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RESUMO
Esta pesquisa, inicialmente, partiu da seguinte discussão: É possível afirmar que, o fato de
grande parte dos integrantes da Tropicália, oriundos do Nordeste, terem se fixado em São
Paulo por volta de 1965, foi um dos grandes motivos a desencadear a formação deste
movimento, atingindo uma repercussão histórica nacional e internacional? Diversos autores
como Favaretto (1979), Calado (1995 e 1997), Naves (2001), Basualdo (2007), Campos
(2008), Dunn (2009), Cord (2011), entre outros, já defenderam inúmeras razões para a
eclosão do tropicalismo, no entanto, busquei focar no fenômeno da migração de seus
integrantes como um dos motivos a contribuir para a incorporação de elementos e para
consolidação deste movimento. Destaco que, nenhum destes autores, apesar de terem citado
este deslocamento geográfico, focou neste ponto como um fator de grande relevância. A partir
desta discussão, também surgiram outras questões, como: Quais motivos trouxeram os
tropicalistas para São Paulo? Como os tropicalistas adaptaram a poesia e a música de caráter
mais “tradicional” nordestina, às influências musicais e poéticas “modernas”, de vanguarda,
em São Paulo? Como conclusão, acredito ser possível a afirmação de que a Tropicália foi um
movimento que refletiu um momento social, inserido neste processo migratório do nordeste
para o sudeste brasileiro, ocorrido entre os anos 1950 e 1980, com o desenvolvimento
industrial desta última região. Além disso, também destaco a importância da vinda para esta
cidade, no sentido de proporcionar um convívio de culturas distintas e uma posterior síntese,
com a consolidação das ideias e das complexas sonoridades da Tropicália.
ABSTRACT
This research was based on the following discussion: It is possible to say that the fact of most
Tropicália members, from the Northeast, have settled in São Paulo in 1965, was one of great
reasons to trigger the formation of this movement, reaching a historical national and
international repercussions? Several authors as Favaretto (1979), Calado (1995 and 1997),
Naves (2001), Basualdo (2007), Campos (2008), Dunn (2009), Cord (2011), among others,
have argued numerous reasons for the outbreak of Tropicalism, nevertheless, this research
focuses on the migration phenomenon of its members as one of the reasons contributing to the
incorporation of elements and to consolidate this movement. Other discussions have also
emerged: What reasons brought the tropicalists to Sao Paulo? How tropicalists adapted their
"traditional" Northeastern poetry and music, to the "modern" poetic and musical influences in
Sao Paulo? It is concluded that Tropicália was a movement that reflected a social moment,
inserted in this migration process of Brazil, occurred between 1950 and 1980, with the
industrial development of southeast region. Furthermore, coming to this city provided a
dialogue of different cultures and a subsequent synthesis with the consolidation of ideas and
complex sonorities of Tropicália.
1 Estamos priorizando o Estado da Bahia ao tratarmos dos tropicalistas, pois, dos integrantes de
origem nordestina que compuseram este movimento, a grande maioria é baiana, com exceção de
Torquato Neto, que é de Teresina, Piauí.
trabalhadores também desempenhavam papéis como a abertura de matas para o plantio ou a
pecuária, ligadas ao surgimento de novas fazendas. (Ferrari, 2005, p. 70)
Com o desenvolvimento industrial das regiões Sudeste e Sul do Brasil, ocorrido entre
os anos de 1950 e 1980, as migrações de nordestinos se intensificaram, principalmente em
capitais como o Rio de Janeiro e São Paulo (Ferrari, 2005, p. 71). Os migrantes, em busca de
uma ascensão social, melhores condições de trabalho e salários mais altos, se instalaram
nestas capitais, buscando fugir das constantes secas e da estagnação econômica que eram
forçosamente habituados em suas terras natais no Nordeste. É importante frisar que, mesmo
reduzido o fluxo migratório, este ainda é bastante frequente nos dias atuais.
