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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE DIREITO
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS PENAIS

Eduardo Siqueira Neri

A CONSTITUCIONALIDADE DA CONDENAÇÃO PENAL POR


PROVA INDICIÁRIA

Trabalho de Conclusão de Curso,


apresentado junto ao Departamento de
Ciências Penais, da Faculdade de
Direito da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul como requisito parcial
para a obtenção do grau de Bacharel em
Direito.

Orientador: Prof. Dr. Danilo Knijnik

Porto Alegre
2009
RESUMO

O presente trabalho trata de questões que envolvem a condenação penal baseada


exclusivamente em prova indiciária e sua adequabilidade às exigências do ordenamento
constitucional brasileiro. O estudo encontra-se dividido em duas partes, a primeira referente
ao estudo de preceitos consagrados no direito processual brasileiro, bem como de questões
ligadas propriamente ao indício. A segunda trata dos princípios constitucionais referentes à
apreciação da prova e da enunciação de um método de apreciação que toma em conta
questões relevantes acerca a admissibilidade e a avaliação da prova indiciária, bem como da
fundamentação da sentença penal condenatória baseada em indícios.

Palavras-Chave: Processo Penal. Prova. Indícios. Condenação. Constitucionalidade.


ABSTRACT

This work deals with issues involving criminal conviction based solely on circumstantial
evidence and its adequability requirements to the brazilian constitutional order. The study is
divided into two parts, the first related to the study of precepts enshrined in the brazilian
procedural law as well as issues properly related to the circunstancial evidence. The second
part deals about the constitutional principles concerning the assessment of circunstancial
evidence and the enunciation of a method of assessment that takes into account relevant issues
about the admissibility and evaluation of circumstantial evidence and also about the
fundamentation of the criminal sentence based on circumstantial evidence.

Keywords: Criminal Procedure. Proof. Circumstantial Evidence. Condemnation.


Constitutionality.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................................... 5
1. O SISTEMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO E A PROVA INDICIÁRIA .................................... 7
1.1 PRECEITOS BÁSICOS DE DIREITO PROBATÓRIO ............................................................................................... 7
1.1.1. Conceito, Objeto e finalidade da prova ................................................................................................. 7
1.1.1.1. Finalidade da Prova. Verdade e Processo Penal. ............................................................................ 9
1.1.2 Sistemas de Apreciação de Prova......................................................................................................... 13
1.1.2.1 O Sistema de Apreciação de Prova Brasileiro ............................................................................... 14
1.1.3 Classificação das Provas...................................................................................................................... 16
1.1.3.1 Prova direta e Indireta. Considerações relevantes. ........................................................................ 17
1.2 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ACERCA DA PROVA INDICIÁRIA. ................................................................ 18
1.2.1 Conceito de Indício............................................................................................................................... 19
1.2.1.1 Suspeita, Presunção e Indício ........................................................................................................ 20
1.2.1.1.1 Presunção e Indício. Distinção do ponto de vista lógico. ....................................................... 22
1.2.1.1.2 Presunção e Indício. Distinção do ponto de vista da natureza da verdade contida na premissa
maior da inferência indiciária. ............................................................................................................... 25
1.2.1.1.3 Presunção e Indício. Diferentes componentes da inferência indiciária ................................... 27
1.2.1.1.4 Conclusões. ............................................................................................................................. 28
1.2.2. Classificação dos Indícios ................................................................................................................... 29
1.2.2.1. Classificações tradicionais ............................................................................................................ 29
1.2.2.2. Classificação dos indícios segundo a comprovação do fato delituoso .......................................... 32
2. A CONSTITUCIONALIDADE DA CONDENAÇÃO PENAL POR PROVA INDICIÁRIA .................. 34
2.1 PROVA INDICIÁRIA E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE PROCESSO PENAL .................................................. 34
2.1.1 O Princípio da Presunção da Inocência e o in dubio pro reo. ............................................................. 35
2.1.1.1 Prova indiciária. Probabilidade e certeza ....................................................................................... 41
2.1.2 Persuasão racional e motivação das decisões judiciais ....................................................................... 43
2.1.2.1 Fundamentação da Sentença e a questão de fato. A Teoria dos Modelos de Constatação............. 46
2.2 APRECIAÇÃO DA PROVA INDICIÁRIA SOB UMA PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL ........................................... 48
2.2.1 Admissibilidade da Prova Indiciária. ................................................................................................... 49
2.2.1.1 Requisitos de Existência do Indício ............................................................................................... 50
2.2.1.1.1 Certeza do Fato indiciante. ..................................................................................................... 50
2.2.1.1.2 Proposição geral fornecida pela lógica e pela experiência...................................................... 52
2.2.1.1.3 Causalidade entre fato indicador e fato indicado .................................................................... 53
2.2.1.2 Requisitos de Validade .................................................................................................................. 54
2.2.1.2.1 Ausência de limitação probatória ........................................................................................... 55
2.2.1.2.2 Emprego de provas lícitas para demonstrar o fato indicador .................................................. 56
2.2.1.2.3 Ausência de nulidade na obtenção da prova do fato indicador ............................................... 57
2.2.1.2.4 Inexistência de nulidade que vicie a prova por indícios ......................................................... 57
2.2.2. Avaliação da prova indiciária ............................................................................................................. 58
2.2.2.1 Métodos de Apreciação de Indício ................................................................................................ 59
2.2.2.2 Requisitos de eficácia probatória dos indícios. .............................................................................. 61
2.2.2.2.1 Exclusão da hipótese de falsificação do fato indicador. A credibilidade subjetiva da prova. . 61
2.2.2.2.2 Exclusão da hipótese de azar e a certeza racional da relação de causalidade entre o fato
indicador e o indicado............................................................................................................................ 62
2.2.2.2.3 A análise da consistência da máxima de experiência empregada na inferência indiciária. A
força probatória do indício. ................................................................................................................... 64
2.2.2.2.4 Pluralidade de Indícios precisos, graves e concordantes ........................................................ 66
2.2.2.2.5 Eliminação de contra-indícios e dos motivos infirmantes da conclusão. ................................ 67
2.2.3 Fundamentação da sentença condenatória baseada em indícios. O Modelo de Constatação
apropriado e o dever de explicitação das máximas de experiência. ............................................................. 70
CONCLUSÃO ..................................................................................................................................................... 74
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................................................... 76
INTRODUÇÃO

