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(P-23O)

O FIM DE GÊMEOS
Autor
H. G. EWERS

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
No ano de 2.4O1, quando os duplos apareceram na
Galáxia, o Lorde-Almirante Atlan, chefe da United Stars
Organization, viu-se levado a recorrer aos seus mutantes
secretos Tronar e Rakal Woolver, a fim de ajudar Perry Rhodan
a rechaçar os invasores vindos de Andrômeda.
Os parasprinters — nome dado aos gêmeos Woolver,
porque são capazes de locomover-se no interior de qualquer
fluxo de energia — fazem um excelente trabalho. Os gêmeos
nascidos no planeta Imart, de cuja existência nem mesmo
Gucky, o mutante mais competente do exército especial de Perry
Rhodan, tinha conhecimento, desvendaram o mistério dos
duplos, fizeram espionagem no centro de comando dos maahks e
impediram a invasão que ameaçava a Galáxia.
Gucky, o célebre rato-castor, acabou saltando para dentro
da cova do leão, e trouxe Grek-1, comandante da invasão
frustrada dos maahks, para junto de Perry Rhodan. Parece que
o comandante maahk, que se tornou prisioneiro, está disposto a
desligar-se dos seres que o dominam, os chamados senhores da
galáxia. Mas Grek-1 não se esquece da missão de seu povo.
Traz a morte e a destruição para as frotas dos aconenses — e
causa O Fim de Gêmeos...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Hat-Mooh — Comandante da armada aconense.
Nir-Lah — Pseudônimo de um agente secreto terrano.
Grek-1 — “Hóspede” dos terranos.
Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar, que
cumpre os desejos de um desconhecido.
Atlan — Lorde-Almirante e chefe da USO.
Allan D. Mercant — Marechal Solar e chefe da Segurança
Galáctica.
Prof. Arno Kalup — Um gênio que assume um comportamento
muito estranho.
Julian Tifflor — Um marechal solar que recebe ordem de
retirada.
Coronel Mirabelle — Um velho a serviço da Segurança.
1

Hat-Mooh franziu o rosto estreito num sorriso sarcástico, quando os dois guardas
entraram com o prisioneiro.
Não sentia pena pelo terrano baixo, de pele amarela. Aos olhos de Hat-Mooh este
povo vindo de um planeta que há apenas quinhentos anos não tinha nenhuma
importância, e que ficava num braço da Galáxia em que as estrelas eram bastante raras,
era animalesco e primitivo. Para ele quase chegava a ser uma blasfêmia que os terranos se
atrevessem a competir com a única raça verdadeiramente inteligente do Universo, a dos
aconenses.
Um dos guardas quis fazer a apresentação, mas Hat-Mooh fez um gesto de tédio.
— Sentem-no em cima do psicolador! — ordenou.
Por um instante alguma coisa parecida com o medo desenhou-se no rosto amarelo
do terrano. Mas o mesmo logo cerrou os lábios, num gesto de teimosia.
Hat-Mooh notou. Mostrou um sorriso arrogante.
— O silêncio que você vem mantendo não adianta nada, terrano. Quando estiver
sentado no psicolador, você contará tudo que sabe a respeito do misterioso transmissor.
O prisioneiro contorceu-se nas mãos dos guardas. Seus olhos oblíquos faiscavam de
raiva.
— Você pode tripudiar sobre mim, aconense! — gritou, furioso. — O dia em que
você receberá a conta pelo tratamento bárbaro que está me dispensando não está distante!
O rosto de Hat-Mooh tremeu, mas logo mostrou um sorriso de desprezo.
— Bárbaros são os terranos, Major Sun-Jang. Qualquer ser civilizado já teria falado.
Não esperaria pelo psicolador. Quero ver quem vai me apresentar uma conta!
O Major Sun-Jang fez força contra os braços dos guardas que queriam comprimi-lo
contra o assento.
— Quem...? Perry Rhodan!
O rosto de Hat-Mooh ficou pálido como cera. O oficial do serviço secreto aconense
apertou as mãos contra a mesa, para não mostrar que estava tremendo. Deu uma risada,
mas esta saiu histérica. Mas logo se recuperou da fraqueza.
— Amarrem-no! — gritou para os guardas.
Levantou os olhos, irritado, quando a porta se abriu.
Um aconense alto que usava o uniforme dos especialistas do serviço secreto entrou
correndo na sala de interrogatórios. Quando viu o prisioneiro, parou. Virou violentamente
a cabeça para Hat-Mooh. Seu rosto transformou-se numa máscara, que não mostrava
nenhuma emoção.
Hat-Mooh levantou.
— Nir-Lah...! — disse em tom ameaçador. — Por que veio incomodar-me?
— Ouvi dizer que o senhor pretende interrogar o Major Sun-Jang com o psicolador
— disse. — Peço que não se esqueça que com isso provavelmente destruiremos o espírito
do prisioneiro. O Major Sun-Jang era um simples comandante de nave cargueira. Esta
gente não pode dar informações importantes.
Hat-Mooh fitou Nir-Lah com uma expressão de perplexidade. Ficou chocado com o
tom agressivo em que o jovem especialista do serviço secreto se dirigira a ele. Além de
chefiar a divisão mais importante do serviço secreto de Ácon — a que cuidava da
espionagem contra o Império Solar — Hat-Mooh era membro do Conselho Supremo de
Ácon, o que lhe dava muitos poderes. E agora um especialistazinho se atrevia a pôr em
dúvida suas ordens...!
A mão de Hat-Mooh fez um movimento em direção à arma energética que se
encontrava sobre a mesa. Mas logo voltou a recolher a mesma. Respondeu com a voz
rouca de raiva contida.
— Fico muito admirado, Nir-Lah. Como pode ter a audácia de vir incomodar-me
sem fazer-se anunciar? Como se atreve a interferir em assuntos que dizem respeito
exclusivamente a mim?
Nir-Lah continuou com o rosto impassível.
— Foi o respeito que sinto por todas as formas de vida inteligente que me fez agir
assim, Hat-Mooh.
— Vida inteligente? — Hat-Mooh deu um tom de desprezo à voz. — Este terrano é
um bárbaro semi-selvagem, tal qual todos os membros de seu povo sedento de poder. Seu
“espírito” não fará falta a ninguém.
Pela primeira vez o rosto de Nir-Lah deixou de ser uma máscara. Um brilho
ameaçador surgiu em seus olhos.
— Se o senhor usar o psicolador no interrogatório deste prisioneiro, apresentarei
queixa ao Conselho Supremo, Hat-Mooh!
Hat-Mooh deu uma risada de desprezo.
— O senhor pode dar-se por feliz se eu não o rebaixar logo e o obrigar a enfrentar a
corte militar do serviço secreto. O Conselho não tomará conhecimento de sua queixa. O
senhor se esquece de que também pertenço ao mesmo.
“Nir-Lah! Só resolvi poupá-lo porque ainda precisamos do senhor. Se fizer um bom
serviço na missão que temos pela frente, talvez esqueça o incidente. Agora cale-se!”
Nir-Lah encolheu instintivamente a cabeça. Dava a impressão de que pretendia
precipitar-se sobre Hat-Mooh. Mas limitou-se a soltar ruidosamente o ar dos pulmões.
Dali a pouco seu rosto voltou a transformar-se numa máscara. Fez continência e dispôs-se
a sair.
— Espere aí! — disse Hat-Mooh. — O senhor vai ficar aqui, Nir-Lah! Sente de
maneira tal que veja o psicolador. Se fechar os olhos uma única vez, procurarei alguém
para substituí-lo.
Nir-Lah ficou estarrecido. Virou-se automaticamente e dirigiu-se à poltrona mais
próxima. Deixou-se cair no estofado macio. Virou o rosto para o psicolador. Seus olhos
pareciam apagados.
O terrano, que já estava firmemente amarrado, lançou um olhar de espanto para Nir-
Lah. Depois de algum tempo esboçou um sorriso triste.
— Muito obrigado, aconense! — disse com a voz apagada.
Depois fechou os olhos. Sua testa cobriu-se de pingos finos de suor.
Nir-Lah cerrou mais fortemente os lábios.
Hat-Mooh deu uma risada de deboche. Sua mão estreita, bem tratada, atravessou a
escrivaninha e agarrou os botões de um minúsculo quadro de comando.
Uma tela situada em cima do psicolador acendeu-se. Uma rede em forma de gorro
desceu sobre a cabeça do prisioneiro. Um zumbido leve se fez ouvir. O corpo de Sun-
Jang estremeceu. Hat-Mooh começou a fazer suas perguntas.
***
Os dois guardas levaram a vítima. Hat-Mooh fitou seu especialista com um ar de
triunfo.
— Então. Que me diz, Nir-Lah? Como comandante de uma nave cargueira Sun-
Jang estava muito bem informado...
— Felicito-o pelo resultado — respondeu Nir-Lah com a voz apagada.
Hat-Mooh sorriu. Sentiu-se lisonjeado.
— Muito obrigado. Fico satisfeito em ver que resolveu ser sensato, Nir-Lah. As
declarações deste Sun-Jang finalmente nos proporcionaram as coordenadas do
transmissor solar, que estávamos procurando há tanto tempo. Outros prisioneiros já nos
forneceram informações sobre a técnica de aproximação e o congelamento narcótico.
Mostraremos à Galáxia que Ácon não aceita o atentado terrano à liberdade do espaço
cósmico.
Nir-Lah abriu os dedos de ambas as mãos.
— O senhor acredita que os terranos nos deixarão passar sem mais aquela pelo
transmissor solar, Hat-Mooh?
— Eles não têm alternativa! — Hat-Mooh deu uma risada de deboche. — Este
cacique bárbaro chamado Perry Rhodan sabe perfeitamente que nenhuma raça tem o
direito de fechar às demais raças a única passagem para o espaço vazio. E chega a ser tolo
a ponto de guiar-se por concepções morais inspiradas pelos sentimentos. Dificilmente
poderá agir de outra forma, a não ser que queira prejudicar o conceito que sua raça goza
junto às outras raças da Galáxia.
Nir-Lah levantou-se.
— Acho que o senhor ainda terá a justa recompensa por seus atos, Hat-Mooh.
Permite que volte ao meu trabalho?
Hat-Mooh fez um gesto condescendente de concordância. Não notara o sentido
ambíguo das palavras de Nir-Lah.
Quando Nir-Lah saiu da sala de interrogatórios, a máscara parecia cair de seu rosto.
Encostou-se à parede fria de metal plastificado, respirando com dificuldade, e fechou os
olhos.
Viu em sua mente o rosto do terrano que acabara de ser interrogado: cinzento,
idiota, embotado. O psicolador apagara até a última centelha de inteligência que houvera
no cérebro de Sun-Jang.
Nir-Lah ouviu passos e empurrou-se da parede. Pôs-se a escutar. Estava banhado
em suor. Finalmente saiu andando pelo corredor como se nada tivesse acontecido.
Dali a pouco entrou no poço do elevador antigravitacional e desceu ao pavimento
em que ficava seu escritório.
Entrou, respirou aliviado e fechou a porta.
Ficou parado por um instante, absorto em pensamentos. Mas de repente animou-se.
Correu de um lado para outro, examinando muito desconfiado as paredes, o teto e todos
os objetos. Parecia satisfeito com o resultado do exame.
Nir-Lah deixou-se cair numa poltrona confortável. Levantou a mão direita e lançou
um olhar pensativo para o diamante ferrol engastado em seu anel largo. Segurou a pedra
com a ponta dos dedos e girou-a. Feito isso, encostou à boca o dedo em que carregava o
anel.
— AAO1 falando! Chamando borboleta noturna. Aviso para o Chefe: Posição e
técnica de aproximação reveladas a ninho de marimbondos. Devemos contar com o vôo
de aproximação e o ultimato. Desligo. AA-O1 falando.
Nir-Lah retirou o diamante. Abriu a parte superior do relógio de pulso e prendeu a
pedra num trançado fino que nem uma teia de aranha.
Esperou pacientemente.
Dali em diante ouviu-se um clique. Nir-Lah retirou a pedra e colocou-a no anel.
Voltou a fechar cuidadosamente o relógio.
Esperava que os aconenses não tivessem notado o impulso hipercurto. Em
compensação sabia que a mensagem transmitida em código seria captada por uma das
micro estações retransmissoras situadas na periferia do Sistema Azul, que a enviaria
praticamente sem perda de tempo para Kahalo.
Um sorriso triste apareceu no rosto de Nir-Lah. Lembrou-se de Sun-Jang, que não
pudera ajudar, e ficou sem saber como conseguira controlar-se.
O rosto estreito e fino voltou a fechar-se numa máscara quando se lembrou de que
teria de agüentar a mesma coisa vezes sem conta, caso isso se tornasse necessário.
Acontece que o verdadeiro nome de Nir-Lah era Richard Edwards, e o mesmo
exercia as funções de chefe de um grupo de agentes da Segurança Galáctica.
2

Grek-1 terminou sua opulenta refeição e caminhou com movimentos elásticos para
seu leito confortável. Começou a descontrair-se.
Os terranos realmente tinham feito o possível para proporcionar-lhe um ambiente
aconchegante. Os alojamentos especiais, hermeticamente fechados, continham uma
atmosfera de hidrogênio a amoníaco, e eram mantidos à temperatura média de 78 graus
centígrados, à qual estava habituado. Além disso a pressão atmosférica era duas vezes
maior que a do planeta Terra. Um ser humano que penetrasse nos alojamentos de Grek
morreria numa questão de segundos. Mas para o maahk as condições eram ideais.
No entanto, Grek-1 era apenas um prisioneiro. Levantou-se. O sentimento de
satisfação desapareceu tão depressa como tinha surgido. Sabia que se encontrava no
interior da Lua terrana. E sabia que Rhodan, Atlan e Mercant também se encontravam na
Lua. Conversavam com ele várias vezes por dia através da tradutora equipada com um
videofone.
Grek-1 não demorou a perceber que Perry Rhodan não se limitava às palestras
verbais. Seus telepatas tentavam sondar os pensamentos do maahk. Acontece que o
mesmo não fazia nenhuma questão de que os terranos descobrissem seus segredos mais
importantes — ao menos por enquanto. Conseguira introduzir um bloqueio em sua
mente, que continuava impenetrável até durante os períodos de sono.
Grek-1 passou a caminhar nervosamente de um lado para outro em sua prisão de
luxo. Lembrara-se de como fora fácil aos terranos porem as mãos nele. Grek refletiu
sobre isso e procurou mais uma vez descobrir os motivos que o tinham impedido de
desencadear o impulso de autodestruição. Se não quisesse mesmo, nenhum ser vivo
conseguiria prendê-lo. Grek-1 não tinha medo de morrer. Normalmente teria procurado a
morte juntamente com os tripulantes.
Alguma coisa o impedira de agir assim.
Grek-1 sabia que em parte esta coisa se chamava Perry Rhodan. Desde que
aprendera a respeitar os terranos como inimigos honrados, sentira-se ansioso em ver e
falar com o homem que alçara os terranos a este nível de grandeza material e espiritual.
Mas não podia ter sido somente por isso que resolvera infringir o código de sua
raça, continuando vivo.
Poderia indicar outros motivos. Mas nem todos juntos eram plenamente
satisfatórios.
Nem sequer chegou a assustar-se quando teve de confessar a si mesmo que
possivelmente os sentimentos tinham sido um fator importante em sua decisão.
E só isto já era mais que estranho num maahk.
***
Perry Rhodan estava sentado numa cabine isolada da biblioteca da nave. O aparelho
de leitura estava ligado e espalhava uma débil luz amarela. A dois metros do rosto de
Rhodan uma cintilante figura energética movimentava-se sobre uma concha prateada
brilhante. Fórmulas despertavam para uma vida fantasmagórica, reproduzidas em cores e
projetadas em três dimensões por meio do trivideoprojetor.
Ao mesmo tempo vozes mecânicas sussurravam, penetrando profundamente no
subconsciente de Rhodan, onde produziam associações de idéias indestrutíveis. Os
conhecimentos estavam sendo introduzidos no cérebro, onde estariam à disposição a
qualquer momento.
De repente ouviu-se um ruído diferente, que sobrepujou o sussurro das vozes e
perturbou a concentração do homem.
Rhodan estendeu lentamente a mão e apertou uma tecla. As figuras energéticas que
cobriam a concha prateada desapareceram. Os sussurros cessaram. Só restou o som que
se fizera ouvir por último.
As luzes da cabine acenderam-se.
Perry Rhodan pôs-se a escutar o zumbido persistente do intercomunicador. Franziu
a testa, contrariado.
Dera ordens terminantes para que não fosse perturbado enquanto se encontrava na
biblioteca. Afinal, o tempo que podia dedicar a esta ocupação já era bem escasso, o que
se tornava bastante preocupante, pois o Administrador-Geral de um império sideral pode
dispensar menos que qualquer outra pessoa os conhecimentos científicos.
Rhodan cerrou firmemente os lábios e levantou-se. Aproximou-se do pequeno
intercomunicador, que era do tipo espalhado aos milhares pela nave, e ligou-o. Ouviu-se
o chiado que indicava que a ligação tinha sido completada.
A tela de imagem, que era do tamanho da palma de uma mão humana, iluminou-se.
O rosto que aparecia nessa tela dava a impressão de ter sido projetado em tamanho
natural, em virtude de um efeito de lupa.
— Bell — exclamou Rhodan em tom de surpresa.
O Marechal-de-Estado Reginald Bell, substituto de Rhodan, sorriu.
— Olá, Perry!
Rhodan não demorou a recuperar-se da surpresa. Sabia que no momento Bell se
encontrava no chamado setor leste da Galáxia. O amigo fora incumbido de observar as
lutas violentas que há anos vinham sendo travadas para o leste da Galáxia.
— Alguma novidade, Bell?
Reginald Bell fez uma cara de quem acaba de morder num limão.
— Que novidades você pode estar esperando, Perry? — Rhodan ergueu as
sobrancelhas, e o rosto de Bell logo assumiu uma expressão séria. — Tudo bem, Perry.
Serei breve.
“A situação continua praticamente a mesma. Os numerosos povos blues vêm se
exterminando uns aos outros. Parece que esses idiotas nunca vão criar juízo. Além disso
os aconenses estimulam o ódio entre eles. Isso lhes proporciona um bom lucro, e além
disso ficam com as mãos livres para expulsar os arcônidas das posições que ainda
mantêm.
Perry Rhodan acenou com a cabeça.
— Dos aconenses não se poderia esperar outra coisa, Bell. Deixemo-los à vontade,
enquanto não nos atacarem. Um dia ainda se machucarão com suas próprias intrigas.
Ficarão pequenos e humildes sem que tenhamos de fazer nada.
Bell aspirou ruidosamente o ar.
— Você sabe que não sou da mesma opinião, Perry. Gostaria de limpar o ambiente
a ferro e fogo, para obrigar os aconenses a permanecer dentro dos seus limites.
Rhodan sacudiu a cabeça. Um sorriso irônico apareceu em seus lábios.
— Impetuoso como sempre, não é, Bell? Que idade você terá que alcançar para
ficar mais comedido e ponderado? Não, meu caro, não vamos intervir. Não podemos
alçar-nos ao papel de juízes da mora de outras raças. A história os julgará sem que
tenhamos de fazer nada.
— Já sei! — Bell parecia contrariado. — Tudo se liquida historicamente...! Mas
quero lhe dizer uma coisa. Se os aconenses e os blues não pararem com os ataques em
nossa área de interesses, eu lhes darei uma lição que lhes fará perder a vontade de voltar!
Rhodan parecia nervoso.
— Ah, é? Quer dizer que continuam abusando? Dê um exemplo.
— No dia 14 de junho trinta naves médias dos blues atacaram um comboio de naves
mercantes terranas e tentaram obrigar os veículos a pousar num planeta gelado muito
distante. Ao que tudo indica, queriam apoderar-se da carga.
— Isso é um ato de pirataria declarada — comentou Rhodan sem a menor emoção.
— Que medidas foram tomadas diante disso?
Reginald Bell sorriu.
— Eu já tinha dado ordens para que qualquer comboio que transitasse na periferia
de nossa área de influência fosse escoltado por unidades da frota...
“Dezoito naves blues explodiram sob o fogo das naves de escolta. As outras
fugiram.”
— Bem feito! — Rhodan sorriu, aliviado. — Vejo que suas ações são sábias,
mesmo que suas palavras não sejam. Foi uma medida correta e suficiente. Em hipótese
alguma faremos mais que isso. Por que usar nossos canhões para matar passarinhos?
— Você tem razão, como sempre — disse Bell, resignado. — Alguma ordem para
mim?
— No momento não, Bell. Faça o favor de tomar as providências necessárias para
que eu possa entrar em contato com você a qualquer momento. Se tiver de sair do
Sistema Solar, quero que você esteja aqui.
— Os grandes acontecimentos projetam suas sombras — comentou Bell. —
Novamente os maahks...
— Talvez — respondeu Rhodan. — Mas é possível que sejam os aconenses. Parece
que Grek-1 sabe de uma coisa que dentro em breve poderá tornar-se importante para nós.
Reginald Bell resmungou alguma coisa. Parecia contrariado.
— Por que não espreme esse cacique maahk, usando todos os recursos técnicos,
para que ele revele o que sabe?
Rhodan ficou com o rosto impenetrável ao responder.
— Porque o respeito como ser dotado de inteligência e como pessoa, Bell, e ainda
porque um dia talvez possamos precisar dele.
Bell arregalou os olhos.
— Não compreendo!
— Acho que dentro em breve você compreenderá, Bell. Mas já basta. Faça um
trabalho bem feito, meu chapa. Desligo.
— Quero que você engasgue com seus segredos! — resmungou Reginald Bell. —
Desligo.
Rhodan ficou escutando mais algum tempo o sinal de linha livre gerado pelo
dispositivo robotizado. Finalmente desligou o intercomunicador. A ligação de
hipercomunicação por transmissor com o setor leste da Galáxia foi interrompida.
***
Perry Rhodan sorriu como quem sabe alguma coisa quando entrou na sala de
comando da Crest II e encontrou Atlan.
— Vejo que estava com saudades da nave, arcônida.
Atlan retribuiu o sorriso.
— É a força do hábito, bárbaro. Um astronauta só se sente bem nos recintos de uma
espaçonave. Vejo que com você acontece a mesma coisa.
Rhodan suspirou.
— É isso mesmo. Mas um dia haveremos de criar raízes em algum lugar, arcônida.
— Onde...? — perguntou Atlan em tom irônico. — Na nebulosa de Andrômeda?
Pelo que conheço dos humanos, vocês não pararão quando tiverem chegado lá. Sempre
estão à procura de alguma coisa. Será que vocês sabem o que estão procurando, Perry?
— Talvez — respondeu Rhodan em tom de segredo.
— Mas também pode ser que não. Será que isto é tão importante? Não basta que
estejamos procurando?
Fez um gesto de pouco-caso e de repente mudou de assunto.
— Quero fazer uma visita a Grek-1. Sabe onde está Gucky?
Atlan deu uma risada áspera.
— No camarote dele, meu chapa. Nesta nave. Você pensava que não era igual a
nós?
De repente o ar tremeu entre os dois.
Os contornos de um ser peludo começaram a destacar-se. Alcançava os quadris dos
dois e era uma mistura de rato-gigante com castor.
Perry Rhodan franziu a testa.
— Você andou escutando de novo, Gucky?
Gucky escondeu o dente roedor.
— Não costumo fazer isso! — pôs a pata no peito, para reforçar suas palavras. —
Eu tenho culpa se vocês pensaram tão intensivamente em mim que não pude deixar de
notar?
— Deixe para lá! — disse Rhodan em tom áspero. — Como vai o maahk? O que
está pensando?
Gucky suspirou.
— Os humanos são cheios de contradições. Há pouco vocês ficaram zangados
porque acharam que andei escutando, e agora esperam que tenha escutado os
pensamentos de outra pessoa.
— Especialista Gucky...! — disse Rhodan em tom de ameaça.
— Não precisa ficar zangado — disse Gucky, indignado. — Sei como são as coisas.
O maahk carrega um segredo que poderá tornar-se muito importante para nós.
Infelizmente tenho que decepcioná-los. Grek-1 só revela aquilo que quer revelar. O resto
fica escondido atrás de um bloqueio mental. Vocês já sabem o que descobri por meio da
telepatia.
— Quais são seus sentimentos em relação a nós? — perguntou Atlan.
— Sentimentos? — perguntou o rato-castor em voz alta e estridente. — Quem vive
afirmando que um maahk não possui sentimentos?
— Eu — respondeu Atlan. — Mas não me fecho aos acontecimentos novos. Já
sabemos que até mesmo um maahk possui sua vida emocional.
Gucky exibiu o dente roedor solitário.
