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NAINE TERENA DE JESUS TÉO DE MIRANDA

(MESTRA HOMENAGEADA) (ORGANIZADOR)

DA MÁQUINA DE
ROUBAR ALMAS,
À MÁQUINA
DE REGISTRAR
MEMÓRIAS
Projeto Cultural “Da Maquina de Roubar Almas à Ficha Técnica
Maquina de Registrar Memórias”, aprovado pelo
Proponente
Fundo Estadual de Cultura de Mato Grosso da lei Victor Henrique Oliveira
Pesquisadores
Aldir Blanc, conforme Edital de Seleção Pública Caroline de Oliveira

nº 04/2020/SECEL/MT:”Conexão Mestres da João Matias

Cultura” Marilia Beatriz de Figueiredo Leite. Naine Terena
Nayla de Jesus Barbosa
Produção Executiva Karine Mattos
Organização, Edição e Design Téo de Miranda
Produção Editorial Editora Sustentável
Tratamento de imagens Aurê Cantarelli
Ilustração p.4 e p.5 Niara Terena
Revisão Aly Orellana
Fotografias 1. Téo de Miranda
2. Naine Terena
3. Frederik Jacobovits
4. João Marcelo
5. Antonio João de Jesus
© Editora Sustentável, Naine Terena de Jesus, 2021.
6. Arquivo de família
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra,
7. Nivaldo Queiroz (in memoriam)
sem autorização expressa da Editora.
8. João Matias
Ficha Catalográfica
Dados Internacionais para Catalogação na Publicação (CIP)
www.editorasustentavel.com.br
J58d Jesus, Naine Terena de.

Da Máquina de Roubar Almas, à Máquina de Registrar Memórias./. Naine Terena de Jesus;


Téo de Miranda (Organizador). Cuiabá MT: Editora Sustentável, 2021.

72p.

ISBN: 978-65-87418-13-1

(Formato Ebook)
www.oraculocomunica.eco.br/naineterena
1.Direitos Fundamentais. 2.Direitos Humanos. 3.Igualdade Racial. 4.Literatura das diversas línguas.
5.Fios de Memória. 6.Fios de uma história Terena. 7.O fazer da Arte de Naine Terena.
8.O livro dos novos dias.

CDU 342.724:821

Bibliotecária: Elizabete Luciano/CRB1-2103

Realização
TÉO DE MIRANDA
(ORGANIZADOR)

DA MÁQUINA DE
ROUBAR ALMAS,
À MÁQUINA
DE REGISTRAR
MEMÓRIAS

CUIABÁ - MT
2021
Nossa maestria está unida pelo fio da memória que
passa de geração em geração. Assim me constituí,
pelos fios tecidos pela minha ancestralidade

Naine Terena de Jesus


1
Sumário

Apresentação........................................................................................................9
Téo de Miranda

Fios de memória ..................................................................................................11


Nauk Maria de Jesus

Fios de uma história Terena.................................................................................21


Naine Terena

Naine Terena......................................................................................................37
Antonieta Luisa Costa

O Fazer da Arte de Naine Terena.........................................................................45


Jochen Volz

O Livro dos novos dias.........................................................................................69


Pedro Mutzenberg Filho
1
Apresentação
Por Téo de Miranda

Acompanho a produção de Naine Terena há mais de O terceiro capítulo, Naine Terena, de Antonieta Luisa
uma década, desde sua atuação em projetos envolvendo Costa, através da narrativa de seu primeiro encontro
audiovisual no contexto indígena do povo Terena (2012) com a artista, introduz um recorte da vida artística de
e na idealização e execução da FLIMT (Feira Literária Naine que ainda na adolescência já atuava na afirmação
Indígena de MT), em 2013. Sempre atuante em múltiplas étnica e na valorização das culturas tradicionais,
frentes e plataformas, a educadora, comunicadora, expressada através da escrita e da atuação teatral.
artista e ativista não economiza esforços ao militar
junto ao seu povo, os Terena, e ao lado de outros povos O quarto capítulo O Fazer da Arte de Naine Terena,
indígenas do Brasil, trazendo esses contextos, de forma de Jochen Volz, curador e crítico de arte, lança a
visceral, ao seu percurso profissional e acadêmico. artista num contexto internacional, no qual questões
Traz à tona debates necessários no contexto brasileiro, ambientais e de saúde pública estão latentes e faz-se
considerando o aspecto contemporâneo do indígena, urgente ampliar os debates e entender diferentes pontos
empoderado das tecnologias ancestrais hibridizadas às de vista. O ponto de vista do artista e ativista indígena
novas tecnologias, trabalhando em prol da manutenção contemporâneo se faz presente!! E o diálogo e o trânsito
da Cultura tradicional. Sua produção chega hoje a um entre diferentes artistas de diferentes etnias se faz
alcance extraordinário! Considerando a quantidade e possível através do olhar proposto por Naine Terena.
qualidade do seu trabalho, vem colhendo os frutos que
O quinto e ultimo capítulo, O Livro dos novos dias, de
tem plantado durante sua vida artística, como profissional
Pedro Mutzenberg Filho, encerra a publicação com chave
da comunicação e em seu percurso acadêmico.
de ouro. O autor descreve que o livro “Da máquina de
A presente obra é uma homenagem à mestra da Cultura roubar almas à máquina de registrar memórias fala do
Mato-grossense Naine Terena de Jesus, reconhecida tempo que passou para o tempo que passará”. É um livro
através da Lei Aldir Blanc. Inicialmente faz um resgate para o futuro! Naine deixa suas marcas de resistência nas
histórico das famílias paterna e materna de Naine, redes digitais, onde conhecimentos contemporâneos e
documentando sua ancestralidade dos povos originários. ancestrais se disseminam pelos caminhos fluídos da web e
O primeiro capítulo Fios de memória, narrado por sua irmã que se fazem presentes também nas páginas desse livro.
Nauk Maria de Jesus, traça a linhagem paterna e suas
Uma boa viagem pelas próximas páginas!!
raízes. Já o segundo capítulo narrado por Naine, Fios de
uma história Terena, traz o percurso de seus antepassados
do povo Terena e traços peculiares deste povo.

