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Resumo:
Considerações sobre a estrutura de cartas administrativas paraibanas dos
períodos colonial e imperial, com ênfase nas que divergem das tradições
discursivas da época, em decorrência da inabilidade do escrivão ou do
autor dos textos, em relação à modalidade escrita exemplar. A análise
fundamenta-se nas idéias de Oesterreicher (1996), seguindo a linha de
Coseriu (1982). Trata-se de um recorte de nossa pesquisa de doutorado
realizada na Universidade Federal de Pernambuco em 2003.
Palavras-chave – História da língua; diacronia; cartas coloniais.
INTRODUÇÃO
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Melhor tese em Lingüística em 2003.
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Entretanto, segundo o mesmo autor, não basta a presença de incorreções, nem a ausência de
literariedade para dotar de coloquialidade ou oralidade a língua de um texto. Oral supõe um modo de
enunciação, de produção da linguagem, enquanto coloquial refere-se à interação conversacional,
além da conotação de descuidado, informal, o que nem sempre é o caso da conversação.
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Ambos os tempos verbais são utilizados para indicar uma ação no passado, anterior ou simultânea
a outra também no passado e, de acordo com Cuesta e Luz (1983), não há diferença nítida que
matize o uso de qualquer das formas, indistintamente, apesar de reconhecerem o predomínio, na
linguagem familiar contemporânea, da forma composta sobre a simples. As autoras lembram que as
formas simples ainda continuam utilizadas na linguagem escrita, principalmente quando há
preocupação com a elegância e com a ambigüidade, sobretudo na 3ª pessoa do plural, com o
pretérito perfeito.
distanciam dos exemplares. Tal distanciamento pode ser explicado pelas próprias
circunstâncias de produção, pelo fato de que, nem todos os níveis da burocracia
eram ocupados por profissionais com habilidade na escrita. Como se viu, acontecia,
muitas vezes, de o escrivão alugar o cargo a um serventuário que fazia o trabalho
por uma parte fixa do salário recebido pelo primeiro. Não surpreende que as
características do tipo ideal de escrita sofram alterações e modificações
significativas nos textos de autores semicultos, diferenciando-os do padrão.
ser escrivão, nos séculos XVI e seguintes, por exemplo, era necessária pouca
alfabetização. Por isso, nem todos os produtores dos textos conseguiam aproveitar
as possibilidades do texto escrito e suas produções apresentam divergências da
norma escrita culta, o que transparece em passagens cheias de repetições,
interferências da língua falada, registro das palavras escritas como se
pronunciavam e construções de variedades de menor prestígio.
Isso ocorre com a carta seguinte que, mesmo tendo como autor uma
autoridade, revela um indivíduo inábil com a escrita. É assinada por Francisco Leite
da Cruz, juiz ordinário de Pombal, pedindo providências contra uma quadrilha de
assassinos e ladrões que vivem perturbando a ordem pública. Toda a narrativa é
feita de um fôlego só, dificultando a leitura: não faz parágrafo e usa apenas um
ponto em 30 linhas. As idéias vão sendo acrescentadas, agregadas umas às outras,
com mudanças bruscas de assunto. Há flutuação na grafia e a letra da assinatura
diferente do restante da carta, é insegura e trêmula, o que leva a deduzir que foi
copiada/ditada à medida que as idéias fluíam na mente do autor. Outro aspecto que
prejudica o entendimento do texto é a arbitrariedade no uso de maiúsculas
(oRegente, ea Suadas) e na segmentação das palavras (amdematar adeis) Além
disso, há incompletude das orações, como acontece logo com no início da carta: o
autor começa com Oestado infilis..., deixando o leitor na expectativa de que o
pensamento vai ser concluído com o acréscimo da oração principal; mas ele
introduz outras idéias e outras informações, desviando o assunto e causando mais
problemas para a compreensão (Omem fasineroso, tendo já perisido, ejá foraõ
aasacinar, e se conservao). Além disso, pode-se perceber que o autor não domina
a escrita (STOLL, 1996), no sentido de corrigir as falhas sem deixar marcas, de
planejar e de melhorar o texto: é o que se verifica na passagem grifada, em que
transparecem marcas de correções (ou para me /espresar). Alguns traços
aproximam-se de textos escritos por iniciantes em produção textual, apresentando
dificuldades, por não ter consciência e, ao mesmo tempo, competência para
identificar as marcas do processamento do texto escrito no seu produto final
(PESSOA, 1997: p.189).
fazendo, com que, em alguns casos, a informação só seja entendida com a leitura
oral. Isso leva à suposição de que foram ditados ou produzidos para serem lidos em
voz alta. No relato a seguir, fatos principais e secundários se misturam. O trecho
transcrito é bastante longo, para que possa refletir os aspectos apontados:
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACIOLI, Vera Lúcia Costa. 1994. A escrita no Brasil Colônia: um guia para leitura de
documentos manuscritos. Apresentação de Leonardo Dantas Silva; prefácio de
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Universitária.
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Fontes.
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