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Material didático para estudo da história indígena na escola regular

FERNANDES, Antonia Terra de Calazans1

GRD no. 14 – Ensino de História Indígena


Resumo
O texto apresenta a experiência da produção de material didático para estudo da história indígena na
escola regular, através de projetos envolvendo alunos da graduação e pós-graduação, com a intenção de
evidenciar o protagonismo indígena na história brasileira, escolhendo como metodologia a leitura e
análise de documentos históricos. O projeto procura atender a Lei 11.645/08, que estabeleceu a
obrigatoriedade do estudo da história indígena na escola, com a responsabilidade de rever a história
ensinada. Para tanto, são produzidos Kits didáticos, com uso de documentos históricos, disponibilizados
no site do LEMAD – FFLCH/USP. São materiais compostos de documentos históricos de diversas
tipologias (cartas, pinturas, jornais, imagens, mapas, entre outros), que no seu conjunto compõem uma
problemática histórica a ser analisada; um texto de orientação e contextualização direcionado ao
professor; e sugestões de questões para orientar leitura e análise dos documentos pelos estudantes. Esses
materiais têm sido utilizados no ensino fundamental e médio, em cursinhos pré-vestibular e na formação
de professores, com bons resultados.

Introdução
As populações indígenas estavam aqui quando chegaram os europeus e permaneceram
aqui vivenciando os contatos, defendendo seu território, combatendo as imposições arbitrárias ou
fazendo alianças ao longo dos quinhentos anos. Mas, a presença indígena na história brasileira
tem sido pouco estudada nas escolas, o que pode ser explicado, em parte, por conta de os
currículos (sustentados no diálogo com a historiografia tradicional) priorizarem a trajetória do
colonizador no continente americano, suas conquistas e o processo de estruturação do estado
nacional. A escola carece, assim, de material didático que possibilite outras abordagens,
iluminando a presença dos povos indígenas nos contextos históricos, seja evidenciando as
manobras dos colonizadores, ou demonstrando como as ações de resistência e luta pela
sobrevivência foram sendo concretizadas, interferindo nos acontecimentos ao longo dos séculos.
No Brasil colonial, por exemplo, as nações europeias disputavam domínio sobre o 1
território brasileiro. Estiveram aqui portugueses, franceses, ingleses, espanhóis, holandeses, em
diferentes regiões e circunstâncias. Na região do Maranhão, os franceses se empenharam em

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Profa. Dra. do Departamento de História da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de
São Paulo e coordenadora do Laboratório de Ensino e Material Didático – LEMAD-História/FFLCH/USP.
fazer aliança com os Tupinambá, que tinham, anteriormente, vivenciado experiências
conflituosas com os portugueses. Foi nesse contexto em que o padre capuchinho Claude
Abbeville chegou ao Brasil (1612) e conheceu os Tupinambá. Publicou sua obra em 1614 e nela
encontramos várias passagens salientando as discórdias entre indígenas e portugueses.
Esse é um trecho da obra:

[...] Em primeiro lugar, é preciso saber que os índios do Maranhão julgam


existir para o lado do Trópico de Capricórnio um belo país a que chamam
Caetê, floresta grande, porque aí existe grande quantidade de matas e de
florestas e de árvores de incrível grossura e admirável altura; aí habitaram eles
no passado. E, por serem considerados os mais valentes e os maiores guerreiros,
usavam o nome de tupinambá, que conservaram até agora.
Apoderando-se os portugueses dessa região de Caetê, quiseram também sujeitar
os habitantes a suas leis. Os tupinambás, porém, são livres por natureza e
inimigos da sujeição; por isso, preferiram abandonar o seu próprio país a se
entregarem aos portugueses. Assim fizeram, embrenhando-se nos matos e nas
mais recônditas florestas. [...]
[...] Jamais desistem de trabalhar naquilo a que estão habituados. E o mesmo
ocorre com os homens que com a mesma coragem, ou mais se possível, se
entregam às tarefas mais penosas e difíceis como se continuassem na flor dos
anos, o que muito contribui para a sua saúde [...]. (D’ABBEVILLE, p. 208,
212).