— Isso mesmo, Atlan. Grek-1 sente, embora seus sentimentos não sejam
propriamente humanos. Percebi claramente que não sente ódio pelos humanos.
Gucky empertigou-se.
— Até chega a sentir certo respeito — pigarreou. — Inclusive por você, Perry. E, o
que é mais, não sente ódio por Atlan, embora saiba que o mesmo é um arcônida. Depois
da última conversa que tiveram ele até sente uma espécie de gratidão por você, Atlan.
Acha que você é um solitário entre os seus. E acredita que ele mesmo também é.
— É estranho — disse Atlan. — Sempre acreditei que tivesse que odiar qualquer
maahk que aparecesse à minha frente. Acontece que não odeio Grek-1. Talvez seja
porque se comportou que nem... que nem um terrano.
Rhodan sorriu. A conversa parecia diverti-lo.
— Isso é um elogio para minha raça ou para os maahks, arcônida? — não esperou
que Atlan falasse. Prosseguiu imediatamente. — Não nos esqueçamos de que os maahks
se preparam para invadir novamente nossa Galáxia. Não devemos confiar em Grek-1,
apesar de todo respeito que um sente pelo outro. Está escondendo alguma coisa de nós.
Quero descobrir o que é.
— Irei com você — disse Atlan.
— E você? — perguntou Rhodan, dirigindo-se a Gucky.
— Por que pergunta? Vou saltar na frente para pegar Mercant.
Rhodan olhou com uma expressão de perplexidade para o lugar em que pouco antes
estivera o rato-castor. Sorriu.
— Já andou espionando de novo meus pensamentos. Vamos, Atlan!
***
Grek-1 não se espantou nem um pouco quando o sinal de chamada do tradutor-
videofone se fez ouvir.
Fez um movimento rapidíssimo com os braços tentaculares e ligou o aparelho.
Mas apesar de tudo seus quatro olhos emitiram um brilho de surpresa.
Esperara o terrano Rhodan, ou Mercant, ou então Atlan — mas não os três ao
mesmo tempo. Além disso veio aquele ser peludo, o aliado dos terranos que era telepata,
telecineta e teleportador ao mesmo tempo.
Viu Perry Rhodan levantar a mão num cumprimento mudo. Grek-1 retribuiu o
cumprimento. Logo se recuperou da surpresa. Sabia por que Rhodan não tinha vindo só.
“Que pena”, pensou. “Estão chegando antes do tempo. Mais uma vez terei que
decepcioná-los.”
O terrano alto e esbelto deu início à conversa. Não falava o kraahmak, mas Grek-1 o
compreendia perfeitamente. A tradutora simultânea funcionava muito bem, traduzindo o
intercosmo para o kraahmak e vice-versa, com todas as sofisticações das duas línguas
completamente diferentes.
— Como vai o senhor, Grek-1?
Grek-1 não demonstrou nenhuma emoção, ao menos nenhuma que os terranos
fossem capazes de interpretar.
— Diante das circunstâncias estou bem, Rhodan. Não posso queixar-me do
tratamento que me está sendo dispensado.
O arcônida interveio na conversa.
— Já pensou como estaria se estivesse com seu povo?
Grek-1 fitou prolongadamente o arcônida.
— Os senhores da galáxia me mandariam executar imediatamente — respondeu em
tom frio. — Por que fez esta pergunta? Sei a quantas ando.
— Não devemos iludir-nos! — disse Rhodan em tom áspero. — Sabemos que o
senhor não é propriamente um inimigo da Humanidade, Grek-1, mas esconde um
segredo. Um segredo muito importante para a Humanidade.
Grek-1 compreendeu imediatamente o que Rhodan quis dizer. Imaginava a origem
das teorias do terrano.
— Os terranos possuem excelentes sistemas de computação positrônica. Por que
não os usam para desvendar meus segredos?
— Preferimos que eles nos sejam revelados espontaneamente — respondeu Rhodan
com muita diplomacia. — Aliás, nossas teorias não foram preparadas por um sistema de
computação positrônica, mas por uma série de computadores impotrônicos.
Grek-1 espreguiçou o corpo robusto. Os olhos que apareciam na cabeça em forma
de foice emitiram um brilho vermelho de tão nervoso que estava.
— Computadores impotrônicos...?
O terrano alto emitiu uma seqüência de ruídos que não foram traduzidos pelo
aparelho. Grek-1 sabia que se tratava de uma manifestação de alegria. Mas os mesmos
ruídos também podiam exprimir raiva ou desapontamento. Grek-1 sentia-se confuso. Sua
raça não conhecia aquilo que os terranos chamavam de riso. Tratava-se de uma
manifestação emocional completamente alheia à sua mentalidade. Era ilógica e por isso
tomava-se incompreensível para qualquer maahk.
— Como vê, também temos nossos segredos — disse Rhodan.
Mais uma vez Grek-1 ficou espantado. Estava aí mais um fator que tomava difícil a
comunicação entre os maahks e os terranos. Os terranos muitas vezes usavam palavras
completamente diversas para designar o mesmo fenômeno. Grek-1 teve de refletir um
pouco para compreender que quando usara a palavra ver o terrano quisera dizer ouvir.
O ser peludo que aparecia na tela pôs à mostra um dente roedor amarelado.
— A linguagem confusa de você lhe dá os mesmos problemas que já enfrentei,
Perry.
Rhodan fez um gesto de pouco-caso. Parecia nervoso. Fitou o maahk tão
intensamente que até se poderia ser levado a acreditar que queria hipnotizá-lo.
— Exijo uma resposta sincera, Grek-1. Está disposto a revelar seu segredo ou não
está?
— Por enquanto não — respondeu Grek-1 em tom resoluto. — Vocês saberão, mas
somente quando chegar o tempo.
— Não confio nele, senhor — cochichou o ser humano que apresentava um círculo
ralo de cabelos grisalhos e usava o nome de Mercant. — É um maahk.
Grek-1 voltou a agitar seus braços tentaculares à frente da objetiva.
— Ouvi o que o senhor disse, Mercant! Acontece que o senhor está enganado.
Durante a guerra que travamos todos os estratagemas eram permitidos. Acontece que não
estamos mais em guerra. Não tenho motivo para mentir para vocês.
Mercant fez uma careta com a qual quis exprimir sua satisfação. Era ao menos o
que acreditava Grek-1, que pensava ter interpretado corretamente esta manifestação
emocional.
— Só quis esclarecer isso — disse Mercant. — Muito obrigado, Grek-1. É bom
saber isso.
Grek-1 compreendeu que o homem de cabelos grisalhos conseguira enganá-lo. Mas
também sabia que não o tinha feito por mal. Teve de reconhecer que além de Rhodan e
Atlan, Mercant podia pelo menos equiparar-se a ele.
Rhodan abriu a boca para dizer uma coisa quando Grek-1 ouviu um zumbido leve.
Rhodan encostou o rádio de pulso ao ouvido. Seu rosto assumiu uma expressão cada vez
mais sombria, enquanto ficava escutando.
Dali a pouco encostou o aparelho à boca.
— Irei imediatamente — disse. Voltou a dirigir-se a Grek-1: — Mais tarde
voltaremos a falar.
Fez um sinal, virou-se e saiu, mas não apressadamente. Os outros seguiram-no.
Grek-1 seguiu-os com os olhos até que a tela se apagou. Estava pensativo.
Depois olhou para o relógio cósmico, que os terranos não lhe haviam tirado.
“Ainda não podem ser eles”, pensou. “Se não forem, só podem ser os outros. Estava
mesmo na hora!”
Grek-1 encolheu-se na cama. Queria dormir enquanto houvesse tempo. Se não se
enganara, Rhodan voltaria logo — e Grek-1 ficaria sem dormir por muito tempo.
***
Perry Rhodan informou os companheiros, enquanto se dirigiam ao intertransmissor
mais próximo.
— Kahalo transmitiu um sinal de alarme. A mensagem foi transmitida através da
nova ponte de estações retransmissoras. O rádio-operador do centro de comando da Lua
não pôde dar informações m ais detalhadas. Acho que um dos sprinters virá
pessoalmente.
Chegaram ao intertransmissor mais próximo. O sistema automático de vigilância fez
a identificação de Perry Rhodan. A porta abriu-se. O transmissor foi ativado no mesmo
instante.
Rhodan digitou o código do centro de comando lunar. A luz verde do mecanismo de
controle acendeu-se.
Os homens passaram muito depressa embaixo da grade que subiu repentinamente.
Rhodan virou a cabeça para Gucky e ainda viu o rato-castor dissolver-se em meio a uma
luminosidade característica. Colocou os pés nos suportes apropriados e segurou-se nas
alças.
A grade voltou a descer atrás deles.
Ouviu-se um zumbido, que cresceu rapidamente.
Rhodan sabia que o sistema de tateamento automático atingia todos os átomos de
seu corpo ao mesmo tempo. De repente sentiu-se ofuscado por um lampejo verde.
Quase no mesmo instante o zumbido, que já se transformara num rugido,
transformou-se num sussurro quase imperceptível.
— Chegamos! — disse Rhodan em tom indiferente. Uma passagem pelo
transmissor já não o abalava nem um pouco, embora o fenômeno continuasse
incompreensível para o espírito humano. Tanto os corpos vivos como a matéria
inorgânica eram apalpados numa fração de segundo, transformados em impulsos
hiperdimensionais, irradiados e reconstituídos praticamente no mesmo instante em sua
estrutura anterior no interior da estação receptora. A teoria mais em voga afirmava que
um transmissor não passa de um duplicador, que usa a energia desprendida pelo
transmissor para fabricar uma duplicata exatamente igual no receptor. Perry Rhodan sabia
que o grau de probabilidade dessa teoria era mais elevado que o de qualquer outra. Mas
como depois de cada passagem pelo transmissor sempre continuara o mesmo, não tomava
conhecimento das conseqüências filosóficas e fisiológicas da mesma. Os transmissores
eram um meio de transporte tão importante que se tinham tornado indispensáveis.
Uma porta abriu-se sem produzir o menor ruído. Rhodan, Atlan e Mercant
atravessaram a mesma e imediatamente se viram numa sala gigantesca. Tratava-se do
centro de comando da Lua terrana.
Gucky já estava lá. Estava parado ao lado do aparelho principal de hiper-rádio,
falando com a voz alta e estridente a uma figura grotesca.
Rhodan viu imediatamente que a pessoa que se encontrava lá era Tronar Woolver
ou seu irmão Rakal.
A figura virou-se e Rhodan viu o grande T no uniforme que a mesma trajava.
Esse T era a única maneira de distinguir Tronar Woolver de seu irmão. Tal qual
Rakal, tinha pernas compridas e era muito estreito dos pés aos quadris. Dali para cima
abria-se um gigantesco tórax em forma de tonel. A cabeça tinha o formato encontrado
nos seres nascidos no planeta Terra, com exceção da pele verde-oliva e do brilho violeta
dos cabelos.
Os dois irmãos eram naturais de um mundo colonial chamado Imart. A
circunferência do tórax resultava de um processo de adaptação pelo qual tinham passado
os habitantes de Imart. O teor de oxigênio da atmosfera desse planeta correspondia a
apenas metade do da atmosfera terrestre.
Os gêmeos possuíam uma faculdade que não podia ser considerada normal, e que
tivera sua origem num processo de mutação. Os dois eram despolizadores parapsíquicos.
Foi graças à sua faculdade extraordinária que receberam o nome de sprinters. Possuíam o
dom de usar toda e qualquer forma de energia como meio de transporte. Era bem verdade
que nem eles mesmos, nem as equipes de cientistas que os tinham testado, eram capazes
de explicar os detalhes do fenômeno.
Tronar Woolver deu alguns passos em direção a Perry Rhodan e parou a uma
distância apropriada. Fez continência.
“Não se vê mais nenhum sinal do sofrimento que experimentou com a migração de
sua alma”, pensou Rhodan.
— Senhor! — disse Tronar Woolver em tom solene. — Trago uma notícia
importante de Kahalo.
Perry Rhodan sorriu, deu três passos em direção a Woolver e deu a mão ao mutante.
— Se veio pessoalmente, deve haver uma coisa muito importante. O que é?
— Os aconenses conhecem a posição do transmissor solar, senhor. O Capitão
Edwards nos deu esta informação. Segundo esta informação, a chegada das primeiras
naves de guerra aconenses é iminente. Além disso o Capitão Edwards anunciou um
ultimato aconense.
Rhodan empalideceu. Ficou calado por alguns segundos, enquanto seu rosto
trabalhava.
— Já esperava isso! — gritou, nervoso.
— O que pretende fazer? — perguntou Atlan.
— Depende do texto do ultimato — respondeu Perry Rhodan. — Imagino que os
aconenses exigirão livre acesso ao transmissor solar e ao sistema de Gêmeos.
— Se recusarmos e impedirmos o acesso à força, teremos a guerra galáctica entre
nós e o Sistema Azul, senhor — observou Mercant.
— Não temos razão para temer um conflito com Ácon! — afirmou Atlan.
— Acha que devemos assumir o risco de um conflito armado? — perguntou
Rhodan, esticando as palavras.
Atlan não respondeu.
— Vejo que suas idéias não são muito diferentes das minhas — disse Rhodan. —
Existe uma responsabilidade para com todas as formas de vida inteligentes, e quem detém
o poder não pode esquivar-se à mesma. Se quisermos dar uma lição aos aconenses, as
populações de inúmeros planetas sofrerão com isso. Serão os humanos, arcônidas e
aconenses que tiverem o azar de estar num planeta que por acaso se transforme no centro
das operações bélicas. Nem quero falar nas tripulações de milhares de naves de guerra ou
mercantes que encontrarão a morte. Seu número nem sequer chegaria a cinco por cento
do número total das vítimas.
Uma veia da testa de Atlan inchou de raiva.
— Quer dizer que você acha que devemos capitular, Perry?
— Capitular...? — Rhodan deu uma risadinha. — Ninguém falou nisso. Existem
outras possibilidades...
3

As telas triangulares estendiam-se por todo o teto da sala de comando da


espaçonave. Encostadas uma à outra sem solução de continuidade, davam a impressão de
que a nave fora dividida em duas partes, pois tinha-se a impressão de que o espaço
cósmico começava imediatamente acima dos consoles de comando dispostos em torno da
sala.
A impressão provocada pela tela frontal não era diferente. Uma pessoa
completamente leiga teria enlouquecido de medo, ou então se sentiria tentada a subir nos
consoles situados mais à frente e estender a mão para o espaço.
Até mesmo um astronauta experimentado por vezes se deixava levar pela impressão
de que o espaço cósmico começava logo atrás da tela. No entanto, no caso da nave
Travinol havia cerca de quinhentos metros entre a imagem do espaço projetada na tela e o
espaço propriamente dito.
A Travinol era a nave-capitânia da frota aconense.
Hat-Mooh estava de pé, todo empertigado, atrás da poltrona anatômica do
comandante. Havia um brilho de triunfo em seus olhos. Fitava ininterruptamente a tela
frontal.
Milhões de quilômetros à frente da Travinol havia uma selva de estrelas
aparentemente impenetrável. Os sóis brilhavam em todas as cores do espetro, formando
um quadro majestoso que chegava a ser deprimente. Via-se a imagem pouco nítida de
uma constelação hexagonal geometricamente perfeita, formada por seis sóis azuis, que só
se tornava reconhecível por meio da ampliação setorial. Hat-Mooh virou a cabeça.
— Chegamos, Nir-Lah.
Nir-Lah soltou o console em que estivera se segurando. Aproximou-se lentamente e
olhou para a tela frontal.
“Até parece uma ironia do destino”, pensou o Capitão Edwards. “Sempre tive
vontade de um dia ver a porta gigantesca que se abre para o espaço vazio — e este
desejo se cumpre logo quando estou a bordo da nave-capitânia do inimigo.”
Nir-Lah virou-se abruptamente, ficando de costas para a tela frontal.
— Em minha opinião o senhor deveria deixar a frota chegar mais perto, Hat-Mooh.
Qualquer nave que entrar sozinha nesta aglomeração de estrelas estará perdida. Devemos
contar com a possibilidade de as comunicações de hiper-rádio não poderem ser mantidas
por muito tempo.
Hat-Mooh parecia contrariado. Virou a cabeça para o comandante da Travinol.
— Qual é sua opinião?
O comandante respondeu sem virar a cabeça.
— Nir-Lah tem razão. Já começamos a sentir as interferências energéticas
resultantes da superposição de vários campos gravitacionais.
— Dê ordem para que toda a frota inicie a manobra de frenagem! — disse Hat-
Mooh. — Aguardaremos o grosso da frota aqui.
— Quais são suas intenções? — perguntou Nir-Lah. Hat-Mooh enfiou a mão
esquerda embaixo do cinto largo que passava sobre seu ombro. Havia um brilho fanático
em seus olhos.
— A frota de Ácon se reunirá aqui. Daremos uma demonstração de forças aos
terranos, e não somente aos terranos, mas a toda a Galáxia.
Nir-Lah inclinou a cabeça. De repente compreendeu quais eram as intenções de
Hat-Mooh. Acreditou que Ácon ganharia a primeira fase do jogo em torno do transmissor
solar.
Só lhe restava fazer votos de que Perry Rhodan ainda tivesse um trunfo escondido.
***
O zumbido do videofone-tradutor despertou Grek-1. Levantou e ligou o aparelho.
Olhou para a tela e teve uma surpresa.
— Veio só?
— Você está vendo — disse Gucky. — Achei que devia conversar um pouco com
você.
Grek-1 sentiu-se tentado a desligar o aparelho. Achou que a necessidade de
conversar alegada por Gucky era apenas um pretexto para espionar em sua mente. Mas
sentia pelo rato-castor algo mais que o simples respeito, embora não soubesse muito bem
o que era. Este sentimento levou Grek-1 a deixar ligado o videofone-tradutor.
— De onde é você? — perguntou, para tomar a iniciativa.
Gucky pôs à mostra o dente roedor.
— Vim de um mundo que deixou de existir há muito tempo, maahk. É possível que
mais tarde tenhamos oportunidade de conversar demoradamente sobre isso.
— Por que não pode ser logo? — perguntou Grek-1.
— Porque tenho um assunto melhor, maahk. Por que não revela logo seu grande
segredo? Afinal, você não precisa preocupar-se mais com os senhores da galáxia. Ou será
que precisa?
— Não adianta tentar, Gucky — respondeu Grek-1. — Procure conformar-se logo
com o fato de que só revelarei o segredo quando estiver na hora.
— Não confia em nós?
Grek-1 levantou os braços tentaculares.
— Não confio nas suas reações. Vocês podem estragar minha tarefa.
— Minha tarefa...? Você acha que como prisioneiro ainda poderá cumprir uma
tarefa?
— Poderei fazer com que ela seja cumprida, Gucky. Não lhe conto mais que isto.
Contente-se em saber que não pretendo fazer nada contra os terranos.
— Não é fácil acreditar nisso — disse Gucky. — Mais uma pergunta. Qual é
mesmo a ligação que existe entre vocês e os senhores da galáxia?
Grek-1 estremeceu. Sentiu uma dor surda no cérebro. Deslocou instintivamente o
peso do corpo de uma perna para outra.
— Diga logo! O que é? — perguntou Gucky.
— Não pergunte mais nada! — gritou Grek-1. — Você sabe que não posso
responder, mesmo que queira.
Gucky acenou com a cabeça e deu uma expressão matreira ao rosto.
— Quer dizer que é um bloqueio mental. Parece que os senhores da galáxia não
confiam nos maahks. Quer saber uma coisa? Os senhores não são amigos de vocês, da
mesma forma que vocês não são amigos deles. Vocês são escravos deles. Vivo me
perguntando como isso combina com o orgulho que vocês costumam demonstrar. Afinal,
vocês já foram uma raça poderosa.
Grek-1 rosnou zangado. As palavras de Gucky o tinham atingido no fundo de seu
ser. O pior foi que Grek-1 não pôde deixar de reconhecer que Gucky tinha razão.
— Responda, escravo! — gritou Gucky em tom estridente.
O maahk teve um acesso de raiva e bateu com o corpo na parede de seu alojamento.
Recuou cambaleante, bateu com os pés e ficou praguejando.
Seus olhos avermelhados emitiram um brilho ofuscante e fixaram-se em Gucky.
Finalmente o maahk bateu com os braços tentaculares no teclado de comando da
tradutora.
Uma chama azulada saiu da parede lateral do aparelho. A tradutora deu um estouro
e parou de funcionar. A tela escureceu.
Gucky, que se encontrava do lado de fora, na cabine de comunicação, exibiu um
sorriso de triunfo.
— Quem andou dizendo que os maahks não têm sentimentos? — disse.
No mesmo instante o lugar em que estivera ficou vazio.
***
Quando Gucky o informou sobre a conversa que tivera com Grek-1, Perry Rhodan
balançou a cabeça.
— Se você o irritou somente para ter uma prova de que ele tem sentimentos, não
posso concordar com seu procedimento, Gucky. Você não me trouxe nenhuma novidade.
Já sabemos que os maahks são capazes de experimentar certos sentimentos. Logicamente
nem poderia ser diferente. Uma raça de seres sociáveis formada por indivíduos
independentes nem poderia desenvolver-se sem algum tipo de vida emocional. É bem
verdade que os maahks não conhecem certos sentimentos, como o da compaixão. Não
conhecem escrúpulos quando se trata de executar um plano. Mas conhecem o ódio, o
orgulho e o respeito. E você acaba de ferir o orgulho do maahk, Gucky.
Gucky fez um gesto de desdém.
— É claro que feri, Perry. Fiz isso de propósito. Mas não acredito que Grek-1 me
odeie por isso. É inteligente demais para isso. Mas suponho que isto o leve a pensar sobre
os senhores da galáxia. E não tenho dúvida de que chegará à mesma conclusão que eu.
— Tomara.
Perry Rhodan lançou um olhar para o extenso complexo das instalações lunares de
hiper-rádio.
— Acho que não demoraremos em descobrir mais alguma coisa...
— Sobre o segredo do maahk...? — perguntou Gucky, esticando as palavras.
Rhodan fitou o rato-castor com uma expressão de surpresa.
— Você andou lendo novamente nos meus pensamentos? Não! Não é possível.
Instalei um bloqueio.
Gucky deu uma risadinha.
— Você acha que eu preciso ler pensamentos para saber o que você pensa, Perry?
Também sei pensar. Você espera notícias do transmissor solar, e sinto-me inclinado a
acreditar que nosso amigo Grek-1 também espera.
— Hum — fez Rhodan. Sorriu de repente. — Vejo que nos entendemos, Gucky. O
que foi mesmo que você disse? Grek-1 estragou sua tradutora? Que tal se você procurasse
um técnico para consertar o aparelho...?
— É uma boa idéia! — respondeu Gucky, entusiasmado. — Mas vamos esperar até
recebermos novas notícias do transmissor solar.
— Por quê? — perguntou Rhodan com uma ligeira ironia na voz. — Conhecemos
muito bem os aconenses. Qual será o próximo passo que eles darão?
— Concentrarão sua frota à frente do transmissor — respondeu Gucky. — Depois
enviarão seu ultimato. Tenho certeza de que exigirão livre acesso ao transmissor e o
direito de utilização do sistema de Gêmeos. Qual é sua opinião?
— Foi exatamente o que pensei, Gucky. Procure descobrir alguém que possa dizer
isso discretamente ao maahk!
***
Grek-1 não se espantou nem um pouco quando as luzes de controle da eclusa se
abriram. O videofone-tradutor não estava funcionando mais. Portanto, os terranos teriam
de mandar alguém para consertar o aparelho.
Grek-1 continuou sentado na cama. As luzes de controle mudaram de cor. Dali a
pouco a escotilha interna se abriu.
Um terrano que usava traje espacial entrou.
Grek-1 admirou-se ao notar que o mesmo vinha só e desarmado. Será que os
humanos eram crédulos a ponto de não acreditarem que ele pudesse tentar a fuga? Seu
blindado espacial estava na eclusa, ao alcance de suas mãos. Que tal se derrubasse o
terrano com um soco e saísse correndo?
Logo disse a si mesmo que não iria longe. Mas se houvesse uma série de
circunstâncias felizes até mesmo uma tentativa que parecia não ter nenhuma esperança de
êxito podia ser bem-sucedida.
Não tinha a intenção de fugir, mas o fato de enviarem um único terrano ao seu
alojamento, sem ao menos lhe darem uma arma, ferira seu orgulho.
O terrano trazia uma pequena tradutora pendurada ao pescoço.
— Isto é a cabine do maahk que estragou seu videofone-tradutor? — perguntou.
Sorriu ao formular a pergunta. Grek-1 já aprendera a interpretar mais ou menos
corretamente esta forma de contração do rosto. Sentiu-se ofendido e resolveu dar uma
lição ao humano que se arriscara tanto. Levantou e saiu andando em direção ao terrano,
balançando o corpo.
