabia que, se Pohiik conseguisse tirar-lhe a arma, estaria perdido. Rolou de
lado, segurando a arma com ambas as mãos.
Fez um movimento violento, para arrancar o cano da tromba de Pohiik. O twonoser
podia ser um homem velho, mas era um lutador experimentado, que sabia adivinhar as
intenções do adversário.
— É assim que o senhor cumpre os acordos que faz? — gritou Rhodan.
— Possuo um corpo hospedeiro e tenho uma oportunidade de fugir — respondeu
Pohiik. — Por que não haveria de aproveitar?
— Pense nos outros parasitas — disse Rhodan em tom Insistente. Sentiu que o
twonoser puxava cada vez mais fortemente o cano da arma. — Se fugir, não poderá
ajudá-los.
— Encontrarei outros parasitas que poderei libertar — respondeu Pohiik.
Rhodan sentiu os braços fraquejarem. Se não conseguisse obrigar Pohiik a desistir
da luta, não teria como recuperar a arma.
O pior era que Rhodan se defrontava com dois inimigos, que se completavam um ao
outro. Caso chegasse muito perto de Pohiik, correria perigo de que o bioparasita também
o agarrasse.
Rhodan pôs-se de joelhos, sem largar a arma. Sentiu que Pohiik também estava
fazendo um movimento.
De repente o criminoso doméstico levantou de um salto. Rhodan tombou para a
frente e foi arrastado alguns metros. Teve que tirar uma das mãos que seguravam a arma
para defender-se das pancadas que Pohiik desferia com tromba que estava livre.
Pohiik soltou um uivo de triunfo e arrancou a arma da mão de Rhodan. O corpo do
terrano bateu fortemente no chão. Ouviu o barulho que Pohiik fazia com as pernas, e a
respiração forçada do twonoser.
Rhodan teve a impressão de ver perfeitamente Pohiik segurar a arma com uma das
mãozinhas retorcidas.
O terrano deixou-se cair para o lado. Escolhera o momento exato, pois o primeiro
tiro cortou a escuridão. O raio energético atingiu o solo, abrindo uma vala de um metro.
Rhodan sentiu o calor. Pedrinhas choveram sobre ele. O primeiro tiro deixou o twonoser
ofuscado, da mesma forma que Rhodan. Voltou a atirar. Desta vez errou por alguns
metros. Rhodan colocou-se de pé. Investiu contra Pohiik, com a cabeça abaixada. O
tromba branca voltou a atirar. Uma língua de fogo passou chiando por cima de Rhodan, e
este bateu contra o tromba branca, que foi atirado para trás. Rhodan ouviu a arma cair no
chão.
No mesmo instante uma voz retumbante vinda de trás do twonoser disse:
— Estou com a arma apontada para este cara, senhor.
— Kasom! — exclamou Rhodan. — O senhor chegou bem na hora.
Ficou apalpando o chão, até encontrar sua arma. Pohiik ficou parado em silêncio.
— Vamos! — gritou Rhodan. — O senhor perdeu.
Pohiik soltou um ruído vago. Dali a instantes os três entraram no trem. Rhodan
levou o twonoser à sala de máquinas.
Havia um sorriso de deboche no rosto de Rhodan.
— Parece que Kasom não foi o único que teve uma experiência desagradável
durante a excursão — observou o arcônida.
Rhodan apontou para Pohiik, que parecia indiferente ao que se passava em torno
dele.
— Este tipo sabe desenvolver uma atividade formidável. É só querer — disse. —
Acho que devemos ficar de olho nele.
Rhodan mandou que Pohiik fosse para junto dos controles.
— Você sabe o que tem que fazer — disse.
Pohiik logo se pôs a trabalhar. No momento em que o trem estava partindo, Rakal
Woolver materializou na sala de maquinas.
— Os trombas azuis partiram — principiou sem rodeios. — Não há dúvida de que
se dirigem ao pavimento superior. Os trombas vermelhas terão de lutar — passou os
olhos pela sala de máquinas. — Tronar já voltou?
Rhodan respondeu que não. Sabia que Rakal gostaria de ir atrás do irmão. Mas
Rhodan queria que o sprinter descansasse um pouco. O trem não demoraria a alcançar a
velocidade máxima.
Quando chegassem à área habitada pela casta C, teriam de estar bem descansados.
7

Um mensageiro manteve Garko o Forte constantemente informado sobre o que


acontecia nos outros pavimentos do moby. As afirmações do terrano John Marshall se
confirmaram. E não foi só isto. Aconteceu uma coisa que obrigou Garko a abandonar de
vez a atitude passiva em que se mantivera.
Alarmados pelo deslocamento dos exércitos do pavimento médio, os trombas
vermelhas tinham tomado uma decisão desesperada. Parte da energia destinada à casta A
foi desviada para o sistema de emergência do pavimento médio. Em virtude disso alguns
dos sóis da área dos trombas brancas também se apagaram.
Ao que parecia, os trombas vermelhas esperavam que com essa tática poderiam
convencer a casta B a desistir do ataque e retornar à sua área. Assim que as medidas
adotadas pela casta C começaram a produzir suas conseqüências no pavimento inferior,
os conselheiros de Garko o Forte insistiram para que alguma coisa fosse feita.
Garko o Forte sabia perfeitamente que em condições normais seus soldados não
seriam capazes de enfrentar os trombas azuis. Mas por ocasião da chegada dos trombas
brancas, a casta B estaria envolvida numa luta com a casta C. Os espiões informaram
Garko de que os trombas azuis não tinham abandonado a intenção de partir para o ataque.
Era como dissera o terrano. Tratava-se de uma chance de quebrar o domínio das
outras castas, que não voltaria mais.
Garko passou os olhos pela fileira de comandantes reunidos à frente do palácio.
Podia confiar nesses homens.
Sabia que seus comandantes cumpririam quaisquer ordens, sem pedir explicações.
Mas o chefe dos trombas brancas preferia que os soldados arriscassem o avanço para os
pavimentos superiores por convicção, e não porque uma ordem os obrigava a isso.
Qualquer tromba branca sabia que o abastecimento de energia era muito importante, mas
devia haver pessoas que não concordavam com um ataque contra as castas superiores,
porque o mesmo poderia acarretar o risco de uma derrota fulminante.
— Chegamos a um momento decisivo de nossa história! — gritou Garko para os
comandantes. — Por muitas gerações temos sido proscritos. Servíamos apenas para
produzir alimentos para aqueles que nos dominavam. Éramos vigiados constantemente e
não podíamos sair do pavimento inferior — Garko fez uma pausa e passou os olhos pelos
campos sem fim, que se estendiam à frente do palácio. — Já dei ordem — prosseguiu —
para que o fornecimento de alimentos aos pavimentos superiores seja suspenso. Mas isto
só é o primeiro passo. Quero que tentem avançar com nossos soldados até o pavimento
superior e ocupem o centro de distribuição. Se forem bem-sucedidos, teremos o direito de
tingir nossas trombas de vermelho. É possível que os cinqüenta prisioneiros que fugiram
já tenham conseguido conquistar o centro, juntamente com alguns criminosos
domésticos. O chefe dos forasteiros, Perry Rhodan, garantiu que liberará o centro, desde
que abramos os portões do campo de prisioneiros — Garko levantou as trombas, num
gesto enfático. — O êxito da operação depende exclusivamente dos senhores.
Os comandantes entrelaçaram suas trombas, num gesto de veneração. Garko
esperou em vão que alguém formulasse uma objeção. Parecia que todos concordavam
com seus planos.
— Usem os trens, sempre que isso for possível — disse Garko, concluindo sua fala.
— Temos de reter um trem por aqui, para transportar os prisioneiros terranos.
Garko fez um aceno de despedida com ambas as trombas.
Dali a pouco as primeiras divisões que participariam do ataque sairiam do
pavimento inferior. Garko seguiu os comandantes com os olhos. Parecia pensativo. Qual
era mesmo a expressão terrana que ele queria guardar na memória?
Boa sorte!
Era o que eles precisavam.
***
O trem cargueiro foi correndo hora após hora pelos túneis em serpentina que faziam
parte do sistema ferroviário do pavimento superior. Rhodan deu ordem para que os
gêmeos Woolver realizassem saltos de reconhecimento a intervalos regulares, para que
soubessem onde estavam.
A maior parte dos terranos estava dormindo. Os criminosos domésticos
mantiveram-se calmos. Pohiik não tentara qualquer ataque contra um dos homens que se
encontravam na sala de máquinas. O parasita que o envolvia voltara a mudar de cor;
estava emitindo um brilho negro apagado. Espalhara-se por todo o corpo, com exceção
das pontas das trombas e das articulações do pulso dos bracinhos subdesenvolvidos. O
olho facetado de Pohiik também não foi coberto.