O direito probatório, bem como todo o sistema processual, encontra-se fortemente


inserido na perspectiva dos direitos e garantias fundamentais consagrados na Constituição da
República Federativa de Brasil de 1988.
De forma a garantir uma escorreita prestação jurisdicional pelo Estado, a carta
constitucional inseriu no sistema processual brasileiro uma série de mecanismos que visam
traçar parâmetros de atuação ao julgador sem suprimir sua liberdade de apreciação de prova,
mas de forma a evitar que o mesmo cometa excessos de arbitrariedade e subjetivismo no
exercício de sua tarefa de julgar.
Em processo penal, o magistrado deve ainda observar todo o conjunto das
manifestações do princípio da presunção da inocência ao exercer sua atividade como
julgador, incluindo-se entre elas a exigência da certeza como parâmetro de convencimento
para determinar a condenação de um indivíduo.
Dessa exigência, nasce o questionamento em relação à idoneidade da prova indiciária
para embasar um decreto condenatório, dúvida essa decorrente das peculiaridades da prova
indireta, que a tornam um instrumento de complexo manuseio e, devido a essa característica,
suscetível a induzir o julgador em erro.
Com efeito, determinar os limites que devem ser observados pelo juiz ao apreciar o
conjunto probatório mostra-se essencial para a identificação das questões que deve enfrentar
no desenvolvimento da tarefa de julgar, e adaptá-los às peculiaridades da prova indiciária faz-
se igualmente necessário para uma verdadeira convergência da medida com as exigências do
ordenamento constitucional.
De acordo com o que propõe o presente estudo, a resposta deve surgir a partir de uma
compreensão inicial sobre a prova, rumando para a determinação daquilo que se entende por
indício, para só então passar ao confronto entre as características da prova indiciária e os
parâmetros da atuação do magistrado manifestados pelo ordenamento constitucional.
No âmago desse embate, mostra-se necessário estabelecer as relações entre o processo,
a prova, a verdade, o provável e a certeza, questões essas dotadas de exacerbada
complexidade, mas prejudiciais à compreensão do raciocínio que permite ao indício dar lugar
ao convencimento necessário à condenação. Realizada essa tarefa, devem suas conclusões ser
confrontadas com as exigências traçadas pela constituição para a atividade do magistrado,
possibilitando conferir um enfoque metodológico à apreciação da prova realizada pelo
julgador, tendo em conta a admissibilidade, a avaliação da prova, bem como a
fundamentação da decisão oriunda do julgamento da causa.
Em geral, portanto, o estudo parte de uma perspectiva ampla do sistema de direito
probatório brasileiro, passando a delimitação do objeto de estudo, o indício. Após, segue pela
análise das exigências do ordenamento constitucional à atividade do julgador e sua relação
com a essência da prova indiciária, averiguação que constitui questão essencial à
determinação da constitucionalidade da condenação penal por prova indiciária. Por
derradeiro, aproxima-se da apreciação da prova indiciária, tratando de questões determinantes
para a aferição da força probatória do indício, bem como da fundamentação da sentença
condenatória baseada em prova indiciária.
1. O Sistema Processual Penal Brasileiro e a Prova Indiciária

1.1 Preceitos básicos de Direito Probatório

Conhecer os preceitos básicos do direito probatório em nosso Processo Penal é


essencial à compreensão da tarefa designada ao magistrado no exercício de seu dever de
julgar. Um breve estudo desses preceitos é conveniente tanto por possibilitar sejam
estabelecidas as limitações e atribuições inerentes à atividade do julgador no curso de uma
ação penal, quanto por evidenciar quais as garantias mínimas para um escorreito transcurso do
processo e para a manutenção da integridade do ato decisório, desde a reconstrução dos fatos
colocados sub judice, até a aplicação da correspondente solução jurídica.
Diante disso, é relevante uma prévia análise quanto ao objeto do presente estudo, a
prova, partindo de um exame conceitual do termo, bem como da determinação de seu objeto e
finalidade dentro do processo penal. Igualmente indispensável é o estudo das principais
características dos diversos sistemas de apreciação de prova, de forma a dar contornos, ainda
que de modo amplo, à abordagem que deve ser conferida pelo julgador durante a apreciação
do acervo probatório reunido em um processo. Considerar a classificação das provas, por fim,
é tarefa útil para a aproximação de uma noção quanto ao que se entende por prova indiciária.