— É isso mesmo, terrano. Infelizmente você foi imprudente, arriscando-se a entrar
aqui sozinho. Que tal se eu o dominar e fugir?
O sorriso do terrano tornou-se ainda mais largo.
— Eu não sabia que os maahks são capazes de fazer brincadeiras.
Grek-1 não sabia o que era uma brincadeira, mas aborreceu-se ainda mais ao
perceber que não estava sendo levado a sério.
Fez avançar rapidamente os braços tentaculares e agarrou o homem.
O terrano não caiu ao chão conforme esperara Grek-1. Afastou calmamente seus
braços do corpo, agarrou os braços tentaculares e empurrou-os para longe. De repente
Grek-1 viu-se colocado na defensiva. Tentou defender-se. O terrano segurou-o com as
mãos que antes pareciam tenazes.
— Por favor, não faça mais isso! — disse, tranqüilo. — Costumo sentir cócegas,
meu velho.
O homem soltou Grek-1, que cambaleou. Ficou ator doado. Sempre soubera que
qualquer maahk era fisicamente mais forte que qualquer terrano. Não sabia explicar por
que o que se encontrava à sua frente era uma exceção.
O terrano não deu mais nenhuma atenção a Grek-1.
Examinou a tradutora, abriu o revestimento lateral da mesma e ficou falando
consigo mesmo.
Grek-1 foi se recuperando aos poucos. Já se conformara com o fato de que, ao que
tudo indicava, os terranos ainda terem outros trunfos.
— Por que você é mais forte que eu? — perguntou em tom de curiosidade.
— Como? — perguntou o terrano, interrompendo seu trabalho.
Grek-1 repetiu a pergunta.
— É mesmo? Sou mais forte que você? Pensei que você estivesse brincando e me
tivesse deixado ganhar de propósito. Nem me esforcei.
Grek-1 aspirou profundamente a atmosfera de hidrogênio.
— Você não se esforçou? Que tipo de humano é você?
— Sou um homem como qualquer outro — disse o terrano. — Pelo menos no meu
mundo. Por lá todos são tão fortes como eu, senão a gravitação de 4,8 gravos os achataria
que nem uma folha de papel.
Grek-1 preferiu não fazer mais perguntas ao terrano. Teve a impressão de que o
técnico só dava estas respostas ingênuas porque não era muito inteligente. Não era por
nada que Grek-1 era um dos oficiais mais competentes do serviço secreto de seu povo.
Resolveu tirar proveito da ingenuidade do terrano.
— Vai demorar muito até que o aparelho funcione de novo? — perguntou, dando
início de forma bem inocente ao seu interrogatório.
— Demorará até que eu o tenha consertado — respondeu o terrano. A resposta
confirmou a opinião de Grek sobre o nível mental do técnico. — Por que está
perguntando?
— Acho que o Administrador-Geral de vocês espera a oportunidade de falar
comigo. Vive falando comigo sobre a situação na Galáxia.
— Neste caso deve estar ansioso — respondeu o terrano com a maior calma. —
Está acontecendo muita coisa.
Grek-1 tremia de impaciência. Quem dera que este homem não fosse tão simplório!
— Ah, é? — respondeu, aparentemente desinteressado. — Os aconenses devem
estar fazendo das suas. O Administrador-Geral deu a entender uma coisa parecida.
— Hum! — fez o terrano.
Grek-1 estava quase perdendo a paciência. Teve de fazer um grande esforço para
não perder o autocontrole. Como fazer com que este sujeito estúpido lhe contasse o que
tanto queria saber?
— Espera-se que em breve os aconenses enviem um ultimato — prosseguiu o
terrano. — A frota aconense já começou a concentrar-se nas imediações do transmissor
solar.
Grek-1 quase não conseguiu disfarçar o triunfo. Descobrira exatamente aquilo que
queria saber. Voltou a olhar para seu relógio cósmico. Assustou-se. Alguma coisa tinha
de ser feita! Precisava falar com Rhodan!
— Quanto tempo ainda vai levar para consertar isso? — perguntou em tom
impaciente.
O terrano voltou a colocar o revestimento lateral e levantou-se.
— Pronto, cabeça de foice! Você ao menos poderia dizer obrigado. Ou não sabe
como se faz isso?
Grek-1 não compreendera o que queria o terrano, mas resolveu fazer o possível para
não ofendê-lo. Talvez ainda precisasse dele. Por isso conseguiu proferir um obrigado
meio inseguro.
O terrano deu uma pancada em seu peito. Grek-1 tropeçou para trás.
— Desculpe, maahk. Já vou indo.
— Ouça, terrano! — gritou Grek-1.
O terrano virou-se e inclinou a cabeça.
— É importante que você dê um recado ao seu Administrador-Geral. Faça o favor
de dizer-lhe que preciso muito falar com ele. Diga-lhe que é importante. Você
compreendeu o que eu disse?
O terrano sorriu.
— Compreendi melhor do que você pensa, velho cabeça de foice. Darei o recado.
Pela segunda vez no espaço de alguns minutos Grek-1 olhou para o relógio. Pôs-se
a esperar.
O terrano fechou cuidadosamente a escotilha externa. Não ficou nem um pouco
surpreso quando Gucky apareceu à sua frente, vindo do nada.
— Então...? — perguntou Gucky. Seus fios de barba tremiam.
O terrano deu uma estrondosa gargalhada.
— Parece que ele achou que eu era meio tolo, Gucky. Divertiu-se a valer
interrogando-me “discretamente”.
Gucky deu uma risadinha alegre.
— Avise logo o Chefe de que o maahk aguarda sua visita. Acho que já está disposto
a revelar parte de seu segredo.
— É o que farei! — respondeu Gucky. — Muito obrigado, Tenente Hawk.
***
Um robô desempenhava as funções de garçom, servindo stzitchtcha gelado.
Tratava-se de uma bebida alcoólica vinda de Vachovitz, um mundo colonial situado na
constelação de Plêiades.
Perry Rhodan ergueu a taça de cristal, brindou para Allan D. Mercant e sorveu a
bebida em goles pequenos.
O chefe da Segurança Galáctica estava fumando um charuto. Com os braços
apoiados sobre a mesa, refletia intensamente. Quando Perry Rhodan ergueu o cálice,
também pegou o seu, e brindou ao Administrador-Geral, dizendo:
— A sua saúde, senhor!
Esvaziou o cálice. Imediatamente ficou com o rosto muito vermelho.
— O stzitchtcha deve ser bebido em goles muito pequenos — disse Rhodan com
um sorriso.
Mercant soprou nuvens de fumaça azulada e cobriu o cálice com a mão quando o
robô quis enchê-lo de novo. Recostou-se e contemplou as paredes do gabinete de
Rhodan. Era o gabinete secundário de Rhodan, situado na Lua terrana. Quase se poderia
ser levado a acreditar que se tratasse da sala de comando de uma espaçonave. Mas havia
algumas diferenças bem perceptíveis.
Perry Rhodan escorregava nervosamente na poltrona. De vez em quando lançava
um olhar para o grande galatocronômetro pendurado na parede lateral. Depois voltava a
olhar para o videofone, que continuava em silêncio.
Allan D. Mercant sorriu.
— O cigano das estrelas sente saudades de sua nave...
Rhodan suspirou. Colocou o cálice violentamente sobre a mesa, levantou e ficou
caminhando a passos largos de um lado para outro. De repente parou à frente de Mercant.
— O senhor tem razão, Mercant — pigarreou. — Infelizmente o destino me obriga
a praticar um tipo de vagabundagem cósmica. Estou em casa em toda parte, e em nenhum
lugar estou em casa de verdade. Caramba! Isto não acontece somente comigo. Milhões de
homens são obrigados a levar este tipo de vida. Renunciam a muita coisa que faz parte da
vida de outros jovens. Quase não conhecem as noites estreladas passadas nas praias dos
mares terranos tépidos, não sabem o que é passear de noite pelas avenidas trepidantes das
metrópoles terranas, não dançam, não namoram, mas em compensação arriscam a vida
todos os dias.
— Acontece que a maior parte deles não trocaria sua vida pela de um burguês em
boa situação, senhor. Afinal, todos vieram voluntariamente.
Perry Rhodan deixou-se cair na poltrona e levantou o cálice. O robô aproximou-se
solícito e voltou a encher o mesmo. Rhodan sorveu a bebida gelada, que tinha um brilho
verde-amarelento.
— A comparação que o senhor acaba de fazer é um pouco forçada, Mercant. Os
tripulantes de nossas espaçonaves podem demitir-se a qualquer momento e com o
dinheiro da indenização levar uma vida abundante, seguindo suas inclinações
particulares. Enquanto isso nós estamos ligados à nossa tarefa pelo resto da vida, e
ninguém sabe se esta vida ainda continuará assim por alguns milênios. Somos imortais,
Mercant. O ser coletivo de Peregrino me contou que com o tempo a imortalidade passa a
ser uma carga pesada. Eu não quis acreditar, mas agora, que já se passaram quatrocentos
anos, sei que Aquilo tinha razão.
Mercant tirou a mão de cima do cálice. Imediatamente o robô voltou a enchê-lo.
Mercant bebeu e deu um suspiro.
— Vamos levar esta vida, senhor. Não temos alternativa. Não podemos demitir-nos
para ficar recolhidos à vida privada.
Perry Rhodan bateu com a palma da mão na mesa.
— Não foi o que eu quis dizer, Mercant. Mas sei que não poderei ficar muito tempo
por aqui. Quando fico em casa por algum tempo, começo a sentir certa melancolia. A
única forma de superar esta melancolia é a fuga para o espaço.
Ouviu-se uma risadinha vinda do lado da porta.
— Ora veja! O bárbaro com acessos sentimentais. Será que você não prefere ficar
sentado à frente de uma lareira acesa, beber para ficar com sono e trocar as recordações
com outros aposentados?
Perry Rhodan olhou para Atlan, que estava entrando. O arcônida aproximou-se da
mesa com passos elásticos e deu ordem para que o robô lhe servisse um stzitchtcha.
Esvaziou o cálice de pé.
Depois sorriu para Rhodan.
— Está triste, bárbaro?
— Não se fica escutando na porta dos amigos, arcônida — disse Rhodan em tom de
recriminação.
— Não andei escutando, Perry — o rosto de Atlan assumiu uma expressão séria. —
Quando abri a porta, ouvi a última frase.
— Quer dizer que você compreendeu logo meu estado de ânimo?
Atlan fitou Perry Rhodan por algum tempo; parecia pensativo. Houve uma
contração dolorosa em torno dos cantos da boca.
— Para mim isto não é difícil, Perry. Já conheço este estado de espírito. Não se
esqueça de que comparado comigo você é um recém-nascido. Tenho dez mil anos mais
que você.
— Acontece que você passou a maior parte deste tempo hibernando na cúpula
submarina — disse Rhodan. — Mas acho que se você resolveu vir para cã deve ter tido
um motivo para isso. Quais são as novidades, Atlan?
— Não tenho nenhuma novidade, Perry. Só um relatório intermediário do
transmissor solar. Os aconenses estão concentrando um grupo de naves nas imediações.
Já são vinte mil naves, e parece que isto só é a vanguarda do grosso das forças.
Perry Rhodan acenou com a cabeça.
— A Crest está preparada para decolar a qualquer momento. Acho que não teremos
de ficar mais por muito tempo na Lua — olhou para Allan D. Mercant. — O senhor sabe
se o agente-chefe competente para o Sistema Azul se encontra em alguma das unidades
da frota estacionada junto ao transmissor?
— Esperava que o levassem, senhor. Seu próximo relatório deverá chegar dentro de
quinze minutos. Pedimos que descobrisse as intenções dos aconenses, especialmente o
que pretendem fazer depois que chegarem ao sistema de Gêmeos.
— O senhor acha que vale a pena assumir este risco, Mercant? — perguntou Atlan.
Mercant levantou os olhos. Parecia espantado.
— Richard Edwards está desempenhando o papel de um aconense, lorde-almirante.
O senhor acha que como especialista do serviço secreto aconense ele poderia escolher seu
local de trabalho? Infelizmente não temos nenhuma influência sobre isso.
— Está bem — disse Atlan em tom conciliador. — Devo obrigações a este jovem. É
este o motivo das minhas preocupações.
Mercant sorriu.
— Eu também, lorde-almirante. Afinal, há tempos enviei o pai de Richard à missão
mais perigosa de toda a história da Segurança Galáctica.
Atlan acenou com a cabeça.
— Na oportunidade o velho Glenn Edwards salvou muito mais que Quinto Center.
Se eu penso no que poderia ter acontecido se o agente de cristal conseguisse sair da
nebulosa de Magalhães para espalhar-se pelo Império...
— Um dia haveremos de encontrar o mundo de origem dos hipnocristais, Atlan.
Nosso caminho para Andrômeda não passa diretamente pela nebulosa de Magalhães, mas
não podemos tolerar qualquer inimigo nas nossas costas.
Rhodan cerrou os lábios. Não via o fim da luta. Quando conseguiam derrotar um
inimigo, já havia outro perigo à vista.
— O videofone! — exclamou Atlan.
Perry Rhodan levantou-se de um salto e correu para perto do videofone. O
sinalizador zumbia ininterruptamente, enquanto a luz vermelha se acendia e apagava.
Ligou o aparelho.
O rádio-operador de serviço na hiperestação da Lua ficou em posição de sentido.
— Recebemos uma mensagem não codificada expedida pelos aconenses e dirigida à
Administração do Império Solar, senhor. Devo fornecer o texto?
— Transmita! — Rhodan acenou com a cabeça e ligou o cristal de armazenamento.
O rádio-operador começou a ler o texto registrado numa placa de impulsos.
— Do Conselho de Ácon à Administração do Império Solar. Dezesseis de junho de
2.4O1, calendário terrano.
“O transmissor solar situado no centro galáctico e o sistema receptor do espaço
transgaláctico já não são nenhum segredo para nós. Chamamos sua atenção para o fato de
que o centro da Galáxia não está submetido à soberania de quem quer que seja. Nele
prevalece as leis não escritas, mas aceitas por todas as raças, que regulam a liberdade do
espaço cósmico.
“O Conselho de Ácon não está disposto a permitir qualquer violação de seus
direitos. Exigimos passagem livre e o reconhecimento do direito de utilização do
transmissor galatocêntrico.
“Qualquer tentativa de impedimento por parte das naves do Império Solar será
considerada um ato de agressão. Neste caso lançaremos mão de todos os recursos de que
dispomos para defender nossos direitos.
“Hat-Mooh — pelo Conselho de Ácon.”
— É uma formulação muito esperta — constatou Atlan em tom indiferente. —
Fazem uma ameaça de guerra, mas fazem-se de agredidos. Este Hat-Mooh é um
grandessíssimo patife.
Mercant balançou, a cabeça.
— Os aconenses não deixam de ter sua razão. Enquanto o segredo do transmissor
solar era exclusivamente nosso, não estávamos violando a liberdade do espaço. Mas
agora que os aconenses conhecem este segredo as coisas mudam de figura. De fato,
formalmente estaríamos transgredindo as regras de direito se impedíssemos as naves
aconenses de usar o transmissor.
— Mas só formalmente — respondeu Rhodan. — Evidentemente os aconenses não
pretendem usar o transmissor para fins pacíficos. A concentração maciça de unidades de
sua frota diz tudo. Seja como for, já tenho um bom motivo para falei ir com Grek-1.
Gucky e o Tenente Hawk adiantaram-se um pouco para testar as reações do maahk. Ao
que tudo indica, aquele agente superesperto do serviço secreto que ir usar-nos em seus
planos.
— Irei com você , Perry — disse Atlan.
— Muito obrigado, Atlan. O senhor naturalmente também irá comigo, Mercant.
Não poderá fazer mal que o senhor veja como o homem que já foi seu concorrente mais
perigoso ainda tece sua rede de intrigas de dentro da prisão.
***
No início Grek-1 fora de opinião que Perry Rhodan atenderia prontamente ao seu
pedido, vindo falar com ele, mas naquele mormente já começava a acreditar que não
estava mais interessado em conversar.
Grek-1 olhava constantemente para seu relógio cósmico. O mesmo lhe permitia
obter um denominador comum da divisão do tempo reinante nos diversos planetas, o que
era muito importante para seus planos.
Mas tudo isso não adiantava nada enquanto Perry Rhodan não aparecia.
Não demoraria, e não adiantaria mesmo que Perry aparecesse.
Grek-1 pôs-se a refletir sobre se o técnico realmente tinha transmitido seu pedido. A
reação do mesmo fora tão estranha que Grek-1 chegou a ter suas dúvidas.
Quando finalmente a tela da tradutora se acendeu, os nervos do maahk quase
estavam arrebentando.
Os rostos de Rhodan, Atlan e Mercant apareceram na tela.
Perry Rhodan levantou a mão e sorriu.
Grek estava tão impaciente que nem conseguiu retribuir o cumprimento. Começou a
falar imediatamente.
— O senhor demorou muito, Rhodan!
— Estava ocupado, Grek-1. O senhor estava à minha espera?
— Deixemos isso de lado, Rhodan — respondeu Grek-1, indignado. — O tempo é
precioso. Ouvi dizer que os aconenses exigem a liberação imediata do transmissor
solar...!
— O senhor ouviu bem, Grek-1. Acabamos de receber o ultimato. Os aconenses nos
ameaçam com a guerra, caso tentemos impedir a utilização do transmissor e do sistema
de Gêmeos.
— Os terranos têm motivo para temer esta ameaça?
— Não...! — disse Rhodan, esticando a palavra. — Por que faz esta pergunta?
Grek-1 sentiu um tremendo alívio. Nunca acreditara que os aconenses pudessem ser
mais fortes que os terranos, mas era claro que suas informações sobre a verdadeira
relação de forças eram bastante deficientes.
— Nesse caso não deve ser difícil atender ao desejo do aconense, Rhodan.
Grek-1 notou perfeitamente o brilho nos olhos dos três homens. Concluiu que se
espantaram com a sugestão que acabara de apresentar, o que era perfeitamente natural.
Tinha a impressão de que conhecia suas reações.
— O que quer dizer com isso, Grek-1? — perguntou Rhodan. — Acha que devemos
permitir que os aconenses penetrem à vontade no transmissor solar?
— Isso mesmo — respondeu Grek-1. — Rhodan, peço encarecidamente que não
oponha nenhum obstáculo aos aconenses, nem por ocasião da entrada no transmissor nem
no interior do sistema de Gêmeos.
Grek-1 viu Rhodan dar um passo em direção à objetiva. O rosto estreito e
inteligente do grande terrano ocupava metade da tela.
— Estou interessado — disse Rhodan — em conhecer o motivo de seu interesse
pelo que se passa no centro galáctico. Por que acha que não devemos impedir os
aconenses de cometer excessos? Eles não seriam capazes de resistir mais de um dia.
Grek-1 deslocou o peso do corpo de uma perna para outra.
— Rhodan, peço que confie em mim. Os acontecimentos darão resposta às suas
perguntas. Não tenho tempo para isso. Os aconenses não devem ser detidos por uma das
horas de vocês que seja. Até chego a pedir mais uma coisa, Rhodan. Providencie para que
as unidades de vigilância do sistema de Gêmeos se retirem enquanto é tempo.
O rosto de Perry Rhodan parecia pálido. Grek-1 notou que não era apenas por causa
da iluminação da cabine de comunicação. O rosto do grande terrano parecia agitado. Os
olhos se estreitaram, e Grek-1 não se sentiu muito à vontade sob o olhar perscrutante.
— Quer que eu confie no senhor? — Rhodan quase chegava a fungar. — Não acha
que está exigindo demais, Grek-1? Não é que eu queira desconfiar sistematicamente do
senhor, mas na defesa dos interesses da Humanidade não posso ser leviano. Sou obrigado
a pedir que dê o motivo por que acaba de fazer este pedido.
— Não posso dizer mais nada, Rhodan — respondeu Grek-1. — A única coisa que
posso acrescentar ao meu pedido é que o mesmo foi formulado no interesse da
Humanidade.
Pela primeira vez Allan D. Mercant tomou a palavra.
— Não quero afirmar que aquilo que o senhor acaba de dizer não seja verdade,
Grek-1. Acontece que suas informações são incompletas. O senhor não pediria com tanta
insistência se seu pedido correspondesse exclusivamente ao interesse da Humanidade...
Mais uma vez Grek-1 admirou a perspicácia deste homem. Mesmo que não
quisesse, não sentia apenas respeito, mas também algo parecido com simpatia por este
homem.
— O senhor tem razão, Mercant. Estou pessoalmente interessado em que meu
pedido seja entendido. Mas nem por isso o mesmo deixará de atender em primeira linha
ao interesse da Humanidade.
Perry Rhodan recuou um passo. Dirigiu-se ao arcônida.
— O que me diz da sugestão de nosso “amigo”, Atlan?
Havia um brilho úmido nos olhos de Atlan, o que no arcônida era sinal de uma forte
emoção. Mas seu rosto não revelava nenhum nervosismo.
— Conheço a lógica dos maahks, Perry. Para um ser humano sempre parece
confusa e apavorante. Mas nunca entra em contradição com a realidade. Só posso lhe dar
um conselho, e insisto nele. Atenda ao pedido de Grek. Não acredito que esteja
planejando uma traição. Na situação em que se encontra não tem outra alternativa senão
apoiar-nos.
Perry Rhodan acenou com a cabeça. Voltou a olhar para Grek-1.
— Providenciarei para que os aconenses possam usar o transmissor solar e para que
seja permitida sua entrada no sistema de Gêmeos. Sei que o senhor está brincando com
fogo, Grek-1. Por isso dentro de uma hora irei à Crest, que se dirigirá a Kahalo. E o
senhor me acompanhará.
4

O ruído ensurdecedor das sereias de alarme cessou. Os avisos de que as posições de


canhões estavam em condições de entrar foram chegando à sala de comando. A Travinol
preparava-se para a luta.
Nir-Lah estava sentado numa poltrona de reserva. Olhava fascinado para a grande
tela frontal, que ocupava toda a parede dianteira da sala de comando.
Três gigantes passaram calmamente junto à frota dos aconenses, tão próximos um
do outro que seus campos defensivos quase chegavam a tocar-se.
Eram naves fragmentárias dos pos-bis...!
Nir-Lah teve de fazer um grande esforço para disfarçar a profunda satisfação que
isso lhe causava. Até que enfim os comandos de vigilância terranos estacionados junto ao
transmissor solar tinham resolvido fazer alguma coisa. Finalmente mostravam aos
aconenses o que achavam das suas forças.
Hat-Mooh ficou bastante abalado!
Havia somente três naves fragmentárias para enfrentar as vinte mil belonaves de
que dispunha. E ainda demonstravam tamanha falta de respeito que até davam a
impressão de que nada e ninguém poderia tornar-se perigoso para elas.
O chefe do comando de vigilância não poderia ter encontrado uma forma melhor de
mostrar o desprezo que sentia pelos aconenses. As três naves fragmentárias desfilaram
diante da armada aconense sem que ninguém lhes fizesse nada.
Hat-Mooh espumava de raiva.
Bem que gostaria de abrir fogo, mas sabia que para isso teria de reagrupar sua frota.
Para destruir as naves pos-bis, as mesmas tinham de ficar expostas ao fogo concentrado
de uma flotilha. E antes que fossem destruídas, certamente mais de cinqüenta unidades
aconenses se transformariam em esferas de gases incandescentes.
— Nir-Lah...!
Nir-Lah virou a cabeça. Viu Hat-Mooh de pé junto à mapoteca. Não restava nada da
atitude arrogante do grande oficial do serviço secreto. Sacudia-se de raiva.
— Venha cá, Nir-Lah! — ordenou Hat-Mooh.
Nir-Lah levantou com os lábios cerrados e caminhou tranqüilamente para junto da
mapoteca.
— Pois não, Hat-Mooh...
O oficial puxou o grampo que prendia sua manta violeta na altura do ombro.
Finalmente tirou uma plaqueta que emitia um brilho metálico.
— Pegue isto, Nir-Lah!
Nir-Lah segurou o objeto e sentiu que a tensão que o dominava era cada vez mais
forte. Hat-Mooh acabara de lhe dar a chamada carta de comando, que dava ao seu
portador o grau de comandante de flotilha, mas isto geralmente para uma missão limitada
no tempo.
— Nir-Lah! — voltou a dizer Hat-Mooh. Parecia bem mais calmo. Até chegava a
haver um sorriso de desprezo em torno de seus lábios, o que era um sinal de que a
arrogância de sempre estava voltando. — A partir deste instante o senhor é investido no
comando do cruzador pesado Umanhat. Transfira-se para lá e apresente a carta de
comando como credencial. Informarei o comandante.