O aspecto do twonoser era apavorante. A coloração negra apagada dava a impressão
de que Pohiik estava envolvido numa cobertura de chocolate. O parasita, porém, era de
uma incrível elasticidade, a tal ponto que sua presença dificilmente seria notada, se não
fosse a estranha coloração.
Rhodan nem tentou conversar com Pohiik.
Constatara-se que as queimaduras de Kasom não eram perigosas. Sarariam bem
depressa, desde que os terranos voltassem a ocupar a Crest II e tivessem acesso à
enfermaria da nave.
A viagem pelo pavimento médio correu melhor do que Rhodan previra. Em sua
maioria os pavilhões atravessados pelo trem estavam mergulhados numa escuridão
completa. Além disso, apesar da situação tensa, os trens pareciam assumir uma
importância toda especial para qualquer twonoser, pois garantiam o abastecimento de
gêneros alimentícios.
Os únicos twonosers que se tinham libertado dos tabus observados no interior do
moby eram os criminosos domésticos. Assaltavam trens, faziam criações de parasitas e
até chegavam a pintar as trombas com outra cor, quando isso lhes parecesse necessário
para a execução de seus planos.
Nenhum dos terranos possuía um relógio, e Rhodan não sabia quantos dias tinham
passado desde o momento em que tinham saído do campo de prisioneiros, ou qual era a
data registrada pelos calendários terranos.
Icho Tolot voltara a recolher-se ao compartimento em que se encontravam os outros
homens. Rhodan mandara que Kapitanski também fosse para lá. Dessa forma as únicas
pessoas que se encontravam na sala de máquinas eram Rhodan, Atlan, Kasom e os
gêmeos Woolver. Isto naturalmente além de Pohiik, que manipulava com uma expressão
de contrariedade os controles do trem.
Finalmente Rakal Woolver trouxe a notícia de que dali a pouco o trem chegaria ao
pavimento superior. Devia sair num pavilhão fortemente vigiado pelos trombas
vermelhas. Já havia combates em vários setores do pavimento superior. Os membros da
casta C tinha erguido barreiras em muitas veias. Parecia que o ataque dos trombas azuis
tinha fracassado, já que os trombas vermelhas ainda estavam de posse das estações
energéticas, o que lhes permitia usar o raio de tração capaz de impedir que os ataques
vindos do espaço se aproximassem do moby.
— Não há dúvida de que o trem será detido — concluiu Rakal Woolver. — Há pelo
menos mil trombas vermelhas armados na saída do túnel. Fico me perguntando como
faremos para passar.
— Por enquanto tudo correu bem — disse Atlan. — Mas era de esperar que o trem
fosse detido.
— Nas condições em que nos encontramos, ninguém terá muita compreensão por
nós ou pelos criminosos domésticos — conjeturou Rhodan. — Mas não podemos voltar.
Temos de encontrar um meio de enganar os trombas vermelhas.
— Fale com Larkaat — disse Pohiik de repente.
Rhodan virou o rosto para o twonoser.
— Resolveu abandonar o papel de hospedeiro passivo? — perguntou em tom
irônico.
— O que acha que os trombas vermelhas farão comigo se me virem? — perguntou
Pohiik sem responder à pergunta de Rhodan. — Estou fazendo esta sugestão no meu
interesse.
— O que é que Larkaat poderia fazer? — perguntou Melbar Kasom.
— Pode dar ordem para que todos os desclassificados pintem as trombas de
vermelho. Temos tinta de sobra. Larkaat sabe perfeitamente o que fazer. Vá logo,
Rhodan.
— Ele tem razão — disse Rhodan e caminhou resolutamente para a porta. — Vou
falar com Larkaat. Enquanto isso os Woolver tentarão encontrar o centro de distribuição.
Em hipótese alguma devem ser descobertos.
Rhodan saiu para o corredor e foi ao segundo vagão. Os criminosos domésticos
estavam discutindo apaixonadamente. Parecia haver dois partidos, um dos quais apoiava
Larkaat, enquanto o outro se mantinha fiel a Pohiik.
— Onde está Larkaat? — perguntou Rhodan.
Os twonosers sentados no corredor abriram passagem a contragosto. Rhodan passou
por cima das pernas estendidas. Finalmente viu-se diante de Larkaat.
— Daqui a pouco o trem atingirá a área habitada pela casta C — principiou Rhodan.
Larkaat ficou com a cabeça caída. Parecia que estava refletindo sobre se devia dar
uma resposta. Rhodan não esperou até que o jovem twonoser chegasse a uma conclusão.
— Não temos tempo para cuidar das nossas divergências pessoais — disse. —
Assim que sairmos do túnel, seremos recepcionados por mais de mil trombas vermelhas
fortemente armados. Se formos mortos, não terá nenhuma importância que seja o senhor
que tem razão ou Pohiik.
— Por que não fala com Pohiik? — perguntou Larkaat em tom irritado.
— Resolvi falar com o senhor — Rhodan falava alto e depressa. Precisava levar o
tromba branca a esquecer por algum tempo a raiva que sentia por Pohiik. — O senhor
tem um meio de fazer o trem passar em segurança pelos trombas vermelhas.
— Como? — perguntou Larkaat.
Rhodan abaixou-se e segurou a tromba de Larkaat. Os twonosers que formavam um
círculo em tomo dos dois calaram-se. Esperavam que Larkaat derrubasse o terrano.
— Pinte isso de vermelho — pediu Rhodan. — Faça com que seus companheiros
sigam o exemplo. Depois conte aos trombas vermelhas uma história em que eles possam
acreditar.
Rhodan soltou a tromba. Larkaat levantou-se. Olhou pela janela, como se pudesse
varar a escuridão reinante no interior da veia do moby. Parecia que estava refletindo.
— E se eles entrarem no trem para fazer uma inspeção? — perguntou Larkaat
depois de algum tempo.
— Isso depende da história que o senhor inventar — disse Rhodan. — Quanto
melhor a mentira, maiores serão nossas chances de sair vivos do primeiro pavilhão.
Larkaat bateu com o pé no chão. Suas trombas tremiam nervosamente.
— Está bem — disse. — Vamos pintar nossas trombas de vermelho.
Rhodan não fez nenhum esforço para disfarçar a satisfação que estas palavras lhe
causaram.
— Preciso voltar para a sala de máquinas — disse.
— Um momento! — exclamou Larkaat apressadamente. — Queremos saber o que
houve com Pohiik.
— Está doente — disse Rhodan. — No momento encontra-se na sala de máquinas.
Espero que logo se recupere e possa voltar para junto de vocês. Levamo-lo ao carro da
frente quando o trem ficou parado no pavimento médio.
— O senhor sabe inventar histórias — disse Larkaat em tom irônico. — Por que não
se encarrega de falar com os trombas vermelhas?
— Porque me falta uma coisa — disse Rhodan com um sorriso, apontando para o
lugar do corpo em que ficavam as trombas dos twonosers.
Larkaat deu a impressão de que tinha certeza de ter sido enganado, mas não
procurou deter o terrano. Rhodan continuou confiante. Lembrou-se do incidente que
tivera com Storkeet, comandante do campo de prisioneiros, quando sugerira ao mesmo
que tingisse suas trombas de vermelho para passar a pertencer à casta C. Storkeet quase
chegou a matá-lo por isso. Só os twonosers que tinham acesso aos centros de distribuição
de energia tinham permissão para usar trombas vermelhas. Os criminosos domésticos
eram os únicos que se atreviam a quebrar o tabu. No fundo era uma atitude
completamente incompreensível num povo civilizado como o dos twonosers. Mas
Rhodan não pôde deixar de confessar que a história terrana registrava privilégios e tabus
tão absurdos quanto este.
Os trombas vermelhas nunca acreditariam na possibilidade de que os twonosers que
se encontravam no trem pudessem ter pintado as trombas com uma cor que de direito não
lhes cabia. Por isso tinha esperança de que deixassem passar o trem, a não ser que
Larkaat fizesse uma bobagem.
Quando Rhodan voltou à sala de máquinas, os Woolver já tinham desaparecido.
— Então? — perguntou Atlan.
— Vão transformar-se em trombas vermelhas — informou Rhodan. — Larkaat é
mais acessível do que eu acreditava.
— Não se esqueça de que a idéia foi minha — observou Pohiik. — E procure
lembrar-se de que foi graças a mim que o trem chegou até aqui.
— O que quer? — resmungou Kasom. — Uma condecoração?
Pohiik apontou as trombas revestidas com uma cobertura negra para Perry Rhodan.