Nesse texto selecionado, Abbeville conta que os lusos se apoderaram de parte da floresta
onde viviam os Tupinambá. Relata que os nativos optaram por serem livres e não se submeterem
aos portugueses. O autor valoriza, então, o comportamento dos Tupinambá como valentes,
guerreiros, livres e inimigos da sujeição. De algum modo, os elogios atendiam aos interesses
franceses, já que a intenção era que os indígenas fossem seus aliados contra os portugueses. Mas,
ao mesmo tempo, conta a escolha dos Tupinambá – deixar seu território. Essa era uma atitude de
como enfrentar o problema da expansão colonial. Nessa perspectiva, abandonar a floresta pode
ser entendida como uma ação de resistência, negação ou sobrevivência, escolhida diante da
conjuntura.
As situações vividas pelos povos indígenas no Brasil têm sido muito difíceis, diante das 2
políticas de invasão de suas terras e imposição de outro modo de vida. Essas situações eram mais
complexas no período colonial, tendo cada indivíduo, aldeia ou povo ter que encontrar
alternativas de luta, negociação e sobrevivência. É sobre algumas dessas formas de luta, que
conceituamos como protagonismo indígena, que foi organizada uma seleção de documentos dos
séculos XVII e XVIII. As fontes escolhidas contam como, em diferentes ocasiões, os povos
indígenas enfrentaram as dificuldades impostas pelo mundo colonial. A intenção é oferecer aos
professores e estudantes essa seleção documental como material didático para o ensino de
História.

Resistências Indígenas
O trecho do padre Abbeville, reproduzido acima, inicia o que denominamos de kit
didático, que possui como título “Trabalho e Resistências Indígenas na América Portuguesa”.
Nesse kit, além do texto do capuchinho francês, apresentamos mais seis documentos, que foram
pesquisados com o auxílio da historiadora Luma Ribeiro Prado, na época mestranda da História
Social da FFLCH/USP, estudiosa das lutas indígenas no Maranhão, que atuou como monitora do
Programa de Formação de Professores da USP. A proposta desse kit é oferecer a leitura dessas
fontes documentais analisando as legislações portuguesas que regularam os aldeamentos (1686)
e, posteriormente, os diretórios (1755) e as manifestações de resistências indígenas.
Assim, um dos documentos é trecho do “Regimento das Missões de 1686”, que
organizava os indígenas em um sistema de aldeamentos, administrados por padres. Os
missionários tinham como função manter povoados os territórios dominados pelos portugueses e
submeter os indígenas a jornadas de trabalho, seja nas fazendas dos moradores, nas entradas no
sertão ou em serviços públicos. Além disso, a política de aldeamentos tinha por finalidade
convertê-los à cultura não-indígena e, consequentemente, evitar conflitos entre eles e os agentes
coloniais – missionários ou colonos. Todavia, os conflitos emergiam diante das imposições
portuguesas. E é isso que identificamos em um documento de 1726 – “Certidão de justificação
do missionário carmelita Frei Timóteo de Santa Bárbara” –, que está como anexo de um
despacho em resposta do Conselho Ultramarino à carta do governador do Maranhão, sobre a
conservação da liberdade de alguns indígenas dos sertões do Amazonas. Nessa certidão, o padre
carmelita conta a história da índia Inês, que morava na Missão de Nossa Senhora do Carmo de
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Yruçumirim e depois na de Santana de Paratari. No relato, ficamos sabendo que Inês fugiu das
duas missões e que em uma delas eclodiu uma revolta dos aldeados. Então, com esse e outros
documentos propomos aos estudantes debater as estratégias de resistências, revoltas e fugas,
possivelmente por conta das condições de vida e de trabalho que os indígenas enfrentavam nos
aldeamentos.
A resistência à escravidão também ocorria através de petições institucionais. E uma
seleção desses documentos compõem o kit didático “Mão de obra na colonização portuguesa na
Amazônia no século XVIII e impasses na sobrevivência indígena”. A proposta sugere a leitura
dos documentos, com a identificação do tipo de fonte, a autoria, data, destinatário, o que estava
sendo solicitado, a argumentação defendida, quem era beneficiado, quem julgou a petição, o
poder de quem prevaleceu, etc... E, na confrontação das petições, há a proposição para avaliar o
que havia de comum entre aqueles que as apresentavam, quem as julgavam, quem eram os
beneficiados e qual história pode ser organizada como decorrência da análise do conjunto das
fontes. Entre as histórias que delas decorrem, há os indícios das condições ilícitas da
escravização, através das denúncias de sua ilegalidade, junto com as solicitações de liberdade,
encaminhadas aos tribunais das “juntas de missões”, às ouvidorias ou mesmo ao rei. Por
exemplo, uma das petições para análise é a da Índia Maria, que afirmava ser injusto seu
cativeiro, ganhando sua liberdade, já que no documento há o relato de que seus escravizadores
não apresentaram o título que comprovasse outra condição.