Hat-Mooh ficou calado e olhou atentamente para o rosto de Nir-Lah.
— O que fará em seguida, Nir-Lah?
Nir-Lah abriu as mãos.
— Aguardo suas ordens, Hat-Mooh.
Hat-Mooh empertigou-se. Um brilho perigoso apareceu em seus olhos.
— Vejo que não descobriu meu plano, Nir-Lah! Ainda bem. Isto prova que os
terranos também não saberão o que significa uma nave isolada.
“Ele se exibe que nem um pavão”, pensou Nir-Lah, que se divertia a valer.
Descobrira o plano de Hat-Mooh desde o primeiro momento, mas nem pensava em deixar
que o oficial desconfiasse disso.
Nir-Lah colocou a mão sobre o peito, num gesto de concordância.
Um sorriso frio surgiu no rosto de Hat-Mooh.
— O senhor fará a Umanhat aproximar-se do transmissor solar. Despertará a
impressão de que quer entrar diretamente no mesmo. Os terranos devem acreditar nisso,
Nir-Lah. Trata-se de um teste que não envolve qualquer risco para nós, mas revelará a
atitude dos terranos diante da exigência por nós formulada.
— É um plano genial — disse Nir-Lah, esforçando-se para simular certa admiração.
— Se os terranos destruírem a Umanhat, o senhor pode ver nisso um ataque a toda a frota
e partir por sua vez para o ataque.
— Os terranos dificilmente destruirão uma nave isolada — respondeu Hat-Mooh.
— Tentarão fechar-lhe o caminho. Quero que o senhor interprete isso como um ataque.
Neste caso o senhor transmitirá um pedido de socorro na faixa galáctica universal. O
pedido de socorro terá de mencionar um ataque terrano armado contra uma nave solitária
e pacífica de Ácon. O senhor entendeu?
— Entendi, Hat-Mooh — respondeu Nir-Lah.
Sorriu confiante, embora por dentro não estivesse nem um pouco. Gostaria de matar
o oficial aconense por causa do plano diabólico que acabara de revelar. Resolveu expedir
pelo menos uma ligeira advertência para a Segurança Galáctica. Ninguém deveria
interpor-se na rota da Umanhat.
— Retire-se, Nir-Lah! — ordenou Hat-Mooh. Nir-Lah não disse uma palavra. Fez
continência e saiu.
Já estavam à sua espera. Os oficiais mais importantes do cruzador pesado estavam
reunidos na sala de comando da Umanhat. Fizeram continência quando Nir-Lah entrou,
acompanhado por outro oficial.
Nir-Lah, ou melhor, Richard Edwards, retribuiu o cumprimento e examinou
atentamente os rostos dos aconenses. Eram os rostos estreitos e super-refinados de uma
raça velha. Sem dúvida exprimiam um elevado grau de inteligência. As linhas nítidas e
duras em torno da boca e o brilho resoluto dos olhos eram característicos de uma tropa de
elite.
Nir-Lah sorriu, embora sentisse que os pensamentos tristes se espalhavam em sua
mente. Lamentava ter de mandar estes homens duros e orgulhosos para a morte certa.
Um aconense que usava distintivo de comandante adiantou-se. Tinha o mesmo
corpo alto e magro que os outros, e também apresentava a mesma expressão arrogante no
rosto.
— Baldru-Ram, comandante da Umanhat — disse a título de apresentação.
Nir-Lah respondeu com uma inclinação da cabeça e apresentou sua carta de
comando.
Baldru-Ram fez a apresentação dos outros oficiais.
Nir-Lah voltou a guardar a carta de comando. Olhou firmemente nos olhos do
comandante.
— Trago ordens de Hat-Mooh para realizarmos uma operação-teste contra o
transmissor solar. Quando a Umanhat poderá separar-se do grupo, inteiramente preparada
para entrar em combate, é claro?
— Imediatamente! — respondeu Baldru-Ram sem perda de tempo.
— Pois inicie a manobra de saída e siga em direção ao transmissor, comandante!
Mas não avance a ponto de sermos atingidos pelo raio do transmissor.
Baldru-Ram empalideceu. Os outros oficiais também pareciam apavorados. Nir-Lah
compreendia perfeitamente os aconenses. Nesse momento tomou uma decisão. Salvaria
os tripulantes da Umanhat, se houvesse alguma possibilidade.
— O senhor entendeu o que eu disse, Baldru-Ram? — perguntou em tom
penetrante.
O comandante estremeceu.
— Perfeitamente, Nir-Lah! — virou-se e saiu caminhando para seu lugar. Os outros
oficiais dirigiram-se apressadamente aos postos que ocupavam no interior do cruzador
pesado.
Nir-Lah enxugou discretamente o suor da testa. Precisava encontrar um meio de
avisar a Segurança Galáctica. O comando que vigiava a área em torno do transmissor não
devia criar qualquer obstáculo à Umanhat, para evitar que a Humanidade ocupasse uma
posição injusta aos olhos dos outros povos galácticos. Isto só traria mais complicações
políticas.
Quando a nave estava rugindo e tremendo sob as energias infernais dos reatores do
sistema de propulsão que trabalhavam à capacidade máxima, Nir-Lah entrou em contato
com o comandante.
— Farei uma ronda pela nave, Baldru-Ram. Assim que aparecer alguma nave
terrana, chame-me pelo sistema de intercomunicação. Mas devo voltar antes disso.
A forma pela qual o comandante deu sua confirmação mostrou que o mesmo ficou
muito espantado com a intenção de Nir-Lah. Não era costume um chefe retirar-se da sala
de comando quando tinha início uma operação perigosa. Acontece que Nir-Lah não
poderia expedir sua mensagem enquanto estivesse na sala de comando.
Quando a escotilha blindada se fechou atrás dele, Nir-Lah deu-se conta da situação
louca em que se encontrava.
Um agente terrano fazendo o primeiro lance no jogo em que era disputado o
transmissor solar — um lance que beneficiaria exclusivamente os aconenses.
Ficou triste ao lembrar-se do pai. Este sem dúvida saberia o que fazer, caso
estivesse na mesma situação. O pai nunca contara muita coisa sobre as missões de que
participava, mas isso nem era necessário. Nas últimas décadas saía uma edição atrás da
outra dos livros-filme que contavam as aventuras do agente secreto Glenn Edwards. O
jovem Richard aprendera num livro-filme sobre os feitos do pai em Quinto Center, o
quartel-general da USO. Se não fosse Glenn Edwards, ninguém teria descoberto o
segredo dos agentes-fantasmas antes que fosse tarde.
Richard Edwards lembrou-se da conversa que tivera com o pai, aos quatorze anos,
quando manifestara o desejo de tornar-se cadete da Academia Espacial e mais tarde
agente da Segurança Galáctica. O pai tentara tirar-lhe a idéia da cabeça. Pela primeira vez
contou alguma coisa sobre sua vida cheia de aventuras e perigos e assustou-se porque seu
filho queria levar a mesma vida.
Mas Richard já tinha tomado sua decisão. Fora bastante pertinaz para obrigar o pai a
ceder. Passara a freqüentar um dos afamados institutos Crest, para preparar-se para o
exame de admissão à Academia Espacial.
Seguiram-se seis anos de privações, esforços desumanos, derrotas e vitórias.
Richard Edwards nunca fora um aluno-modelo. De qualquer maneira conseguiu ser
aprovado nos exames finais com o conceito “bom”.
Seguiram-se oito anos de estudos na Academia Espacial Conrad Deringhouse. Estes
anos exigiram tudo de Richard Edwards, transformando-o num homem amadurecido.
Magro, com as faces encovadas, mas com o corpo transformado em feixes de músculos e
tendões, dono de uma resistência de ferro, fora visitar os pais num curto período de férias.
O pai fitara-o com uma expressão de orgulho, mas também com certa preocupação.
Colocara as mãos robustas sobre seus ombros.
— Parabéns, meu filho! — dissera. — Você conseguiu.
Richard Edwards limitara-se a sacudir a cabeça.
— É só o começo, pai. Daqui a dez anos começará o exame de admissão da Escola
de Especialistas da Segurança Galáctica.
Glenn Edwards limitara-se a apertar as mãos do filho e dissera em voz baixa:
— Orgulho-me de você, Richard. Nunca se esqueça de que meu nome não o ajudará
em nada a vencer os obstáculos que ainda existem em seu caminho. Você terá de fazer
seu próprio nome.
Nir-Lah sorriu. Fizera seu próprio nome. Aos quarenta anos era chefe da Segurança
Galáctica no Sistema Azul. Há dois anos conseguiram introduzi-lo em Esfinge, mundo
principal dos aconenses, para ocupar o lugar de Nir-Lah, em especialista do serviço
secreto aconense que se acidentara no espaço.
Dali a uma hora talvez seria o fim de tudo!
Nir-Lah atravessou os corredores da Umanhat que nem um sonâmbulo. Só naquele
momento voltou a dedicar sua atenção ao ambiente que o cercava.
Escondeu-se num corredor sem saída, nas proximidades dos reatores que
alimentavam o sistema de propulsão.
Dali a um minuto um impulso com a duração de meio nanosegundo saiu para o
espaço. Tratava-se de uma mensagem de hiper-rádio condensada a ponto de tornar-se
irreconhecível.
Mas não o seria para os especialistas da Segurança...
***
Quando Nir-Lah voltou à sala de comando da Umanhat, a nave já deixara a frota
aconense bem para trás.
Apesar da situação desesperada em que se encontrava, Nir-Lah não pôde deixar de
admirar o labirinto de sóis em que a Umanhat ia penetrando.
Os reatores do sistema de propulsão rugiam ininterruptamente, fazendo tremer a
nave. As tempestades gravitacionais, a sucção exercida pelos centros de gravidade que
surgiam abruptamente e as ofuscantes descargas energéticas constantemente tentavam
arrancar a Umanhat da rota.
O Comandante Baldru-Ram estava rouco de tanto berrar. Mal tinha dado uma
ordem, a mesma tinha de ser revogada. Às vezes a nave mal entrava numa rota, quando
se constatava que esta levava à destruição. Por várias vezes o campo defensivo do
cruzador pesado esteve prestes a desabar, quando era roçado pelos braços laterais de um
ciclone energético.
Não era difícil imaginar qual seria o destino da Umanhat, caso a mesma fosse
atingida em cheio por uma descarga.
— Ainda não apareceu nenhuma nave terrana? — perguntou Nir-Lah com uma
indiferença proposital.
Baldru-Ram virou-se abruptamente e fitou Nir-Lah como quem vê um fantasma.
— Bem que eu gostaria que aparecesse uma! — exclamou, nervoso. — Sabe o que
estou pensando, Nir-Lah?
Nir-Lah abriu os dedos. Baldru-Ram respirou profundamente.
— Quase me sinto inclinado a acreditar que os terranos nos encaminharam
informações erradas. Talvez o transmissor solar nem exista. Talvez quisessem atrair-nos
para cá, para que as forças da natureza dêem cabo de nós.
— Nir-Lah obrigou-se a dar uma risada irônica.
— O senhor não conhece os métodos que Hat-Mooh costuma usar em seus
interrogatórios, Baldru-Ram. Nenhum terrano deixa de contar a verdade e toda a verdade
quando é interrogado por Hat-Mooh.
— Mas este setor espacial é uma verdadeira armadilha de espaçonaves —
respondeu o comandante em voz baixa.
— Se os terranos conseguem passar por aqui todos os dias, nós também
conseguiremos — respondeu Nir-Lah em tom áspero. O desprezo estava estampado em
seu rosto. — Não pense que nos deixarão ir sem mais aquela ao transmissor.
— Não sei — respondeu Baldru-Ram, desconfiado.
— Há pouco captamos alguns fragmentos de uma transmissão em linguagem clara,
irradiada por um hipertransmissor público. Segundo diz esta mensagem, o Conselho de
Ácon espalha constantemente notícias sobre a situação reinante nas proximidades do
transmissor solar. Prova-se aos terranos que não estão com razão e que, se não quiserem
ceder por bem, só poderão esperar a guerra.
— Quer dizer que o senhor acha que os terranos permitirão que usemos o
transmissor?
— Eles não têm alternativa — disse Baldru-Ram.
— Sabem que estamos preparados para lutar. Quando aparecerem as unidades
restantes da frota, teremos uma tremenda superioridade.
Nir-Lah sorriu com uma expressão de indiferença. Sabia que Ácon pretendia enviar
um total de oitenta mil espaçonaves tripuladas com elementos de elite para impor suas
exigências no centro galáctico. Mas sabia melhor que Baldru-Ram que o Império Solar
não tinha razão para temer nem mesmo uma frota de cem mil espaçonaves.
Será que a batalha mais cruel da história galáctica estava para ser travada no interior
da concentração estelar galatocêntrica?
***
Kahalo era um mundo antiqüíssimo. O mesmo já fora habitado pelos big-heads.
Tratava-se de seres que tinham um passado glorioso, mas haviam degenerado, descendo a
um nível que era um misto de tecnologia e vida primitiva. Os misteriosos senhores da
galáxia tinham instalado um centro de comando em Kahalo. Quem dominasse Kahalo
estaria em condições de usar conforme lhe conviesse a estação intermediária situada entre
a galáxia habitada pela Humanidade e a nebulosa de Andrômeda.
Perry Rhodan descobrira Kahalo quando estava sendo perseguido por membros da
tropa submetida a Iratio Hondro, antigo chefe supremo plofosense. Quando a situação
política do Império Solar se consolidou, uma operação de busca em grande escala foi
iniciada, com o fim de encontrar Kahalo. Kahalo foi conquistada depois de uma batalha
contra as naves de patrulhamento dos maahks, que trouxe grandes perdas. Antes disso os
maahks exterminaram os big-heads, para evitar que os mesmos pudessem transmitir aos
terranos algum dos segredos técnicos que dominavam.
Quando a Crest II pousou no porto espacial de Kahalo, Perry Rhodan lembrou-se do
trecho mais sombrio da história do Império.
Este trecho pertencia definitivamente ao passado.
Mas o perigo vindo de Andrômeda representava uma ameaça para todas as raças da
Galáxia.
E por cima de tudo ainda tinha recebido o ultimato dos aconenses.
— Manobra de aterrissagem concluída, senhor — anunciou o Coronel Cart Rudo,
comandante da nave-capitânia da frota do Império.
— Obrigado, coronel — respondeu Rhodan. — Infelizmente não podemos dar folga
à tripulação. É possível que daqui a pouco a Crest tenha de entrar novamente em ação. Dê
ordem para abrir a eclusa inferior. Atlan, Mercant e eu nos dirigiremos ao escritório local
do Serviço Secreto.
Quando o planador desceu pela rampa que levava da eclusa inferior ao piso do porto
espacial, um cruzador pesado pousou a dois quilômetros de distância. Não usou os jatos-
propulsores, mas somente os projetores antigravitacionais. Apesar disso houve um
pequeno furacão por causa do deslocamento de ar. O planador ficou jogando por alguns
segundos, mas o piloto logo voltou a controlar o mesmo.
Atlan lançou um olhar para a cidade construída pela metade que se erguia junto ao
horizonte. Viu que os arranha-céus do centro cresciam literalmente em câmara lenta, viu
as máquinas robotizadas usarem raios de tração para juntar segmento após segmento de
uma via elevada, e também viu os lampejos ofuscantes produzidos pela solda das chapas
de revestimento das estações de transmissor.
— Toda vez que venho para cá, encontro Kahalo tão diferente que não a reconheço
mais — disse, dirigindo-se a Rhodan. — Lembro-me de que por ocasião de minha última
visita estava sendo feita a medição do terreno em que seria erguida a cidade.
Rhodan sorriu. Parecia orgulhoso.
— Quando nos apoderamos de um mundo, é para valer. Não pretendemos sair
nunca mais de Kahalo. Por isso permitimos que a guarnição local se fixe com suas
famílias nas cidades. Por isso mesmo não se torna necessário substituir constantemente os
especialistas. Estes fixam residência aqui, atraem comerciantes e empresas da indústria
de diversões e acabam por transformar Kahalo numa colônia muito próspera.
Atlan franziu a testa.
— Nem quero ver a confusão que os aconenses criarão em torno de Kahalo quando
souberem da existência deste planeta. Farão questão de participar do controle do centro
de comando.
— Kahalo não é o transmissor solar — respondeu Rhodan. — Este mundo está
submetido à soberania terrana, pois é um mundo colonial do Império Solar. Isto derruba
os argumentos dos aconenses.
— Meus respeitos, bárbaro! — disse Atlan. — Nem me lembrei disso.
O planador chegou à extremidade do campo de pouso. Outro planador estava
esperando do outro lado da entrada. Havia seis homens armados que usavam o uniforme
da Segurança Galáctica no mesmo. Seguiram à frente com seu veículo, conduzindo o
planador de Rhodan até o portão do conjunto de edifícios em que funcionava o centro da
Segurança de Kahalo.
Os seis homens saltaram do planador. Um deles aproximou-se de Rhodan e fez a
apresentação.
— Recebemos ordens para levá-lo ao chefe do setor de Kahalo, senhor.
Perry Rhodan agradeceu e fez um gesto em direção ao portão. Os seis homens
armados saíram andando. Rhodan, Atlan e Mercant seguiram-nos em silêncio.
O chefe do setor estava à sua espera no interior de seu gabinete.
Era um homem grisalho, de pele tostada pelo sol e rosto enrugado.
O Coronel Mirabelle tinha sessenta e cinco anos. Suas pernas, e também os braços,
eram membros artificiais biopositrônicos, que representavam uma lembrança da última
missão por ele desempenhada, doze anos atrás. O coronel movimentava-se com agilidade
e tinha a postura de um homem sadio de trinta anos. Mas desaprendera o riso.
Perry Rhodan apertou-lhe a mão. Mais uma vez admirou-se com a capacidade de
seus biocibernéticos, que tinham revestido os membros que funcionavam perfeitamente
com uma camada de bioplasma, fazendo com que a mão fosse quente e firme como uma
mão natural.
— Aceitam um refrigerante? — perguntou o Coronel Mirabelle, depois de convidar
os visitantes a se acomodarem.
Rhodan, Atlan e Mercant pediram cola. A bebida gelada foi servida por um robô.
Allan D. Mercant acendeu um charuto.
— Tem notícias do Capitão Edwards? — perguntou. O coronel acenou com a
cabeça e pegou uma chapa de plástico.
— Edwards enviou uma notícia importante. Está a bordo de um cruzador pesado
aconense, que deverá testar nossas defesas junto ao transmissor solar. Ainda informou
que dentro de algumas horas deverão aparecer oitenta mil naves de guerra aconenses com
tripulações de elite.
O Coronel Mirabelle fez uma pausa. Pigarreou. Parecia embaraçado.
— Depois fez um pedido que me deixou chocado. Acho que merece uma
repreensão por isso, senhor. Até parece um pedido feito pelos aconenses.
Mercant sorriu.
— Será que o Capitão Edwards quer que deixemos que os aconenses se aproximem
do transmissor solar, coronel...?
— Como soube disso, senhor? — perguntou o coronel, assustado.
— Parece que é a única maneira de evitar uma guerra declarada com Ácon —
respondeu Mercant em tom sério.
O Coronel Mirabelle franziu a testa. Não mostrou outro sinal de emoção.
— Não duvido de que o senhor tenha uma melhor visão das coisas que eu, senhor
— disse, falando muito devagar. — Mas pediria que não se esquecesse o que poderá
acontecer se cedermos às ameaças dos aconenses. Eles não se contentarão com o direito
de utilização do transmissor. Exigirão a entrega do sistema de Gêmeos, e assim por
diante.
— Posso garantir que não deixamos de considerar isto — disse Perry Rhodan. —
Acontece que temos outros motivos, além dos que foram expostos por Mercant. Vamos
ao que nos trouxe aqui, Coronel Mirabelle. Queria pedir que consultasse seus centros de
agentes para descobrir se os aconenses estão concentrando forças em outros pontos da
Galáxia. Ainda gostaria que providenciasse para que o professor Kalup viesse para cá.
Com o auxílio do centro de computação positrônica local deve ser possível pesar o
significado do próximo passo que deveremos dar e chegar a uma decisão definitiva.
O Coronel Mirabelle levantou todo empertigado.
— Perfeitamente, senhor — disse.
***
Perry Rhodan deu ordem para que o grupo de naves que patrulhava a área em torno
do transmissor solar galatocêntrico desse passagem livre à nave isolada dos aconenses,
embora houvesse o risco de a mesma usar o transmissor.
Mas isto naturalmente não representava uma solução do problema em si.
Perry Rhodan acenou com a cabeça quando Atlan ressaltou este aspecto.
— Esperemos para ver o que o professor Kalup tem a dizer, Atlan — respondeu.
— Você quer saber o que poderá acontecer se abandonarmos nossa posição no
transmissor solar? — perguntou Atlan.
Rhodan mostrou um sorriso irônico.
— Alguém falou em abandonar alguma coisa, Atlan? Se permitirmos que os
aconenses usem o transmissor, nem por isso estaremos abandonando o mesmo. Qual é
sua opinião, Mercant?
— Acho que não devemos fazer as coisas pela metade, senhor — respondeu
Mercant, pesando bem as palavras. — Se usarmos o transmissor solar e o sistema de
Gêmeos em conjunto, os aconenses poderão acompanhar cada passo que dermos.
— É exatamente o que penso! — observou Atlan.
— Mas o que parece mais importante é o fato de Grek ter pedido que entreguemos o
transmissor e o sistema de Gêmeos aos aconenses.
— Você não acha que isso pode ser uma armadilha? — perguntou Rhodan.
— Não! — respondeu Atlan em tom firme. — Até estou convencido de que neste
caso seus interesses coincidem com os nossos, embora isso certamente não aconteça com
os motivos de cada um.
Rhodan quis responder alguma coisa, mas neste momento a porta abriu-se. O
Coronel Mirabelle entrou, acompanhado pelo professor Arno Kalup.
O rosto redondo de Kalup estava muito vermelho. O corpulento hiperfísico e
inventor do sistema de propulsão linear enxugava ininterruptamente o suor da testa,
usando um lenço xadrez azul.
— Ora! — exclamou com sua voz de trombone. — Vejo as sumidades do Império
em pessoa!
Respirava pesadamente e deixou-se cair na poltrona mais próxima.
Perry Rhodan não reagiu ao cumprimento desrespeitoso. Já tivera tempo para
identificar o núcleo sadio que se escondia atrás dos modos barulhentos de Kalup.
— Muito obrigado por ter vindo tão depressa, professor — disse.
Levantou, aproximou-se da poltrona em que Kalup estava sentado e estendeu-lhe a
mão.
Kalup levantou gemendo.
— Este sujeito do serviço secreto não me deixa em paz, senhor! — piscou na
direção de Mirabelle, revelando sua miopia. — Ficou atravessando no meu caminho, até
que não consegui concentrar-me mais no trabalho. Talvez seja um meio de levar um
homem muito ocupado a interromper seu trabalho.
Atlan deu uma risada alegre, mas o Coronel Mirabelle continuou impassível.
— Queira desculpar, professor! — disse Rhodan.
O Coronel Mirabelle respirou profundamente. O professor Kalup virou-se
abruptamente em sua direção.
— Por que está fungando? Nunca viu um homem educado?
— Vamos deixar as brincadeiras para depois, professor! — disse Rhodan em tom
delicado. — Não o chamei para termos uma conversa agradável e...
— É mesmo...? — disse Kalup. — Até parece que a gente não pode ter mais uma
conversa normal com o senhor, Administrador-Geral!
— Apenas estou considerando o fato de que o senhor é um homem muito ocupado,
professor — disse Rhodan com um sorriso amável.
A face flácida de Kalup assumiu uma coloração vermelho-azulada, mas o cientista
ficou com a boca fechada. Olhou Rhodan como se quisesse perguntar alguma coisa.
Perry Rhodan fez uma descrição resumida, mas viva, da situação reinante em torno
do transmissor solar galatocêntrico. Depois fez uma pergunta direta.
— O senhor acha que é possível abandonarmos o transmissor solar e o sistema de
Gêmeos sem que soframos graves prejuízos?
O professor Kalup pôs-se a refletir por um instante. Acenou com a cabeça.
— Acho, sim senhor. Meus homens já estudaram detalhadamente o funcionamento
do transmissor de Kahalo. Hoje em dia já estamos em condições de ligar o transmissor
das pirâmides com qualquer estação receptora situada à frente da nebulosa de
Andrômeda.
“Permita que dê uma sugestão, senhor. Entregue aos aconenses o transmissor solar e
o sistema de Gêmeos, mas mande destruir o centro de comando de Quinta. Desta forma
os aconenses receberão um brinquedo interessante, mas inútil, e poderão aborrecer-se
com os maahks em nosso lugar.”
