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A pessoa a quem se fala

Han fei
Hanfeitsé, ?-234 a.C.

A dificuldade em falar a uma pessoa não está em saber o que dizer, nem o método de
argumentação que torne claro o que se pretende. Também não está na dificuldade de ter
coragem para expor total e francamente o que se tem no espírito. A dificuldade está em
conhecer a mentalidade da pessoa a quem se fala e em adotar o meio mais adequado a atingi-
la. Se a pessoa a quem se fala gosta de ter fama de altruísmo e idealismo e lhe falares e
proveitos utilitários, considerar-te-á um espírito vulgar e afastar-se-á de ti. Se, por outro lado,
a pessoa a quem se fala tem a mente receptiva a lucros comerciais e lhe falares de idealismo,
pensará que és um tipo nada prático, com quem não tem coisa alguma a fazer. Se a pessoa a
quem se fala gosta de aparecer como homem de princípios, tendo, porém, o coração voltado
para os proventos, e se lhe falares de princípios, fingirá estar de acordo contigo, mas não te
concederá sua confiança. Se falares à mesma pessoa de grandes lucros, secretamente seguirá
teu conselho, mas, exteriormente, cuidará de manter-te a distância. São coisas que é preciso
conhecer.

Muitas vezes, os negócios (de Estado) se realizam em segredo e são postos a perder por
notícias que transpiram. Podes não ser a pessoa que as deixou transpirar, mas, se em tua
linguagem mostrardes que conheces os segredos, estais então em perigo. Se uma alta
personalidade tem certas faltas pessoais e és demasiado franco com teus claros conselhos,
está em perigo. Se, antes de teres conquistado a confiança da pessoa a quem se fala, lhe
disseres tudo o que pensas e lhe ofereceres todo o teu conselho, e se ela for à frente e seguir
teu conselho, ressentir-se-á, caso tudo lhe saia bem, e suspeitará de ti, se falhar; estás em
perigo. Uma alta personalidade gosta de que lhe dêem crédito pelo que faz; se prejudicares
esse crédito fazendo com que ele pareça provir de tua opinião, estás em perigo. Se a pessoa já
fez alguma coisa que deseja lhe seja creditada e pareceres agir em detrimento dela, estás em
perigo. Se tenta forçá-la a fazer o que sabes que nunca fará e a deixar de fazer o que sabes que
nunca desistirá de fazer, estás em perigo. Assim, bem se diz que, se lhe falares como a um
cavalheiro idealista, pode pensar que estás sendo sarcástico; e se falares como se estivesse
interessado em pequenos ganhos ou mesquinhas vantagens, pensará que és um bajulador
dissimulado. Se lhe falares do que ama, pode pensar que queres um favor, e se lhe falares do
que odeia, pode julgar que a põe à prova ou provocas. Se não falares bastante, achará que
nada sabes; se falares demais, cansar-se-á de ti. Se trouxeres um assunto como por acaso,
pensar-te-á tímido; se estenderes em teus grandes planos e idéias, poderá julgar-te bruto e
insolente. Estas são as dificuldades de falar a uma pessoa, que é preciso conhecer.

Havia na cidade de Sung um homem rico, a quem caiu a parede da casa, após prolongada
chuva. Disse-lhe o filho: “Devemos consertar imediatamente, para evitar roubos”. Disse-lhe a
mesma coisa o vizinho. Naquela noite, um ladrão, efetivamente, entrou-lhe na casa e furtou
muito dinheiro. O homem rico louvou o filho por sua previdência e suspeitou do vizinho como
cúmplice no furto. Em tempos antigos, o Duque Wu, de Cheng, queria invadir o país dos

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bárbaros hus e deu sua filha em casamento ao chefe hu. Perguntou então aos oficiais de seu
estado-maior: “Quero iniciar uma guerra de conquista. A quem deverei atacar?” Kuanchiszé
sugeriu que ele ataca os hus. O duque mandou matá-lo, dizendo: “O chefe hu é aparentado
comigo por laços de casamento. Fala tolices”. O chefe soube disso, acreditou no duque e
relaxou suas defesas. O duque, então, invadiu a terra dos hus e subjulgou-os. Em ambos estes
exemplos, o que falou nada disse de errado; contudo, o resultado, em um caso, foi à ruína, e,
no outro, ficar sob suspeita. O difícil não é saber, mas, sim, saber o que fazer com o que se
sabe.

Em tempos antigos, Mitseshia (um homem) era favorito do duque de Wei. Havia uma lei em
Wei pela qual quem quer que usasse a carruagem do duque, sem licença, teria os pés
amputados. Certa vez, Mitsé soube que sua mãe estava doente; mas era noite e Mitsé tomou a
carruagem ducal para ver sua mãe. O Duque soube disso e observou: “Que bom filho! Por
causa da mãe enferma, arriscou-se a ter os pés cortados!” De outra vez, Mitsé passeava com o
duque pelo jardim. Mitsé provou um pêssego que tirara da árvore e, achando-o muito bom,
ofereceu ao duque a metade não comida. “Como ele me ama!”, observou o duque. Mais tarde,
quando o rapaz já não era mais tão belo e perdera o favor do duque, este disse: “Foi ele quem
fez uso da minha carruagem sem autorização e quem me insultou dando-me a metade de um
pêssego que já provara”. O que o duque condenava agora na conduta de Mitsé era o mesmo
que antes louvara; a mudança estava no próprio amor e ódio do duque. Assim, quando um
soberano gosta de alguém, suas palavras lhe parecem sábias e dedica-lhe confiança; quando
não gosta de alguém, seus erros de conduta parecem ampliar-se e suas relações se tornam
crescentemente tensas. Portanto, quem quer falar a um governante deve antes esperar o
tempo necessário e verificar se é estimado ou desapreciado.

Um dragão pode ser cavalgado. Mas há um tufo de escamas irritadas sob seu pescoço, de
cerca de um pé de comprimento. Quem coçar essas escamas do modo errado será devorado
pelo dragão. Os príncipes também têm “escamas irritadas”. Sê cuidadoso e não coces do modo
errado.

Depois de traduzir isto, creio que tão sábio conselho é útil até para um
empregado de banco em Manhattan.

In “A Importância de Compreender”, de Lin Yutang, Capítulo “Espírito Antigo” – Texto 76, pág. 345-347

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