E logo no mesmo dia, propôs o dito Governador e Capitão General do Estado


uma petição da Índia Maria, fosse justo ou injusto seu título de cativeiro,
contendo ultimamente Izabel Pereira Donna Viúva e João Barbosa da
Costa, ambos dessa cidade, e propôs justamente os autos da dita Contenda,
pelos quais se não mostra, nem justifica legítimo cativeiro da dita Índia
Maria, que antes se prova ser feita contra as leis de Sua Majestade e
assim ela fica livre na forma da dita lei e que sendo visto nesta mesma Junta
pelos ditos ministros, que votaram uniformemente e assentaram ser a dita Índia
forra e Livre, e como tal podia servir a quem quisesse. - Termo de Junta de
Missões do Maranhão [27/02/1726]. Códice 10 (1720-1726), Arquivo Público
do Estado do Pará (APEP), s.p.

Escravidão indígena 4
Um outro Kit Didático, que recebe o título “Escravização indígena e ocupação de terras
na Amazônia portuguesa no século XVIII”, organizado por nosso grupo de estudo no
Laboratório de Ensino e Material Didático – LEMAD/FFLCH/USP, propõe dois documentos
que contribuem para debater as práticas ilegais diante da legislação portuguesa de 1688, que
além de instituir os aldeamentos, também fazia referência à “guerra justa”, que permitia
escravizar os nativos quando ocorriam conflitos e resistências à presença lusa e de seus aliados,
nas situações de aproximação e de contato. Um dos documentos é, então, uma carta escrita por
Francisco Xavier de Mendonça Furtado, à época governador e capitão-general do estado do
Grão-Pará e Maranhão, que foi destinada ao seu irmão, Marquês de Pombal, Secretário de
Estado da coroa portuguesa.
A carta, datada de 10 de novembro de 1752, denunciava a ilegalidade prática de
escravização indígena na Amazônia portuguesa. Francisco Xavier de Mendonça Furtado contava
ao irmão que, contrariando a lei de 1688, as tropas de resgate enviadas ao sertão, que tinham
autorização para capturar gentios por meio de guerras defensivas e ofensivas, sem a única
intenção de vende-los, estavam na verdade capturando-os a partir de estratégias ilícitas.
Afirmava que, um dos meios, era a pressão que as tropas faziam nos chefes indígenas para
declararem guerra e aprisionarem gentis de outras aldeias, para depois trocarem esses
prisioneiros por poucas “bagatelas”, transformando-os em escravos, para serem comercializados
como mão de obra. Outro meio era enganar alguns povos e, com algum pretexto de amizade,
pegá-los desprevenidos, aprisioná-los e levá-los para vender no arraial. Quando os capturados
iam ser julgados livres ou escravos por um missionário, responsável por avaliar a legalidade de
sua condição, eram então coagidos violentamente a responderem o que seus captores
determinavam. Então, no exame eram julgados como legalmente cativos, sendo os padres
examinadores coniventes com a ilegalidade. Desse modo, dizia na carta, que havia uma grande
quantidade de indígenas escravizados que eram verdadeiramente livres, provocando relações de
ódio aos portugueses, incentivando-os a buscar proteção a outras nações, que tendiam a expandir
seus territórios, enquanto os domínios portugueses diminuíam, já que as terras nas Américas
eram garantidas por meio de alianças com os povos indígenas.
A proposta de leitura e análise dessa carta favorece estudos escolares de como eram as
leis e os comportamentos durante o processo de colonização portuguesa no Brasil, no Grão-Pará
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e Maranhão, em relação às populações indígenas: as tropas de resgate, os mecanismos de
imposição da escravidão indígena, o emprego da mão de obra indígena como força de trabalho e
o envolvimento dos padres missionários no cruel processo de escravização.
Nesse mesmo kit, como segundo documento para confrontação, há o texto do “Diretório
dos Índios”, de 1755, conhecido como parte das “reformas pombalinas”, que, por um lado,
estabeleceu a liberdade dos nativos, mas, por outro, impingiu a condição dos índios como
tutelados, não mais pelos padres e sim pelo Estado. A intenção é debater na escola como a
mudança na legislação seguiu uma nova orientação que permanecia incluindo os povos indígenas
no projeto colonial. Ou seja, estabeleceu um outro padrão de trabalho e convivência dos
indígenas na sociedade brasileira, incentivando a produção dos nativos para o comércio,
estabelecendo vilas no lugar dos aldeamentos sob administração de diretores e o estímulo ao
casamento entre índios e não-índios. Na conjuntura macro, a legislação reorientou o projeto luso
no Brasil: o comércio passou a ser elemento central para efetivação de um mercado interno,
incentivou a ocupação das terras e transformou os territórios dos povos indígenas, aliados e
súditos, em domínio português.