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6

Cuiabá antiga.
Fios de memória
A família paterna, narrada pela profa. dra. Nauk Maria de Jesus

O andarilho da foto amarelada


João Menelau de Jesus era filho de Andrezza e
Bertula, pais de cinco filhos. Seu Bertula ou vovô
Bertula era conhecido como mateiro, poaeiro,
curandeiro, rezador e fazedor de garrafadas que
vivia à procura de ervas medicinais nas matas.
Tinha quem dizia que ele era filho de Bororo,
mas do lado materno, tinha parentes negros.
Não se sabe como conheceu Andrezza, mas teve
outras esposas e muitos filhos, após a morte dela
no parto. Ele chegou a morar num quarto, na
travessa das Brotas, onde seu filho João morava.

O filho não quis aprender os saberes


do pai e o que temos dele é apenas
uma foto amarelada pelo tempo.

6
Bisavô paterno Bertula.

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As “Nhás” 6

Mesmo após ter dado o seu conselho, lá foi a tia,


velhinha magra, de pele escura, canela fina, cabelo
branco, curto e muito crespo, olhos grandes, com
seus 1,55 de altura, coluna arqueada, fazer a
contragosto, à noite, o ovo frito com molho de tomate.
Ana Epifânia do Nascimento, Tia Ana, Nha Ana,
nasceu em 06 de janeiro, dia de Santos Reis,
por isso, o seu sobrenome. Era muito religiosa,
vivia com um terço nas mãos e por cima de
umas “combinações brancas” usava vestidos de
cores escuras, na altura do tornozelo, de cortes
retos, mangas compridas que cobriam todo o
braço e golas que escondiam o pescoço. Para
tudo tinha uma história com alguma moral.
Ela contava que moraram ali na região de Nossa
Senhora do Livramento, no tempo da guerra com Tiana, tia Matilde e tia Isidora.
Totó Paes e morriam de medo dos soldados. Se
escondiam em casa e ficavam bizoiando por uma Isac, Francisca (nha Xica) e Jacintho. Ela mal
fresta da porta a passagem daqueles “crápulas”. acabava de parir e já ia para bacia de roupa
Elas tinham medo! Eram cinco irmãs, não tenho certe- para lavar. Tem quem diga que ela morreu no
za dos nomes: Maria, Andrezza, Isidora, Ana e Matil- parto do filho caçula, Jacintho. Outros, que
de, filhas de um negro forte chamado Beneditão, lá foi cinco anos após o nascimento dele.
do quilombo do Livramento. Depois que foi libertado,
ele se casou e teve as meninas! Não conheço nada da Nhá Jú se casou muito cedo. Nhá Chica lavou
mãe delas. Do segundo casamento, teve Maria José. roupa para fora. As duas eram excelentes doceiras.
Mãos cheias para fazer compota de laranja, de
Tia Ana e as irmãs foram para Cuiabá trabalhar nas limão, de goiaba e o tradicional furrundu! João
casas das famílias, se brincar ainda “tratadas como foi mestre de ofício de carpintaria. Isac, oficial
escravas”. Andrezza e Isidora eram lavadeiras, e as de alfaiate. Jacintho, funcionário da SUCAM. Os
filhas desta, Chiquinha, Eurica e Aquina - também, irmãos e Nha Jú eram magros, deviam ter 1,70 ou
e ainda passavam roupa com ferro em brasa. mais de altura. Nha Xica era pequenininha. Todos
Andrezza teve cinco filhos com Seu Bertula: com olhares vívidos e garbosos. João e Jacintho
Justina (nhá Jú), João Menelau (meu avô), foram criados por famílias diferentes em Cuiabá.

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Nha Ana, Tia Ana do começo desta história, não 6
gostava de Bertula. Ela não suportava nem que falasse
o nome dele, pois dizia que ele era feiticeiro! Imagina,
ela, religiosíssima, com um cunhado virado no feitiço!

Ouvi dizer que Tia Ana perdeu o senso, pois tinha


tomado muito caldo de caju “puro” e a acidez da
bebida subiu para cabeça. Antes de adoecer trabalhou
como empregada doméstica e depois de ter ficado
doente ajudou a irmã Isidora e as filhas desta a passar
roupa. Quando na casa de João Menelau, ela ajudava
nos cuidados do lar e dos netos e levava horas alisando
uma roupa. As calças ficavam com o vinco certinho.
Impecável. Se ela vivesse nos dias de hoje, ficaria
horrorizada e teria uma história para contar sobre o que
acontece com pessoas que não passam roupa! Viveu lá,
cá, ali, sob os cuidados da irmã Isidora, dos sobrinhos,
filhos e filhas de suas irmãs.
Passou temporadas nas casas de João Menelau,
na de Jacintho, na de Eurica, na de Nhá Chica.

Para tudo tinha um conselho, mesmo


que as pessoas não o aceitassem:

- Tia Ana, eu quero comer ovo frito com arroz.

- Olha, eu conheci uma mulher, que de


comer ovo frito à noite, morreu.

O melhor ovo frito com molho que


aquela menina já comeu.

Tia avó materna - 'Tiana'.