— O que fez o senhor concluir que os aconenses terão aborrecimentos com os
maahks? — perguntou Rhodan.
— Foi meu faro, senhor — respondeu Kalup com um sorriso. Mas logo voltou a
ficar sério. — Não sou nenhum psicólogo de raças extraterrestres, senhor, mas em minha
opinião os maahks tentarão impedir nosso caminho para Andrômeda. Não podem chegar
a Kahalo, pois basta movermos uma chave para bloquear a recepção de suas naves.
Diante disso será apenas lógico que tentem com o sistema de Gêmeos. É bem verdade
que, enquanto mantivermos o controle do centro de comando de Quinta não poderão
avançar além de Gêmeos, mas não podemos fazer nada para evitar que cheguem a esse
sistema.
Perry Rhodan confirmou com um gesto.
— Muito obrigado, professor. O senhor me ajudou bastante.
O professor Kalup saiu pesadamente da poltrona.
— É como se o senhor me mandasse dar o fora! — Kalup deu uma estrondosa
gargalhada. — Não me leve a mal, senhor. Acho que não lhe dei um bom conselho.
Afinal, não sou político.
Rhodan apertou a mão do cientista.
— O senhor é mais político que muitos políticos profissionais, professor. Se não
fosse ainda melhor como cientista, eu o nomearia para o cargo de consultor político
— levantou o dedo num gesto de ameaça. — Não quero que isto o deixe vaidoso,
meu caro.
— Não lhe sou muito caro! — protestou Kalup, contrariado. — Mas vou torcer pelo
senhor.
Retribuiu o aperto de mão e saiu ruidosamente. A porta fechou-se com um estrondo.
O Coronel Mirabelle enlaçou as mãos sobre a escrivaninha.
— É um tipo impossível, mas também é um gênio. — disse com o rosto muito sério.
Rhodan sorriu como quem sabe alguma coisa.
— É cem por cento numa coisa e noutra. Qual o resultado de suas pesquisas?
— Nada de importante, senhor. Os aconenses querem deixar-nos nervosos. Estão
enviando frotas arcônidas, que fazem demonstrações junto aos mundos coloniais
periféricos do Império. Mas isto só lhes rende o deboche das populações. Os colonos de
Badum, por exemplo, enviaram ao seu encontro oito naves-oficina, cujos propulsores
estavam falhando. Depois disso a frota de duzentas e cinqüenta naves seguiu adiante.
Trata-se quase exclusivamente de naves robotizadas muito velhas, simplesmente
adaptadas, com uma tripulação composta por membro de vários povos auxiliares.
Perry Rhodan olhou para Atlan. O arcônida baixou a cabeça. Seu rosto parecia uma
máscara. Devia ser uma humilhação saber que as naves de guerra de seu povo, que já fora
tão orgulhoso, só estavam recolhendo manifestações de deboche.
— Os aconenses enlouqueceram de vez — disse Mercant. — Não sei como podem
acreditar que nos deixaremos enganar por um estratagema tão primário. Além disso estão
arriscando tudo. Não há dúvida de que as oitenta mil naves de guerra concentradas junto
ao transmissor solar são tudo que podem oferecer em matéria de naves e tripulações de
boa qualidade. Se resolvêssemos golpeá-los, isso praticamente deixaria indefesos seus
mundos.
Perry Rhodan levantou.
— Acontece que não vamos golpear, Mercant. — Dirigiu-se ao Coronel Mirabelle:
— Faça o favor de mandar ligar seus hipertransmissores mais potentes na faixa comum
dos povos galácticos, coronel. Daqui a dez minutos quero proferir um discurso.
5

Nir-Lah estremeceu ao ouvir os apitos de alarme. Não havia necessidade de


perguntar ao comandante o que tinha acontecido. Os apitos estridentes obedeciam a uma
seqüência característica para a falha do sistema direcional da nave.
— Qual é a causa disso? — perguntou, superando o barulho.
O Comandante Baldru-Ram desligou o alarme e virou a cabeça para Nir-Lah. Fitou-
o como quem quer perguntar alguma coisa.
Nir-Lah repetiu a pergunta.
— É um campo de gravitação muito forte no setor verde-vermelho. Sofremos um
desvio de rota de cento e quarenta graus.
— Qual é a origem desse campo? — perguntou Nir-Lah.
Baldru-Ram ergueu as mãos e abriu os dedos.
— Os instrumentos não indicam nada, Nir-Lah. As interferências nesta área são
muito fortes e confusas. Por enquanto as telas dos rastreadores não mostram nada.
— Um campo gravitacional tão forte só pode ser produzido por um sol gigantesco
— disse Nir-Lah. — Como se explica que o mesmo não apareça nas telas dos
rastreadores? '
Mais uma vez Baldru-Ram respondeu com o gesto de abrir os dedos, que
correspondia mais ou menos ao dar de ombros dos terranos.
— Tome a rota contrária, usando toda a potência dos propulsores! — ordenou Nir-
Lah.
O comandante virou a cabeça e puxou um microfone para perto da boca.
— Sala de comando chamando sala de máquinas. Use toda a potência dos
propulsores contra a influência gravitacional.
Nir-Lah segurou firmemente a braçadeira da poltrona de comando. As juntas dos
dedos ficaram brancas. Observou atentamente os instrumentos.
A nave foi sacudida quando os reatores do sistema de propulsão do setor verde-
verde-vermelho passaram a trabalhar a plena potência. As chapas de revestimento dos
instrumentos tilintaram e o rugido maltratava os ouvidos.
Depois de algum tempo o comandante virou novamente a cabeça. Estava com os
lábios brancos como cera.
— Rota de desvio inalterada, Nir-Lah — informou. — Estamos caindo em
velocidade crescente em direção à fonte de gravitação.
Uma campainha estridente interrompeu o silêncio. Era o centro de rastreamento que
estava chamando. O astro acabara de aparecer nas telas dos rastreadores em forma de um
reflexo apagado. A distância era de 0,361 anos-luz.
— Quero a interpretação positrônica — ordenou Baldru-Ram.
A interpretação não demorou.
— Diâmetro aproximado, vinte e cinco mil quilômetros — respondeu o comandante
em voz baixa.
— Estamos caindo numa estrela escura, num gigante de massa, não é mesmo? —
perguntou Nir-Lah.
— Estamos — respondeu Baldru-Ram. — E não existe mais nenhuma possibilidade
de salvar a nave.
“É o fim”, pensou Nir-Lah. “Bateremos com tamanha força que da Umanhat não
restará nada além de uma chapa de metal da grossura de uma folha de papel. O que
adianta que uns quarenta dias se passarão antes que isso aconteça?”
— O senhor não acha que devemos chamar a frota? — perguntou o jovem
navegador.
Via-se pelo seu rosto que refletia desesperadamente para encontrar uma saída.
— Não adianta — respondeu Baldru-Ram. — Qualquer nave que viesse em nosso
auxílio entraria no campo de gravitação do sol escuro. Não devemos pedir socorro, pois
com isso apenas nos faríamos culpados da morte de milhares de nossos companheiros.
“Como eles são diferentes. A frieza cínica de Hat-Mooh e a coragem de Baldru-
Ram”, pensou Nir-Lah.
Seus pensamentos foram interrompidos por outro sinal da campainha.
Mais uma vez era o centro de rastreamento que estava chamando.
— Detectamos três reflexos que se aproximam rapidamente, vindos do vermelho-
vermelho-verde? — perguntou o comandante, perplexo.
— Só podem ser espaçonaves! — disse o navegador em tom apressado. Havia um
brilho de esperança em seus olhos.
— Tolice! — respondeu Baldru-Ram. — Nenhuma nave se arriscaria a entrar nesta
perigosa zona de gravitação — inclinou-se em direção ao microfone. — Comandante
chamando rastreamento. Transfira o resultado do rastreamento para minha tela de
projeção.
A tela de projeção iluminou-se. Três pontinhos verdes, aparentemente circulares,
aproximavam-se da Umanhat numa rota oblíqua.
— Não é possível — disse Baldru-Ram. Virou a cabeça para Nir-Lah. — Como
podem aproximar-se numa trajetória oblíqua? O campo gravitacional deveria obrigá-las a
entrar numa rota paralela. Nem mesmo os maiores couraçados de nossa frota seriam
capazes de...
— Os couraçados de nossa frota não seriam — disse Nir-Lah em voz calma. —
Acontece que estas naves não são nossas — apontou para a tela de projeção, que já
mostrava perfeitamente as formas dos objetos que se aproximavam. Um deles era
esférico, enquanto os outros dois tinham o formato irregular de um planetóide formado
pela explosão de um planeta. — Se não estou muito enganado, trata-se de um
supercouraçado terrano e de duas naves fragmentárias pertencentes à raça dos pos-bis.
— Pelos deuses das estrelas! — exclamou Baldru-Ram. — Eles fazem de conta que
nem se importam com o campo gravitacional.
— Os propulsores deles são mais fortes que os nossos — disse Nir-Lah, calmo.
— Eles têm mais algumas coisas que nós não temos. — disse o comandante. Seus
olhos assumiram um brilhe febril. — Se conseguíssemos apresar uma das suas naves...
Nir-Lah deu uma risada seca.
— Mesmo que conseguíssemos, isso não adiantaria nada, nem para nós, nem para
Ácon. Nós nos espatifaríamos no sol escuro, juntamente com os conhecimentos que
tivéssemos adquirido.
Baldru-Ram cerrou os lábios.
Todo mundo estava com os olhos presos nas telas. As três naves já se tinham
aproximado o suficiente para serem vistas nas telas normais. Com a claridade reinante no
centro galáctico, seus cascos faiscavam sob a ação das luzes.
— Vamos defender-nos enquanto houver uma centelha de vida dentro de nós! —
disse Baldru-Ram. Olhou para as naves que se aproximavam como se tivesse sido
hipnotizado. Foi movendo lentamente a mão em direção à chave do intercomunicador.
Nir-Lah pôs a mão em seu ombro.
— Espere um pouco, Baldru-Ram. Os terranos não atiram em quem está indefeso.
— Como sabe disso? — perguntou o comandante, confuso. — Parece que o senhor
gosta muito dos terranos.
Nir-Lah sorriu.
— Acontece que não fecho os olhos e os ouvidos diante dos fatos, Baldru-Ram.
Olhe! Estão realizando a manobra de frenagem.
De repente as três naves terranas emitiram uma luminosidade ofuscante branco-
azulada. Os contornos dos veículos espaciais apagaram-se por alguns segundos.
De repente a Umanhat sofreu um forte solavanco.
— É um raio de tração! — gritou o navegador. — Eles nos prenderam com um raio
de tração — sua voz parecia alegre.
Baldru-Ram mordeu os lábios.
— O que vamos fazer, Nir-Lah? Hat-Mooh deu ordem para que transmitíssemos um
pedido de socorro, caso alguma nave terrana tentasse impedir nossa passagem. Mas ao
que parece só querem impedir que morramos.
— Suas palavras representam a melhor resposta à pergunta que acaba de fazer —
respondeu Nir-Lah. — Não temos motivo para transmitir um pedido de socorro.
— Mas isso combinaria com o plano de Hat-Mooh — ponderou Baldru-Ram.
— Quem está no comando da Umanhat sou eu! — disse Nir-Lah em tom
penetrante. — E eu cheguei à conclusão de que não nos encontramos numa situação que
justifique a expedição de um pedido de socorro.
Baldru-Ram ficou calado.
As três espaçonaves voltaram a acelerar, desta vez em sentido contrário. Arrastaram
a Umanhat numa rede formada por raios energéticos. O Comandante Baldru-Ram deu
ordem para que os propulsores da nave fossem ligados para reforçar os efeitos dos raios
de tração.
Dali a duas horas os efeitos do campo gravitacional quase não se fizeram sentir
mais.
De repente o hipercomunicador emitiu o sinal de chamada. O rosto anguloso de um
terrano apareceu na tela.
— Supercouraçado terrano Eurídice chamando cruzador pesado aconense. A área
perigosa ficou para trás. Os senhores estão em condições de prosseguir com seus próprios
meios, ou ainda precisam de nosso auxílio?
Baldru-Ram virou a cabeça para Nir-Lah. Parecia embaraçado.
— O que devo responder, Nir-Lah.
— Responda o que achar mais certo, Baldru-Ram.
Baldru-Ram levantou e fez uma mesura diante da imagem tridimensional do
terrano.
— Podemos prosseguir sozinhos. O comandante e a tripulação da Umanhat
agradecem à Eurídice e às duas naves pos-bis.
O terrano fez um gesto de pouco-caso.
— Foi um prazer ajudar os senhores. Desligo!
A imagem apagou-se e Baldru-Ram voltou a sentar.
— Queira desculpar se agi errado, Nir-Lah — pediu. — Não pude deixar de
agradecer ao terrano, apesar de ser nosso inimigo.
— O senhor agiu certo — disse Nir-Lah para tranqüilizá-lo. — Quanto à inimizade,
nossos inimigos não são os terranos. Nosso maior inimigo é a inimizade que temos para
com os terranos, Baldru-Ram.
— Não compreendo — cochichou o navegador.
Nir-Lah achou que a observação se referia à constatação que acabara de fazer e
perguntou, espantado:
— O que é que o senhor não compreende?
— Os terranos nos rebocaram exatamente na direção do transmissor...
Nir-Lah respirou aliviado.
Quem sabe se sua mensagem não adiantara alguma coisa?
***
Perry Rhodan estava sentado sozinho atrás da escrivaninha. A sua frente
encontrava-se mais de uma dezena de microfones de formatos estranhos.
Rhodan olhava ininterruptamente para a pequena tela de controle que ficava diante
dele, na qual brilhava o símbolo do Império Solar. Um silêncio de morte reinava na sala
de transmissões da maior estação de hiper-rádio de Kahalo.
— Pronto! — disse a voz de um técnico saída do alto-falante embutido na parede.
— Faça o favor de prestar atenção à luz vermelha, senhor.
Perry Rhodan não fez nenhum movimento. Já falara tantas vezes pelo hiper-rádio
que as providências técnicas e o ar de segredo dos técnicos de rádio não o afetavam nem
um pouco. Era bem verdade que desta vez usava seu uniforme de gala, pois o discurso
que pretendia fazer seria dirigido a todas as raças astronáuticas da Galáxia. Teria de
representar a grandeza do Império Solar perante as mesmas.
No momento em que a luz verde se acendeu, sua imagem apareceu na tela de
controle.
Perry Rhodan começou a falar.
Explicou que o Império Solar não tinha razão para temer o poder dos aconenses ou
de qualquer outra raça. Fez um relato breve e incisivo da descoberta do transmissor solar
galatocêntrico e a importância que assumia esta porta aberta para o espaço vazio.
Depois aludiu ao ultimato formulado pelos aconenses.
Concluiu da seguinte forma:
— Os aconenses recorrem a métodos estranhos para querer obrigar-nos a permitir a
utilização do transmissor solar. Sabemos que estão reunindo oitenta mil naves de guerra
junto ao mesmo, o que deixa de ser uma medida diplomática, aproximando-se bastante de
uma declaração de guerra.
“Diante das medidas extraordinárias dos aconenses, o Império Solar poderia invocar
o direito da legítima defesa. Acontece que sempre seguimos a política da paz e não serão
as medidas suicidas dos aconenses que nos levarão a abandonar a mesma.
“O Império Solar abre para Ácon o caminho pelo transmissor solar e, portanto, o
caminho que leva ao sistema de Gêmeos. Não exigimos nada em troca disso, mas
fazemos questão de ressaltar que os planetas do sistema de Gêmeos pertencem à área de
soberania do Império Solar. Dessa forma os planetas de Gêmeos são invioláveis, segundo
as leis não escritas observadas por todos os povos astronautas, em que Ácon se baseia ao
formular sua exigência.
“Faço votos de que nossa boa vontade não leve o governo de Árcon a fazer
exigências descabidas, a fim de que a paz seja mantida.”
Quando Perry Rhodan saiu da sala do transmissor.
Atlan chegou perto dele.
— Você espera que os aconenses saibam reconhecer a justa medida...! Nem seria
necessário dizer que eles nem sequer estão em condições disso. Ainda acham que são os
únicos herdeiros legítimos do Universo.
Perry Rhodan fez um gesto de desdém.
— Para mim isto não é nenhuma novidade. O que deseja mesmo?
Atlan fitou o rosto do amigo.
— Como quer impedir os aconenses de conquistarem o sistema de Gêmeos, se você
manda retirar as cinco mil unidades que patrulham a área, bárbaro?
Um sorriso frio apareceu no rosto de Perry Rhodan.
— Você se esquece da estação de comando de Quinta, arcônida. Praticamente só
preciso de uma carga explosiva para defender o sistema de Gêmeos. Não acredito que os
aconenses ataquem Quinta, se nós lhes contarmos que nesse caso o centro de comando
seria destruído por uma carga atômica...
Atlan empalideceu.
— Você seria capaz disso, Perry? Fecharia a oitenta mil naves aconenses e às suas
tripulações o caminho de volta para a Galáxia?
— Eu...? — perguntou Perry Rhodan. — Não seria eu; eles mesmos fechariam o
caminho de volta, se desprezassem minha advertência. Neste ponto não cederei. Não
podemos permitir que os aconenses controlem o transmissor de Gêmeos segundo
acharem melhor.
Atlan respirou aliviado.
— Você me faz lembrar os almirantes aconenses da época de apogeu, Perry. Eles
também não transigiam sobre certos pontos.
— Não! — respondeu Rhodan. — Eles eram cruéis. Só conheciam uma alternativa
diante das raças diferentes da sua: a submissão ou a morte. Nós não queremos tirar o
espaço vital de ninguém. Mas também não permitimos que alguém prejudique nossos
legítimos interesses.
Atlan acenou com a cabeça.
— Às vezes cheguei a pensar que você era macio demais, bárbaro. Mas já tive de
reconhecer que o espírito humanitário é mais capaz de manter o que foi conquistado que
a brutalidade, mesmo que se leve mais tempo para atingir seu objetivo. O que pretende
fazer, Perry? Poderia dar logo a ordem para que Tifflor retirasse sua frota de
patrulhamento do sistema de Gêmeos.
Perry Rhodan sacudiu a cabeça.
— Não farei nada disso, Atlan. Iremos ao sistema de Gêmeos com a Crest. Quero
descobrir por que Grek-1 fez essa recomendação inexplicável.
***
A Crest II deslocava-se em direção a uma esfera energética brilhante que nem um
sol, que estava suspensa bem acima das seis pirâmides do planeta Kahalo.
Perry Rhodan olhou para os medo-robôs que se aproximavam dele. Os mesmos
tinham vindo para colocar a tripulação orgânica da nave num estado de congelamento
narcótico. Era o único meio de tornar suportável o perigoso choque causado pela
transmissão.
Perry Rhodan perguntou-se se um dia seria encontrado outro meio de evitar o
choque causado por este meio de transporte, da mesma forma que se tinha conseguido
evitar o doloroso choque da desmaterialização e rematerialização dos hipersaltos por
meio do sistema de propulsão linear. Poderia ser perigoso chegar ao destino com uma
tripulação que só recuperasse os sentidos aos poucos. As primeiras experiências com os
transmissores solares tinham mostrado isso. Por melhor que fosse um sistema de
pilotagem automática, o mesmo não tinha a mesma capacidade de reagir diante de um
perigo desconhecido como um ser humano.
Para isso talvez fosse necessário descobrir um novo processo de transmissão...
Perry Rhodan quase não ouviu o chiado da seringa pressurizada. Olhava
ininterruptamente para a enorme concentração de energia. Naquele momento desejava
mais que nunca desvendar o segredo da raça que soubera aproveitar a energia dos sóis
para vencer as distâncias intergalácticas. Quem ou o que se escondia atrás dos misteriosos
senhores da galáxia?
Nem percebeu quando a consciência o abandonou. Também não sentiu sua
transformação numa série de impulsos hiperenergéticos, sua retransformação dentro de
outra concentração de energia e a penetração num sistema solar situado no nada.
Quando acordou, teve a impressão de que só tinha estado inconsciente por um
instante.
Mas a dança das chamas dos sóis pulsantes de Gêmeos provava que mais um salto
de transmissor à distância de novecentos mil anos-luz fora bem-sucedido.
Levantou e dirigiu-se à poltrona do comandante, que ficava em nível mais elevado.
O Coronel Cart Rudo já estava controlando os instrumentos.
— Tudo em ordem, coronel? — perguntou Rhodan.
Cart Rudo levantou os olhos.
— Tudo em ordem, senhor. A Crest fez a transmissão automática de seu código de
identificação assim que um supercouraçado da frota de patrulhamento pediu que ela se
identificasse.
Rhodan acenou com a cabeça. Parecia satisfeito.
— Mande fazer uma ligação de hipercomunicação com a Rasputim. Quero falar
com Tifflor.
— Um instante, Perry! — gritou Atlan, que se encontrava junto à mapoteca. —
Gucky acaba de trazer um recado de Grek-1. O maahk quer uma entrevista.
— Espere um pouco com a ligação, Coronel Rudo! — ordenou Rhodan.
Aproximou-se de Gucky, que vinha em sua direção, muito desajeitado.
— O que é que Grek-1 quer comigo?
— Ele não contou — respondeu Gucky, contrariado.
— Quer falar pessoalmente com você. Acho que é importante. Seu cérebro irradia
uma forte excitação. Parece que o maahk não tem muito tempo.
Rhodan estreitou os olhos.
— Pois então não vamos permitir que a velha raposa fique esperando, Gucky —
segurou a pata do rato-castor, e Gucky compreendeu. No mesmo instante encontravam-se
na cabine de comunicação.
***
Grek-1 levantou-se de um salto, muito nervoso, quando a tela da tradutora se
acendeu. Seus quatro olhos vermelhos pareciam chispar fogo.
— O senhor quer falar comigo. Aqui estou — disse o terrano alto.
— Estamos no sistema de transmissão que vocês costumam chamar de Gêmeos! —
Grek não dissera estas palavras em tom de pergunta. Fizera uma constatação.
— É isso mesmo, Grek-1 — disse Rhodan.
— Faça o favor de prestar atenção ao que vou dizer — disse Grek-1
apressadamente. Voltou a olhar para seu relógio cósmico. — O tempo está passando, e
alguns acontecimentos de grande alcance cósmico são iminentes. O senhor já deu ordem
para que sua frota de patrulhamento abandonasse o sistema de Gêmeos?
— Ainda não.
— Permitiu que os aconenses se dirigissem para cá?
— Permiti.
— Muito bem — disse Grek-1. — Mas não faça nada pela metade, Rhodan. Peço
que retire sua frota de patrulhamento. Posso garantir que a medida não representará uma
desvantagem para a Humanidade.
— Se eu retirar a frota de patrulhamento, praticamente estarei entregando o sistema
de Gêmeos aos aconenses...
— A única coisa importante existente no sistema de Gêmeos é o centro de comando
do transmissor, Rhodan. E só providenciar para que o mesmo não caia nas mãos dos
aconenses, e as concessões que o senhor acaba de fazer não representarão nenhuma
vantagem prática para os mesmos.
Perry Rhodan sorriu, o que mais uma vez deixou Grek-1 irritado.
— E exatamente o que pretendo fazer. Prepararemos o centro de comando de
Quinta, para que o mesmo seja destruído numa explosão. Assim que os aconenses
atacarem, o centro será destruído.
— Quer dizer que vai retirar sua frota de patrulhamento?
— Darei imediatamente as respectivas ordens, embora ainda não compreenda muito
bem seus motivos, Grek-1.
— Quando estiver na hora, o senhor compreenderá, Rhodan — Grek-1 lançou um
olhar para o relógio. — Pelo que conheço do senhor, certamente pretende ficar mais
algum tempo no sistema de Gêmeos com sua nave-capitânia...
Perry Rhodan voltou a sorrir.
— Vejo que já me conhece muito bem. É claro que ficarei aqui, Grek-1. Preciso
saber por que insistiu tanto nos seus pedidos.
— É perigoso — advertiu Grek-1, balançando o tronco, como se quisesse exprimir
suas preocupações. — Mas sei que os terranos são uma raça curiosa demais para deixar
que alguém os convença do contrário. Só gostaria de pedir mais uma coisa, Rhodan.
Mande ligar a tradutora instalada em minha cabine com as telas de radar de sua nave.
O rato-castor, que se encontrava ao lado de Rhodan, deu uma risada, pondo à
mostra o dente roedor solitário.
“Pelos deuses do torvelinho vermelho”, pensou Grek-1. “Nunca vi um ser como
este. Como consegue triturar o alimento com um único dente?”
No mesmo instante perdeu o apoio dos pés e foi subindo ao teto. Agitava
furiosamente os braços e as pernas e remexia a densa atmosfera de hidrogênio e
amoníaco existente em seu alojamento.