Moradores da Amazônia diante dos depredadores


A ocupação da Amazônia pela população indígena e a política desenvolvimentista do
século XX são as problemáticas de dois kits didáticos, que se complementam. O título geral que
os integra é “Usos, Projetos e Representações da Floresta Amazônica - Séculos XVI ao XX”,
sendo que a parte I, é denominada “Entre o Obscuro e o Conhecido: A Floresta, Seus Habitantes
e os Exploradores” e a parte II “A Destruição Chamada Desenvolvimento”.
Os documentos selecionados procuram apresentar o reconhecimento de que a floresta
sempre foi habitada pelas populações indígenas. E, para isso, são transcritos os relatos de
viajantes que nela penetraram e sinalizaram o contato com diferentes povos, como Gaspar de
Carvajal no século XVI, Jean Louis Rodolph Agassiz e Hércules Florence no século XIX e o
Marechal Rondon no século XX. Contudo, algumas representações construídas para a floresta,
no século passado, afirmavam que era um território natural “vazio” e “desabitado”.
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Nessa perspectiva, de negação da presença e da ocupação dos territórios pelas populações
indígenas na Amazônia, as políticas governamentais durante o período da ditadura civil e militar
brasileira, mais especificamente durante o governo Médici (1969-1974), projetou ações fundadas
na ideia de integração da floresta ao território nacional, por meio ações econômicas
desenvolvimentistas, como a construção da Rodovia Transamazônica (BR - 230), na década de
1970, uma obra com mais de 4000 km de extensão, cortando grande parte da floresta.
Apresentamos, então, entre os documentos para análise pelos estudantes, uma propaganda do
Departamento de Estradas de Rodagem do Amazonas, com o título “O inferno está acabando”,
publicada na Revista “Realidade” de 1970.

“Senhores paulistas, cariocas, gaúchos, paranaenses, fluminenses, mineiros,


baianos, pernambucanos e todos os outros senhores brasileiros. Façam o favor,
olhem a fotografia que ilustra este anúncio. É uma estrada. Uma estrada acerta
na selva amazônica. Mais precisamente, a BR-319, Manaus-Porto velho. O
Departamento de Estada de Rodagem do Amazonas está mandando abrir esta
estrada. Dentro de pouco tempo, ela estará pronta. Dentro de mais algum tempo,
alguns meses, estará asfaltada. Seria impossível para o Estado do Amazonas
arcar com esta obra sozinho. É por isso que ele conta com a ajuda e o interesse
do DNER, para acabar com o inferno verde.”