Obviamente, junto à mão de obra, os trabalhadores também levavam em suas
bagagens diversos traços culturais, como o modo de pensar, falar e agir, a culinária, as
crenças, a indumentária, a poesia, o artesanato, o folclore, as manifestações populares e,
logicamente, a música. Baseado neste último fator cultural, desenvolvemos esta pesquisa
focando nos integrantes do movimento tropicalista e na transferência e fixação de alguns
membros para São Paulo na segunda metade da década de 1960.
Com o aprofundamento na questão inicial, surgiram também outras questões, como:
Quais motivos trouxeram os tropicalistas para São Paulo? Como os tropicalistas adaptaram a
poesia e a música de caráter mais “tradicional” nordestina, às influências musicais e poéticas
“modernas”, ou de vanguarda, em São Paulo?
Com o intuito de responder a estas questões, foi preciso retornar alguns anos nas
carreiras dos integrantes deste movimento, para buscar, primeiramente, o que os conectou
como um grupo unificado. Com a exceção dos Mutantes e Rogério Duprat, que vieram a
conhecer o restante do grupo somente em São Paulo, a maioria dos outros membros já se
conhecia, exatamente por estar, de certa forma, inserida no cenário musical e artístico
soteropolitano.
O primeiro espetáculo que uniu uma grande parcela dos tropicalistas ocorreu em 1964,
na inauguração do Teatro Vila Velha em Salvador, e tinha por nome Nós, por exemplo, onde
foram apresentadas composições dos próprios artistas, algumas bossas e canções de Dorival
Caymmi. A apresentação contava com a participação de Caetano Veloso, Tom Zé, Maria
Bethânia e Gal Costa no elenco, Gilberto Gil e Roberto Santana na direção musical, e João
Augusto na direção geral. (Gilberto Gil, 2012)
Após este, diversos espetáculos foram desenvolvidos por estes artistas, entre eles o
Nova Bossa Velha, Velha Bossa Nova, em que participaram Caetano Veloso, Gilberto Gil,
Maria Bethânia, Gal Costa, Alcivando Luz, Antônio Renato (Perna Fróes), Djalma Corrêa e
Fernando Lona. Os shows ocorreram entre 21 e 23 de novembro de 1964, no Teatro Vila
Velha (Calado, 1997, p. 55). Além deste show, também montaram a apresentação de Mora na
Filosofia, concerto solo de Maria Bethânia, dirigido por Caetano e Gil. Nesta época, Nara
Leão, que estava em turnê pelo Nordeste, a ouviu cantando em Salvador e se interessou
bastante por sua voz e performance (Góes, 2007, p. 199).
Após algum tempo, Nara participou do espetáculo Opinião no Rio de Janeiro,
trabalhando ao lado de cantores/compositores como Zé Kéti e João do Vale, sendo a direção
musical feita por Dori Caymmi e a coordenação geral a cargo do renomado diretor Augusto
Boal (Albin, 2003, p. 319). No entanto, a cantora teve alguns problemas de saúde, mais
especificamente com a voz, e acabou convidando Bethânia para substituí-la numa temporada
de shows. O sucesso da nova cantora foi estrondoso, e sua estreia, em 13 de fevereiro de
1965, foi marcada por uma impactante interpretação da canção Carcará, um baião que
determinou o início da carreira de Maria Bethânia em âmbito nacional – tornando-a, inclusive,
um ícone da canção de protesto2 (Schumaher; Vital Brazil, 2001, p. 373). Como Bethânia
ainda era menor de idade – possuía apenas 17 anos -, seu irmão Caetano teve que acompanhá-
la ao Rio de Janeiro, a pedido de seu pai, como uma espécie de tutor. Nos ensaios, Boal
também se interessou pelo talento do irmão e acabou convidando-o para uma nova peça,
Arena Canta Bahia, em que também foram chamados outros tropicalistas.