— Eu lhe mostro o que acontece com quem faz pouco de mim! — gritou o rato-
castor com a voz estridente. — Vamos ver quem acaba mais depressa com uma grande
cenoura, cabeça de foice?
— Não! — gritou Grek-1, assustado. — Retiro tudo que pensei. Mas deixe-me em
paz com seu alimento. Para mim seria veneno.
— Está bem. Desta vez vou perdoar. Mas...
Perry Rhodan fez um gesto impaciente.
— Está bem, Perry — apressou-se o rato-castor em dizer.
Grek-1 foi colocado violentamente no chão.
— O senhor terá sua ligação, Grek-1 — disse Perry Rhodan. — Um ser curioso
sempre tem compreensão pela curiosidade dos outros...
***
Quando Perry Rhodan e Gucky voltaram à sala de comando, o rosto conhecido de
Julian Tifflor fitou-os da tela de hipercomunicação.
Atlan virou a cabeça. Estivera falando com Tifflor. — Ainda bem que você voltou,
Perry — disse, aliviado. — Tifflor me deixou numa situação difícil com suas perguntas, e
eu não quis adiantar nada.
Perry Rhodan limitou-se a acenar com a cabeça. Estava com o rosto fechado. Sentia
mais intensamente que nunca a tremenda responsabilidade que pesava sobre ele. Não
seria nada difícil tomar uma decisão errada. E não era nada fácil influenciar o destino.
Sentou na poltrona giratória que ficava à frente do hipercomunicador e fez um gesto
com a mão.
— Olá, Tiff!
Usou o mesmo tratamento que usara pela primeira vez há quatrocentos anos,
quando se dirigira a um cadete muito jovem da Academia Espacial chamado Julian
Tifflor. Muita coisa acontecera depois disso. As gerações apareceram e desapareceram.
Mas o sentimento de respeito e simpatia mútua sempre persistira entre os dois homens.
Tinham muita coisa em comum, além da figura, do rosto estreito e marcante e da
capacidade de pensar instantaneamente diante de uma nova situação. Há muito Perry
sabia que Julian Tifflor seria perfeitamente capaz de prosseguir em sua obra, se lhe
acontecesse alguma coisa.
Mas justamente por causa da lealdade irrestrita de Tifflor para com a Humanidade,
Perry Rhodan sabia que teria uma discussão áspera com o mesmo. Aquilo que exigiria de
Tifflor pareceria à primeira vista uma traição contra os interesses da Humanidade.
Julian Tifflor fez continência. Estava com o rosto tenso. Só em torno dos olhos via-
se um sinal da excitação alegre que o dominava.
— Senhor...?
— Conhece a situação reinante nas imediações do transmissor solar, Tiff?
Tifflor inclinou ligeiramente a cabeça.
— As naves-correio da frota de patrulhamento exterior me mantêm informado,
senhor.
Perry Rhodan sentiu um anel de aço imaginário cingir seu peito. Respirou
profundamente.
— Mas o senhor ainda não conhece o texto de curso que dirigi aos povos da
Galáxia, Tiff. Comuniquei-lhes a decisão de permitir que os aconenses usem o
transmissor e entrem no sistema de Gêmeos.
Uma mistura de susto e espanto estampou-se no rosto de Tifflor.
— O senhor não pode estar falando sério! — disse, perplexo. Mas logo voltou a
controlar-se. — Queira desculpar, senhor. Já compreendi. O senhor quer evitar uma
guerra galáctica.
Perry Rhodan sorriu aliviado.
— Este é o motivo principal, Tiff. Evidentemente não permitiremos que os
aconenses usem o centro de comando do transmissor situado em Quinta. Tome nota de
minhas ordens a este respeito, Tiff.
“Prepare tudo para que o centro de comando possa ser destruído por uma explosão
atômica. Não assuma qualquer risco. Como em Quinta não existe vida inteligente,
podemos operar com a potência de mil gigatons. A guarnição humana de Quinta será
evacuada imediatamente. As posições defensivas serão ligadas para os comandos
automáticos. Deixe um comando de explosivos robotizado, que só aceite ordens de mim.”
— Perfeitamente, senhor — disse Tifflor. — Tomarei imediatamente as
providências necessárias. Mas ainda tenho esperança de que os robôs nunca recebam
ordem de detonar a carga explosiva. Se eu concentrar minhas unidades em torno de
Quinta, os aconenses não passarão, mesmo que disponham de oitenta mil naves de
guerra. Não têm nenhuma defesa contra nossos canhões conversores, senhor.
— Acredito, Tiff — disse Rhodan.
Tifflor sorriu.
— Quer dizer que já posso dar minhas ordens...
— Espere! Um momento! — ordenou Rhodan. — As coisas são um pouco mais
complicadas do que o senhor pensa, Tiff. O senhor não vai defender Quinta. Pelo
contrário! Assim que o planeta tiver sido evacuado e a bomba for instalada, o senhor sairá
do sistema pelo caminho mais rápido. Transfira a ligação para Kahalo. Por lá já estão à
sua espera.
Ao ouvir as palavras de Rhodan, Tifflor ficou pálido que nem um cadáver. As rugas
em torno da boca e do nariz acentuaram-se.
— Qual é o motivo? — perguntou em voz baixa. — Por que quer entregar aos
aconenses sem luta uma coisa que o senhor conquistou para a Humanidade com um risco
enorme para sua vida, e que custou a vida de inúmeros soldados e oficiais?
“Peço-lhe encarecidamente que não se esqueça da importância que o transmissor de
Gêmeos tem para nós.”
Um sorriso triste apareceu no rosto de Perry Rhodan.
— O senhor tem de acreditar que considerei tudo isso, e mais alguma coisa. Por
favor, Tiff, confie em mim...
— Senhor...! — exclamou Tifflor, indignado. O sangue subiu-lhe ao rosto. — O
senhor sabe que nunca desconfiei e nunca desconfiarei do senhor. Mas como oficial tenho
o dever de manifestar minhas dúvidas perante o senhor.
Perry Rhodan sentiu-se dominado por uma onda de simpatia para com Julian
Tifflor. Mas sabia que não tinha tempo para conversar muito.
— Não quis ofendê-lo, Tiff. O senhor sabe que não há nada que eu despreze tanto
como um estúpido receptor de ordens. Sua consciência do dever honra sua pessoa.
Quando digo que a operação que acabo de ordenar deve ser executada com a maior
pressa quero dizer isto mesmo, Tiff.
Tifflor voltou a sorrir, embora ainda parecesse um pouco inseguro.
— Confie em mim, senhor. Dentro de uma hora no máximo não haverá mais
ninguém no sistema de Gêmeos.
— Obrigado, Tiff! — respondeu Rhodan e desligou.
— Muito bem! — disse ao voltar a cabeça para Atlan.
— Vamos aguardar a continuação do estranho jogo de Grek...
***
Há pouco Nir-Lah ainda acreditara que a mensagem que enviara à Segurança
Galáctica tinha dado resultado, mas no mesmo instante teve suas dúvidas.
A Umanhat seguia diretamente para o hexágono formado por seis sóis gigantescos.
Se as declarações prestadas pelos prisioneiros eram corretas, a nave deveria atingir dentro
de uma hora a área de ação do raio de tração vermelho-alaranjado.
Há um segundo o caminho que levava para lá estivera livre — mas naquele instante
a tela do rastreador ficou salpicada de reflexos verdes. Pelo menos cem unidades terrenas
acabavam de sair do espaço linear. Precipitavam-se sobre o cruzador pesado aconense,
desenvolvendo velocidade pouco inferior à da luz.
Nir-Lah empalideceu.
Não temia pela própria vida, pois sabia que os terranos só atacavam quando não
tinham outra saída. Como a Umanhat não representava nenhuma ameaça para cem
unidades terranas, estas se limitariam a bloquear o caminho de acesso ou abrir fogo de
barragem.
Mas isso seria suficiente para desencadear a guerra Galáctica. Iludido e
superestimando as próprias forças, Hat-Mooh atacaria com as oitenta mil naves de guerra
de que dispunha ao mesmo tempo.
— Precisamos transmitir o pedido de socorro, Nir-Lah! — disse Baldru-Ram em
tom insistente.
— Ainda é cedo! — respondeu Nir-Lah.
Baldru-Ram fitou-o com uma expressão de espanto.
Um brilho de desconfiança surgiu em seus olhos.
— O senhor acha que devemos tolerar que esses terranos insolentes se arroguem
direitos que não lhes cabem? Vou queixar-me do senhor a Hat-Mooh.
Nir-Lah mordeu os lábios.
Não sabia o que fazer. Hat-Mooh já estava aborrecido é desconfiado por causa de
sua interferência no último interrogatório. Se levasse o comandante a queixar-se dele, seu
papel de agente bem-sucedido teria chegado ao fim.
Mas será que isso era bastante importante para expedir o pedido de socorro a Hat-
Mooh, dando o sinal para a guerra declarada...?
Nir-Lah apalpou com a ponta da língua a coroa previamente preparada de seu dente
molar. Não! Antes que Baldru-Ram desse o sinal por iniciativa sua, Nir-Lah acionaria o
minúsculo contato existente no interior do dente devidamente preparado, para detonar a
carga explosiva de fusão nuclear armazenada em seu corpo. O efeito da explosão seria
suficiente para destruir completamente a sala de comando, transformando a Umanhat
num monte de destroços.
O comandante soltou um grito, fazendo com que desviasse a atenção.
Baldru-Ram fitou as telas dos rastreadores com os olhos arregalados.
As unidades terranas tinham desaparecido.
— O que é isso? — perguntou o comandante, confuso. — Será que eles entraram no
espaço linear para atacar-nos em melhores condições?
— O senhor acha que mais de cem naves de guerra teriam medo de atacar-nos
diretamente? — perguntou Nir-Lah em tom irônico. No íntimo sentia-se eufórico. Para
ele não havia nenhuma dúvida sobre o que significava o aparecimento e o
desaparecimento das naves terranas.
O comando de patrulhamento que operava nas proximidades do transmissor solar
fora retirado!
— Nesta área nenhuma nave pode percorrer trechos mais longos no espaço linear —
explicou. — Tem de voltar ao Universo normal a breves intervalos, para orientar-se antes
de entrar novamente no espaço linear.
Baldru-Ram não quis compreender.
— Não é possível, Nir-Lah! Não consigo acreditar nisso. Como é que os terranos
podem entregar-nos sem luta o maior segredo que possuem?
Um sorriso de deboche apareceu no rosto de Nir-Lah.
— Que mais poderiam fazer, se a frota de Ácon se aproxima?
Baldru-Ram respirou aliviado.
— O senhor tem razão, Nir-Lah.
***
A bordo da Umanhat o discurso de Perry Rhodan só foi ouvido em parte, já que as
interferências que se verificavam nas proximidades do transmissor solar dificultavam até
mesmo as comunicações pelo rádio direcional.
Por isso o súbito aparecimento de um gigantesco grupo de naves da Frota Terrana
de início provocou certa inquietação. Todo mundo se perguntou se na mensagem do
Administrador-Geral os terranos não tinham manifestado sua decisão de defender o
transmissor solar.
A inquietação aumentou ainda mais quando o segundo grupo de naves saiu do
espaço linear. Segundo os cálculos dos rastreadores, o primeiro grupo devia ter dez mil
naves, e o segundo não era menor que o primeiro.
A única pessoa que não se deixou contagiar pelo nervosismo generalizado foi Nir-
Lah. O mesmo lera no rosto do Administrador-Geral, nos poucos segundos em que a
imagem do mesmo aparecera na tela. Como agente secreto especializado, possuía
conhecimentos psicológicos que lhe permitiam interpretar a expressão do rosto.
Ninguém iria formular uma declaração de guerra com um rosto tão calmo!
Naturalmente Nir-Lah não pôde transmitir aos outros a conclusão a que acabara de
chegar. Seria bastante suspeito um aconense demonstrar conhecimentos tão extensos
sobre a psique terrana.
As pessoas que se encontravam na sala de comando viraram a cabeça para a tela do
hipercomunicador, quando o sinal de chamada se fez ouvir.
O rosto de Hat-Mooh apareceu na tela.
O oficial do serviço secreto dava sinais evidentes de triunfo.
— Os terranos capitularam diante do nosso poder — disse em tom de desprezo. —
Até mesmo um semi-selvagem como Rhodan teve de reconhecer que se necessário
estaremos em condições de conquistar nosso direito pela força. Deixou livre o caminho
pelo transmissor e a entrada no misterioso sistema de Gêmeos. E bem verdade que
continua tentando reivindicar para si os planetas do sistema. Vamos obrigá-lo a ceder
também neste ponto. Basta que lhe mostremos que estamos decididos.
Nir-Lah aproximou-se do hipercomunicador.
— Aguardo suas ordens, Hat-Mooh.
Um sorriso diabólico apareceu no rosto de Hat-Mooh.
— O senhor ainda tem que reparar uma falta, Nir-Lah. Chegou a hora de dar prova
de sua coragem. O senhor continuará no comando da Umanhat. Faça a nave atravessar o
transmissor solar. Assim que chegar ao sistema de Gêmeos, faça funcionar os
rastreadores. Quero receber um relatório minucioso assim que chegar lá. Entendido?
— Entendi perfeitamente, Hat-Mooh — respondeu Nir-Lah com o rosto indiferente.
Sabia perfeitamente o que queria o aconense. Não confiava nas palavras de Rhodan e
queria fazer uma experiência com uma nave isolada antes de arriscar sua frota. Nir-Lah
sabia que a tática de Hat-Mooh era inútil. Os terranos cumpririam sua palavra. As coisas
só poderiam tornar-se perigosas para a frota aconense depois que a mesma chegasse ao
sistema de Gêmeos, isto se Hat-Mooh se atrevesse a desrespeitar os direitos de soberania
do Império Solar.
— Vá embora! — ordenou Hat-Mooh. — Conhece as instruções para a utilização
do transmissor solar?
Nir-Lah inclinou a cabeça. A tela apagou-se.
— O senhor ouviu as ordens de Hat-Mooh, comandante — disse Nir-Lah. —
Mande os robôs ocuparem seus lugares. Quando chegar a hora, o congelamento narcótico
terá de ser aplicado muito depressa. Vamos embora!
O Comandante Baldru-Ram parecia entusiasmado com a missão. Já o navegador
lançou um olhar meio contrariado, meio zangado para Nir-Lah, como se quisesse dizer:
Que crime cometemos para ficar sob as ordens de um homem que Hat-Mooh resolveu
enviar para uma missão suicida...?
A Umanhat acelerou, afastando-se cada vez mais das outras unidades.
À sua frente, em meio à aglomeração de milhões de sóis, a porta que dava para o
desconhecido estava à sua espera...
***
Cinco seres feitos de metal plastificado mantinham-se imóveis no abrigo esférico,
mil e quinhentos metros abaixo da superfície de Quinta. Seus cérebros positrônicos
estavam na escuta. Estavam à espera de um sinal que alguma vez, não se sabia quando,
seria captado por seus receptores de hipercomunicação. O sinal representaria uma ordem
em código condensado, de que em determinado tempo deveriam emitir determinado
impulso.
Tratava-se de cinco robôs especiais que tinham sido condenados à morte.
Eles mesmos executariam a sentença, assim que recebessem ordem para isso.
Mas eles não se importavam com isso. Um robô não é capaz de ter medo ou de
experimentar qualquer outro sentimento. Se costumam empenhar-se em sua auto-
conservação, eles agem assim por motivos utilitários.
O pensamento dos robôs era rápido e preciso. Tinham consciência da própria
existência e por isso mesmo compreendiam que dentro em breve deixariam de existir.
Havia a ordem de detonar uma bomba nuclear, e havia a noção precisa de que também
seriam destruídos na explosão da mesma. Tinham-lhes dito que isto era necessário — por
uma questão de segurança. E o dever de proteger a Humanidade sobrepunha-se ao
preceito da auto-conservação.
Cinco seres de metal plastificado esperavam o momento em que lhes fosse
permitido provocar sua própria destruição.
***
Quinhentos soldados de elite da frota espacial aconense suportaram com uma calma
que beirava ao estoicismo o chiado da seringa pressurizada. Dentro de trinta segundos
entraram em estado de morte clínica.
Quinhentos soldados de elite narcotizados e congelados foram levados por um
cruzador pesado pilotado automaticamente, diretamente para o inferno.
Seis sóis gigantescos incharam, executando movimentos abruptos. Uma mancha
amarelenta apagada surgiu no centro do hexágono formado pelos sóis. Numa questão de
minutos esta mancha transformou-se num brilhante núcleo energético vermelho-
alaranjado, que ia aumentando cada vez mais.
Naquele momento um raio de fogo, também vermelho-alaranjado, precipitou-se
para fora do núcleo energético, desenvolvendo velocidade superior à da luz.
Uma partícula de pó, minúscula para o volume de energia do gigantesco transmissor
solar, foi atingida pelo raio vermelho-alaranjado e arrastada com uma força irresistível. O
raio puxou a espaçonave para dentro do núcleo energético.
Uma vez lá, o veículo espacial desapareceu.
Quando Nir-Lah acordou, viu os olhos insensíveis de um robô.
— O que... houve? — perguntou com a língua pesada.
— Não compreendo, senhor — respondeu a voz metálica do robô.
— Por... quê? Que diabo! — balbuciou Nir-Lah.
— O senhor usou uma expressão desconhecida, e acaba de dizer uma coisa
incompreensível. O que significa a expressão “Que diabo?”
A memória de Nir-Lah foi voltando aos poucos.
Assustou-se. Naturalmente o robô não poderia ter entendido a pergunta que
formulara em primeiro lugar. Não porque a mesma tivesse sido feita em intercosmo, mas
porque as palavras “o que houve” representam uma típica expressão terrana. Tomara que
nenhum dos aconenses o tivesse ouvido.
— Devo ter dito coisas confusas! — resmungou. — Já sei o que está acontecendo.
A passagem pelo transmissor foi bem-sucedida. Não foi?
— Foi, sim senhor. Pela descrição que recebemos, devemos estar no interior do
sistema de Gêmeos.
— Já é alguma coisa — disse Nir-Lah e levantou abruptamente. — O que foi que
você disse? Encontramo-nos no sistema de Gêmeos.
Saiu da cama de um salto, cambaleando em direção à poltrona de comando.
Ficou tonto por alguns segundos. Agarrou-se ao encosto da poltrona de Baldru-
Ram. Aos poucos a imagem projetada na tela frontal foi clareando.
Nir-Lah ficou com os olhos semicerrados, sacudiu a cabeça, voltou a levantar as
pálpebras e pôs a mão no pescoço.
— Será que estou cego? — perguntou com a voz rouca. — Não vejo absolutamente
nada — virou a cabeça.
— Ei, robô! Acho que estamos...
Parou, estupefato.
Seu olhar caíra na totalidade das telas triangulares instaladas junto ao teto da sala de
comando.
Lá em cima pulsavam dois sóis amarelos, imitando lâmpadas bruxuleantes. Entre
eles via-se uma mancha vermelho-alaranjada que imitava uma vela de sebo. Era o núcleo
energético que começava a desmanchar-se
O comandante, que se encontrava atrás dele, fez um movimento.
Nir-Lah sorriu. Estava zangado.
“Você não perde por esperar!”, pensou. “Vai passar pelo mesmo susto que eu
passei.”
Mas teve de esperar mais dez minutos antes que isso acontecesse. Só então a mente
do aconense voltou a funcionar mais ou menos normalmente.
Baldru-Ram lançou um olhar para a tela — e começou a gritar. Mas acalmou-se
mais depressa do que Nir-Lah acreditara.
— Há algo de errado? — perguntou Nir-Lah com a voz tranqüila.
O comandante virou-se abruptamente.
— Os terranos montaram uma armadilha para nós! — exclamou, nervoso. — O
sistema de Gêmeos não existe. Saímos no espaço intergaláctico, sem saber onde. Temos
de voltar para avisar a frota!
— Como faremos isso... ? — perguntou Nir-Lah, esticando as palavras.
Baldru-Ram fitou-o com os olhos apagados.
Os outros tripulantes que se encontravam na sala de comando já tinham recuperado
os sentidos. Gritos de pavor encheram o recinto. O navegador começou a soluçar.
Com um movimento resoluto, Nir-Lah ligou as telas dos rastreadores.
De repente o espigo cósmico já não parecia vazio.
Três... quatro... seis... oito planetas lançavam reflexos verdes brilhantes sobre as
telas.
A gritaria parou.
— Não é só isso — disse Nir-Lah, apontando para o teto.
Houve um minuto de silêncio e todos respiravam aliviados.
— Chegamos! — constatou o comandante num tom que quase chegava a ser solene.
Logo entrou em atividade. Deu ordem para que o centro de rastreamento determinasse as
coordenadas da frota terrana de patrulhamento.
A resposta veio dali a dez minutos. O rosto de Baldru-Ram assumiu uma coloração
vermelho-azulada, de tão furioso que ficou.
— O senhor ouviu, Nir-Lah? Nem uma única nave no sistema...? Não é possível...
Nir-Lah não respondeu.
Compreendeu que Perry Rhodan tinha liberado o transmissor. Mas não compreendia
que também quisesse entregar o sistema de Gêmeos aos aconenses.
***
Perry Rhodan fitou com o rosto impassível ao ver cinco mil espaçonaves
precipitarem-se a uma velocidade próxima à da luz para dentro do núcleo energético que
ficava entre os sóis gêmeos e desaparecerem no interior do mesmo.
— Até parece Napoleão Bonaparte passando por seu exército quando o mesmo
fugia da Rússia — disse Atlan em voz baixa.
Perry Rhodan virou a cabeça e fitou o amigo com uma expressão de surpresa.
— Sim, assisti a lido, bárbaro — disse Atlan, respondendo à pergunta que não
chegara a ser formulada. — Fui um dos homens de confiança de Napoleão. Por que acha
que o corso se interessou tanto pelas ciências? Infelizmente costumava ser muito teimoso.
Foi sua desgraça.
— O tempo ainda não estava maduro — respondeu Rhodan. — Você não tinha
nenhuma chance.
Atlan baixou a cabeça.
— Quando finalmente voltei a encontrar o caminho de casa, Árcon já estava
mergulhado na decadência e na letargia.
Rhodan sorriu. A conversa parecia diverti-lo.
— Por que fez esta comparação, arcônida? Acha que a Humanidade também está
numa fase de decadência?
— Não! — respondeu Atlan. — De forma alguma! Estes bárbaros chamados de
humanos tiveram uma sorte danada. A herança de Árcon praticamente caiu nas mãos de
vocês quando estavam se iniciando na astronáutica. Isso representa uma vantagem
tremenda diante de qualquer outra raça que já se encontrasse no ponto culminante de sua
evolução quando começou a desenvolver a navegação interestelar.
— Acho que isso não nos caiu propriamente nas mãos, arcônida. Se a Humanidade
não tivesse usado a inteligência e recorrido constantemente a um sem-número de
estratagemas, a Terra já teria sido devastada pelo Regente de Árcon.
Atlan levantou os ombros.
— Paciência. Todas as coisas têm dois lados, Perry.
Rhodan riu como quem não está achando muita graça.
— Você não deixa de ter razão. Estou curioso para ver o outro lado do plano de
Grek.
Ligou o intercomunicador instalado sobre a mapoteca.
— Goratchim!
Os dois rostos do mutante de duas cabeças apareceram na tela.
— Pois não, senhor...
— Cuide do controle remoto do transmissor de Gêmeos, Goratchim! — disse
Rhodan. — Não quero que os aconenses apareçam por acaso nas proximidades de
Kahalo, caso resolvam voltar à Galáxia.
Ivã Goratchim confirmou. A tela voltou a escurecer.
— Você acha que os aconenses serão levianos a ponto de enviar algumas naves de
volta para o núcleo energético?
O rosto de Rhodan assumiu uma expressão sombria.
— Pelo que informa nosso agente, o comandante da frota deles parece ser um
homem inescrupuloso. Seria capaz de provocar a morte de milhares de pessoas somente
para testar um possível caminho de volta. Deve saber que não usamos Gêmeos somente
como estação receptora, mas também como estação transmissora — franziu a testa. —
Quem me dera que eu soubesse quais são as intenções de nosso maahk!
O Coronel Rudo chamou pelo intercomunicador.
— Vamos conservar a posição atual, senhor?
— Vamos! — decidiu Rhodan. — Gostaria de ver os rostos dos aconenses, quando
encontrarem o sistema de Gêmeos abandonado.
— Mais tarde você poderá perguntar aos nossos agentes — disse Atlan.
Perry Rhodan limitou-se a erguer as sobrancelhas. Não deu resposta.
Alguém pigarreou a seu lado. Perry Rhodan virou a cabeça e viu Goratchim. O
mutante parecia preocupado.