1.1.1. Conceito, Objeto e finalidade da prova

De Plácido e Silva assevera que prova, no sentido jurídico, consiste na “denominação


que se faz, pelos meios legais, da existência ou veracidade de um fato material ou de um ato
jurídico, em virtude da qual se conclui por sua existência ou se afirma a certeza a respeito da
existência do fato ou do ato demonstrado” 1.
Guilherme de Souza Nucci, por seu turno, afirma que o termo prova pode ser
entendido em três diferentes sentidos, quais sejam o ato de provar, meio de prova e resultado
da ação de provar. Essa é a lição do doutrinador:
a) ato de provar: é o processo pelo qual se verifica a exatidão ou verdade do
fato alegado pela parte no processo; b) meio: trata-se do instrumento pelo
qual se demonstra a verdade de algo; c) resultado da ação de provar: é o
produto extraído da análise dos instrumentos de prova oferecidos,
demonstrando a verdade de um fato..2

1 SILVA, 2001, p. 656.


2 NUCCI, 2007, p. 359.
Edilson Mougenot Bonfim afirma que “A prova é o instrumento usado pelos sujeitos
processuais para comprovar os fatos da causa, isto é, aquelas alegações que são deduzidas
pelas partes como fundamento para o exercício da tutela jurisdicional”3, mas observa, à
semelhança de Nucci, que o termo possui plurivocidade, podendo ser entendido como a
atividade de provar, o instrumento pelo qual se prova ou o resultado final da atividade
probatória.4
Essa multiplicidade de acepções do termo em seu sentido jurídico é igualmente
apontada por Antonio Dellepiane, o qual afirma e relação à designação:

Usa-se, de ordinário, no sentido de meio de prova, isto é, significando os


diferentes elementos de juízo produzidos pelas partes ou recolhidos pelo
juiz, a fim de estabelecer no processo a existência de certos fatos (prova
testemunhal, prova indiciária). A seguir, entende-se por prova a ação de
provar, a ação de fazer a prova, […]. Finalmente, a palavra prova designa
também o fenômeno psicológico, o estado de espírito produzido no Juiz por
aquêles elementos de juízo, ou seja, a convicção, a certeza acêrca da
existência de certos fatos sobre os quais recairá o seu pronunciamento.5

Assim sendo, as conceituações mais tradicionais, como, por exemplo, a de


Mittermayer, para quem a prova deveria ser entendida como o “complexo dos motivos
productores de certeza”6, revelam certa limitação, visto que, hodiernamente, admite-se que o
vocábulo prova, mesmo que restrito ao sentido técnico-jurídico, possui diversas acepções.
Esgotadas as breves considerações acerca do significado e diferentes sentidos em que
pode ser empregado o termo prova, é possível enfrentar discussões de maior substancialidade,
sendo a primeira delas aquela que concerne ao chamado objeto da prova.
O objeto da prova são os fatos que se pretende demonstrar ocorridos. Nesse sentido,
portanto, a atividade probatória deve restringir-se aos fatos pertinentes à solução da lide.
Considerando que a persecução penal tem como objetivo a “verificação da
criminalidade”7, ou seja, da verdade dos fatos que se relacionam com o delito, conclui-se que
o conteúdo da prova deve necessariamente versar sobre esse fato, o qual é chamado por
Denílson Feitosa Pacheco de fato probando8.
Insta salientar que a consonância entre o objeto da prova e o objetivo da ação penal é
um dos parâmetros utilizado durante a instrução probatória para evitar a produção de provas
que em nada contribuam ou influenciem na a solução de uma lide ou que, de outro lado,

3 MOUGENOT BONFIM, 2007, p. 289.


4 ibidem.
5 DELLEPIANE, 1958, p. 19-20.
6 MITTERMAYER, 1917, pg. 104 .
7 MALATESTA, 1995, p. 154.
8 FEITOZA PACHECO, 2005, p. 809.
interesse a uma das partes apenas para extrair a eficiência do processo. Sobre a necessidade da
prova manter relação com o fato probando, José Francisco Cagliari assevera a necessidade de
proceder-se um controle de admissibilidade das provas, o qual deve ser exercido pelo
magistrado e guardar relação com o conteúdo das mesmas:
Objeto da prova [...] são os fatos. Nem todos, porém. Em primeiro lugar,
apenas os fatos pertinentes ao processo é que suscitam o interesse da parte
em demonstrá-los. Fatos que não pertencem ao litígio e que relação alguma
apresentam com o objeto da acusação, consideram-se fatos sem pertinência,
pelo que devem ser excluídos do âmbito da prova em concreto, e ter a sua
prova recusada pelo juiz, sob pena de desenvolver-se atividade inútil.9

Esse exame de pertinência da prova foi consagrado pelo artigo 400, §1º, do Código de
Processo Penal e consiste em verdadeiro mecanismo que visa inadmitir a produção de provas
impertinentes, irrelevantes ou protelatórias, que em nada tenham a contribuir com a
finalidade do processo. Tal mecanismo cumpre com o papel de manter a prova, quanto a seu
conteúdo, fiel ao objeto a que deve corresponder, o fato probando. A aferição do objeto da
prova é questão necessária, portanto, para um desenvolver eficaz e eficiente da atividade
jurisdicional, bem como para que a prova mesma logre atingir sua própria finalidade e, por
decorrência, a finalidade do processo.
Cumpre referir que, tratar-se o fato delituoso do objeto da prova em processo penal
não significa dizer que apenas são verdadeiras provas admissíveis aquelas que têm o condão
de elucidar o delito em toda sua complexidade, mas sim todos aqueles elementos que versam
sobre o delito ao menos em relação a um de seus aspectos.
Uma breve análise da teoria do delito evidencia a necessidade de verificação de
diversos elementos tanto para a comprovação da tipicidade e da antijuridicidade do fato
quanto para a verificação da culpabilidade do agente. Assim, é plausível a idéia de que, diante
do caso concreto, um mesmo elemento de prova possa apresentar relação com vários
elementos constitutivos do delito, com apenas um deles, ou ainda com o delito globalmente
considerado, embora a idéia de uma prova plena em relação ao crime seja controversa.