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Zoita
Nascida em Santo Antônio, filha de Cipriano e Ah, mas “ela” o arrebatou e levou a sua mãe, aos 84
Maria Clara. Quando a sua mãe morreu no parto do anos de idade. Com ela se foram receitas de culinária
irmão caçula, foi levada para o asilo Santo Rita, em e todo o afeto que sabia dar aos filhos e netos. Se foi
Cuiabá, para estudar. Estudou para ser professora. também a experiência com a economia doméstica
Tio José, seu irmão mais velho, dizia que a mãe e as orações - ela era muito religiosa, inclusive para
deles tinha parentesco com Bororo. Conheci, acho benzedura contra cobreiro, embora não falasse muito
que era irmã de sua mãe, Tia Cecília. Só me lembro disso. Ela dizia que Dona Emídia, a senhora que
dela sorrindo. E ao me lembrar, também sorri. criou o seu marido, certa vez a chamou e a ensinou
Nada mais sei. O pai era branco de olhos azuis. benzer: “cobreiro senhor”! Quando criança a vi
mais de uma vez benzendo alguém. Não aprendi.
Quando ela se casou, dizem que o pai custou a
aceitar a união. Ela contava que com o casamento Talvez não tenha dado tempo. Às vésperas da
aprendeu a cozinhar, porque tinha que aprender. chegada da primavera e do meu aniversário em
Teve cinco filhos: Zezinho (1942), Maria (1944), 2006, a temida se fez presente em casa e com
Leila (1947), Toninho (1948) e Jorge (1950) um sopro a levou. Disse o médico que ela estava
todos em sua casa, pelas mãos da parteira Dona com o coração grande e, por isso, parou.
Emiliana. Cada um deles tem suas histórias, mas
Foi-se o coração de mãe. Minha mãe-avó, Zoita
precisaria de muitos dias e noites transformados
Bom Despacho de Jesus. Certo dia, em novembro
em páginas para contar. Mas vou contar uma de
daquele ano, o sol iluminou o quarto e anunciou que
Zezinho, porque era sempre dita em casa. Nascido
tinha amanhecido. Eu dormia e ela chegou, sentou-
em 15 de fevereiro de 1942, foi o primeiro filho
-se à beira da cama, passou a mão sobre os meus
do casal. Ela dizia que ele foi um bebê “raquítico”,
cabelos, olhou para mim e disse: agora eu já vou.
“fraquinho, meu filho”, por falta de alimentação
adequada durante a sua gestação. Ela não tinha
leite para amamentá-lo e isso o levou a ter “oito
mãezinhas” (mulheres-mães que o amamentaram).
Quando adulto, Zezinho ria de sua própria desgraça
do nascimento e enchia a boca dizendo que por
três vezes colocaram a vela na mãozinha dele, pois
suspeitavam que ele não viveria. Viveu e muito!
Debochado na vida, nasceu debochando da morte.

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Avós paternos, Zoita e João Menelau.

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Álbun familia paterna, bairro do Porto em Cuiabá - MT.

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Pára, João! chegar em casa ao amanhecer, afinal, dizia que tinha
ido ao Mercado do Peixe, no Porto, comprar os peixes
- Porque eu comandei vinte soldados. Fui carpinteiro, lá no direto das canoas que chegavam de manhãzinha. Fim
colégio dos padres, me chamaram para ir para à Itália... de tarde, após sair do seu serviço, na prefeitura, também
- Para, João, tô cansaaaaada de ouvir chegava com fieira de bagre ou pacu peva para sua
todo o dia a mesma coisa. mãe preparar ensopados com muito cheiro verde.
- Porque eu comandei vinte soldados. Fui carpinteiro, lá no Adorava Ângela Maria, Elizete Cardoso, Cauby Peixoto,
colégio dos padres, me chamaram para ir para à Itália. Amália Rodrigues. O fado o encantava.... Mas a voz de
- Sebo, João, de novo. Pára. certa atriz o irritava. Por um tempo foi boêmio e depois
dedicou a sua vida ao mundo do catolicismo. Ajudou
E assim seguiram os dois na velhice. Ele repetindo a a muitos. Morreu solteiro. Não teve filhos biológicos,
todo o momento a mesma história e ela já impaciente, mas um monte de filhos do coração... E quando ele
movimentava os braços pedindo para ele parar. foi para o exterior? ligou de madrugada para dizer
-“Pára, João!” que tinha montado num camelo e que o Egito era
lindo... meus olhos adormecidos, acordaram. Egito!
Para João Naukila, adivinha quem morreu? Era assim que ele
“Ô Madalena, chorava que dava pena!” começava a me contar as notícias do bairro. Eu
respondia: “vamos para sessão obituário”. Há algum
“Eu tenho andado tão só...(assovios)
tempo, ele me deixou sozinha e nem me deu a última
Eu tenho andado tão só... (mais assovios)”
gargalhada. José Gonçalo de Jesus, Dghinho, Tio
Cantos de João Menelau de Jesus! Gordo, Tio gordinho, Zezinho, foi para outro mundo
levar seu bom humor, piadas, brincadeiras e sorrisos.
Adivinha quem morreu?
“Adivinha quem morreu?”
Coitadinho, nasceu em fevereiro de 1942, pequenino
e doentinho, mas foi registrado como nascido em (Com amor para José Gonçalo de Jesus, meu padrinho.
25 de setembro de 1942. Colocaram a vela por três Escrito quando de seu falecimento em 2017)
vezes nas mãozinhas dele, pois parecia que iria morrer Contos redigidos por Nauk Maria de Jesus, com base em suas
ainda bebezinho. O padre até chegou a rezar por ele. memórias de infância, nos fatos contados por sua avó Zoita e
Mas ele cresceu. Cresceu magrinho, perninhas finas, prima Vanilse Cardoso, nas entrevistas feitas por João Mathias
com Leila Tutyia e Maria Graça e Antonio João de Jesus.
atrapalhado e quando criança preferia voltar a pé para
Disse Leila Tutya na ocasião da organização dessas memórias:
casa e gastar o dinheiro do ônibus para comprar pastel. “Essa história foi contada por uma das pessoas. Se a outra
Também se distraía com cortejo funerário. Odiava contar pode contar diferente. Mas assim se fez, desde os avós,
mocotó e músculo. Amava peixe, cabeça de pacu. E, já os tios chegando aos netos e ao monge-bisneto” (monge é como
na vida adulta, o peixe foi muitas vezes desculpa para Leila chama o filho de Naine Terena, Icaro Merireu de Miranda).

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Chá com bolo em homenagem a


São Benedito na casa de João Menelau de Jesus,
avô paterno de Naine Terena. Os chá com bolo
são manifestações tradicionais em Cuiabá.

p. 18
Antonio João na festa de São Benedito (no centro à esquerda).
Pintando seu pai, Antonio João, no Museu Rondon/UFMT
(no centro à direita). Nicho com diversos santos na
casa dos avós paternos (acima). Diversos retratos
da família paterna em Cuiabá (abaixo).