— Ele sabe o que quero — disse. — Quero a liberdade dos bioparasitas que se
encontram neste trem.
— Ele continua a pensar que é um parasita — disse Kasom, espantado.
— Tenho certeza quase absoluta que realmente é o parasita que está falando
conosco — disse Atlan em tom enfático.
Rhodan fitou o arcônida.
— O que quer que façamos quando chegarmos ao destino?
— Podemos simplesmente abandonar o trem — sugeriu Atlan. — Pohiik poderá
ficar. Saberá o que fazer com os parasitas.
— O que acha? — perguntou Rhodan, dirigindo-se ao twonoser.
— Quando chegarmos ao destino, o senhor talvez mude de opinião — respondeu
Pohiik em tom de segredo.
***
O trem reduziu fortemente a velocidade ao sair do túnel e entrar no grande pavilhão
pertencente à área da casta C. Pohiik reduzira a velocidade por ordem de Rhodan, que
queria evitar que os trombas vermelhas entrassem em pânico ao verem um trem sair do
túnel em disparada.
Rhodan estava de pé junto à porta que dava para o segundo vagão. Larkaat e mais
uma dezena de criminosos domésticos comprimiam-se junto às janelas. As trombas dos
desclassificados tinham sido pintadas com uma cor vermelha brilhante.
Rhodan aproximou cautelosamente o rosto da janela.
— Há uma barreira nos trilhos! — exclamou Larkaat, nervoso. — Temos de parar.
— Pare, Pohiik! — gritou Kasom, que também se encontrava no corredor, enfiando
a cabeça na sala de máquinas.
O trem freou e parou imediatamente.
— A coisa vai começar, senhor — disse Kasom em tom exaltado.
— O que é isso? — gritou Larkaat, indignado. — Por que estão parando o trem?
— Fazemos parar todos os trens — disse um twonoser que Rhodan não pôde ver. A
tradutora regulada para um volume baixo transmitia todas as palavras. — Receamos que
os trombas azuis tentem passar por aqui.
Larkaat deu uma estrondosa gargalhada.
— Trombas azuis? — repetiu em tom sarcástico. — Tiramos o trem desses
covardes. Pretendiam descarregá-lo no momento em que estávamos chegando num trem
intercastas. Houve uma luta violenta. Os trombas azuis conseguiram segurar o trem
intercastas, mas achamos que os vagões carregados com mantimentos são mais
importantes.
— São mesmo — concordou o tromba vermelha. — Já receberam ordens sobre o
lugar ao qual devem levar o trem?
— Recebemos — disse Larkaat. — Vamos levá-lo à estação de Berdag, onde será
descarregado.
— Está havendo combates nas proximidades de Berdag — informou o tromba
vermelha, dirigindo-se ao criminoso doméstico. — Seria preferível parar em Landarg.
— Pensaremos nisso — asseverou Larkaat. — Cuidem bem do próximo trem
intercastas. Deve estar ocupado por trombas azuis.
Kasom pôs-se a praguejar.
— Esse idiota está exagerando.
Rhodan colocou a mão no braço de Kasom.
— Calma, major. Larkaat saberá levar-nos daqui sem que um único tromba
vermelha entre no trem.
— Vocês têm feridos que possamos levar? — perguntou Larkaat.
Kasom fez uma careta. Rhodan não pôde deixar de admirar a ironia do jovem
twonoser. Larkaat sabia perfeitamente que nesse setor do pavimento superior ainda não
houvera combates.
— Acho que está na hora de vocês seguirem! — gritou um dos trombas vermelhas.
— Está bem — respondeu o tromba branca, colocando a cabeça para dentro do
trem.
— Siga! — gritou para dentro do corredor.
Rhodan fez um sinal para Pohiik, que estava parado junto à entrada da sala de
máquinas. Dali a mais alguns segundos o trem estava atravessando o pavilhão. Larkaat
foi ao carro da frente.
— Muito bem — disse Rhodan em tom de elogio. — Os trombas vermelhas não nos
deterão mais.
— Fiz isto por nós — respondeu Larkaat. — Como retribuição, os senhores nos
ajudarão a ocupar o centro de distribuição.
— O centro pertence a Garko o Forte — respondeu Rhodan, que queria evitar novos
conflitos. — Os criminosos domésticos não são capazes de controlar o centro sozinhos.
Precisam do apoio dos trombas brancas.
Larkaat deu uma risada.
— Logo a mim o senhor vem dizer isso? Garko o Forte é meu pai. Juntei-me aos
criminosos domésticos por ordem dele, para evitar problemas.
— E Pohiik? — perguntou Rhodan. — Ele não goza da confiança de seu pai?
Larkaat respondeu que não.
— É muito arbitrário. Nunca se sabe o que vai fazer. Por isso meu pai queria que eu
assumisse as funções de chefe.
Rhodan acenou com a cabeça. Parecia pensativo. Concluiu que Larkaat não era um
homem que se deixava guiar pelos impulsos do momento. Seguia um plano definido.
Garko fora informado sobre a instabilidade psíquica de Pohiik. O fato de Garko arriscar a
vida do filho para evitar incidentes dispunha a favor do senso de responsabilidade de
Garko.
— Já falei com seu pai e mandei que o informassem sobre os acontecimentos mais
recentes — disse Rhodan.
— Para mim torna-se difícil entrar em contato com meu pai — queixou-se Larkaat.
— Enquanto estava no acampamento, ainda encontrava um meio. Mas desde que fugimos
de lá, Garko não teve mais notícias de mim.
Rhodan estendeu a mão para o jovem twonoser.
— Finalmente chegamos à conclusão de que nossos interesses e planos são os
mesmos.
Larkaat hesitou, mas acabou pegando a mão do terrano com a tromba.
— Vai contar o que aconteceu com Pohiik?
— Ficou louco — disse Rhodan. — Não sabe o que faz e quem é.
— Era o que eu receava há muito tempo — disse Larkaat. — Informarei os
desclassificados. Os últimos adeptos de Pohiik o abandonarão.
Larkaat voltou ao segundo vagão. Rhodan retornou à sala de máquinas.
— Sabe onde fica Landarg? — perguntou, dirigindo-se a Pohiik.
— Não — respondeu o twonoser. — Não conheço muito bem o pavimento superior.
— Vamos prosseguir — decidiu Rhodan. — Haveremos de sair em algum lugar. Os
gêmeos Woolver não demorarão a descobrir onde fica o centro de distribuição de energia.
O trem cargueiro atravessou em alta velocidade o primeiro pavilhão pertencente à
área dos trombas vermelhas. Os homens olhavam pela janela, contemplando a paisagem.
Em toda parte viam contingentes de militares trombas vermelhas em marcha.
— Estão reunindo muito mais gente em armas do que eu acreditava — disse Pohiik.
— Os trombas azuis vão quebrar a cara.
Nenhum dos trombas vermelhas parecia desconfiar de que o trem cargueiro pudesse
levar uma carga perigosa para dentro de sua área. Mas Rhodan não se iludiu. Só tinham
atravessado um pavilhão. Era possível que ainda tivessem de percorrer mais de dois mil
quilômetros.
O trem atravessou um arco e entrou no pavilhão seguinte. Não havia nada que
indicasse que no pavimento superior já estavam sendo travadas violentas batalhas. Só se
viam uns poucos trombas vermelhas armados. Os parques artisticamente projetados
estendiam-se pacatamente à luz dos potentes sóis artificiais. O trem passou por uma
estação abandonada. Rhodan fazia votos de que as lutas entre os twonosers não
provocassem destruições muito extensas. Quanto mais depressa os terranos conseguissem
ocupar o centro de distribuição de energia, mais cedo terminaria a guerra.
***
Rakal Woolver materializou no interior de uma galeria. Estava de pé sobre a
plataforma de um elevador, que subia bem devagar. Depois de ter saído do trem, tinha
dado pelo menos vinte saltos; até que finalmente encontrou o centro de distribuição de
energia. Era um edifício grande e abobadado, com duas construções laterais em forma de
torre. Woolver levara algum tempo observando as instalações do lado de fora, antes que
resolvesse saltar para dentro do edifício.
Acreditava que tinha materializado no interior de uma das torres, pois não era muito
provável que no interior da abóbada houvesse um elevador. Havia alguns trombas
vermelhas embaixo dele, na cabine do elevador. Como o mesmo subia silenciosamente,
Woolver ouviu os twonosers conversarem.
O mutante olhou para cima. Estava muito escuro na galeria, e Woolver não viu a
extremidade da mesma. Uma porta foi passando. Dali a pouco o elevador parou. Woolver
ouviu os twonosers saírem da cabine. O imartense não acreditara que o centro de
distribuição de energia fosse um conjunto tão grande. E a presença de numerosos trombas
vermelhas foi outro fato surpreendente. Esperava que Tronar não fosse visto.