A política de intervir e de mudar a floresta e o modo de vida na Amazônia foi justificada


a partir do discurso do vazio demográfico, da concepção de que ela era um verdadeiro “inferno
verde”, um território desconhecido, perigoso, subdesenvolvido e dissociado do Brasil. O projeto
do governo era, então, descobri-la, colonizá-la e possibilitar sua exploração. Como
consequência, a construção das estradas resultou no genocídio de povos indígenas,
desapropriações de seus territórios, além de danos ambientais, sobretudo em consequência do
desmatamento.
Para promover debates sobre as consequências dessa política da década de 1970, pelo
governo militar, apresentamos, no kit, um artigo do jornal O Estado de S. Paulo, de 1970, sobre o
outro lado da moeda do progresso: a devastação do meio ambiente. E incluímos como
documento também transcrição de falas de lideranças Panará (Krain-a-Kore), povo atingido
diretamente pela construção da estrada, presente no vídeo “De volta à terra boa”, da série “Vídeo
nas Aldeias”.
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Antes não tinha branco nas nossas terras. Não sei quem mandou eles pra cá. Eu
quero que vocês me digam quem fez isso. Pode dizer o nome, eu quero saber
quem foi. É isso que eu estou querendo descobrir. Eu estou vivendo sem
floresta e por isso eu não vou me calar. Vocês, brancos precisam pagar pelo que
vocês fizeram. Por que vocês não nos deixam em paz? Por que vocês acabaram
com a minha terra? Vocês acabaram com tudo: os cheiros bons, as coisas
gostosas. Isso me faz raiva. Por isso digo essas coisas, os brancos precisam
pagar pelo que fizeram. Eu já disse o que tinha que dizer. Ainda estou com raiva
pela terra boa que eu perdi, era pra eu estar morando lá. ... Ouvimos barulho de
carro. Quando o carro começou a chegar, nós começamos a adoecer. Antes da
estrada nós não adoecíamos.... As doenças eram diferentes, por isso que não
sabíamos tratar. O pajé já não conseguia tratar mais nada.... - “De volta à terra
boa”, série “Vídeo nas Aldeias”. (CORREA & CARELLI, 2008).
Incluímos, na sequência, documentos contando como os Panará lutaram e conseguiram
voltar para seu território original, demarcando suas terras, respaldados pelos direitos indígenas
garantidos pela Constituição de 1988.

Luta por direitos indígenas


Uma outra seleção de documentos apresenta a questão indígena na década de 1970, no kit
que recebe o título “A luta por direitos indígenas no período da ditadura civil militar brasileira
(1964 – 1985)”. O kit possui dois documentos: o cartaz do “Ato Público contra a falsa
emancipação das comunidades indígenas – 1978”, com texto do manifesto dos antropólogos; e o
capítulo VIII (Dos Índios) da Constituição Federal de 1988.
Na década de 1970, o regime militar implantou uma política de expansão agrícola nas
regiões norte e centro-oeste, por meio do Plano Nacional de Integração (PIN) de 1970. A ação do
governo era a integração nacional com abertura de estradas, particularmente a Transamazônica e
a BR 163, de Cuiabá a Santarém. Para a consecução de tal programa, a Funai, órgão responsável
oficialmente pela tutela dos índios, criada em 1967, firmou convênio com a Superintendência de
Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) em 1970 e se tornou a executora de uma política de
contato, atração e remoção de índios de seus territórios em benefício das estradas e da ocupação
por colonos e grandes proprietários de terras. Nessa época, os indígenas eram tutelados pelo
Estado, ou seja, não eram considerados cidadãos com os mesmos direitos e deveres da sociedade
civil não-índia. Quem os representava na vida civil era o Estado, que tinha também o dever de
proteger o direito às suas terras, para a manutenção de seus modos de vida. A proposta do
governo militar, porém, era mudar a política vigente, e emancipa-los, o que significaria o fim da 8
garantia de seus direitos.
Nesse contexto, os antropólogos eram contra a emancipação, porque isso significava
isentar o Estado de suas responsabilidades, e entregar as terras indígenas aos grandes
latifundiários. E acusavam o Estado, até aquele momento, de não terem cumprido com suas
obrigações estabelecidas pelo Estatuto do Índio de 1973, que implementava a tutela indígena. Foi
nessa conjuntura que ocorreu o ato público convocado pelo cartaz, criticando o encaminhamento
do governo de assimilação dos indígenas à sociedade brasileira não-índia, através de um
processo de emancipação. O cartaz é, então, apresentado como um documento daquela época,
que deve ser questionado para ser possível identificar os argumentos dos antropólogos,
contestando o projeto do governo, e quais eram as ideias defendidas pelo Estado para
desqualificar o direito de posse das terras indígenas.
O segundo documento desse kit, a Constituição de 1988, possibilita debater a luta dos
povos indígenas para defenderem seus direitos. A leitura da lei é importante como um material
para sensibilizar os estudantes a respeito dos direitos dos povos de serem o que são e o que
acreditam que devam ser. A lei é um grande avanço para consolidação de uma nação
democrática, por reconhecer como legítima a organização social, os costumes, as línguas,
crenças e tradições de cada povo. E, institucionalmente, é fundamental por estabelecer os direitos
indígenas, como o direito à manutenção de suas tradições culturais, o direito originário à posse e
ao uso de suas terras, devendo a União demarcá-las, para disporem de seus territórios de acordo
com seus próprios modos de vida.