1.1.1.1. Finalidade da Prova. Verdade e Processo Penal.

Para De Plácido e Silva, finalidade exprime a idéia de “objetivo ou fins tidos na prática
ou execução de um ato”10. Portanto, para desumir a finalidade inerente a prova no processo

9 CAGLIARI, 2001, p. 80.


10 SILVA, 2001, p. 359
penal, deve-se ter em conta o objetivo galgado pela atividade que envolve sua produção e
apreciação, desde a sua admissibilidade até sua avaliação e valoração por parte do magistrado.
Nessa esteira, Edílson Mougenot Bonfim assevera que “Toda a atividade processual,
em especial a produção de prova, deve conduzir ao descobrimento dos fatos conforme se
passaram na realidade” 11, salientando, ainda, que “O conjunto instrutório deverá refletir, no
maior grau de fidelidade possível, os acontecimentos pertinentes ao fato investigado”12.
Eugênio Pacelli de Oliveira, por sua vez, busca definir a finalidade da prova
sustentando que “A prova judiciária tem um objetivo claramente definido: a reconstrução dos
fatos investigados no processo, buscando a maior coincidência possível com a realidade
histórica, isto é, com a verdade dos fatos, tal como efetivamente ocorridos no espaço e no
tempo”13.
Por seu turno, Denílson Feitosa Pacheco direciona às faculdades perceptivas do
julgador esse objetivo de elucidação da questão de fato. Afirma o autor que “a finalidade da
prova é […] a formação da convicção da entidade decidente sobre a existência ou não de um
fato”14.
Por derradeiro, complementando as noções já expostas, Nicola Framarino Malatesta
relaciona as faculdades perceptivas do julgador com a finalidade da prova, obtendo a
conclusão de que o convencimento sobre a prova dos fatos pode ser mensurado através dos
parâmetros da credibilidade, da probabilidade e da certeza, quanto ao que se tem por
provado:
Como as faculdades perceptivas são a fonte subjetiva da certeza, as provas
são o modo de apreciação da fonte objetiva, que é a verdade. A prova é,
portanto, deste ângulo, o meio objetivo com que a verdade atinge o espírito;
e o espírito pode, relativamente a um objeto, chegar por meio das provas
tanto à simples credibilidade, como à probabilidade e certeza; existirão,
portanto, provas de credibilidade, de probabilidade e de certeza. A prova,
portanto, em geral, é a relação concreta entre a verdade e o espírito humano
nas suas especiais determinações de credibilidade, probabilidade e certeza.15

Com escopo nesses entendimentos, é possível concluir que a finalidade da prova é


permitir que o juiz, mediante a apreciação dos elementos de provas e seus argumentos,
apresentados e discutidos em juízo, tenha uma compreensão suficiente dos fatos colocados
sub judice, para então obter uma conclusão acerca da possível, provável ou certa ocorrência

11 MOUGENOT BONFIM, 2007, p. 48-49.


12 ibidem, p. 48-49.
13 PACELLI DE OLIVEIRA, 2008, p. 281.
14 FEITOZA PACHECO,2005, p. 808.
15 MALATESTA, 1995, p. 87.
de um fato e, assim, de acordo com o grau de convencimento obtido sobre a verdade dos
acontecimentos, determinar uma solução jurídica apropriada.
Em processo penal, essa busca pela conformidade entre o fato apurado no processo e o
fato em sua realidade histórica norteia-se pelo tradicionalmente chamado princípio processual
da verdade real.
No sentido de guiar a atividade de produção da prova, tem-se por coerente a
consideração desse princípio, porquanto determina uma maior exigência e rigor quanto a
qualidade e força do conjunto probatório, o que favorece o grau de convencimento acerca de
um juízo de fato. Porém, no que tange às conclusões resultantes do processo de apreciação da
prova, é controversa a possibilidade de obter uma verdade real - “conformidade do conteúdo
do conhecimento com seu objeto real”16- oriunda da atividade de reconstrução dos fatos pelo
julgador.
Na perspectiva da verdade real, o conteúdo do conhecimento seria a proposição
decorrente da apreciação do conjunto probatório, enquanto o objeto real consistiria na
verdade histórica dos fatos, ou seja, como se passaram na realidade. Sob esta ótica, acredita-
se que da análise da prova seja possível obter uma verdade real dos fatos ocorridos no
passado, estabelecendo-se uma relação de identidade entre os mesmos e a proposição
fornecida pelo acervo probatório reunido no processo.
De outro lado, existem correntes que se contrapõe radicalmente à idéia de verdade
real. Um desses posicionamentos é no sentido de que as proposições obtidas da apreciação do
acervo probatório consistem tão somente em uma verdade formal - “quando um raciocínio é
verdadeiro se há coerência do pensamento consigo mesmo e ausência de contradição”17 ,
existente apenas para o processo e que sugere uma mera verdade das alegações sobre os
fatos. Sob esse ponto de vista, a verdade obtida pela análise do conjunto probatório não
poderia ser considerada aquela que fielmente traduz, em todos os aspectos, um acontecimento
de maneira como ele realmente aconteceu, mas, muito pelo contrário, apenas o resultado de
um exercício meramente retórico e, portanto, excessivamente contingente, cujo resultado
dependeria muito mais da qualidade do debate exercido pelas partes do que da própria
qualidade do acervo probatório reunido no curso de um processo.
Trata-se, portanto, de duas concepções extremadas do ponto de vista da relação entre
prova e verdade. Enquanto na primeira linha de pensamento o conteúdo da prova encontra-se