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Avô e Avó materno, Januário Pio e Flaviana Gabriel, em Aquidauana - Mato Grosso do Sul.
Fios de uma história Terena
Por Naine Terena

A minha avó materna se chamava Flaviana Gabriel e Após o falecimento de Januário, Flaviana junto a
o avô materno tinha o nome de Januário Pio. Conta seu novo marido Bernazio Dias cuidavam da roça,
minha mãe, que até os 8 anos, morava na cidade com mas minha mãe afirma que quase nunca ia junto
o pai que era oriundo da aldeia Bananal - Distrito ajudar na plantação, porque a mãe não deixava.
de Taunay/Aquidauana - MS e a mãe da aldeia Um tempo depois, Leda foi para Campo Grande
Ipegue - Distrito de Taunay/Aquidauana - MS. trabalhar com a madrinha dela. Foi babá por muito
tempo, inclusive morando com uma irmã paterna de
Januário era padeiro, moravam com ele a mãe e seus minha mãe (a Tia Marilda, também já falecida).
primos-irmãos, Leda e Amâncio. Todos estudaram na
igreja Matriz, aos cuidados das irmãs de caridade. O padrasto de minha mãe, o senhor Bernazio,
Minha mãe conta que as Freiras ensinavam a rezar - trabalhava na roça, plantava mandioca, abóbora,
´elas vivem muito de reza né, era uma casa de freiras`. melancia, milho, arroz, atividade típica entre os
Quando voltava para casa, a avó Flaviana já tinha Terena. Na época do arroz minha mãe ia para roça
deixado as roupas das freguesas lavadas e passadas “cortar”, torrar, socar e cozinhar na panela de ferro.
para serem entregues pela minha mãe e a tia Leda. Flaviana “fazia feira”, vendia os produtos das roças
Além de lavar roupa para fora, também fazia bolo na cidade, uma atividade também muito corriqueira
para que as crianças pudessem vender na vizinhança. entre as mulheres Terena. Minha mãe conta que não
Quando a avó Flaviana se separou do avô Januário, acompanhava a mãe, pois enquanto o pai era vivo, ele
Anita, Amâncio e Leda foram viver em Limão Verde. não gostava e brigava se a visse na feira. Talvez este
Viveram com tio Verdulino, irmão de Flaviana ,” fosse um dos motivos pelos quais a entregou para o avô
na casa de palha duas pecinhas só. Foi amparada Januário, já com 14 para 15 anos de vida. Morando
também por Sebastião Dias, na época, Cacique de de novo na cidade com o pai, levava comida para a
Limão Verde, que levou Flaviana todas as vezes que mãe na feira, momento em que conseguia conviver
passou por necessidades, inclusive levando-as para com ela. Minha mãe conta que passou diversos tipos
morar lá, junto com tia Rosa na tarimba, uma espécie de de necessidades. Certa vez, uma mulher apareceu e
cama que era feita de Couro de Boi e parecia colchão”. lhe disse que um homem procurava alguém para lavar
Flaviana viria a se casar novamente no Limão Verde, garrafa. Então, junto da mulher, juntava as garrafas e
após a morte de Januário. Tinha entre 13 e 14 anos. lavavam para entregar e pegar um “troquinho”.

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A mulher, segundo minha mãe, era muito boa e ajudou com passagem e sua esposa com roupas, pois era
sempre lhe dava comida. O seu pai, Januário, deixava frio em Dourados, onde iriam passar pela capacitação.
que as vizinhas cuidassem de minha mãe, e em uma “Não tinha nem sapato nem chinelo, então disse eu vou
dessas casas, minha mãe conheceu a doutrina espírita. para passear não te garanto nada, porque eu não sei
Teve afeto por esta família e então, todos os dias à escrever não sei fazer nada, mas meu pensamento era um
noite, levava sua coberta para dormir na casa deles. só. Minha mãe estava precisando, então achava também
Conta que dormia no chão, pois a família era grande que naquele tempo pagava bem sempre pagou bem
e a pobreza também era. Nessa época, minha avó né, o dinheiro que eu ia receber pagaria toda despesa
Flaviana já era festeira de São Sebastião, mas também de remédio, então meu pensamento era esse ajudar,
começou a conhecer a doutrina espírita. Minha mãe ajudar, ajudar”. Quando começou a trabalhar, ainda em
não tem certeza da orientação espiritual da minha Dourados (Missão Evangélica) conta, fazia de tudo: dar
avó, mas poderia dizer que ela era “curandeira”. banho, acompanhava cirurgia, parto. “Eles mandavam
Perguntamos à ela, se um dia poderia também ter me chamar, eu ia. Igual essa roupa como tá agora na
desenvolvido o “curanderismo“. Respondeu-nos que pandemia tudo coberto. Quando começou a tuberculose
se quisesse faria, mas não queria pois achava que e foi um bafafá porque era muito contagiosa e não
era muita responsabilidade. A essa altura, minha avó podia se expor, toda coberta dos pés à cabeça, só tirava
Flaviana, ganhara um cavalo para ir para a cidade fazer para comer”. Depois, minha mãe foi transferida para a
feira (nessa época segundo minha mãe, iam muitas terra indígena São João, onde vive o povo Kadiwéu, e
vezes a pé da aldeia, cerca de 18km da cidade). conheceu meu pai, Antonio João de Jesus, que segundo
Iam então ela, a tia Rosa e Elizeu e o primo ela, “era o chefão”. Foi falar com ele, com o papel da
Belmiro, todos eram crianças. Minha mãe preparava transferência na mão. Ele estava esperando-a (mesmo
um pouco de comida e eles levavam para perto que não tivesse dado muita atenção), fazendo um galpão.
do pé de jatobá que existia perto da estação “Com muito custo chamei ele, Senhor Antônio tô aqui
ferroviária de Aquidauana. Conta que a maior da com o papel que mandaram entregar para o senhor, e aí
alimentação era só arroz porque carne era difícil. ele falou: ah é você já me avisaram! Eu tô aqui apurado
fazendo uma casa porque não tem nada aqui, nós temos
Com 17 anos, minha mãe foi convidada para fazer um
que dormir lá na casa que ficava atrás do posto, aí que
curso técnico em enfermagem, foi cursar pensando em
levantou foi receber a gente, alegre rindo como sempre;
proporcionar uma melhor vida para a minha avó, que
falante e falando - vai se virando aí não tinha nada”.
nessa época já estava doente e precisava de dinheiro para
comprar remédios. Na ocasião que recebeu o convite, Segundo minha mãe, ele tinha construído uma
disse: “se for para passear eu vou lá ,mas eu não tenho casinha de tábua galpão, cozinha e sala que era a
nada seo Augusto; não tem roupa, não tem dinheiro, farmácia (local onde ela trabalhava). Ele chegava
não tenho nada”. O senhor Augusto (que era o chefe de sempre com “caixote e mais caixote remédio e eu
posto/encarregado da Funai em Campo Grande) então a estava ali perdida né, mas ele me ajudava muito”.