Este evento foi o primeiro espetáculo apresentado em São Paulo pelos tropicalistas,
sendo pré-estreado em 8 de setembro de 1965 (Teatro de Arena, 2008, p. 21). A produção
teve como direção geral e texto, Augusto Boal; Direção Musical de Caetano Veloso e
Gilberto Gil; Supervisão, Carlos Castilho; e no Elenco, Maria Bethânia, Gal Costa, Gilberto
Gil, Caetano Veloso, Tom Zé, Piti, Jards Macalé (violão), Roberto Molin (bateria), Bene
Dantas (flauta).
Boal, que conduzia o teatro de Arena desde 1956, havia estreado no mesmo ano o
engajado espetáculo Arena Conta Zumbi, que teve uma enorme repercussão, sendo assim,
quis dar continuidade a este processo que associava musicais às peças teatrais e “se
assemelhava aos musicais da Broadway” (Veloso, 1997, p. 82).
Diversos outros motivos trouxeram os músicos baianos para São Paulo, como por
exemplo, Gilberto Gil, que, em 1965, após casar-se com Belina de Aguiar, transferiu-se com a
esposa para a capital paulista para trabalhar como trainee na empresa Gessy Lever, e só após
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Consideramos aqui “canções de protesto” aquelas que discutem questões de natureza política,
reivindicam direitos da sociedade, questionam elementos como a desigualdade social, a pobreza e a
repressão do governo vigente, principalmente, nesta década de 1960 e 1970.
alguns meses se apresenta no Arena Canta Bahia (Calado, 1997, p. 67). Ou seja, o motivo
primordial da vinda de Gil para São Paulo não foi a música, e sim o emprego na área
administrativa desta indústria. O compositor passou a se dedicar exclusivamente à música
apenas em 1966, quando adquiriu certa notoriedade no programa de Elis Regina na Rede
Record, O Fino da Bossa, sendo convidado pela Philips para gravar seu primeiro disco
(Gilberto Gil, 2012).
Tom Zé, que nesta época ainda morava em Salvador, havia perdido os dois empregos
que possuía para se sustentar durante sua fase de estudo musical na capital soteropolitana,
sendo assim, passava por dificuldades financeiras e, principalmente por esta razão, aceitou o
convite de Caetano Veloso para se apresentar em São Paulo com o grupo tropicalista (Danç-
êh-sá, 2008).
Ainda que o processo migratório e a fixação dos integrantes da Tropicália em capitais
do sudeste, como São Paulo e Rio de Janeiro, tenha sido, em sua maioria, por questões
relacionadas à carreira artístico-musical, não podemos negligenciar as razões deste
deslocamento geográfico, uma vez que este também foi desencadeado pelo intuito de buscar
oportunidades de trabalho, estabelecendo, assim, um maior contato com os amplos cenários
artísticos destas cidades. Fatores como, uma indústria fonográfica mais desenvolvida; maior
número de redes televisivas; maior quantidade de shows, espetáculos e peças de teatro; grande
número de locais para apresentação (bares e casas de show); maiores financiamentos para
eventos; público mais amplo; criavam um ambiente que expandia a oferta de trabalho para os
artistas, não só da Bahia ou Nordeste, mas de todo o Brasil.
A migração nordestina foi tema de diversas expressões artísticas, desde a literatura de
Graciliano Ramos em Vidas Secas (1938), passando pelas pinturas de Cândido Portinari, no
quadro Retirantes (1944), à notória interpretação de Maria Bethânia da polêmica canção
Carcará (1965), de João do Vale e José Cândido, sendo esta, uma questão ainda bastante
frequente. No âmbito tropicalista, também é possível encontrarmos evidências deste objeto
em diversas canções. Uma destas seria Mamãe coragem (1968), que compõe o disco-
manifesto do movimento. Esta canção de Caetano Veloso e Torquato Neto “descreve a carta
de um migrante que, depois de declarar que nunca mais vai voltar, consola a mãe dizendo
para ela ler um romance popular para não chorar” (Dunn, 2009, p. 125).
Outro exemplo a abordar este tema seria a canção Menina Jesus (1978), de Tom Zé,
presente no disco, Correio da Estação do Brás. Além disso, o próprio bairro do Brás em São
Paulo, que inicialmente era uma colônia italiana, hoje abriga um grande número de
nordestinos, “Seu aspecto é de cidade do interior da Bahia ou Pernambuco em dia de feira.