— Senhor... — disse em voz baixa. — É verdade que Richard Edwards se encontra
numa das naves aconenses?
— É, sim. Por quê? — perguntou Rhodan.
Os olhos de Goratchim perderam o brilho.
— Há tempos seu pai me salvou a vida, embora eu tentasse matá-lo, senhor.
Ivã Goratchim saiu arrastando os pés.
***
Hat-Mooh ficou muito pálido ao ver a Umanhat ser atingida pelo raio vermelho-
alaranjado e ser arrastada para dentro do transmissor solar, onde se desmanchou.
Cerrou os dentes, para que ninguém percebesse que seu queixo estava tremendo.
Será que os prisioneiros tinham mentido? Quem sabe se este hexágono de estrelas
nem era um transmissor, mas uma máquina feita para destruir naves? Não seria este o
motivo de os terranos terem cedido de repente?
— Não!
A tensão que Hat-Mooh sentia dissolveu-se numa risada cínica.
Quem fosse interrogado por Hat-Mooh não mentia...!
— Quer retirar sua ordem? — perguntou o comandante.
— Por quê? — Hat-Mooh parecia estupefato.
— Ouvi-o dizer não, Hat-Mooh.
— Acontece que não estava falando com o senhor! — berrou Hat-Mooh assim que
compreendeu as palavras de seu interlocutor. — A Umanhat conseguiu passar; quanto a
isso não existe nenhuma dúvida. Iremos atrás dela. Faça uma ligação conjunta para todas
as naves.
Enquanto o comandante da nave-capitânia fazia a ligação, Hat-Mooh voltou a
acalmar-se. Sabia que Perry Rhodan nunca faltava à sua palavra. Logo, os terranos não
haviam montado nenhuma armadilha para eles. Era bem verdade que um homem como
Hat-Mooh era incapaz de compreender como alguém podia desistir de uma vantagem
para manter a paz. Se fosse ele, não teria cedido.
— Ligação conjunta completada! — informou o comandante.
Hat-Mooh respirou aliviado. Quase chegou a arrancar o microfone da mão do
comandante.
— Comandante da frota chamando todas as unidades! A Umanhat conseguiu passar
pelo transmissor. Os terranos não se atreveram a colocar uma armadilha para nós.
“Vamos apressar-nos antes que resolvam outra coisa. O grupo 1001 aproximará
suas unidades o mais que puder e decolará dentro de três unidades de tempo em direção
ao centro do transmissor. Os grupos 1002 a 1008 seguem na seqüência numérica. Assim
que entrarem no sistema de Gêmeos, os grupos entrarão em formação de combate e farão
sair metade de suas unidades de reconhecimento. Desligo.”
Hat-Mooh devolveu o microfone ao comandante.
— Pronto. Naturalmente iremos à frente do primeiro grupo.
O comandante confirmou, virou-se e deixou cair os cantos da boca, num gesto de
desprezo.
— Parece que você quer provar sua coragem, seu psicopata! — resmungou tão
baixo que ninguém o entendia. — Você deveria ter feito isso logo, mas resolveu esperar
que Baldru-Ram servisse de cobaia, entrando no inferno!
— O que está cochichando? — perguntou Hat-Mooh em tom penetrante.
— Só admirei seu espírito heróico, Hat-Mooh — respondeu o comandante em tom
sarcástico.
Hat-Mooh nem notou a ironia. Empertigou-se e girou o corpo que nem um pavão.
— Um aconense não teme a morte! — exclamou em tom dramático.
Quando o primeiro sinal de alerta que antecede a partida se fez ouvir, Hat-Mooh
correu para a mapoteca. A nave vibrou quando os reatores do sistema de propulsão
passaram a funcionar a plena potência. Depois do segundo sinal de alerta teve-se a
impressão de que as estrelas estavam girando. A nave começou a movimentar-se.
Juntamente com ela aceleraram as dez mil naves de guerra que compunham o
primeiro grupo, correndo em direção à porta que se abria para o espaço vazio, enquanto
atrás delas as máquinas das unidades do segundo grupo eram colocadas em
funcionamento.
Quando o raio vermelho-alaranjado do transmissor atingiu a nave-capitânia, Hat-
Mooh fechou os olhos por um instante. A sala de comando rangia, dando a impressão de
que as soldas eram arrancadas. As estrelas transformaram-se em riscos de fogo, correndo
pelo céu que nem tiros de munição luminosa.
Quando se recuperou do pior medo, Hat-Mooh viu os robôs correrem de um lado
para outro. O chiado da seringa pressurizada lhe causou um sofrimento infernal. Por
alguns segundos teve a idéia de dar ordem para que os robôs deixassem de aplicar-lhe a
injeção.
Mas quando tomou sua decisão já era tarde. Só sentiu um formigamento na pele,
enquanto o medicamento que o faria dormir profundamente penetrava no organismo.
Hat-Mooh abriu a boca para dar um grito.
Olhou fixamente para o trêmulo inferno energético.
Nesta mesma posição foi atingido pelo sopro gelado do congelamento narcótico.
***
A Crest II encontrava-se a noventa milhões de quilômetros do sol Alfa-Gêmeos,
quando este entrou em pulsações.
O Coronel Cart Rudo fez a nave subir à medida que subia a borda do sol. Queria
manter sob controle o espaço situado em torno do núcleo energético, mas não queria ser
visto. Quem visse o sistema de Gêmeos a partir do núcleo que se formava, acreditaria que
o mesmo estava vazio. A Crest II, que se mantinha em posição quase paralela à borda do
disco solar, não poderia ser detectada pelos rastreadores. Mas por outro lado os
instrumentos supersensíveis da Crest II eram capazes de localizar qualquer objeto
material que fosse expelido pelo núcleo energético.
Perry Rhodan recebeu o terceiro chamado do maahk depois que a frota de
patrulhamento tinha desaparecido.
— Por enquanto nada, Grek-1 — disse antes que o maahk pudesse fazer uma
pergunta.
— Talvez os aconenses estejam desconfiados — observou Atlan.
Perry Rhodan sacudiu a cabeça.
— Isso não teria nenhuma lógica. Quem provoca tamanha confusão para impor sua
vontade, não terá dúvida em atacar quando chega a hora.
— Acontece que os aconenses pensam de outra forma que nós, Perry — disse o
rato-castor com sua voz estridente.
— O que quer dizer com isso, Gucky?
— São uns safados — constatou Gucky em tom resoluto. — Não têm o menor
escrúpulo em quebrar sua palavra, desde que isso lhes traga uma vantagem. Não me
admiraria nem um pouco se pensassem da mesma forma que nós e acreditassem que lhes
colocamos uma armadilha.
— Você está simplificando as coisas — respondeu Rhodan. — É verdade que os
aconenses faltaram muitas vezes à sua palavra, mas sabem avaliar as coisas e por isso não
supõem a mesma “fraqueza” do nosso lado. Costumam trapacear, mas sabem
perfeitamente que não somos trapaceiros.
— Além disso — observou Mercant — seria de supor que avançassem o mais
depressa possível, antes que pudéssemos mudar de idéia.
— O senhor tem razão, Mercant — disse Atlan.
O arcônida levantou e lançou um olhar para a grande tela do rastreador.
Uma espaçonave desprendeu-se do núcleo energético situado entre os dois sóis
gêmeos. Sua forma era aproximadamente esférica, mas tinha os pólos fortemente
achatados, o que era sinal evidente de que se tratava de um modelo aconense.
Perry Rhodan levantou a mão para fazer uma ligação pela tradutora com Grek-1,
mas logo a deixou cair, quando o núcleo energético se apagou.
— Que diabo! — praguejou Gucky. — Uma única nave.
— Quantas vezes ainda terei que dizer que você deve adotar uma fala civilizada? —
perguntou Perry Rhodan, indignado. — Além disso as expressões fortes não combinam
com você.
Gucky baixou a cabeça, mas logo voltou a levantar o rosto.
— De qualquer maneira é uma grande... bem... uma grande decepção. O que será
que os aconenses estão pensando?
Perry Rhodan deu de ombros.
— Isto era de esperar. Será que nós iríamos fazer passar oitenta mil naves de guerra
por um transmissor desconhecido?
Atlan lançou um olhar desconfiado para o amigo.
— O que será que o comandante da frota aconense espera conseguir com este teste
de vôo, Perry? Não pode acreditar seriamente que esta nave lhe possa transmitir
informações. Poderia perfeitamente ter entrado numa armadilha, e ele nunca saberia.
Rhodan deu uma risadinha.
— Isto acalma os nervos, não acalma?
— É um bom sinal — observou Mercant. — Parece que os aconenses não se sentem
tão seguros como querem fazer crer.
— São uns irresponsáveis! — comentou Atlan. — Os aconenses estão fazendo um
jogo de pôquer. Aceitam o risco de entrar numa armadilha, se é que vão aparecer por
aqui.
Mercant acendeu tranqüilamente um charuto.
— Já estão a caminho, Atlan.
Apontou com o charuto aceso para a tela frontal. O núcleo energético voltou a
formar-se, muito maior que antes. Os dois sóis foram inchando ao mesmo tempo, e o
fenômeno parecia não ter fim.
Mais uma vez verdadeiros furacões de fogo saíram das protuberâncias equatoriais
da Crest II. A nave aconense era incapaz de detectar as emissões energéticas de grande
intensidade, já que as mesmas eram superadas pelas dos sóis, que eram muito mais fortes.
A Crest II subiu vinte milhões de quilômetros, equivalente à extensão do sol A. Afastou-
se à mesma distância do sol, pois do contrário os campos defensivos seriam submetidos a
uma carga excessiva.
O diâmetro do núcleo energético quase chegava a ser igual ao de um sol
correspondente ao sol terrano. De repente surgiram fendas negras em sua superfície. No
mesmo instante o núcleo arrebentou que nem uma bolha de sabão.
Os contadores dos rastreadores automáticos tiquetaquearam. O ruído foi
aumentando, transformando-se num uivo estridente, que terminou abruptamente.
— Exatamente dez mil e uma unidades, senhor! — informou o Coronel Cart Rudo.
— Obrigado, coronel! — respondeu Rhodan e sorriu. — Vejo que o comandante da
frota aconense é bastante corajoso para vir no primeiro grupo.
Um sorriso de desprezo apareceu no rosto de Atlan.
— Você acha que isto é coragem, bárbaro? Para mim trata-se de uma manifestação
de exibicionismo. Se este comandante realmente tivesse coragem, teria vindo na primeira
nave.
— Os aconenses estão desacelerando — informou o Coronel Rudo. — Parece que
estão à espera dos grupos seguintes.
Perry Rhodan limitou-se a acenar com a cabeça. Seu rosto parecia tenso. Apertou a
tecla que fazia a ligação pela tradutora.
O busto de Grek-1 apareceu na pequena tela. Perry Rhodan tentou descobrir o sinal
de uma emoção no rosto do maahk, mas a cabeça de foice do mesmo nem de longe
possuía as características daquilo que o ser humano entende pela palavra rosto. Mais uma
vez Rhodan deu-se conta de que estava lidando com um membro de uma raça que nada
tinha de humana.
— Os aconenses chegaram — disse Rhodan.
— Já vi, terrano — respondeu Grek-1.
Não dava para notar se estava nervoso ou não. A tradutora limitava-se a traduzir o
conteúdo puramente objetivo de suas palavras. E o que afinal vinha a ser uma emoção
para um maahk...?
Rhodan olhou-o, aborrecido.
— E agora, Grek-1? Por que ainda faz segredo depois que cumprimos todos os seus
desejos?
— Os senhores saberão quando for o tempo — respondeu Grek-1 em tom frio.
Desligou. A tela apagou-se.
— Posso estimular sua loquacidade, Perry? — implorou Gucky. — Poderia fazê-lo
girar embaixo do teto como se fosse um ventilador...
— Não faça isso! — respondeu Perry Rhodan com um gesto enérgico.
Recostou-se e tentou adivinhar as intenções do maahk.
Neste instante o transmissor de Gêmeos expeliu o segundo grupo de naves
aconenses...
6

Hat-Mooh ouviu com o rosto impassível o relato de Nir-Lah. Atrás de sua testa alta
o cérebro estava trabalhando. Reprimiu o sentimento de triunfo que ameaçava tomar
conta dele. Apesar de todas as falhas de seu caráter, Hat-Mooh não era nenhum idiota.
Era um homem capaz de desenvolver um raciocínio lógico e frio.
Havia algo de errado.
Em seu discurso dirigido aos povos da Galáxia, o Administrador-Geral terrano
fizera questão de ressaltar que os planetas do sistema de Gêmeos pertenciam à área de
soberania terrana.
Hat-Mooh sabia que esse terrano costumava cumprir sua palavra. Cumprira a
primeira parte de sua promessa, liberando a passagem pelo transmissor solar. Não era de
supor que agisse de forma diferente em relação à segunda parte.
No entanto, os resultados alcançados pelos centros de rastreamento de mais de dez
mil espaçonaves, que trabalhavam intensamente, eram todos negativos. A julgar pelos
resultados das operações de rastreamento, não havia uma única espaçonave terrana no
sistema de Gêmeos.
E se não dispusessem de uma frota poderosa, os terranos não estariam em condições
de defender qualquer planeta.
Será que eles possuíam armas desconhecidas...?
Hat-Mooh esboçou um sorriso cínico.
Era justamente por causa da suspeita da existência de armas novas e de outros
segredos técnicos que se tornava necessário revistar todos os planetas do sistema de
Gêmeos!
Hat-Mooh voltou a ficar tranqüilo e esperou pacientemente que as oitenta mil naves
saíssem do transmissor. Depois mandou que as mesmas se dividissem em vários grupos.
Dez mil naves ficariam nas proximidades do núcleo energético e atirariam contra
qualquer nave terrana que saísse do transmissor. Duas mil naves se dirigiriam a cada um
dos planetas para fazer uma operação de reconhecimento, enquanto o grosso da frota lhes
daria cobertura, permanecendo nas imediações do quinto planeta.
As unidades da frota de Ácon assumiram suas posições.
***
Quando as naves da frota abandonaram a formação de batalha, Baldru-Ram virou a
cabeça para Nir-Lah. O comandante parecia decepcionado.
— Não recebemos ordens, Nir-Lah... — disse meio zangado.
Nir-Lah abriu os dedos. Dava-se por feliz porque Hat-Mooh tinha “esquecido” a
Umanhat. Não tinha a intenção de envolver-se numa batalha com sua gente. E as ordens
de Hat-Mooh sem dúvida visavam à luta.
— Os pensamentos de nosso chefe são indecifráveis — disse com uma leve ironia.
— Acontece que fomos colocados num desvio, Nir-Lah! — queixou-se o
comandante. — Não acha que devemos entrar em contato com Hat-Mooh para pedir que
nos dê uma tarefa?
Nir-Lah resolveu falar mais claro.
— O senhor acha mesmo que Hat-Mooh nos esqueceu? Pois eu lhe digo uma coisa,
Baldru-Ram. Hat-Mooh quer que sejamos esquecidos. Fomos os primeiros a atravessar o
transmissor. Hat-Mooh veio depois. Sua ambição doentia não se conforma com uma
coisa dessas. Por isso resolveu colocar a Umanhat no desvio. Se alcançamos a glória de
termos sido os primeiros a passar pelo transmissor de Gêmeos, não devemos alcançar
outros êxitos.
— Como pode falar assim de seu chefe, Nir-Lah? — perguntou Baldru-Ram.
O comandante estava com o rosto pálido.
— Se não quiser acreditar em mim, fale com ele, Baldru-Ram!
— Não me compete fazer isso — respondeu o comandante. — Entrar em contato
com o chefe é de sua alçada.
— O senhor sabe por que não entro em contato com ele — respondeu Nir-Lah.
Tomou uma decisão. — Além disso Hat-Mooh não proibiu que fizéssemos alguma coisa.
Poderíamos por exemplo dirigir-nos ao quinto planeta e ver o que está acontecendo por
lá.
O comandante ficou entusiasmado com a sugestão. Só parecia interessado em fazer
qualquer coisa. Pouco importava o que fosse.
Apressou-se em dar as instruções aos tripulantes.
Nir-Lah recostou-se na poltrona anatômica. Estava satisfeito. Tivera seus motivos
para sugerir o quinto planeta. Sabia que esse mundo era conhecido pelo nome de Quinta.
E era em Quinta que se encontrava o centro de comando do transmissor de Gêmeos.
Se Hat-Mooh tivesse uma surpresa, seria lá.
Tinha-se a impressão de que o Comandante Baldru-Ram tinha medo de perder
alguma coisa. Mandou que a Umanhat fosse acelerada ao máximo, para que alcançassem
logo o grupo de naves, que voava mais devagar.
Mas isso não interessava a Nir-Lah.
— Mude a rota, Baldru-Ram — ordenou. — Faça a Umanhat descrever uma curva
em círculo. Vamos aproximar-nos do quinto planeta pelo lado oposto.
O comandante virou a cabeça e lançou um olhar desconfiado para Nir-Lah.
— Desse jeito chegaremos tarde, Nir-Lah.
Nir-Lah mostrou um sorriso apagado.
— Nunca é tarde para morrer, Baldru-Ram...
***
Era um quadro pacífico.
A ampliação setorial da tela frontal mostrava a maior parte do planeta como uma
superfície brilhante que nem um enorme espelho. Só em um dos pólos via-se uma coisa
parecida com um chapéu velho e carcomido. Era o único continente desse mundo
aquático.
Nir-Lah prestou atenção ao farfalhar do intercomunicador, ao borbulhar, aos
murmúrios, aos estalos, ao matraquear e aos zumbidos — enfim, ao conjunto de sons que
compõem a cortina acústica da sala de comando de uma espaçonave.
O agente quase chegou a entregar-se à ilusão de estar a bordo de uma nave do
Império Solar. Quando prestava atenção ao funcionamento preciso das máquinas, aos
movimentos dos oficiais esbeltos e quando ouvia as ordens rápidas e exatas, as perguntas
e respostas, corria perigo de esquecer um fato muito importante: encontrava-se a bordo de
uma nave de guerra do inimigo.
Mas logo voltou à realidade quando viu nas telas dos rastreadores um grupo
compacto de espaçonaves verdes, comandadas por Hat-Mooh, que se dirigiam ao coração
do transmissor de Gêmeos sem que soubessem.
Fez uma ligação de intercomunicador com Baldru-Ram.
— O senhor consegue captar os impulsos de hiper-rádio, comandante?
A resposta de Baldru-Ram foi negativa.
— É por isso que eles formam um grupo tão compacto — concluiu Nir-Lah. —
Preferem conversar pelo rádio normal, para evitar qualquer risco. Mas a uma distância
pequena não deve ser difícil escutar as mensagens. Ligue as antenas para meu receptor,
Baldru-Ram.
O comandante ficou com o rosto apavorado.
— O senhor quer escutar as mensagens de nossa frota...?
Nir-Lah reprimiu no último instante um palavrão terrano.
— Pelos deuses de todas as estrelas, é isso mesmo! — gritou. — Afinal,
pertencemos a esta frota. Se quisermos trabalhar por Ácon, devemos saber o que está
acontecendo na mesma.
— Queira desculpar, Nir-Lah — respondeu Baldru-Ram. — É claro que o senhor
tem razão. Mandarei transferir imediatamente a ligação das antenas.
Nir-Lah sentiu as batidas do coração.
Baldru-Ram certamente era um comandante muito competente. Mas a noção
exagerada do dever que era uma de suas características poderia tornar-se perigosa.
O receptor captou as primeiras mensagens. Nir-Lah regulou o volume e isolou as
transmissões da nave-capitânia.
Um sorriso de desprezo apareceu em seu rosto quando ouviu a voz de Hat-Mooh.
Parecia que este oficial do serviço secreto, desumano e frio que nem gelo, não se sentia
muito à vontade. A essência de suas ordens era a prudência. Devia saber muito bem que
os terranos não se deixavam enganar.
Mas aos poucos Nir-Lah começou a preocupar-se.
As duas mil naves de guerra aconenses encontravam-se a apenas oitocentos mil
quilômetros de Quinta. Se tomarmos por base a distância entre a Lua e a Terra, oitocentos
mil quilômetros são uma distância muito grande. Mas a zona de segurança dos mundos
em que existiam bases terranas, que era conhecida de todos os povos galácticos,
começava a dez milhões de quilômetros.
Por que as baterias de defesa não abriam fogo logo contra os agressores?
A resposta a esta pergunta veio sob a forma de um lampejo que surgiu entre as
naves aconenses.
Uma verdadeira muralha de bolas incandescentes surgiu numa questão de segundos
à frente da frota aconense.
Nir-Lah ouviu Hat-Mooh ordenar aos berros que as naves se desviassem do fogo de
barragem e se espalhassem. Mas viu que estas ordens chegaram tarde.
A ponta da frota aconense penetrou no fogo fulminante, com os retro-propulsores
usados na barragem chamejante. Um sol artificial após o outro foi-se expandindo, muito
mais forte que as bolas incandescentes dos foguetes disparados pelas baterias de defesa.
Tratava-se de naves destruídas.
Nir-Lah estava preparado para isso, mas a idéia de que naqueles poucos minutos
inúmeros soldados espaciais estavam perdendo a vida encheu-o de tristeza. Eram
inimigos, mas também eram filhos de suas mães, noivos das moças que tinham
namorado, pais de famílias.
Quantas lágrimas ainda seriam derramadas, por causa da ambição sem limites de
alguns chefes irresponsáveis...!
***
A ligação com as telas dos rastreadores permitia que Grek-1 acompanhasse os
acontecimentos que se desenrolavam em torno de Quinta.
O maahk assistiu impassível à destruição de algumas dezenas de naves aconenses.
Se sentia alguma coisa, era apenas a satisfação pelo fato de o número dos velhos inimigos
de seu povo se ter reduzido em alguns milhares de pessoas.
Mas isso não bastava!
A estrutura da personalidade de um maahk era bem simples; não apresentava as
complicações da personalidade terrana. Em compensação aquilo que os terranos
costumam designar como liberdade interior estava na dependência de obrigações muito
fortes, que ninguém podia recusar. O indivíduo que deixasse de cumprir essas obrigações
interiores perderia parte de sua liberdade interior. Os maahks costumavam dizer que neste
caso “seu ego foi obscurecido”.
O ego de Grek-1 fora obscurecido.
Estava preso a um velho legado de sua raça, transmitido de geração a geração. Não
podia subtrair-se a este legado. Enquanto o mesmo não fosse cumprido, seu ego ficaria
turvado.
Grek-1 olhou para seu relógio cósmico.
Dali a pouco, muito em breve veria se seu ego voltaria a clarear. Ansiava mais que
nunca por este momento, pois descobrira o ser ao lado do qual talvez pudesse encontrar
uma nova tarefa — a de livrar seu povo dos grilhões que o prendiam.
— Idiotas! — gritou Perry Rhodan. — Será que eles acreditavam que poderiam
atacar o território terrano sem receber o castigo que merecem?
Seus olhos chamejavam de raiva enquanto acompanhavam os acontecimentos junto
à superfície de Quinta. Graças à sua importância decisiva para o transmissor de Gêmeos,
as armas defensivas automáticas estavam concentradas em torno da cúpula do centro de
comando. Estas armas eram capazes de lançar milhares de foguetes nucleares por minuto.
Se apesar disso o atacante tentasse aproximar-se, os canhões energéticos e os
desintegradores superpesados formariam uma área de destruição intransponível. As
posições de canhões conversores tinham sido montadas para o caso em que surgisse a
pior das hipóteses.
— Parece que tiveram uma surpresa — observou Atlan em tom irônico. — Estão se
espalhando em todas as direções. Será que eles pensam que podem quebrar esta noz com
duas mil espaçonaves?
— Não pensam, não — gritou Cart Rudo, que se encontrava do outro lado da sala
de comando. Só mesmo a voz potente do epsalense seria capaz de atravessar a mesma. —
Neste momento um grupo de aproximadamente dez mil unidades está saindo das posições
de reserva para atacar Quinta.
Perry Rhodan cerrou os lábios.
Allan D. Mercant bateu com o punho na mesa.
— Precisamos fazer alguma coisa, senhor. Se as dez mil naves não conseguirem
tomar o planeta, os aconenses usarão mais dez mil, e assim por diante, até que nossas
posições defensivas tenham sido reduzidas a um montão de destroços fumegantes. É
possível que com isto a estação de comando seja danificada.
— Quer dizer que em sua opinião deveríamos dar ordem aos robôs para executarem
a ordem de destruição e depois retirar-nos do Sistema de Gêmeos? — perguntou Perry
Rhodan.
— Isto não parece lógico? — perguntou Mercant.
— Seria lógico — respondeu Rhodan, esticando as palavras — se não fosse Grek-1.