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De lá então, vieram para Cuiabá e depois para residir em carinho que o “Gordo” (José Gonçalo) a visitava e
outras aldeias, onde nasceram os filhos - João Matias, chegava lá dançando, batendo palma conversando,
Nauk, Etane e eu, Naine. Nessa narrativa, minha mãe dando risada, com presente embaixo do braço,
Anita faz o encontro das vidas, e do nascimento de chegava alegre, não ligava para ninguém!
novas vidas, através do amor que mantém pelo seu
cunhado José Gonçalo de Jesus e Maria Sucksdorff que Entrevista realizada por João Matias Costa Dias
lhe acolheu quando chegaram à Cuiabá. Conta com e transcrita por Nayla de Jesus Barbosa.

Aldeia Limão Verde, Aquidauana - MS, década de 1980.

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Anita Leocádia, mãe de Naine Terena.

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Antonio João e Anita Leocadia - Pais de Naine Terena.

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Aldeia Limão Verde, Aquidauana - MS. A filha mais velha de Naine Terena, dança com
outras meninas Terena, a dança do Siputerena (dança das mulheres Terena).

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Aldeia Ipegue, Aquidauana - MS: Naine Terena dança o Siputerena junto à


outras mulheres Terena durante a Grande Assembleia do Povo Terena/2019.

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Álbum de família - infância em Cuiabá.

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Album de familia - mãe e irmãos, infância em Cuiabá.

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2

Tio materno - Anacleto - Festa de São


Sebastião/2019 - Aldeia Ipegue - Aquidauana-MS.

Dos sincretismos: Festa de São Sebastião na aldeia Limão


Verde e Ipegue/MT, realizada pela mãe de Naine Terena.

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Com a professora Tatiana Dias.


Ação entre mulheres Terena durante a
pandemia de 2020. Bolo para a comunidade
escolar, um exemplo de compartilhamento dos
alimentos entre os Terena nas celebrações.

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2

Iracema Barros (in memoriam): Tia materna, que contribuiu


para a constituição de memórias sobre a cosmologia Terena.

‘A vida acontece’ - na comunidade Cruzeiro


(Aldeia Limao Verde), onde mora grande parte
da família materna de Naine, um dos seus
primos, Alécio Gabriel segura seu recém nascido
filho. O nascimento de um novo Terena.

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Niara Terena
2

Soliene Barros, ensina a filha de Naine Terena a trançar uma saia Educação dos sentidos: descascar milho, um ato
de palha, utilizada nas danças Terena - Aldeia Limão Verde - MS. de compartilhamento de atividades cotidianas.

P. 35
Isaac Dias, mentor intelectual de Naine Terena.

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1
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Espetáculo Pout Porri Brasileiro, escrito por Naine Terena p. 37


na década de 1990. Na foto a atriz Fernanda Fachezzo. Grupo de Teatro Vida, no Festival de Teatro de Rua de Cuiabá - Década de 1990.
Naine Terena
Por Antonieta Luisa Costa

Numa tarde calorosa, fui procurada por uma jovem E assim surge Naine Terena, essa grande mulher
de pele morena, cabelos lisos e olhar radiante. Com para mim e para o mundo. Hoje compreendo bem
energia e vontade de construir pontes, alcançar o significado da palavra identidade, como mulher
horizontes talvez jamais pensado por muitas meninas negra que sou, sei o quanto é importante para Naine
iguais à ela de descendência indígena que no preservar sua identidade cultural e do seu povo
momento usava da arte, para ampliar a voz do seu em um país onde o racismo é estrutural, e muitas
povo. Me apresentou seu grupo de teatro, falou dos pessoas ainda não compreenderam que só crescemos
seus projetos, dos seus sonhos e da vontade de fazer com a diversidade. Doutora em educação, artista e
parcerias naquele momento. Eu, muito envolvida pesquisadora, Naine tornou-se referência para todas
com as questões culturais parei, conversei e falei o nós mulheres mostrando, através do seu trabalho, que
quanto era importante pessoas tão jovens fazendo esse nós podemos chegar onde quisermos.
trabalho lindo, de criar através da arte instrumentos de
valorização da vida e de valorização cultural dos povos. VIVA O POVO TERENA!

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Acima, Grupo de Teatro
Vida - Cuiabá/MT. Textos
adaptados e escritos por Naine
Terena: Espetáculo da Raça
e Pout-porri brasileiro.

Ao lado, Cia Teatral Destino da


Terra, dirigida por Tony Bezerra.
Naine Terena era sonoplasta
do grupo em Cuiabá - MT.

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2 2

Ana Cristina
2

Acima, Corpos em movimento - Atividades no Sesc Arsenal (Cuiabá-MT).


Abaixo, oficina Teatro do Oprimido, na Faculdade católica MT e na UFMT (Cuiabá - MT).

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2

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p. 40 e 41
Workshop Memórias de Origem, em
2 parceria com Cleidina Farias (Terena) e
Aline Wendpap (Empreendedora Cultural).

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1

Na comunidade quilombola Mata Cavalo,


objetos de cena do Espetáculo Exetiná
Kopenoty - Histórias indígenas. Objeto
feito pela atriz Juliana Graziela.

p. 42
Alicce Oliveira no
Espetáculo Histórias indígenas.