16 BALDAN, 2002, p. 133.


17 ibidem, p. 133.
radicalmente vinculado à verdade histórica dos fatos, na segunda há uma total independência
entre ambos.
Com vistas a solucionar o impasse e adotar um posicionamento acerca da índole da
verdade passível de ser obtida em um processo judicial de natureza criminal, importa dar
atenção às considerações tecidas por Danilo Knijnik, em observância da relação entre a prova
e a verdade sob os prismas demonstrativo e persuasivo. Para o doutrinador, no chamado
modelo demonstrativo, “a prova tem por finalidade reconstruir o fato no processo, para,
depois, separadamente, resolver-se a questão de direito”18, bem como”supõe viável uma
atividade empírica que introduza a verdade nos autos”19, enquanto no modelo persuasivo,
“duvida-se da possibilidade de reconstruir os fatos como eles ocorreram, para, depois,
resolver a questão jurídica.”20, sendo que “busca-se uma reconstrução próxima da realidade,
valorizando-se o diálogo das partes na formação da questão de fato” 21. Aduz o autor que o
sistema processual possui uma chamada polaridade assimétrica entre os dois métodos, que
não se evidenciam em momento algum em sua forma pura, mas complementam-se no
momento de análise das provas. Dessa maneira, ambos os modelos podem contribuir com a
persecução da verdade, na medida em que o prisma persuasivo fornece a consciência de que
existe sempre uma margem (possibilidade) de erro e que o demonstrativo permite manter o
“objetivo de, sempre que possível, obter-se uma reconstrução fática próxima do mundo
fenomênico”22.23
Assim, através de uma inteligência do raciocínio do jurista gaúcho, é possível afirmar
que mesmo não se admitindo a obtenção da pura verdade real, ou material, também não se
pode concluir que o processo penal guia-se pela mera verdade formal, entendida como mera
avaliação das argumentações fornecidas pelas partes. O resultado obtido pelo processo de
cognição do fato probando, pois, é constituído pelas duas verdades, visto que mantidas
durante todo o processo probatório “a preocupação com a conformidade do conteúdo do
conhecimento com seu objeto real” e o zelo pela coerência da argumentação apresentada em
si mesma.
Nesse sentido, Édison Luís Badan aponta a necessidade de manter a discussão
persuasiva acerca dos fatos quando possível a falibilidade dos meios demonstrativos:

18 KNIJNIK, 2007, p. 11.


19 ibidem, p. 11.
20 ibidem, p. 12.
21 ibidem, p. 12.
22 ibidem, p.15.
23 ibidem.
Se a razão é infalível e a investigação humana pode ser confiada às suas
regras infalíveis em qualquer campo, não há lugar para a Retórica que é a
arte da persuasão. No entanto, se, na esfera do saber humano, a parte do
incerto, do provável, do aproximativo é mais ou menos ampla, a persuasão
pode ter alguma função, e sua arte pode e deve ser cultivada. 24

De acordo com Knijnik, a prova e a verdade não se confundem em sua natureza, em


seu caráter ontológico, assim sendo, torna-se compreensível que o processo não proporcione a
verdade dos fatos exatamente da maneira que ocorreram. Por outro lado, a prova e a verdade
guardam entre si uma relação de finalidade, ou seja, de caráter teleológico, que permite à
primeira servir de parâmetro de averiguação da última, mesmo que o resultado a ser obtido
tenha, por vezes, caráter contingente e jamais será perfeitamente ajustável à realidade dos
acontecimentos os quais se pretende demonstrar.25
Entende-se, assim, que, em relação ao processo de reconstrução dos fatos pelo
julgador a partir da apreciação da prova coligida, deve-se extrair dos extremos – verdade
formal e verdade real – um conceito apropriado à noção de verdade possível de ser obtida
através do processo criminal. Conceito esse que tenha em conta não só a noção de que “o
processo (…) produzirá uma certeza do tipo jurídica, que pode ou não corresponder à verdade
da realidade histórica (da qual, aliás, em regra, jamais se saberá)”26, mas a consciência de que
“a verdade [...] revelada na via judicial será sempre uma verdade reconstruída, dependente do
maior ou menor grau de contribuição das partes e, por vezes, do juiz, quanto à determinação
de sua certeza”27.
Nesses termos, ratifica-se os ensinamentos de José Osterno Campos de Araújo quanto
ao entendimento de que a verdade obtida através do processo judicial merece ser designada
pelo termo verdade processual.28

1.1.2 Sistemas de Apreciação de Prova

O Sistema de Apreciação de Prova adotado por um ordenamento jurídico informa ao


julgador determinados parâmetros para a formação de seu convencimento durante o ato
decisório. Por tal motivo, importa ao presente estudo determinar qual o sistema adotado pelo
ordenamento jurídico brasileiro, de modo a confrontar, em momento oportuno, a conclusão
obtida com a possibilidade de haver condenação penal baseada em prova indiciária.