O imartense concentrou-se. Só havia quatro ecos de impulsos no interior da galeria.
Um deles levava para dentro da cabine, enquanto os outros saíam de condutores que não
tinham nada a ver com o elevador. Woolver chegou à conclusão de que seria inútil ficar
na torre. As instalações mais importantes deviam ficar na parte inferior da grande
abóbada.
Woolver voltou a concentrar-se e introduziu-se num fluxo de energia. Materializou
junto a uma coluna vertical, que tinha cerca de dez metros de diâmetro. Olhou
rapidamente para os lados. Atrás dele havia outra espula gigantesca que subia até o teto
abobadado. A iluminação era pouco intensa. O mutante ficou aliviado ao notar que não
havia trombas vermelhas nas imediações. Contornou cuidadosamente uma das espulas.
Viu à sua frente gigantescos reostatos, que ocupavam quase toda a largura do edifício. Os
twonosers, que controlassem estas instalações praticamente tinham o domínio de todo o
moby. Bastaria mover algumas chaves para interromper o fornecimento de energia a
determinadas áreas.
O mutante passou entre dois reostatos. O edifício ficava aproximadamente no centro
do pavimento superior. O sprinter precisava descobrir por onde passaria o trem cargueiro.
Era duvidoso que o trilho atravessasse o pavilhão no qual se encontrava. Rakal
notara que os edifícios estavam sendo vigiados do lado de fora. Provavelmente essa
medida tinha sido tomada por causa do ataque dos trombas azuis. Um sorriso apareceu no
rosto de Woolver. Os twonosers não poderiam imaginar que o ataque ao centro de
distribuição de energia seria realizado por mutantes imartenses, e começaria do lado de
dentro.
8

O trem cargueiro parou no interior do túnel. Rhodan deu um sinal para que Pohiik
desligasse a tração. Os homens prepararam-se para descer. Alguns criminosos domésticos
ficaram à espera das saídas dos vagões, exibindo suas trombas vermelhas. Seriam os
primeiros a sair do túnel. Os Woolver haviam informado a Rhodan de que teriam de
atravessar mais um pavilhão menor, antes de atingir o recinto gigantesco em cujo interior
os twonosers tinham construído o centro de distribuição de energia. Pelo que diziam os
dois mutantes, havia poucos trombas vermelhas no pavilhão menor. Rhodan e Larkaat
resolveram fazer uma tentativa de enganar os trombas vermelhas.
Caso se encontrassem com membros da casta C, Larkaat diria que os terranos eram
seus prisioneiros. Rhodan esperava que fosse possível enganar mais uma vez os trombas
vermelhas com as trombas tingidas dos criminosos domésticos. Se o plano fracassasse,
ainda poderiam combater pela liberdade.
Rhodan dirigiu-se a Pohiik, que se mantinha na espera à frente dos controles do
trem.
— Quer acompanhar-nos? — perguntou Rhodan.
— Tenho liberdade de ficar ou ir com os senhores? — perguntou Pohiik em tom de
espanto.
— A decisão é sua — disse Rhodan. — Cumprirei minha parte do acordo.
Larkaat apareceu na entrada da sala de máquinas e fez uma avaliação rápida da
situação.
— Quer dizer que a loucura de Pohiik é esta — chiou e apontou com uma das
trombas para o parasita que envolvia o corpo de Pohiik como se fosse uma pele
suplementar.
Rhodan colocou-se entre os dois rivais.
— Vai começar de novo com essa bobagem? — gritou para Larkaat.
— Ele entrou em simbiose com um parasita — disse Larkaat, nervoso. — Tem de
morrer.
— Não — disse Rhodan.
Larkaat sacou a arma energética. Rhodan ficou de pé entre o indignado filho de
Garko e Pohiik. Fitou o twonoser com a maior calma.
— Se quiser passar por mim, terá de matar-me — disse e também tirou a arma.
Larkaat tremia de raiva. Acabou por retirar-se sem dizer uma palavra.
— Depende exclusivamente do senhor como quer usar sua liberdade — disse
Rhodan, dirigindo-se a Pohiik.
— Tenho idéias bem definidas a este respeito.
— Gostaria de saber uma coisa — disse Rhodan. — o senhor é Pohiik, ou estou
falando com um bioparasita?
— Sou um ser resultante de uma simbiose — respondeu o twonoser.
Rhodan deu de ombros e saiu. Os fugitivos estavam à sua espera no corredor.
Larkaat e os outros criminosos domésticos já tinham saído.
O trem encontrava-se a quinhentos metros do fim do túnel. Quando saltou do
mesmo, Rhodan reconheceu abertura clareada da saída da veia. Larkaat esperava com
rosto contrariado junto ao vagão da frente.
— Temos que desarmar o senhor e seus homens — disse o tromba branca. — Ou
será que o senhor acredita que os trombas vermelhas acreditariam que temos prisioneiros
armados?
Rhodan deu ordem para que seus homens escondessem as pequenas armas
energéticas nos uniformes.
— Isso basta? — perguntou, dirigindo-se a Larkaat.
— É claro que sim — resmungou Larkaat. — Nós os escoltaremos, para que a coisa
pareça verdadeira.
Dali a alguns minutos a estranha coluna saiu marchando da veia. Cinqüenta
criminosos domésticos com as trombas pintadas iam na frente. Depois vieram os
cinqüenta homens do Império Solar. Na retaguarda havia mais cem twonosers. Nesse
meio tempo Rhodan mandara que os dois sprinters voltassem ao centro de distribuição de
energia. Deviam entrar em ação no instante exato em que o grupo combatente aparecesse
na frente do edifício. Rhodan considerara a possibilidade de não conseguirem chegar ao
centro de distribuição. Nesse caso os imartenses agiriam segundo seu critério, tentando
apresentar um ultimato aos trombas vermelhas.
Quando saiu do túnel e pôde ver o pequeno pavilhão, Perry Rhodan viu que as
informações dos dois mutantes da USO eram corretas. Havia três edifícios não muito
grandes no centro. Uma estrada levava diretamente ao arco do portão mais próximo.
Rhodan viu um veículo solitário que se deslocava em direção aos três edifícios. Cerca de
trinta trombas vermelhas estavam parados junto à estrada. No momento não
representavam nenhum perigo, mas Rhodan quis evitar que os trombas vermelhas que se
encontravam no centro de distribuição de energia fossem alarmados.
Larkaat levou a coluna diretamente para os três edifícios. Os primeiros trombas
vermelhas notaram sua presença quando ainda se encontravam a algumas centenas de
metros da pequena povoação.
Rhodan viu um veículo sair em alta velocidade de um dos edifícios e correr na
direção dos fugitivos.
Larkaat levantou uma das trombas e mandou que a coluna parasse.
O veículo era parecido com aqueles que os terranos haviam visto no pavimento
inferior do moby. Freou perto de Larkaat. Dois trombas vermelhas saíram do mesmo.
Larkaat fitou-os com a maior calma.
— Quem são estes forasteiros? — perguntou o mais alto dos dois trombas
vermelhas.
— São nossos prisioneiros — disse Larkaat em tom orgulhoso. — Estavam com os
trombas azuis que atacaram Berdag. Conseguimos prendê-los.
Os dois trombas vermelhas lançaram um olhar desconfiado para os homens da Crest
II.
— Por que os trouxeram para cá? — perguntou o maior dos dois.
— Estamos cumprindo ordens — respondeu Larkaat com a voz calma. — Ordens
de quem?
Era a pergunta decisiva. Rhodan sabia que dali em diante não adiantaria mais
mentir.
— Por que faz essa pergunta? — foi a última tentativa de escapar à descoberta.
— Quem lhes deu ordem de trazer os prisioneiros para cá? — repetiu o tromba
vermelha em tom de ameaça.
Desta vez o filho de Garko não deu resposta. Tirou a arma energética e atirou. O
porta-voz dos dois trombas vermelhas caiu ao chão, sem vida. Seu acompanhante tentou
pôr-se a salvo com um salto desesperado para trás do veículo. Mas a reação veio muito
tarde. Morreu, atingido por pelo menos dez raios energéticos.
Rhodan cerrou os dentes. Aquilo que ele receara acabara por acontecer. Dali a
pouco todos os trombas vermelhas seriam informados que além dos trombas azuis
cinqüenta forasteiros tinham invadido sua área. Rhodan perguntou-se qual seria a reação
da casta C diante do aparecimento de cento e cinqüenta twonosers que possuíam trombas
vermelhas, mas ao que tudo indicava estavam aliados aos atacantes.