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1

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O Fazer da Arte de
Naine Terena
Por Jochen Volz
Diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo

Nas últimas décadas, temos olhado para o artista faz não pelo investimento na interdisciplinaridade como
como o cientista, o artista como o viajante, o artista tal, mas pelo fato de que para ela essas categorias,
como o arquiteto, como o educador, o chef, o classificações e separações não existem, nem na vida,
jardineiro ou o artista como o ativista, entre outros, nem no trabalho. Portanto, todas as atividades de
para analisar estratégias e práticas aplicadas por Naine podem ser descritas como seu fazer da arte.
artistas contemporâneos. Mas mesmo que os avanços
Conheci Naine Terena em maio de 2016, quando Júlia
interdisciplinares na produção de arte tenham sido
Rebouças e eu organizamos um programa chamado
dominantes por um tempo, nos últimos anos, ao
Dias de Estudo em Cuiabá como parte da 32ª Bienal
que parece, certas dicotomias que cercaram nosso
de São Paulo. Em 48 horas, conhecemos os vários
pensamento sobre a natureza da arte tornaram-se
chapéus de Naine: em roda de discussão de artistas
irrelevantes: hoje, não tentamos mais entender o
durante um protesto no Instituto do Patrimônio Histórico
que os artistas estão fazendo perguntando se isso é
e Artístico Nacional (IPHAN) de Mato Grosso contra
arte ou design, se arte ou educação, ou se arte ou
a extinção do Ministério da Cultura; caminhamos
ativismo. Em vez disso, compartilhamos a sensação
juntos na Chapada dos Guimarães; presenciamos
de que essas narrativas polarizadoras chegaram
um encontro inesquecível da liderança indígena
ao esgotamento, que não são mais adequadas
Naine Terena com o grande Pajé Álvaro Tukano;
para descrever a complexidade de nossos tempos
conhecemos Naine como mãe e como filha; ouvimos
e estão muito longe de nos permitir imaginar
sua palestra na Faculdade de Comunicação e Artes da
através da arte caminhos alternativos ao futuro.
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), e ela
apresentou uma performance como obra de arte.
Descrevendo-se como curadora, educadora, artista
e pesquisadora, Naine Terena para mim é uma das Especialmente, a performance deixou uma impressão
profissionais mais inspiradoras que transita fluidamente muito profunda em mim e em todos os nossos
entre disciplinas e campos de ativismo e pesquisa. Ela o companheiros de viagem. Equipada com uma simples

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sacola plástica, Naine ficou em frente ao público, ao público uma ampla série de práticas artísticas
dizendo que havia concebido essa performance dez de artistas indígenas contemporâneos. Em seguida,
anos antes, quando esperava viajar para ver a edição encerrou a palestra com uma provocação ao público
de 2006 da Bienal de São Paulo, mas acabou não e à instituição. Ela disse: “Sabemos que artistas de
podendo comparecer. Agora, em 2016, como a Bienal origem indígena sempre estiveram ativos e exploraram
tinha chegado até ela, ela sentiu que era apropriado os mais diversos meios artísticos. Não espere que os
apresentar o trabalho pela primeira vez. Tirou do saco artistas indígenas lhe digam onde e como querem
plástico uma série de chinelas de plástico simples e que suas obras sejam vistas. É um museu como a
usadas e colocou-as cuidadosamente no chão. Ela Pinacoteca que precisa decidir se e como inclui essas
disse que há vários anos colecionava essas sandálias práticas em suas coleções e que narrativas opta por
individuais em sua aldeia Terena, no Mato Grosso do apresentar”. Como resultado de sua apresentação,
Sul, para preservar a alma e a memória de quem as a convidamos a preparar uma mostra sobre Arte
calçou. Ela disse que todas foram usadas por
​​ mulheres. Indígena Contemporânea, que foi realizada na
Ela falou sobre a extinção de indígenas e referiu os 138 Pinacoteca entre outubro de 2020 e março de 2021.
indígenas assassinados no ano de 2014 e os 135 que se
A mostra Véxoa: Nós sabemos, com curadoria de Naine
suicidaram. Naine falou sobre a consciência do passado
Terena, foi a primeira do gênero em uma importante
e, em seguida, convidou várias mulheres da plateia a
instituição de arte brasileira, incluindo obras de 23 artis-
se levantar e calçar os chinelos. Em segundos, muitos
tas ou coletivos de origem indígena, totalmente organiza-
de nós começaram a chorar, a maioria apenas de ver
das por um pesquisador indígena. Véxoa: Nós sabemos
as outras usarem essas sandálias velhas. Mais tarde,
foi concebida num potente diálogo com a coleção da
tentamos entender o que havia acontecido, tentamos
Pinacoteca, evidenciando que há um longo caminho a
contar aos outros sobre isso, sem muito sucesso. Para
percorrer para descolonizar a Coleção Estadual Paulista
mim, pessoal e profissionalmente, essa experiência conta
e as estruturas institucionais do museu. Véxoa: Nós
como uma das minhas mais queridas em um processo
sabemos é o início tardio de um processo que não é
contínuo de aprendizado sobre arte e o fazer da arte.
novo, como Naine nos lembra repetidamente. Com incrí-
Em setembro de 2018, Naine Terena participou do vel sensibilidade e coragem, Naine reuniu um conjunto
Seminário Internacional promovido pela Pinacoteca, muito diverso de práticas artísticas, incluindo várias
intitulado Modos de ver - modos de exibir, que teve obras históricas ou outras, que podem ser comumente
como objetivo discutir a exposição de coleções consideradas como artesanato, como as máscaras
nacionais em museus de arte em um contexto global. preparadas para uso ritual pelos povos Waujá. Véxoa:
O seminário marcou o início de uma reorganização Nós sabemos foi uma exposição que estabelece outros
sistemática da apresentação de longa duração da critérios estéticos profundamente relacionados à contri-
Coleção da Pinacoteca, inaugurada em outubro de buição das nações indígenas no Brasil de hoje e reflete
2020. Naine usou sua apresentação para apresentar imanentemente sobre o papel da arte e do ativismo.