24 BALDAN, 2002, p. 142.


25 KNIJNIK, 2007, p. 15.
26 PACELLI DE OLIVEIRA, 2008, p. 282.
27 ibidem, p. 286.
28 ARAÚJO, 2005.
Os Sistemas tidos como mais relevantes pela doutrina são o Sistema da Livre
Convicção, o Sistema da Prova Legal e o Sistema do Livre Convencimento Motivado.
O Sistema da Livre Convicção, também conhecido na doutrina como prova livre ou
íntima convicção, consiste em um modelo que propõe uma atividade intelectiva íntima do
magistrado no julgamento de um caso, sendo desnecessário que o mesmo fundamente sua
decisão, avaliando cada caso da maneira que desejar em seu íntimo e sem estrita vinculação à
prova obtida durante a instrução.
O Sistema da Prova Legal , por sua vez, encontra-se “ligado à valoração taxada ou
tarifada da prova, significando o preestabelecimento de um determinado valor para cada
prova produzida no processo, fazendo com que o juiz fique adstrito ao critério fixado pelo
legislador, bem como restringindo sua atividade de julgar”29. Nesse sistema, o magistrado não
passa de um mero aplicador de fórmulas ao caso concreto, cujo resultado aritmético da
apreciação da prova gera a conclusão que dará origem à condenação ou à absolvição de um
indivíduo.
O Sistema do Livre Convencimento Motivado - ou persuasão racional - por seu turno,
reúne elementos de ambos os sistemas anteriormente referidos, porquanto possibilita ao
magistrado conferir valor à prova a partir de uma análise independente de qualquer tarifação
legal, mas que deve estar devidamente fundamentada e encontrar embasamento nos elementos
reunidos nos autos do processo. Guilherme de Souza Nucci frisa as vantagens da adoção do
dito sistema:
O sistema da persuasão racional é uma maneira de garantir flexibilidade aos
julgamentos, evitando situações manifestamente injustas ensejadas pela
adoção cega do sistema da prova legal, sem por outro lado, recair no
excessivo arbítrio concedido aos juízes pelo sistema do livre convencimento
absoluto, permitindo um controle objetivo sobre a legalidade das decisões.30

Tendo em contas a definição dos contornos de cada um dos sistemas, já é possível


averiguar qual deles foi adotado por nosso ordenamento jurídico e servirá de parâmetro para a
averiguação da constitucionalidade da condenação penal por prova indiciária.

1.1.2.1 O Sistema de Apreciação de Prova Brasileiro

Muitas são as razões que apontam ter sido o Sistema do Livre Convencimento
Motivado o adotado por nosso ordenamento jurídico.

29 MOUGENOT BONFIM, 2007, p. 306-307.


30 NUCCI, 2007, p. 308.
De início, frise-se a existência de norma constitucional estipulando que todas as
decisões do Poder Judiciário devem ser fundamentadas – Art. 93, inciso IX, da Constituição
Federal, ao mesmo tempo que o diploma processual penal assegura ao julgador, em seu artigo
155, caput, a liberdade para apreciar a prova.
Ademais, consta expressamente na Exposição de Motivos do Código de Processo
Penal - Decreto-Lei 3,689/41 – em seu item XI, que o Sistema do Livre Convencimento
Motivado foi adotado por nosso ordenamento jurídico:

A sentença deverá ser motivada. Com o sistema do relativo arbítrio judicial


na aplicação da pena, consagrado pelo novo Código Penal, e do livre
convencimento do juiz, adotado pelo presente projeto, é a motivação da
sentença que oferece garantia contra os excessos, os erros de apreciação, as
falhas de raciocínio ou de lógica ou os demais vícios de julgamento.31

Cuide-se, porém, que, embora predominante, o sistema do Livre Convencimento


Motivado encontra algumas exceções pontuais no processo penal brasileiro, todas com
previsão legal, nas quais se admite manifestações dos sistemas da prova legal e do livre
convencimento.
Pacelli aponta entre essas exceções o caso do Tribunal do Júri, em que vigora o
Sistema da Livre Convicção bem como os comandos do parágrafo único do artigo 155 e do
artigo 564, inciso III, alínea b, ambos do Código de Processo penal, que consistem, devido a
especificidade exigida, em verdadeira tarifação de prova.32
Assim sendo, o comando dos artigos 93, inciso IX, da Constituição da República
Federativa do Brasil33 e 155, caput, do Código de Processo Penal34, bem como o
posicionamento expressamente defendido na exposição de motivos do CPP, dão apoio ao
entendimento de ter sido o Sistema do Livre Convencimento Motivado aquele adotado pelo
ordenamento jurídico brasileiro. Ao mesmo tempo, porém, as exceções apontadas indicam
que o legislador optou por realizar uma mescla entre os sistemas, estando presente como regra
o Livre Convencimento Motivado, mas utilizando-se do método da Prova Legal e da Íntima
Convicção em certas circunstâncias, estas expressas na legislação, conformando-se um
verdadeiro Sistema Misto.

31 Decreto-Lei 3,689/41.
32 PACELLI DE OLIVEIRA, 2008,p. 292-294.
33 Art. 93, inciso IX, Constituição Federal: “todos os julgamentos dos órgãos do poder judiciário serão
públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade [...]”.
34 Art. 157 do Código de Processo Penal: “O Juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial […].”.
1.1.3 Classificação das Provas.