A voz de Larkaat fez com que Rhodan voltasse à realidade.
— Vamos andando! — gritou o filho de Garko para os criminosos domésticos.
Rhodan fez um sinal para Tolot e Melbar Kasom.
— Vamos caminhar na frente do grupo — disse aos terranos. — Não quero que
Larkaat pense que daqui em diante manda sozinho.
— O twonoser não deveria ter atirado — disse Atlan. — Daqui a pouco teremos de
enfrentar as divisões dos trombas vermelhas.
— Receio que sim — reconheceu Rhodan. — Dirigiu-se a Tolot: — Vá na frente e
tente entrar em contato com os Woolver. Temos de encontrar um meio de nos
apoderarmos do centro de distribuição, pois só assim Garko o Forte libertará os
prisioneiros.
Icho Tolot apoiou-se nos braços de salto e saiu em alta velocidade.
***
Os gêmeos Woolver estavam parados no recinto superior de uma das duas torres
pertencentes ao centro de distribuição de energia. Ali ninguém os incomodava. Tratava-
se de um depósito de peças sobressalentes. A poeira depositada em toda parte era uma
prova de que os trombas vermelhas raramente entravam lá.
Rakal Woolver caminhava nervosamente de um lado para outro. Se nada os
detivesse, os fugitivos deveriam surgir a qualquer momento. Rakal passou a mão pelo
cabelo curto. Parecia pensativo. Receava que tivessem confiado demais na sorte.
Rakal parou perto da janela grande. Ouviu seu irmão Tronar, que sentara numa
pequena máquina, dar uma risadinha.
— Rhodan não virá mais cedo só porque você vive olhando pela janela — disse em
tom sarcástico.
— Se é que ele virá — observou Rakal.
Tronar levantou-se e foi para perto do irmão.
No mesmo instante ouviram o estrondo de várias explosões. Nuvens de fumaça
levantaram-se bem ao longe. Os dois irmãos entreolharam-se.
— Será que são eles? — perguntou Rakal com a voz trêmula.
— Não — respondeu Tronar. — Devem ser os trombas azuis.
Rakal assustou-se. Se os trombas azuis tinham conseguido chegar ao pavilhão em
cujo interior se encontrava o centro de distribuição, não podia haver mais nenhuma
dúvida sobre suas intenções. Também queriam apoderar-se do centro.
— Não podemos esperar mais — disse Rakal Woolver. — Temos de obrigar os
trombas vermelhas que se encontram na estação a abandonar a luta antes que os trombas
azuis consigam chegar aqui.
Tronar apontou em outra direção.
— Parece que estamos recebendo reforços — disse.
Rakal olhou na direção indicada. Quase soltou um grito de júbilo quando viu Icho
Tolot na estrada, aproximando-se da estação em alta velocidade. O halutense estava
sendo perseguido por vários trombas vermelhas armados. Alguns estavam sentados em
veículos abertos e atiravam no gigante.
— Vamos para a abóbada — gritou Tronar.
Os dois mutantes saltaram ao mesmo tempo. Sabiam perfeitamente qual era o fluxo
de energia que tinham de usar para chegar ao interior do centro de distribuição.
Rakal teve azar. Materializou bem ao lado de um tromba vermelha, que estava
inclinado sobre uma máquina. Woolver tirou a arma energética, segurou-a pelo cano e
bateu violentamente no crânio do twonoser, que não desconfiava de nada. O ser
trombudo soltou um gemido e caiu ao chão. Tronar apareceu a dez metros do lugar em
que estava Rakal. Este fez um sinal de que estava tudo em ordem.
Os dois saíram correndo em direção aos reóstatos. Sete trombas vermelhas
apareceram na outra extremidade do corredor. Os twonosers soltaram gritos de alerta e
sacudiram as armas de cano curto.
— Não se atreverão a disparar um único tiro — gritou Tronar. — Se atingirem uma
peça importante, colocarão em risco o abastecimento de energia de todo o moby.
Sempre que possível, os dois mutantes protegiam-se atrás das máquinas. Ouviu-se
um ruído parecido com uma explosão, vindo do outro lado do edifício. Os imartenses
ouviram o ruído do vidro estilhaçado.
Os trombas vermelhas empenhados na perseguição pararam, indecisos. Acabaram
por dividir-se em dois grupos.
Quatro deles saíram correndo para descobrir a causa do barulho, enquanto os outros
ficaram perto dos mutantes.
Rakal e Tronar enfiaram-se entre algumas espulas gigantescas. Logo se viram à
frente dos reóstatos.
Ouviu-se uma voz retumbante, vinda do outro lado. Logo se seguiu a queda pesada
de um corpo.
— Tolot! — gritou Tronar. — O senhor nos ouve?
— Estou indo! — gritou o halutense.
Dali a mais alguns segundos sua figura enorme apareceu entre os reóstatos.
Foi quando apareceram os perseguidores. Os mutante dirigiram suas armas para as
gigantescas máquinas que irradiavam os fluxos de energia para todos os setores do moby.
Rakal Woolver ligou sua tradutora para o volume máximo.
— Saiam imediatamente deste edifício, senão destruímos as máquinas mais
importantes — gritou para os twonosers.
Os trombas vermelhas pararam e puseram-se a confabular.
— Quem são vocês? — perguntou o chefe. — Pertencem à casta B?
— Somos tripulantes da espaçonave que se encontra neste pavimento — respondeu
Rakal Woolver. — Saiam e digam aos seus chefes que devem suspender os combates
contra os trombas azuis. Fomos nós que paralisamos o fornecimento de energia no
pavimento médio. Não teremos a menor dúvida em fazer o mesmo neste pavimento, a
não ser que o centro de distribuição seja evacuado.
Os trombas vermelhas discutiram violentamente, mas acabaram por retirar-se.
— Mantenham a posição — disse Tronar Woolver, dirigindo-se aos outros. —
Tentarei entrar em contato com Perry Rhodan.
— Ande depressa — recomendou Tolot. — A coluna está presa perto da entrada
deste pavilhão. Os trombas vermelhas colocaram em posição um canhão energético com
o qual bloquearam o portão de entrada.
— Pois terão uma surpresa — disse Tronar e desmaterializou. Seu corpo voltou a
adquirir substância junto a uma coluna luminosa que ficava do lado de fora do edifício.
Pelo menos cem trombas vermelhas exaltados cercavam o centro. Tronar viu o lugar
em que Tolot tinha entrado no edifício. O halutense atravessara a muralha exterior com a
força de um projétil. Um buraco gigantesco, que tinha aproximadamente os contornos do
corpo de Tolot, provava que o mesmo tinha forçado a entrada.
Woolver deu outro salto antes que os trombas vermelhas notassem sua presença.
Usou os condutores que ligavam as diversas colunas luminosas. Não demorou a chegar
ao portão. O mesmo estava ocupado pelos trombas vermelhas, conforme informara Tolot.
Tronar contou pelo menos sessenta twonosers, que tinham colocado em posição uma
arma pesada. Devia ser o canhão energético a que Tolot se referira.
Woolver pôs-se a refletir. Havia uma coluna luminosa bem à frente do portão. O
mutante pegou a pistola energética. Introduziu-se no condutor subterrâneo de energia e
saltou. Conforme esperara, foi sair exatamente no portão. Não perdeu tempo. Levantou a
arma e fez pontaria para o canhão. Os twonosers o descobriram no momento exato em
que disparou o primeiro tiro. Alguns gritaram, enquanto outros pegaram as armas.
Woolver disparou vários tiros na direção do canhão e desapareceu, aproveitando o eco de
impulsos mais próximos.
Os twonosers cercaram a arma inutilizada e soltaram gritos de raiva e decepção. O
mutante reaparecera do outro lado do portão. Woolver certificou-se de que se encontrava
no interior de um pavilhão pequeno. À distância em que se encontrava as armas portáteis
dos trombas vermelhas não representavam nenhum perigo. Tronar viu três edifícios a
alguns quilômetros do lugar em que se encontrava. Havia uma estrada que ligava os
mesmos diretamente ao portão.
Enquanto Woolver fazia o reconhecimento da área, os criminosos domésticos e seus
aliados terranos foram saindo de depressões que ficavam atrás dos blocos de cristal.
— A passagem pelo portão ficou livre! — gritou Woolver. — Apressem-se.
Ouviu os gritos de triunfo dos homens. Os fugitivos apressaram o passo. Melbar
Kasom foi o primeiro a chegar perto do imartense. Havia um brilho arrojado em seus
olhos.
— Conseguiu pôr fora de ação esse maldito canhão? — perguntou.
— Naturalmente — respondeu Tronar. — Mas ainda restam sessenta trombas
vermelhas armados perto do portão.