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Entre o primeiro encontro em Cuiabá há quase seis observar como Naine opera, e estou continuamente
anos e a exposição Véxoa: Nós sabemos na Pinacoteca, aprendendo com ela. Ela parece desenvolver suas
Naine tornou-se uma constante interlocutora e amiga atividades na direção oposta de muitos artistas.
minha e de muitos colegas ao longo do caminho. Como dito acima, vimos artistas explorando outros
Sinto-me muito privilegiado por ter havido muitos campos de conhecimento e articulação, o artista
encontros significativos com Naine ao longo dos anos. como educador, o artista como ativista, o artista
Já em 2016, por exemplo, junto com sua mãe Dona como cientista, etc. A estratégia de Naine, em vez
Anita, Naine veio a São Paulo e abençoou efetivamente disso, é ser a acadêmica, a educadora, a curadora,
a 32ª Bienal de São Paulo, intitulada Incerteza Viva. a liderança indígena, a mãe, a jornalista, a ativista
E no início de 2019, viajei com Naine, sua filha Niara como artista. Exatamente pela indissociabilidade da
e seu parceiro Téo para os nevados Alpes suíços para vida e do trabalho, e pela interconectividade entre as
participar do Verbier Art Summit; e como ela estava diferentes formas de conhecimento e entre as inúmeras
lá, Naine aproveitou a oportunidade para falar junto à lutas, Naine parece levar todas para o campo da arte.
artista cubana Tania Bruguera na Comissão de Direitos Aqui, múltiplas disciplinas, linguagens e sistemas de
Humanos da Organização das Nações Unidas sobre conhecimento estão sendo livremente apropriados.
o genocídio em curso dos povos indígenas no Brasil. Dentro da arte, ela é capaz de criar fora do puro
Muitas outras atividades de Naine como professora, pragmatismo e, diferente de outros campos da vida
jornalista, como ativista e líder indígena, como criadora social, a arte aceita e abraça a ambigüidade e a
e pesquisadora, acompanhei com grande interesse contradição, aceita os códigos científicos e simbólicos
por meio das mídias sociais, relatórios e por meio de como complementares e não exclusivos, e se alimenta
sua participação em mesas de discussão, seminários de tentativa e erro. A acadêmica, a educadora, a
e workshops. Naine é uma extraordinária e altamente curadora, a líder indígena, a mãe, a jornalista, a
inspiradora produtora de realidade; ela faz as coisas ativista como artista podem fazer isso; ela naturalmente
acontecerem. Para mim, tem sido muito interessante junta o pensar com o fazer, a reflexão com a ação.

Páginas 50, 51,52 e 54


Obras Antes o mundo não existira, realizadas durante a residência artística
no Museu do índio da UFU - Curadoria Kássia Borges - 2020.

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2

Instalação Quem roubou essas memórias?

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2

Instalação Quem roubou essas memórias?

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1

1 1

Obra “Prosperidade”, Largo da Batata, 2019. A obra foi uma das cinco premiadas da 9a Mostra 3M de artes.

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3 3

Participação em Verbier Art Summit, Suíça 2019. ©Alpimages - Fleur Gerritsen

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Com a artista Cubana
1
Tania Bruguera na
ONU/Suíça 2019.

Com Jochen Volz e Fernanda Pitta


na Pinacoteca de SP - 2020.

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Abertura da Exposição Véxoa, nós sabemos, na Pinacoteca de SP - 2020. Divulgação Véxoa

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1

Em Nova York, (2019), como uma das finalistas do Jane Lombard Prize for Art and
Social Justice, oferecido pelo Vera List Center for Art and Politics, de Nova York (EUA).

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2 2

2 2

Vídeo Instalação Câmera de Segurança,


Criação Téo de Miranda e Naine Terena. p. 61- Movimento indígena brasileiro - Brasília - DF.

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Moacir Francisco
Soilo Chue

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2 2

Marcha das Mulheres indígenas - Brasília 2019.

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2

Marcha das Mulheres indígenas - Brasília 2019.

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Divulgação Perfídia

Residência Casa de memórias no Festival Perfídia / 2019 - Bairro da Luz - SP.


A artista Naine Terena foi selecionada para realizar a residência durante o evento.

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Divulgação Perfídia

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2

Objeto criado para a Mostra Guaná,


do SESC Arsenal em Cuiabá.

Com a produtora Cultural Magna Domingos


(in memorian), parceira em diversas ações culturais.

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Anaye Chinelato

Apresentação de projeto de pesquisa/ação/artística na Unicamp como parte da programação dos Seminários


de Permanência indígena. A Unicamp iniciou a recepção de indígenas a partir de 2018/2019.

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O Livro dos novos dias
Por Pedro Mutzenberg Filho

Registrar o momento para além da vida e tornar no mundo on-line foi uma das poucas alegrias
as memórias mais duradouras que o próprio corpo que este ano proporcionou. As incontáveis lives,
é como vencer a morte. E é o tempo, elemento mesas de debate e rodas de conversa foram como
que vence a morte, responsável por construir a sementes lançadas em um descampado virtual.
ponte da máquina de roubar almas à máquina de
Afinal, para além da difusão ao vivo daqueles
registrar memórias. Afinal, se antes o tempo era
diálogos, os registros permanecem gravados
de receio e temor pela máquina, hoje esta é mais
e, assim como sementes, devem germinar em
uma ferramenta que registra e perpetua a própria
momento propício. Os povos indígenas estão
existência através das memórias gravadas.
manejando desse modo, pouco a pouco, uma
Em geral, os processos de manutenção das culturas floresta virtual de memórias e saberes, como
indígenas foram vários e possuem diversos momentos, uma biblioteca oral. Com eles no comando das
porém o agora é singular. Enquanto era dito por máquinas de registrar memórias, dispondo do
alguns que os indígenas e suas culturas seriam modo como se expressam e o que registram.
extintos pela mudança dos tempos, desenvolvia-se Sem haver possibilidades, portanto, destas
nas aldeias um “processo de adaptação, assimilação máquinas roubarem também suas almas.
e apropriação de elementos da cultura não indígena
Da máquina de roubar almas à máquina de
com o intuito de manter os costumes”, como disse
registrar memórias fala do tempo que passou para
Naine Terena. Portanto, a tecnologia hoje é aliada
o tempo que passará. Do tempo pré-pandêmico,
ao registrar e compartilhar os valores e tradições
em que os registros ainda eram poucos, esparsos
indígenas, seja para que seus jovens perpetuem
e um tanto receosos; ao tempo em que estes
estes elementos às outras gerações, ou mesmo para
registros minam como água de qualquer
colaborar com o entendimento dos não-indígenas,
webcam disponível, mesmo em um cenário
ampliando sua compreensão e o respeito com o outro.
doméstico e com a conexão instável. No tempo
Sobretudo em 2020, quando o confinamento em razão em que de qualquer modo é necessário falar e
da pandemia de Covid-19 aldeou os povos, a internet - registrar, pela urgência do cenário, pelos anos de
na medida do possível - não os isolou. Pelo contrário, o silenciamento e pela instabilidade do futuro.
exponencial aumento no compartilhamento de saberes

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Lives
08/03/2019 - Verbier Art Summit. “Naine Terena Talk”. https://www.youtube.com/watch?v=HEJ2CeOJYE4