Como anteriormente referido, o estudo da classificação das provas importa para


restringir o objeto do presente estudo, a prova indiciária, bem como para conferir um
entendimento prévio acerca de suas peculiaridades.
Malatesta propõe a classificação das provas de dois diferentes modos, um deles é
quanto a sua natureza e produção, o outro diz respeito aos efeitos que as mesmas produzem o
espírito do julgador. Quanto ao segundo método de classificação das provas, basta dizer que
se associa à idéia de que o julgador, no que concerne ao grau de convencimento, pode obter
um juízo de credibilidade, de probabilidade ou de certeza quanto ao fato probando. Sob essa
perspectiva, portanto, dividem-se as provas em provas de credibilidade, provas de
probabilidade e provas de certeza. A classificação que diz respeito à natureza e produção da
prova, por sua vez, é amplamente aceita pela doutrina contemporânea, consistindo,
basicamente, em uma divisão quanto ao conteúdo da prova, quanto ao sujeito de que emana e
da forma pela qual se apresenta, três características que para o doutrinador italiano são
essenciais.35
Quanto ao sujeito da prova, entendendo-se como tal a “pessoa ou coisa de onde
dimana a prova”, esta pode ser classificada em real - “atestação inconsciente, feita por uma
coisa, das modalidades que o fato probando lhe imprimiu”36 - e pessoal - “toda afirmação
pessoal consciente, destinada a fazer fé dos fatos afirmados, como a testemunha que narra o
fato que presenciou.”37. No que tange à forma da prova, é dividida de acordo com a
modalidade pela qual a prova é apresentada em juízo, podendo ser testemunhal, documental e
material. Sobre essa classificação, pronuncia-se José Francisco Cagliari:

Prova testemunhal, em sentido amplo, é a afirmação pessoal oral,


compreendendo as produzidas por testemunhas, declarações da vítima e do
réu. Documental é a afirmação escrita ou gravada. Diz-se material a prova
consistente em qualquer materialidade que sirva de prova ao fato probando;
é a atestação emanada da coisa: o corpo de delito, os exames periciais, os
instrumentos do crime etc.38

Por fim, quanto ao objeto, as provas podem ser classificadas em diretas e indiretas.
Assevera Cagliari que “Referem-se as primeiras, direta e imediatamente ao fato a ser

35 MALATESTA, 1995.
36 CAGLIARI, 2001, p.82.
37 ibidem, p. 82.
38 ibidem, p. 83.
provado. As segundas dizem respeito a outro(s) fato(s) que, por sua vez, se liga(m) ao fato a
ser provado. São provas indiretas as presunções e indícios”39.
Ressalte-se novamente que a prova, para superar o exame de pertinência, deve versar
sobre o fato probando, o objeto da prova. As bases para a diferenciação entre prova direta e
prova indireta residem, portanto, na relação existente entre o conteúdo da prova e o delito, a
qual, devido sua complexidade e relevância, merece destaque no presente estudo.

1.1.3.1 Prova direta e Indireta. Considerações relevantes.

Malatesta, ao tratar dessa classificação, inicia seu raciocínio partindo da necessidade


de “determinar qual a verdade cuja verificação se tem em vista, para passar, depois, a
examinar a relação concreta que possa ter a prova com aquela determinada verdade”40. O
doutrinador italiano aduz que a verdade a cuja verificação tende o juízo criminal é àquela que
diz respeito ao delito, concluindo que “ao examinar e classificar as provas quanto ao
conteúdo, referem-se elas, […], como ponto fixo, ao delito, que é a verdade particular que se
tenta verificar, instaurando o processo.”41 Partindo dessas premissas, Malatesta propõe que a
classificação quanto ao conteúdo da prova depende de averiguar se a relação do conteúdo da
prova com a verdade se dá de maneira mediata ou imediata:

a prova pode referir-se, como a objeto imediato, ao delito, mesmo em um


dos seus mínimos elementos ou consistir no próprio elemento delituoso,
sendo chamada, agora, de prova direta. Pode, ao contrário, a prova, como ao
objeto imediato, referir-se a uma coisa diversa do delito, da qual, por um
esforço da razão se passa ao delito, referindo-se, assim, a este mediatamente
ou pode consistir diretamente nessa coisa diversa, sendo chamada, agora, de
prova indireta.42

Dito de outro modo, as bases dessa classificação dizem respeito à maneira pela qual se
obtém do conteúdo da prova a proposição acerca do fato que se quer provar. De um lado, as
provas diretas por si só já externam uma proposição referente ao fato probando, de outro, as
provas indiretas necessitam seja procedida uma operação mental sobre seu conteúdo, através
da qual será obtida a proposição relacionada ao fato probando.
Danilo Knijnik observa que do ponto de vista ontológico não há qualquer diferença
entre a prova direta e a indireta. Refere o autor que embora as provas direta e indireta exijam