Kasom soltou um grunhido de desprezo e continuou a correr. Rhodan chegou perto
de Woolver. O mutante apresentou um relato ligeiro dos acontecimentos que se tinham
verificado no centro de distribuição de energia.
Atlan apareceu. O arcônida estava com o rosto vermelho. Tronar viu o sargento
Kapitanski correr na direção do portão, juntamente com um grupo de criminosos
domésticos. Os nervos dos trombas vermelhas descontrolaram-se antes que fossem
disparados os primeiros tiros. O aspecto dos atacantes fizera com que entrassem em
pânico. Quando Melbar Kasom chegou ao portão, correndo na frente do grupo, só
encontrou um canhão energético consumido pelo calor.
9

Quando Garko o Forte apareceu pessoalmente no campo de prisioneiros, John


Marshall teve a impressão de que uma coisa extraordinária tinha acontecido. Hesitava em
investigar os pensamentos do chefe dos trombas brancas para descobrir o motivo de seu
aparecimento. Garko o Forte parou na entrada. Storkeet foi para perto de Marshall, que se
mantinha à espera, impaciente, e disse:
— Ele quer falar com o senhor, terrano.
Marshall levantou-se e foi para a porta juntamente com Storkeet. Garko levantou a
tromba, a título de cumprimento. Na opinião do telepata devia ser um bom sinal.
— Recebeu alguma notícia? — perguntou Garko.
Surpreso, Marshall respondeu que não. Esperara que Garko lhe contasse alguma
coisa sobre a luta que estava sendo travada no pavimento superior. Mas ao que parecia
Garko também não tinha recebido novas informações.
— Minhas ligações com os pavimentes superiores foram interrompidas — disse o
tromba branca. — Não sei o que aconteceu neste meio tempo no território da casta C.
— A distância é muito grande — respondeu Marshall.
Perguntou-se se seria mesmo recomendável tranqüilizar o twonoser. Ele mesmo
precisaria muito mais de alguém que o reconfortasse.
De repente Garko segurou a maçaneta da porta e empurrou-a.
— O trem no qual poderão ir ao pavimento superior está preparado para partir —
disse. — Providenciei para que recebam as armas de que precisarão.
Marshall fitou o pequeno twonoser com uma expressão de perplexidade.
— Quer dizer que pretende colocar-nos em liberdade? — perguntou, estupefato. —
O senhor nem sabe se Perry Rhodan conseguiu alguma coisa.
— Faço votos de que não esteja errando — disse Garko com a maior calma. —
Agora, que nos rebelamos contra a ditadura dos trombas vermelhas, não devemos fazer
aquilo que condenamos nas duas castas superiores. Em nosso pavimento não existem
mais prisioneiros.
— Obrigado — disse Marshall. — Posso dizer aos homens? Estão impacientes à
espera desta notícia.
— Vá para junto deles — disse Garko. — Storkeet os levará ao trem.
— Venha conosco — sugeriu Marshall. — Acompanhe-nos ao pavimento superior
e dê início à sua nova tarefa.
Garko sacudiu a cabeça.
— Prefiro ficar aqui — disse. — Meu filho está com os criminosos domésticos. Se
Rhodan conseguir apoderar-se do centro de distribuição de energia, Larkaat assumirá o
comando no pavimento superior.
— O senhor esperou muito tempo pelo momento de poder entrar no centro de
distribuição — lembrou Marshall.
— Terá o direito de pintar suas trombas de vermelho e de governar todas as castas.
— Não — respondeu Garko num tom que quase chegava a ser violento. — Não
quero nada disso. Nasci no pavimento inferior. Desde que assumi o governo dos trombas
brancas, sempre procurei ser justo com minha casta. Demorará bastante até que um
sistema como este possa ser estabelecido em todos os setores do moby. É possível que
Larkaat consiga — Garko baixou a tromba. — Não me presto para as funções de chefe —
disse.
Marshall pôs a mão sobre o ombro do twonoser.
— Um momento — pediu. — Mostrarei como os terranos reagem a este respeito.
— Deu um passo para dentro do pavilhão e gritou para os astronautas: — Garko o Forte
resolveu pôr-nos em liberdade. O trem que nos levará ao pavimento superior está pronto
para partir.
Aplausos ensurdecedores se fizeram ouvir. Marshall sorriu para o tromba branca.
— O senhor acha que um chefe que não presta receberia tantos aplausos?
Garko retirou-se sem dizer nada. Marshall seguiu-o com os olhos. Estava satisfeito
por não ter cedido à tentação de espionar os pensamentos do twonoser. Garko não
merecia que alguém o controlasse. Quando Marshall voltou a virar o rosto para os
astronautas, os oficiais da Crest II já tinham dado ordem para que os tripulantes
entrassem em forma.
***
O sargento Brodger Kapitanski tentou avaliar as forças dos exércitos dos trombas
azuis e vermelhas que se defrontavam junto ao centro de distribuição de energia. Pelos
seus cálculos, devia haver pelo menos cem mil soldados fortemente armados das duas
castas no interior do pavilhão. Do ponto de vista puramente militar, os twonosers
estariam em condições de reconquistar o centro dentro de alguns minutos. O que fez com
que os seres trombudos hesitassem foi somente o fato de que no interior da abóbada se
encontravam duzentos homens que não recuariam diante de nada. Rhodan e Larkaat
haviam explicado aos chefes dos twonosers que qualquer tentativa de expulsar os terranos
e os criminosos domésticos do centro de distribuição acarretaria a destruição dos
reostatos de energia instalados no centro. A destruição da estação receptora principal,
situada no pavimento médio, era a melhor prova de que os inimigos dos twonosers não
estavam formulando ameaças vazias.
Kapitanski movimentava-se nervosamente junto à janela. Encontrava-se na sala de
cima de uma das torres. De lá via grande parte do território da casta C. Os trombas azuis
e vermelhas haviam celebrado um armistício, depois de terem descoberto quem tinha
realizado o ataque contra o sistema de abastecimento de energia.
Rhodan e Larkaat tinham entrado num jogo muito arriscado, mas Kapitanski sabia
perfeitamente que era o único meio de exercer pressão contra os twonosers. Rakal
Woolver estava a caminho do pavimento inferior, para informar seus ocupantes de que o
centro de distribuição de energia se encontrava nas mãos dos terranos.
Kapitanski admirou-se por ser capaz de ficar calmamente no alto, contemplando as
tropas inimigas. Se estivesse numa fortaleza inexpugnável, não se sentiria mais seguro.
Justamente no momento em que o conflito com os twonosers atingira o ponto mais alto,
Kapitanski conseguira livrar-se do medo que sentia por tudo que não era terrano. Talvez,
pensava, já estivesse acostumado ao ambiente estranho. Olhou pela janela e viu uma
nuvem de poeira que se levantou bem ao longe e se estendeu rapidamente na direção do
centro de distribuição. Kapitanski lembrou-se de que era o lugar em que ficava o grande
arco pelo qual tinham entrado no pavilhão.
Era outro exército dos trombas azuis que se aproximava ou então... Kapitanski
abandonou seu posto de observação e correu para o elevador. Entrou na cabine e deixou
que este o levasse para baixo. Parou no pavimento térreo. Um dos astronautas terranos
estava parado do lado de fora.
— Assuma meu posto — ordenou Kapitanski. — Preciso falar com Rhodan.
O homem entrou no elevador e subiu, enquanto o sargento corria em direção ao
centro de distribuição propriamente dito. Dali a instantes ficou parado à frente de
Rhodan.
— Uma coluna extensa aproxima-se do centro, vinda do portão, senhor — informou
em tom apressado. — Se não forem trombas azuis, só podem ser os soldados de Garko.
Rhodan cerrou os lábios. Larkaat agitava nervosamente as trombas.
— Se forem trombas brancas, corremos o perigo de que os combates sejam
reiniciados.
— Precisamos evitar que isso aconteça — disse Rhodan. — Se houver novos
combates, também estaremos em perigo. Fale com os soldados de seu pai, Larkaat.
— Não tenho como chegar lá em tempo — respondeu Larkaat em tom resignado.
— Tem, sim — Rhodan apontou para Icho Tolot. — O halutense carregará o
senhor.
Icho Tolot deu uma estrondosa gargalhada. O twonoser fitou-o com uma expressão
de desconfiança.
— Está com medo — constatou Tolot em tom seco.
Larkaat acenou teimosamente com uma das trombas.
— Vamos — disse em tom resoluto. Subiu nas costas do halutense. Este pôs-se em
movimento.
— Temos de encontrar um meio de trazer os chefes das duas castas superiores para
cá — disse Rhodan. — Têm de conceder-nos salvo-conduto para irmos à Crest.