17/04/2020 - Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR. “Naine Terena traz reflexões sobre
Curadoria - #AbrilIndigenaUFPR2020”. https://www.youtube.com/watch?v=687hYVUNfxk

20/04/2020 - Jornalistas Livres. “A década da Arte Indígena Contemporânea”, com


os artistas Jaider Esbell, Denilson Baniwa e Naine Terena e com mediação de Daiara
Tukano. https://www.facebook.com/jornalistaslivres/posts/1733512066772663

20/06/2020 - Pinacoteca de São Paulo. “#PinaLive​Conversa com Naine


Terena”. https://www.youtube.com/watch?v=ze4i3Gznvg4

08/07/2020 - Cultura em Casa. “Diálogos Necessários”, com Naine Terena e João


Cezar de Castro Rocha. https://www.youtube.com/watch?v=Kk3oJP6sg4k

21/08/2020 - Prêmio Pipa para Isael Maxakali (@isaelmaxakali). “Processos de produção e de criação
indígenas”, com Naine Terena e Idjahure Kadiwel. https://www.instagram.com/tv/CEK1OKEHbQC/

27/08/2020 - Live de lançamento da campanha SOS Filhas do Pantanal e Cerrado.


https://www.facebook.com/indigenasMT/videos/819905102113463

02/10/2020 - Museu de Arte Sacra de Mato Grosso. “Cine Debate - Exibição e debate sobre
o filme documentário O Índio Velho Memória Ancestral”, com Naine Terena e Marcos Terena.
https://www.facebook.com/museudeartesacramt/videos/668659277397808

21/10/2020 - 17º Encontro de Escritores Indígenas. “Empreendedores da cultura indígena”, com mediação de Kaká
Werá e participação de Naine Terena, Aline Rochedo Pachamama e Anápuàka Muniz Tupinambá Hã hã hãe.

26/10/2020 - Uni-versos em Tempos de Pandemia: Conversa ao vivo com os artistas Naine Terena, Ibã Sales
Hunikuin, Denilson Baniwa e Yermollay Caripoune, convidados da Residência Artística Indígena promovida pelo
Museu do Índio da UFU, mediada por Kássia Borges. https://www.youtube.com/watch?v=oevNbL2-6HI

10/11/2020 - 1 curadorx, 1 hora: Naine Terena. https://www.youtube.com/watch?v=2wCSFKMrqyc

12/11/2020 - #VitrineIndica A Febre. Live com Myrupu, Rosa Peixoto e mediação de Naine Terena.

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19/11/2020 - Debate TV Folha. “Deslocamentos e Conexão Entre Mundos”, com mediação do jornalista Leão
Serva e participação do do escritor e ambientalista Ailton Krenak, do sociólogo Laymert Garcia dos Santos
e da comunicadora Naine Terena. https://www.youtube.com/watch?v=5h138JYQuyo&feature=emb_title

24/11/2020 - VIII Jornada de Educação e Relações Étnico-Raciais (Museu de Arte do Rio). Mesa
“Educação, mídias e práticas de enfrentamento ao racismo”, com os professores Janaína de Azevedo
Corenza (IFRJ), Naine Terena (PUC-SP) e Renato Noguera (UFRRJ). Sob a mediação do coordenador
de educação do MAR, Hugo Oliveira. https://www.youtube.com/watch?v=mkxLDFiAQS0

26/11/2020 - CEDIPP - DIVERSITAS FFLCH - ECA / USP Disciplina de Pensamento Ameríndio.


“Naine Terena e Fernanda Pitta”. https://www.youtube.com/watch?v=6tqgGEB_-z0

02/12/2020 - Pinacoteca de São Paulo. “As artes indígenas e as culturas de resistência”, com Ailton Krenak,
Daniel Munduruku, Naine Terena e Jamille Pinheiro Dias. https://www.youtube.com/watch?v=ml7FMPXWwCo

09/12/2020 - The Clark Art Institute. “Indigenous Art and Art Collections in Brazil”
with Naine Terena. https://www.youtube.com/watch?v=u4Zx7L37RrA

14/12/2020 - Encontro Temático Complexo Sul: Museu, teatro e história. Com a participação de Alexander Kellner,
Luciara Ribeiro, Naine Terena e mediação de Daniele Avila Small. https://www.youtube.com/watch?v=eY7SIrFA0Ec

13/01/2020 - Pinacoteca de São Paulo. “Mulheres artistas indígenas: questões de gênero na produção
e reconhecimento”, com Anarrory Yudjá, Daiara Tukano, Kaya Agari e Yone Terena e mediação
de Naine Terena e Jamille Pinheiro Dias. https://www.youtube.com/watch?v=MtuFcD2L9JE

04/02/2021 - Sao Paolo Debate + live Q&A, 2021 Verbier Art Summit, com Naine Terena,
Jochen Voz e Djamila Ribeiro. https://www.youtube.com/watch?v=YipCpniOuls&feature=youtu.be

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1
ISBN: 978-65-87418-13-1

www.editorasustentavel.com.br

A obra é uma homenagem à mestra da Cultura Mato-grossense Naine


Terena de Jesus, reconhecida através da Lei Aldir Blanc. Está composta
por cinco capítulos, os dois primeiros fazem um resgate histórico das
famílias paterna e materna de Naine, documentando sua ancestralidade
dos povos originários, traçando a linhagem paterna e suas raízes, assim
como a linhagem materna e os antepassados do povo Terena.
Os capítulos três, quatro e cinco, trazem respectivamente: o percurso
da vida artística de Naine, desde a sua adolescência, marcada pela
afirmação étnica e valorização das culturas tradicionais através do
teatro; sua produção artística e curadoria da histórica exposição Véxoa:
Nós sabemos, na Pinacoteca (SP); e sua intensa atuação nas redes
digitais na utilização das novas mídias como ferramenta de resistência
e de diálogo entre conhecimentos contemporâneos e ancestrais.

www.oraculocomunica.eco.br/naineterena

Projeto Cultural “Da Maquina de Roubar Almas à Maquina de Registrar Memórias”, aprovado pelo Fundo Estadual de Cultura de Mato Grosso da lei Aldir
Blanc, conforme Edital de Seleção Pública nº 04/2020/SECEL/MT:”Conexão Mestres da Cultura” Marilia Beatriz de Figueiredo Leite.

Realização

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