Sotaque nordestino, jabá, maniçoba, sarapatel, carne de sol, farinha de copioba, puxa, quebra-
queixo, caçuas, girimuns, fê, guê, lê, mê, nê” (Tom Zé, 2012). Neste disco, antes de iniciar
esta canção, ainda há um breve (e irônico) comentário que afirma que “O nordestino que vem
tentar o Sul só pode visitar os seus quando tiver comprado três importantes símbolos da
civilização: um rádio de pilha, um relógio de pulso e um par de óculos escuros” (Tom Zé,
2012). O integrante Tom Zé, na própria capa do disco conceitual Tropicália ou Panis et
circensis (1968), também aparece com um terno bastante simples e uma mala na mão,
representando, entre outros elementos, o migrante nordestino que chega a São Paulo.
Não podemos deixar de destacar o importante papel dos Festivais da Música Popular
Brasileira da Rede Record, pois estes também contribuíram em muito para a propagação das
canções tropicalistas, levando-as a um grande público nacional e ampliando a área de
abrangência dos seus materiais artísticos, através das principais mídias (como meio de
comunicação social) brasileiras que se instalavam em centros como Rio de Janeiro e São
Paulo. O Festival da Música Popular Brasileira de 1967, apresentado pela Rede Record,
talvez tenha sido o principal veículo a tornar os artistas baianos reconhecidos nacionalmente.
Após este evento, Caetano Veloso e Gilberto Gil tornaram-se, instantaneamente, astros da
música popular (Uma noite em 67, 2010; Tropicália, 2012). Neste programa, a Record
revelou obras como Domingo no Parque, de Gilberto Gil e Alegria, alegria de Caetano
Veloso – obtendo respectivamente segundo e quarto lugar neste ano -, sendo que, ainda neste
momento, nem mesmo os próprios artistas integrantes tinham plena consciência de que
estavam dando origem a um movimento.
Gilberto Gil chegou a afirmar que, na verdade,
ALBIN, Ricardo Cravo. O livro de ouro da MPB. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
BASUALDO, Carlos. Tropicália: uma revolução na cultura brasileira. São Paulo: Cosac
Naify, 2007
CALADO, Carlos. A divina comédia dos Mutantes. São Paulo: Ed. 34, 1995.
______________. Tropicália: a história de uma revolução musical. São Paulo: Ed. 34, 1997.
CAMPOS, Augusto de. O Balanço da Bossa e outras bossas. São Paulo: Perspectiva, 2008.
CORD, Getúlio Mac. Tropicália – um caldeirão cultural. Rio de Janeiro: Ferreira, 2011.
DANÇ-ÊH-SÁ. Entrevista. Direção: Tom Zé e João Marcelo Bôscoli. São Paulo: Trama,
2008. 1 DVD, 96 min.
FAVARETTO, Celso F.. Tropicália – Alegoria, alegria. São Paulo: Kairós, 1979.
FERRARI, Monia - A migração nordestina para São Paulo no segundo governo Vargas
(1951-1954) – Seca e desigualdades regionais. 2005. 160p. Dissertação (Mestrado em
Ciências Sociais). UFSCAR – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2005.
GÓES, Ludenberg. Mulher brasileira em primeiro lugar. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007.
MELLO, Zuza Homem de. A era dos Festivais: Uma parábola. São Paulo: Ed. 34, 2003.
TROPICÁLIA. Direção: Marcelo Machado. São Paulo: Bossa Nova Films, 2012.
UMA NOITE EM 67. Direção: Renato Terra e Ricardo Calil. São Paulo: Vídeo Filmes, 2010.
1 DVD, 85 min.
VELOSO, Caetano. Verdade Tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
VILLA, Marco Antônio. Vida e morte no sertão – História da secas no Nordeste nos séculos
XIX e XX. São Paulo: Ática, 2000.