Antes que terminasse de falar, Rakal Woolver materializou atrás dos reostatos e
aproximou-se rapidamente.
— A tripulação da Crest já está viajando para o pavimento superior, senhor —
informou o sprinter. — Garko libertou-os antes do tempo. Encontrei o trem em caminho.
Deverá chegar ao pavimento superior dentro de dez horas, aproximadamente, a não ser
que seja detido. Mas não é só. Os soldados de Garko estão atravessando o arco e entrando
neste pavilhão.
— Disso nós já sabemos, major — respondeu Rhodan. Passou a dirigir-se a Tronar
Woolver. — Salte para a Crest e faça tudo para que possamos decolar nas melhores
condições possíveis quando estivermos lá.
Tronar desmaterializou. Atlan levantou do suporte da máquina no qual estivera
sentado o tempo todo.
— Por que não quer esperar o trem que traz a tripulação, Perry? — perguntou o
arcônida.
— Tenho uma forte impressão de que os twonosers ainda nos criarão problemas —
disse Rhodan. — Se estivermos na Crest, estaremos em melhores condições de ajudar os
fugitivos do que neste centro de distribuição.
Rhodan chamou o sargento Kapitanski.
— O senhor se arriscaria a sair para falar com os twonosers, sargento?
— Naturalmente, senhor! — exclamou Kapitanski.
— Diga-lhes que quero falar com os chefes das duas castas — disse Rhodan. —
Talvez consiga convencer os dois trombudos a virem com o senhor.
— Farei o possível, senhor — disse Kapitanski.
O sargento saiu andando. Não se sentia muito à vontade. Antes estivesse na torre.
Receava que os twonosers o prendessem para usá-lo como refém. Saiu da construção
abobadada pela abertura que Tolot criara à força. Os primeiros twonosers encontravam-se
a quinhentos metros do lugar em que estava Kapitanski. O sargento ficou parado por um
instante, em atitude hesitante. Sentia-se indefeso e abandonado. Mas finalmente
empertigou-se e continuou a andar. A cada passo que dava sentia-se mais inseguro.
Quando tinha percorrido metade do caminho, viu que os twonosers que se encontravam à
sua frente pertenciam à casta dos trombas vermelhas.
Esperava que alguém viesse ao seu encontro, mas os twonosers permaneciam
calmamente nos lugares em que se encontravam. Finalmente Kapitanski viu-se a poucos
metros do primeiro soldado. Estava com a garganta ressequida e receava que não
conseguisse dizer uma palavra. Inúmeros olhos facetados fitavam-no com uma expressão
ameaçadora. Kapitanski teve de fazer um grande esforço para não fugir. Se saísse
correndo, os twonosers começariam a duvidar de que os terranos realmente eram tão
corajosos como pareciam.
— Onde está o chefe de vocês? — perguntou Kapitanski.
Teve a impressão de que sua própria voz soava muito forte e insegura. Esperava que
a transmissão através da tradutora apagasse essas características.
— O que quer com ele? — perguntou um twonoser que estava sentado bem à sua
frente.
— Direi isso a ele — respondeu o sargento.
O tromba vermelha levantou-se e fez um sinal com a tromba.
— Acompanhe-me! — disse.
Kapitanski não teve alternativa. Foi obrigado a seguir o soldado. O twonoser levou-
o para o acampamento do exército dos trombas vermelhas. De todo lado vinham gritos de
desprezo. Kapitanski fez um esforço para caminhar bem ereto. Já era tarde para voltar. Se
os twonosers quisessem prendê-lo, seria inútil resistir.
O guia de Kapitanski parou à frente de uma construção parecida com uma tenda.
— Entre aqui! — chiou em tom pouco amistoso.
Os nervos de Kapitanski estavam quase estourando quando entrou na barraca. Havia
algumas tochas acesas dentro da mesma. A luz espalhada no interior mal e mal foi
suficiente para que Kapitanski pudesse distinguir três trombas vermelhas sentados nos
fundos. — Um mensageiro dos forasteiros, Saidiik — disse o guia, mostrando
Kapitanski.
— Deixe-nos sós — trovejou uma voz.
O soldado retirou-se. Kapitanski julgou preferível tomar logo a iniciativa.
— Perry Rhodan quer falar com o senhor, Saidiik — disse. — Quer que vá ao
centro de distribuição juntamente com o chefe dos trombas azuis.
As figuras dos twonosers pareciam estranhamente distorcidas à luz das tochas. O
cheiro dos vegetais em chamas deixou Kapitanski atordoado.
— Não! — exclamou Saidiik. — Quero que Rhodan venha para cá.
Kapitanski tinha medo de que os twonosers ouvissem as batidas violentas de seu
coração. Teve de fazer um grande esforço para dar a aparência de que estava calmo.
— Se não quiser vir comigo, o senhor será responsável pelas conseqüências —
disse em tom de ameaça. — Não temos nada a perder.
— Um exército de trombas brancas apareceu neste pavilhão — disse Saidiik. —
Que espécie de ligação existe entre vocês e os subdesenvolvidos?
— São nossos aliados — afirmou Kapitanski.
Ouviu Saidiik confabular em voz baixa com os dois outros.
— Irei com você — disse o comandante dos trombas vermelhas depois de algum
tempo.
O sargento respirou aliviado, Se conseguisse convencer o chefe dos trombas azuis a
conversar com Rhodan, haveria uma possibilidade de voltarem logo à Crest II. A
lembrança da nave fez com que o sargento esquecesse o cansaço. Saiu da tenda em
companhia de Saidiik.
Os soldados abriram caminho respeitosamente ao verem seu comandante. No íntimo
Kapitanski se deu parabéns. Acabara de cumprir a parte mais difícil de sua tarefa.
***
Não foi nada agradável negociar com os dois chefe twonosers. Tratavam-se com
certo desprezo. No início Saidiik se recusou a admitir que Vorbaag, o chefe dos trombas
azuis, tivesse qualquer poder de decisão. Finalmente Rhodan pôs fim às discussões dos
dois seres trombudos.
— Parece que os senhores se esquecem de que o papel que suas castas
desempenhavam até aqui chegou ao fim para todo o sempre — disse. — Faremos com
que a posição que os senhores ocupavam seja assumida pelos trombas brancas,
juntamente com os criminosos domésticos.
Saidiik e Vorbaag puseram-se a esbravejar. Exigiram que Rhodan os deixasse voltar
imediatamente para junto de suas tropas, pois queriam fazer um ataque conjunto ao
exército dos trombas brancas.
— Calem-se! — gritou Rhodan. — Se dispararem um único tiro contra os trombas
brancas, faremos explodir esta estação.
Os dois comandantes voltaram a protestar energicamente. Só se calaram quando
Tolot voltou e os levantou.
— Vocês só devem falar quando alguém lhes der ordem — resmungou o halutense.
— Entendido?
Saidiik e Vorbaag respiravam com dificuldade. Tolot voltou a colocá-los
violentamente no chão. Rhodan não pôde deixar de sorrir.
— Então — disse em tom enfático. — Já podemos conversar de novo.
— O que quer mesmo? — perguntou Saidiik.
— Exigimos que nos deixem sair com nossa nave — disse Rhodan.
Viu-se que as palavras de Rhodan produziram certo alívio nos dois twonosers.
Rhodan teve a impressão de que via o trabalho que se desenvolvia atrás da testa de
Saidiik e Vorbaag. Parecia que os dois refletiam para encontrar um meio de reconquistar
o centro de distribuição para sua casta.
— Ninguém vai impedir sua saída — garantiu Saidiik.
Rhodan sabia que o tromba vermelha estava mentindo.
— Vamos sair do moby com nossa espaçonave — disse.
— Está bem — apressou-se Saidiik em dizer. — Estou de acordo.
Vorbaag manifestou seu consentimento, balançando ligeiramente as trombas.
— Larkaat os manterá presos aqui até que tenhamos chegado à nossa nave — disse
Rhodan. — É uma espécie de garantia dupla.
Saidiik quis protestar, mas calou-se assim que Tolot deu um passo em sua direção.
— Enquanto isso — prosseguiu Rhodan — os trombas brancas ocuparão este centro
de distribuição e os quatro centros geradores atômicos. Garko o Forte e seu filho Larkaat
passarão a governar os twonosers. As outras ordens serão dadas pelos mesmos.
Foi demais para os dois comandantes. Descontrolaram-se e fizeram menção de
investir contra Rhodan. Mas Tolot interveio imediatamente e voltou a levantá-los.
— Aprendi muita coisa — disse Larkaat e estendeu a tromba para Rhodan.
— O senhor ainda não saiu do moby! — gritou Saidiik.