Conclusões
A proposta desse texto foi apresentar o esforço de organização de materiais didáticos,
para disponibilizar aos estudantes e professores, alguns contextos históricos que podem ser
estudados na escola, priorizando a história indígena, partindo de uma metodologia que se
sustenta na seleção de documentos, com sugestões de questionamentos e confrontações, para a
organização de narrativas históricas. A finalidade desse trabalho procura atender o que a
antropóloga Manuela Carneiro da Cunha tem defendido em relação aos povos indígenas:

Os índios... têm futuro: e portanto têm passado. Ou seja, o interesse pelo


passado dos povos indígenas, hoje, não é dissociável da percepção de que eles 9
serão parte do nosso futuro. A sua presença crescente na arena política nacional
e internacional, sua também crescente utilização dos mecanismos jurídicos na
defesa de seus direitos tornam a história indígena importante politicamente. Os
direitos dos índios à terra, diz a Constituição, são históricos, e a história adquire
uma imediata utilidade quando se trata de provar a ocupação. Mas ela tem
também um caráter de resgate de dignidade que não se pode esquecer.
(CUNHA, p. 127).
Kits Didáticos
LEMAD. Laboratório de Ensino e Material Didático. História, FFLCH/USP. Disponível em:
http://lemad.fflch.usp.br/kits-didaticos, acesso em: 02/11/2020.

Documentos
D’ABBEVILLE, Claude. História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão
e terras circunvizinhas. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1975.
CORRÊA, Mari e CARELLI Vicente. “De volta à terra boa”, série “Vídeo nas Aldeias”, 2008 -
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=KwXKuOSHE5k>. Acesso em: 04 nov.
2020.
DNER. O inferno está acabando. Departamento de Estradas de Rodagem do Amazonas.
Revista Realidade, Suplemento Especial. Editora Abril, Julho, 1970, p. 49.

Referência bibliográfica
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: FGV
Editora, 2010.
CUNHA, Manuela Carneiro da. Cultura com aspas. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
FERNANDES, Antonia Terra de Calazans. Ensino de história e a questão indígena. Revista
História Hoje, v. 1, p. 255-266, 2013. Disponível em:
https://rhhj.anpuh.org/RHHJ/article/view/51, acesso em: 02 nov. 2020.
PRADO, Luma Ribeiro. Cativos Litigantes: demandas indígenas por liberdade na Amazônia
portuguesa – 1706 – 1759. Dissertação de mestrado em História Social, FFLCH/USP, 2019.
Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-19122019-162652/pt-
br.php, acesso em: 02 nov. 2020.

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