Gostaria de saber o que este maahk espera conseguir com os pedidos que fez. Há alguma
coisa atrás disso...
— Também penso assim, bárbaro — Atlan tentou colocar um pouco de ironia na
voz, mas acabou de falar em tom nervoso. Sua voz acabou saindo rouca. — Só nos resta
esperar. Chame Goratchim, Perry!
Perry Rhodan fitou-o com uma expressão de espanto.
— Goratchim...? O que é que o mutante tem a ver com isso, arcônida?
— Talvez não tenha nada, bárbaro! — a voz de Atlan parecia nervosa. — Mas
tenho a impressão de que daqui a pouco precisaremos muito dele.
Perry Rhodan acabou cedendo.
— Está bem. Seja feita sua vontade. Se não o conhecesse tão bem, talvez achasse
graça. Infelizmente suas impressões muitas vezes deram certo.
Pegou o microfone do intercomunicador e deu ordem para que Goratchim
comparecesse à sala de comando.
O mutante de duas cabeças apareceu dentro de um segundo, seguro pela mão do
rato-castor.
— Está vendo, Perry? — exclamou Gucky em tom de triunfo. — Está vendo como
eu o trato? Basta manifestar um desejo, e eu o cumpro.
Um sorriso triste apareceu no rosto de Rhodan.
— Goratchim, peço-lhe que por enquanto fique aqui. Atlan acredita que daqui a
pouco poderemos precisar do senhor.
— Conte comigo, senhor — respondeu a cabeça que atendia pelo nome de Ivã; o
nome da outra cabeça era Ivanovitch. As duas cabeças não passavam de mutações
exteriores. A mutação mais profunda ocorrera com o cérebro de Goratchim. O mutante de
duas cabeças tinha a capacidade de, com a força de sua mente, provocar a fusão dos
núcleos dos átomos de carbono e cálcio. Bastava concentrar-se com os dois pares de
olhos num alvo definido. Era uma faculdade pavorosa, motivo por que Rhodan só
recorria a este mutante em casos de extrema necessidade.
Rhodan fez uma ligação de intercomunicador com Cart Rudo.
— Faça a Crest subir um pouco mais por cima da borda do sol, coronel. Quero ver
se teremos de interferir. Tenho a impressão de que as interferências provenientes do sol
Alfa aumentaram.
Antes que o Coronel Rudo pudesse dar uma resposta, a voz estrondosa do maahk
saiu da tradutora.
— Permaneça na sombra energética do sol, Rhodan! Eu lhe imploro! Não cometa
nenhuma imprudência.
Rhodan levantou os ombros num gesto de resignação.
— Retiro a ordem, Rudo. Nosso amigo maahk quer assim.
De repente Atlan soltou um grito de alerta estridente, que sobressaltou os outros.
— O transmissor! Olhem! O transmissor!
Todos olharam para a grande tela frontal.
Os dois sóis do sistema de Gêmeos começaram a pulsar fortemente. E entre eles se
formou o já conhecido núcleo energético...
***
As baterias de costado de dez mil espaçonaves aconenses martelavam o único
continente de Quinta.
Tinham sido doze mil, mas nos primeiros trinta minutos o fogo cerrado das baterias
defensivas planetárias havia transformado duas mil em esferas gasosas em expansão. Isto
levou os aconenses a adotar outra tática.
Retiraram-se a quatro milhões de quilômetros e dispararam algumas salvas de
foguetes de longo alcance. Só um por cento dos cem mil foguetes disparados atingiu o
continente de Quinta, mas foi o suficiente para destruir a terça parte das posições
defensivas.
Depois disso os aconenses voltaram ao ataque, disparando ininterruptamente.
Tinha-se a impressão de que dentro de duas horas as defesas planetárias seriam
postas fora de ação.
Nir-Lah ergueu os punhos.
Por que Perry Rhodan mandara retirar a frota de patrulhamento? Devia saber que
nenhuma defesa estacionada num planeta pode resistir por muito tempo a um ataque
maciço vindo do espaço!
De tão nervoso que estava, ficou sem olhar para os sóis do sistema de Gêmeos.
Foi só quando recebeu algumas mensagens não codificadas, dirigidas a Hat-Mooh,
que se deu conta de que o foco do conflito não se encontrava em Quinta.
As mensagens de hipercomunicação que captou eram pedidos de socorro. Por
algum motivo que não conhecia chegaram mutiladas.
Nir-Lah só ficou sabendo que as dez mil naves aconenses que operavam nas
proximidades do transmissor estavam sendo atacadas por um inimigo desconhecido.
Nir-Lah começou a imaginar quem seria esse inimigo.
Não podia ser a frota do Império, pois nesse caso as mensagens não teriam aludido
a um inimigo desconhecido.
E só se poderia pensar numa raça, além dos aconenses e dos terranos: os maahks!
Nir-Lah nem se deu conta da inutilidade do que estava fazendo quando saiu à
procura da tela que reproduzia o setor que ficava para os lados do transmissor.
Teve a impressão de que estava sofrendo uma alucinação.
O núcleo energético situado entre os dois sóis formou um ponto luminoso
ofuscante, que se destacou contra a escuridão do espaço vazio. Em torno deste núcleo
surgiram em rápida sucessão outros pontinhos ofuscantes, que se expandiam e voltavam a
apagar-se. O fogo de artifício executava uma dança ininterrupta sobre o palco negro.
Nir-Lah levou alguns segundos para compreender o que significava isso. A
explosão de uma bomba de gigatons não seria visível a olho nu numa distância como
esta. A explosão de uma bomba de mil gigatons talvez produzisse uma débil mancha
luminosa.
Que arma era esta, que por cima do abismo negro ofuscava a vista a tal ponto que os
olhos doíam?
Quando Nir-Lah compreendeu toda a extensão do fenômeno, levantou-se de um
salto.
Só existia uma única arma que produzia um efeito destes. Era o canhão
transformador dos maahks!
O canhão transformador, lembrou-se Nir-Lah, recordando as informações que
recebera, funcionava quase da mesma forma que o transmissor fictício. Mas seus efeitos
eram bem diferentes. Produzia dentro da área escolhida como alvo um campo de
instabilidade concentrada que atuava na quinta dimensão. Qualquer espaçonave que se
encontrasse nesta área ficaria sujeita a leis físicas completamente diferentes das leis
naturais de caráter universal que conhecemos. Enquanto o campo de instabilidade
permanecesse, nada aconteceria à espaçonave. Mas quando o canhão era desligado, o
campo desaparecia. A matéria envolvida pelo mesmo desmaterializava, perdendo sua
existência normal. Era a destruição total.
O receptor de hipercomunicação transmitiu a voz ampliada de Hat-Mooh. Pedia a
todas as unidades da frota aconense que se reunissem a meio caminho entre o quinto
planeta e o núcleo energético, a fim de esperar o inimigo recém-aparecido.
Baldru-Ram virou a cabeça. Estava com o rosto muito pálido e fitou Nir-Lah com
uma expressão indagadora.
— Solicito suas ordens, Nir-Lah. Vamos seguir em direção ao ponto de reunião?
Nir-Lah acenou com a cabeça. Nem se deu conta que acabara de fazer um gesto
tipicamente terrano, e que se teria traído, se naquele momento houvesse alguém em
condições de cuidar desses detalhes.
— Vamos — respondeu em tom áspero. — Não para lutar, mas para procurar
sobreviventes.
— Não compreendo — disse Baldru-Ram. — Está se referindo a sobreviventes da
frota inimiga?
Nir-Lah deu uma risada estridente e forçada.
— Apresse-se, comandante. E trate de rezar para que ainda encontremos alguns
sobreviventes aconenses.
***
A sala de comando da Crest II encheu-se de uma silenciosa luminosidade trêmula e
ofuscante. Até mesmo a luz do sol a empalideceu diante dessa cruel claridade.
Perry Rhodan estava de pé atrás da poltrona de Cart Rudo. Sentia-se nervoso. Um
pavor frio apertou seu coração. Parecia hipnotizado pelo cilindro giratório do contador.
Finalmente o mesmo parou.
— Trinta mil...! — cochichou. — Trinta mil naves de grande tamanho dos maahks.
E cada uma carrega a morte multiplicada por cem.
— Isto é um golpe de mestre da estratégia dos maahks, bárbaro — disse Atlan com
a voz quase incompreensível.
— É um golpe de mestre da crueldade! — respondeu Rhodan, indignado. — Os
aconenses não têm nenhuma chance contra o canhão transformador. Suas armas
investirão em vão contra os campos defensivos verdes das naves cilíndricas. Já podem ser
considerados mortos.
— O pensamento de um maahk do tipo de Grek-1 move-se em dimensões diferentes
do seu — disse Atlan com a voz um pouco mais firme. — Não sabe o que é compaixão.
E os aconenses, que afinal são humanóides, também não saberiam, se gozassem de
superioridade sobre nós.
Perry Rhodan virou-se abruptamente, ficando de costas para a tela.
— Até é possível que você tenha razão, arcônida. Mas eu gostaria que a frota do
Império estivesse aqui.
Atlan esboçou um sorriso irônico.
— Pelo que conheço de você, você acabaria livrando os aconenses da situação em
que se encontram, seu bárbaro ingênuo...! Será que ainda não compreendeu que aquilo
que pode parecer o cúmulo da brutalidade maahk poupará à nossa Galáxia uma guerra
cruel entre você e Ácon? O tributo de sangue que os aconenses terão de pagar aqui e
agora será apenas uma gota em comparação com o oceano de sangue que seria derramado
numa guerra Galáctica. Será que você nunca vai aprender a pensar em termos cósmicos?
Perry Rhodan olhou prolongadamente para Atlan. A expressão de seu rosto mudou
de um instante para outro.
— Está bem — disse depois de algum tempo. — Você tem razão, arcônida. Mas
nem por isso deixarei de fazer tudo que estiver ao meu alcance para salvar pelo menos os
sobreviventes da carnificina.
Virou o rosto para o comandante da Crest II.
— Coronel Rudo! Siga em direção ao campo de batalha. Mande guarnecer todos os
projetores de raio de tração e prepare os barcos salva-vidas.
O sinal da tradutora se fez ouvir. Perry Rhodan levantou a cabeça. Deu alguns
passos rápidos em direção à mapoteca e ligou o aparelho na recepção. Seu rosto
transformou-se numa máscara.
— O senhor conseguiu o que queria, maahk!
— Muito obrigado, terrano! — respondeu a voz mecânica da tradutora. — Meu
plano está sendo executado. Cumpri meu dever. Daqui a pouco meu ego estará clareado
de novo. Por meu intermédio está sendo cumprido o legado de vingança que me foi
imposto pelo passado. Quando a luta terminar, o senhor poderá contar comigo.
Alguma coisa no interior de Perry Rhodan obrigou-o a desligar a tradutora. Seus
dedos rasgaram a gola do uniforme. Respirava ruidosamente.
— Então é isto — cochichou. — Ele sabia que um ataque em grande escala ao
sistema de Gêmeos era iminente. Por isso fez com que nossa frota de patrulhamento fosse
mandada para casa. E por isso nos levou a agir de tal forma que os aconenses foram
atraídos para a armadilha mortal.
Perry Rhodan levantou os olhos. Havia um brilho resoluto nos mesmos.
— Acontece que o sistema de Gêmeos também se transformará numa armadilha
mortal para trinta mil naves maahks, arcônida!
Atlan sorriu.
— Não tenha a menor dúvida de que Grek-1 também tomou em consideração esta
conseqüência de seu plano, terrano.
***
Baldru-Ram ficou como que paralisado por alguns segundos. De repente levantou-
se de um salto e pegou sua arma energética.
— Já estou compreendendo muita coisa, Nir-Lah, ou seja lá qual for seu nome.
Desde o início me espantei com suas ordens e opiniões. O senhor é um agente terrano,
Nir-Lah!
Richard Edwards exibiu um sorriso frio enquanto olhava para a boca cintilante do
cano da arma.
— O que foi que eu fiz para revelar quem sou, comandante?
Baldru-Ram deu uma risada de deboche.
— O senhor cometeu dois erros quando disse: “Vamos rezar para que ainda
encontremos alguns sobreviventes aconenses”. Primeiro, o senhor usou o verbo rezar, e
depois disse aconenses em vez de nossa gente. Só então me lembrei do gesto que o
senhor fez com a cabeça ao responder quando lhe perguntei se havia alguma ordem. Os
terranos costumam acenar com a cabeça quando confirmam alguma coisa.
— O senhor prestou muita atenção, Baldru-Ram — respondeu Edwards. —
Acontece que só conseguiu prestar atenção aos detalhes porque ainda não se deu conta do
perigo que nos ameaça.
“Sou um agente secreto do Império Solar. Neste ponto o senhor tem razão. Meu
verdadeiro nome é Capitão Edwards. Desta forma está feita a apresentação.
“Mas é inútil ameaçar-me com uma arma, Baldru-Ram. O único perigo, que ameaça
todos nós, está lá fora — apontou para a tela de imagem, que continuava a mostrar os
lampejos ofuscantes.
“O senhor não conhece as armas dos maahks. Pouco importa que a frota aconense
seja atacada por mil, dez mil ou um número ainda maior de naves maahks, sua destruição
é um fato consumado. Vocês não têm nada com que possam oferecer uma resistência
séria aos maahks. Dentro de algumas horas estará tudo no fim, a não ser que façamos
alguma coisa. Infelizmente a única coisa que podemos fazer é recolher alguns
sobreviventes.
“Comandante Baldru-Ram, o senhor sabe que um terrano sempre cumpre sua
palavra. Ofereço-lhe meu apoio sincero. Se sobrevivermos à batalha, o senhor poderá
colocar-me perante uma corte de justiça.”
O rosto do comandante aconense mostrou um traço de respeito e consideração. A
mão que segurava a arma foi baixando lentamente. Finalmente o aconense voltou a
guardar a arma no coldre.
— Tenho muito respeito pela palavra de um terrano, Capitão Edwards. Peço-lhe que
se comporte como se fosse nosso aliado. É possível que o tribunal considere isso.
Naturalmente serei obrigado a avisar Hat-Mooh. Enquanto isso a Umanhat percorrerá no
espaço linear a distância que nos separa do campo de batalha. Os maahks são inimigos
tanto dos terranos como dos aconenses. Talvez suas armas sejam melhores que as nossas,
mas não estão em condições de enfrentar oitenta mil espaçonaves.
O Capitão Edwards preferiu ficar quieto.
Sabia que Baldru-Ram não demoraria nem um pouco para mudar de opinião...
***
A Crest II avançou à velocidade máxima para a frente das naves aconenses, que
estava em dissolução.
Os canhões energéticos aconenses despejaram um verdadeiro furacão de fogo
contra as naves cilíndricas negras dos maahks. Mas as unidades maahks que deslizavam
que nem fantasmas nem sequer tentavam desviar-se do fogo aconense. Seus campos
defensivos verdes resistiam facilmente ao mesmo.
Os canhões transformadores dos maahks varriam sem cessar as naves aconenses
para fora do Universo. O espaço cósmico parecia consistir exclusivamente num oceano
de lampejos ofuscantes.
Perry Rhodan dera ordens de “caça livre”. A guarnição de cada canhão tinha
permissão para abrir fogo contra qualquer nave maahk que estivesse ao seu alcance. Nem
mesmo os campos defensivos verdes eram capazes de resistir às bombas de gigatons
irradiadas pelos canhões conversores. A Crest II foi deixando para trás um rastro de fogo,
formado pelas naves cilíndricas que eram consumidas pelas chamas.
Mas em comparação com as trinta mil naves maahks isso representava menos que
uma gota no oceano.
O moral dos aconenses estava deteriorado.
Um número cada vez maior de naves esféricas com os pólos achatados desprendia-
se da frente de combate, acelerava e iniciava o vôo linear, precipitando-se pelo espaço.
Perry Rhodan sabia que isso só representava um adiamento; o fim dessas naves era
inevitável. O raio de ação das mesmas era pequeno demais para que pudessem percorrer
os novecentos mil anos-luz que as separavam da Galáxia. As reservas de energia, desde
que fossem racionalmente usadas, talvez seriam suficientes para regenerar o ar respirável,
a água e os alimentos orgânicos dos dejetos humanos, garantindo a sobrevivência física
da tripulação. Mas o vazio sem fim e a situação desesperadora levariam os homens à
loucura.
Os homens que trabalhavam nos projetores de raios de tração da Crest II faziam um
esforço tremendo para recolher os sobreviventes aconenses. Mas quando os canhões
transformadores entram em ação não há sobreviventes. Só nos casos em que alguma nave
se precipitava para dentro de seu próprio fogo ou colidia com outra nave ainda restava
vida entre os destroços que se espalhavam no espaço.
***
Quando a Umanhat saiu do espaço linear, entrou numa nuvem de naves que
estavam fugindo.
Richard Edwards sentiu-se ofuscado e fechou os olhos. Quando voltou a abri-los, os
anteparos óticos já se haviam fechado automaticamente. Os lampejos eram suportáveis.
Mas Edwards compreendeu desde o primeiro instante que a salvação se tornara
impossível.
O Comandante Baldru-Ram também parecia ter percebido, pois fazia um esforço
desesperado para fugir do palco do terror.
Por uma fração de segundo os dois fitaram-se nos olhos muito arregalados, o
comandante aconense e o agente secreto terrano.
Foi a última vez que se viram um ao outro.
No mesmo instante uma sombra gigantesca cobriu a tela frontal. O Capitão Edwards
ainda chegou a perceber que se tratava de um cruzador pesado aconense. Depois disso
perdeu o sentido na orgia de barulho produzida pela colisão.
Não chegou a ver a Umanhat arrebentar-se, não viu os fragmentos que se
espalharam no espaço, girando em torno do próprio eixo, e não percebeu quando outras
naves aconenses colidiram com estes fragmentos.
Numa estranha contorção, seu corpo foi vagando no espaço, girando lentamente em
torno do próprio eixo...
Cinco seres feitos de metal plastificado mantinham-se imóveis no abrigo esférico.
Seus sentidos positrônicos já tinham registrado os abalos que haviam chegado a
eles, depois de atravessar a rocha do continente de Quinta.
Sabiam que Quinta estava sendo bombardeado pelo inimigo. Pouco importava quem
fosse esse inimigo. As divergências políticas dos seres orgânicos não lhes interessavam.
A única coisa que tinham de fazer era cumprir as ordens que lhes haviam sido dadas.
Mas por enquanto a ordem decisiva ainda não fora recebida.
Os abalos diminuíram.
Por algum tempo não aconteceu nada. Mas de repente seus receptores captaram uma
série de impulsos, que penetraram em sua consciência positrônica, onde desencadearam
alguns atos previamente determinados.
Relés estalavam, os contadores começaram a tiquetaquear.
Mais dez segundos...
***
Perry Rhodan estava estendido no leito anatômico, enquanto a Crest II se dirigia ao
núcleo do transmissor de Gêmeos.
Em torno dele ouvia-se o chiado das seringas pressurizadas.
Perry Rhodan sabia que dentro de mais alguns segundos o capítulo do transmissor
de Gêmeos chegaria ao fim. A frota maahk deslocava-se em direção a Quinta, a fim de
apoderar-se do centro de comando do transmissor.
Rhodan observava atentamente o ponteiro de seu contador de segundos.
Mais cinco segundos... mais quatro... mais três...
Rhodan deixou a mão suspensa sobre a tecla de um transmissor especial.
É agora...
Mais um segundo para a desmaterialização!
Perry Rhodan colocou a mão sobre a tecla do transmissor, enquanto o robô médico
que se encontrava a seu lado acionava o jato de injeção pressurizada.
Quando Rhodan despertou do congelamento narcótico, o planeta Kahalo brilhava na
tela frontal.
Rhodan ergueu-se.
Ao seu lado Atlan começava a sacudir o atordoamento.
— E isso aí! — disse em tom seco.
Perry Rhodan levantou e dirigiu-se à máquina tradutora.
Grek-1 respondeu imediatamente. Parecia não ter sido afetado pela passagem
através do transmissor, embora não tivesse sido colocado em estado narcótico.
— Já conheço suas perguntas, terrano — seus olhos chamejavam. — O senhor quer
saber por que motivo fiz com que trinta mil espaçonaves de minha raça com cerca de três
milhões de maahks ficassem banidos para sempre no sistema de Gêmeos.
“O senhor saberá.
“Segundo as concepções aceitas por meu povo, eles não eram maahks, embora tanto
seus antepassados como os meus fossem maahks. Não havia mais nada que os ligasse às
leis de meu povo. Nenhum dos membros pertencentes ao comando de vigilância dos
senhores da galáxia é um maahk, embora de fora possa parecer. Seu espírito pertence aos
senhores da galáxia. Depois que cumpri o legado do passado e levei os aconenses para a
destruição, meu ego voltou a clarear. Sou um homem livre e passei a ser o dono de meu
próprio destino. O último ato que pratiquei sob a compulsão dos senhores da galáxia foi a
destruição de minha nave. Agora já não há mais nada que me ligue aos senhores da
galáxia.
“Daqui em diante o senhor poderá contar comigo, Perry Rhodan.”
***
Antes de acordar, seu espírito ficou flutuando mais algum tempo na linha de
penumbra que ficava entre a inconsciência profunda e o despertar completo.
Quando abriu os olhos, soltou um grito.
Teve a impressão de que veria novamente à sua frente a luz ofuscante da destruição.
Uma voz profunda se fez ouvir.
— Anime-se, rapaz! Anime-se! O senhor sobreviveu. Richard Edwards arregalou os
olhos.
— Coronel Mirabelle...!
— Isto mesmo, meu filho, sou eu — o coronel assoou demoradamente o nariz. —
Procure controlar-se, Edwards! Até parece que pelo simples fato de ter tido razão ao dar o
conselho de liberar o transmissor solar se julga com direito de exigir minha compaixão.
Richard Edwards fitou o coronel com uma expressão de espanto. Não compreendia
por que seu superior assoava constantemente o nariz e piscava os olhos.
— O que houve mesmo? — perguntou em tom enérgico. — Como vim parar aqui?
— É o que eu também gostaria de saber, rapaz. O senhor teve uma sorte danada. Por
acaso foi um dos poucos sobreviventes que a Crest andou pescando entre os destroços
com seus raios de tração. O que estava fazendo por lá?
— O quê?... — perguntou Richard Edwards num tom nada militar. — Eu ocupava o
cargo de comandante de flotilha aconense, senhor — procurou erguer-se na cama, mas
logo caiu para trás, pois sua vista começou a turvar-se.
— Nos seis dias que o senhor esteve deitado nesta cama, muita coisa aconteceu na
Galáxia — disse o coronel em voz baixa. — Os aconenses sofreram um choque de que
provavelmente nunca mais se recuperarão de vez. Deram ordem para que todas as naves
do império arcônida de satélites voltassem das áreas limítrofes do império.
“O Administrador-Geral apresentou aos povos astronautas da Galáxia um extenso
material cinematográfico e lhes forneceu informações detalhadas. Espero que isso tenha
convencido até mesmo os tipos mais obtusos de que a Terra é a única potência Galáctica
que está em condições de enfrentar o perigo vindo de Andrômeda.”
— Nem consigo compreender — disse Richard Edwards. — Todos morreram,
menos eu...
De repente lembrou-se de uma coisa.
— Senhor, meu pai sabe que... que estou vivo?
— É claro que sabe — resmungou o Coronel Mirabelle. — Assim que recebeu
meu... meu hipergrama entrou numa espaçonave. Acho que deve chegar hoje.
Richard Edwards sorriu.
— Muito obrigado, senhor.
— Não há de quê! — o Coronel Mirabelle fez um gesto de pouco-caso. — Quando
eu estava na ativa no corpo de agentes, meu pai não vinha atrás de mim toda vez que
conseguia sobreviver a uma missão. O senhor terá que endurecer mais, Major Edwards.
— Major...? — perguntou Richard Edwards, espantado.
O Coronel Mirabelle pigarreou.
— Ainda não contei? O senhor foi promovido ao posto de major da Segurança
Galáctica. Devo ter tido um instante de fraqueza quando o indiquei para a promoção. Um
homem da sua idade ainda não deveria ter passado do posto de tenente.
Sorriu.
Foi a primeira vez que Richard Edwards o viu sorrir.
— Não me envergonhe, rapaz!

***
**
*
Grek-1, um oficial maahk, passou
inteiramente para o lado de Perry Rhodan.
E é Grek-1 quem sugere ao
Administrador-Geral que use o
transmissor de Kahalo para atingir um
sistema que os senhores da galáxia há
muito deixaram de vigiar. É O Sistema dos
Perdidos!
Leia no próximo volume da série
Perry Rhodan a história do avanço da
Crest, até as imediações da nebulosa de
Andrômeda.

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www.perry-rhodan.com.br

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