Rhodan segurou Tolot, que pretendia precipitar-se sobre o tromba vermelha.
— Seu tempo passou — disse Rhodan com a voz calma. — Qualquer coisa que o
senhor fizer não poderá impedir a grande transformação no interior do moby.
Saidiik julgou preferível ficar calado. Olhou com uma expressão amargurada para
os cinqüenta desconhecidos que estavam desaparecendo entre os reostatos.
— Foram embora — disse Vorbaag em voz baixa.
— Foram — disse Saidiik, lançando um olhar para Larkaat. — Mas a semente que
lançaram continua.
10

A Crest II, nave-capitânia do Império Solar, parecia intocada no interior do


gigantesco pavilhão, onde fora obrigada a pousar. Rhodan sabia que isso não passava de
uma impressão ilusória. Os cientistas da casta C tinham feito esforços tremendos para
descobrir a maneira como funcionavam os diversos mecanismos. Em certos lugares até
tinham iniciado a desmontagem de alguns conjuntos. Mas o ataque dos trombas azuis ao
pavimento superior obrigara os trombas vermelhas a suspender o trabalho no interior da
Crest II.
Os cinqüenta homens subiram pelo passadiço que ia dar na eclusa. Tronar Woolver
já estava à sua espera na câmara da eclusa.
— Não há nenhum twonoser a bordo — informou o mutante. — Não constatei
qualquer avaria na sala de comando ou nos propulsores. Não será difícil substituir as
peças desmontadas pelos trombas vermelhas.
Rhodan recebeu a notícia com grande alívio. Os receios de que a nave não estivesse
em condições de vôo revelaram-se infundados.
Tronar Woolver já ligara os geradores. Dessa forma os astronautas puderam usar os
elevadores antigravitacionais para chegar à sala de comando. Rhodan mandou realizar
uma ligeira conferência.
— Ainda não estamos em segurança — disse. — Antes de mais nada, temos de
trazer os tripulantes da Crest para cá. Faremos sair uma nave-girino, que voará ao
encontro dos fugitivos e os recolherá.
— Vai ficar muito apertado dentro dela — objetou Melbar Kasom.
— É verdade — disse Rhodan. — Mas antes suportar um aperto temporário do que
submeter-se à prisão pelo resto da vida.
Rhodan escolheu cinco homens para pilotar a nave-girino e os enviou ao hangar.
Depois dirigiu-se aos dois sprinters.
— Sei que estão cansados — disse. — Mas é necessário que arrisquem mais uma
operação.
Os imartenses sorriram.
— Depois que estamos a bordo da Crest, temos a impressão de que nascemos de
novo, senhor — disse Rakal.
— Já sabemos que o raio de carregamento usado para trazer a Crest para cá não é
controlado a partir do centro de distribuição. — Rhodan fez uma ligeira pausa e
prosseguiu: — É possível que as instalações que controlam o raio ainda se encontrem em
poder dos trombas vermelhas ou azuis. Dessa forma poderíamos ser impedidos de sair do
moby.
— Acho que devemos destruir as instalações — disse Rakal Woolver.
— Isso mesmo — decidiu Rhodan em tom enfático. — Mas façam um trabalho
completo, para que as mesmas não representem mais nenhum perigo para qualquer
espaçonave. Retirem dos arsenais da Crest todas as bombas de que precisarem.
Os sprinters desmaterializaram. Rhodan viu na tela de controle que a eclusa do
hangar se abrira. Dali a instantes uma nave-girino saiu da Crest em alta velocidade.
Rhodan ligou o radiofone, para entrar em contato com os homens que se
encontravam na nave auxiliar.
— Aproximamo-nos do grande arco que leva ao pavilhão vizinho — disse a voz do
sargento Kapitanski, que estava no comando da nave-girino.
— O senhor acha que consegue passar, sargento? — perguntou Rhodan.
— Sem dúvida, senhor — respondeu o sargento. — Temos alguns metros de espaço
de ambos os lados.
Disse mais alguma coisa, mas suas palavras não foram entendidas, pois a nave de
sessenta metros de diâmetro já tinha entrado no pavilhão vizinho.
Rhodan deixou-se cair na poltrona de comando. Apesar do ativador de células, que
produzia a regeneração ininterrupta de seu organismo, sentia-se cansado. Vivia tenso há
vários dias.
Dali a uns sete minutos os rastreadores da Crest II registraram várias explosões.
— Os Woolver estão trabalhando — observou Atlan. Como que para confirmar as
palavras do arcônida, Rakal Woolver materializou na sala de comando. Tronar apareceu
dentro de mais alguns segundos.
— Ordens cumpridas, senhor — disse Tronar em tom militar. — As instalações
deixaram de existir.
Rhodan ligou os propulsores muito potentes da Crest. Quando a nave-girino
voltasse ao hangar, o grande veículo espacial devia estar pronto para decolar.
Mas cerca de três horas se passaram até que a voz de Kapitanski voltasse a ser
transmitida pelo alto-falante.
— Tudo em ordem, sargento? — perguntou Rhodan.
— Tudo na mais perfeita ordem, senhor! — notava-se o orgulho na voz de
Kapitanski. — Os homens estão amontoados pelos corredores que nem sardinhas em lata.
— Houve perdas?
— Não senhor. Os twonosers não procuraram impedir-nos de recolher a tripulação
quando a mesma desceu do trem e entrou no pavilhão em cujo interior fica o centro de
distribuição.
— Muito bem, sargento. Volte ao hangar.
Dali a mais alguns minutos todos os tripulantes se encontravam a bordo da nave-
capitânia. Mas Rhodan ainda não podia permitir que os homens descansassem.
— Todos a postos! — disse a voz do Administrador-Geral, saída dos alto-falantes
do intercomunicador. — Guarnecer centro de comando de tiro.
O Coronel Cart Rudo entrou e encarregou-se dos controles da nave.
— Como vamos sair daqui, senhor? — perguntou.
— Abriremos caminho para o espaço a tiro — respondeu Rhodan.
Os canhões polares da Crest II foram preparados para entrar em ação. Dali a pouco
o gigante de aço levantou-se do chão.
— Atenção centro de comando de tiro! — Rhodan não tirava os olhos das telas de
imagem. — Quando eu der ordem, os canhões polares abrirão fogo contra o teto deste
pavilhão.
— Isso criará dificuldades para os twonosers, Perry — gritou Atlan.
— Quanto a isso não tenho a menor dúvida — disse Rhodan. — Mas isso evitará
que caiam uns sobre os outros. Talvez a ameaça à sua sobrevivência os ajudará a se
unirem.
Atlan sorriu; parecia zangado.
— Temos aí uma amostra da psicologia terrana — disse. — Vocês sempre querem
tirar algo de bom de qualquer situação.
Rhodan não respondeu. A Crest estava suspensa cem metros acima do solo.
— Fogo! — gritou Rhodan.
Os campos defensivos da nave cintilaram quando os canhões polares dispararam
uma salva contra o teto do pavilhão. Toneladas de rocha vitrificada pingaram sobre a
nave. O teto desmanchou-se sob a ação das energias escaldantes.
— Fogo! — voltou a gritar Rhodan.
O envoltório exterior do pavimento superior abriu-se num comprimento de quase
vinte quilômetros. Fora da nave o barulho devia ser indescritível. Mas o mesmo só seria
ouvido enquanto o oxigênio não tivesse escapado. A Crest correu para dentro da tormenta
de fogo desencadeada por ela mesma. O Coronel Cart Rudo realizou uma obra-prima na
arte da pilotagem ao fazer passar a nave de mil e quinhentos metros de diâmetro pela
abertura criada a força.
— Conseguimos! — exclamou Rhodan em tom de alívio, quando dali a instantes o
moby apareceu nas telas. A nave-capitânia da Frota Solar afastava-se, acelerando cada
vez mais e deixando para trás o gigante que servia de habitat a um estranho povo de
guardiães.
Os calendários automáticos da Crest II registravam o dia 26 de agosto de 2.402,
tempo padrão.
Foi o dia em que o sargento Brodger Kapitanski finalmente voltou a dormir algumas
horas em seguida — e numa cama de verdade.

***
**
*

Conseguiram abrir passagem e atingiram o espaço


cósmico.
Enquanto os homens da Crest lutavam pela
liberdade no interior do moby, uma esquadra de reforços
atingiu os confins da nebulosa Andro-Beta. Trata-se de
seis gigantescas naves cargueiras, comboiadas pelo
cruzador pesado Bagalo.
A Bagalo faz um vôo de reconhecimento, e há um
encontro decisivo.
Leia a emocionante história no próximo volume da
série Perry Rhodan — Os Irmãos Siderais.

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