39 CAGLIARI, 2001, p. 82.


40 MALATESTA, 1995, p. 153.
41 ibidem, 1995, p. 154.
42 ibidem, 1995, p. 154
diferentes graus de esforço e inteligência para a correta aferição da verdade dos fatos, a
verdade a ser obtida pela análise do conjunto probatório, em qualquer hipótese, jamais
traduzirá com perfeição o fato, visto que tal finalidade não é tangível pela verdade
processual.43
Ao contrário da prova direta, que já traz em seu conteúdo o próprio fato probando, ou
uma de suas circunstâncias, a prova indireta demanda uma análise de seu conteúdo para que
se estabeleça a existência de um nexo causal entre o fato provado e o fato delituoso, além da
determinação do grau em que se dá tal reação de causalidade. É nesse sentido que pode-se
afirmar que através da prova indireta pode ser obtida a verdade os fatos, embora a respectiva
operação mental demande um maior esforço do julgador para obtenção de uma conclusão
precisa e segura. Assim, tem-se por incorreto dizer que a prova direta sempre oportunizará
uma reconstituição dos fatos melhor do que a prova indireta. Não há diferença, portanto,
quanto a natureza das provas direta e indireta, mas sim uma diferença de grau de
complexidade da operação mental que envolve a análise de cada uma delas, com vistas a
atingir a finalidade à qual se presta a prova.
Há, portanto, uma mera diferença quanto ao conteúdo dessas provas, sendo que na
prova direta trata-se do próprio fato objeto do processo, enquanto na prova indireta são fatos
diferentes do principal, mas que tendem a possibilitar, através do emprego de uma operação
mental, a determinação da existência de uma relação entre o fato conhecido e o fato
desconhecido sobre o qual se deseja saber a verdade.
O estudo da relação entre a proposição oriunda da prova e o grau de convencimento
passível de ser obtido pelo julgador acerca da real ocorrência de um fato, por sua vez, é
questão determinante para a aferição da aptidão da prova indiciária como base para uma
condenação na esfera penal e será gradualmente aprofundado assim que devidamente
esgotada a abordagem acerca da índole de operação mental procedida sobre a prova indireta e
das particularidades inerentes à figura do indício.

1.2 Considerações preliminares acerca da Prova indiciária.

Munido de uma compreensão suficiente do que se entende por prova, assim como de
seu tratamento por parte do magistrado em nosso sistema de processo penal, torna-se possível
iniciar uma abordagem direcionada ao estudo da própria figura do indício, desde seu conceito
até as polêmicas acerca de sua identidade ou diferenciação em relação à figura da presunção.

43 KNIJNIK, 2007, p 25/28.


Por derradeiro, abordar a classificação dos indícios sob diferentes perspectivas mostra-se
tarefa útil para a compreensão de alguns aspectos elementares da força probatória do indício,
bem como para estabelecer uma noção prévia da amplitude de sua aplicabilidade enquanto
prova do fato delituoso.

1.2.1 Conceito de Indício

Na definição fornecida por De Plácido e Silva, indício, em sentido jurídico, significa


“o fato ou a série de fatos, pelos quais se pode chegar ao conhecimento de outros, em que se
funda o esclarecimento da verdade ou do que se deseja saber”44.
Mesmo as normas positivadas em nosso ordenamento jurídico revelam divergências
quanto ao que se entende pelo termo indício. Enquanto o artigo 239 do Código de Processo
Penal Brasileiro define indício como sendo “a circunstância conhecida e provada, que, tendo
relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras
circunstâncias”45, o artigo 382 do Código de Processo Penal Militar conceitua-o como sendo
“a circunstância ou fato conhecido e provado, de que se induz a existência de outra
circunstância ou fato, de que não se tem prova”46.
Na doutrina, existem entendimentos como o de Mittermayer, o qual defende que o
“indício é um facto em relação tão precisa com outro facto, que de um o juiz chega ao outro
por uma conclusão natural”47, esta decorrente do emprego de um raciocínio sobre o fato
conhecido48, e o de Dellepiane, que assevera ser o indício “todo fato conhecido [...]
devidamente comprovado suscetível de conduzir-nos, por via de inferência, ao conhecimento
de outros fatos desconhecidos”49.
Dentre os autores, porém, merece maior destaque a lição de Maria Thereza Rocha de
Assis Moura, que proporciona um respeitável e metódico trabalho acerca do conceito de
indício. Para a doutrinadora “Indício é todo rastro, vestígio, sinal e, em geral, todo fato
conhecido, devidamente provado, suscetível de conduzir ao conhecimento de um fato
desconhecido, a ele relacionado, por meio de um raciocínio indutivo-dedutivo”50. Em suma, a
autora posiciona-se no sentido de que o indício deve ser entendido como um fato, afastando

44 SILVA, 2001, p. 426.


45 Art. 239 do CPP.
46 Art. 382 do CPPM.
47 MITTERMAYER, 1917, p. 496.
48 ibidem.
49 DELLEPIANE, 1958, p. 67.
50 ASSIS MOURA, 2009. p. 25.
do conceito a utilização da expressão 'coisa', por entender tratar-se de “palavra de âmbito
freqüentemente indefinido”.51 Ainda, aduz que é possível estabelecer sinonímia entre os
termos circunstância e fato, desde que o primeiro não seja compreendido em seu sentido
jurídico-penal e, Nessa senda, lança uma crítica ao texto do artigo 239 do Código de Processo
Penal, o qual teria utilizado o termo circunstância em sentido etimológico.52
A indispensável verificação da índole da operação mental que permite ao indício
conduzir ao conhecimento de fato desconhecido é igualmente ressaltada pela doutrinadora,
pois, segundo seu entendimento, uma acepção incorreta de tal trabalho lógico possuiria o
condão não só de conduzir a uma incorreção conceitual, mas também de atingir
negativamente o valor probatório do indício. Nessa esteira, aduz que o vocábulo indução,
presente no artigo 239 do Código de Processo Penal, foi utilizado pelo legislador em seu
sentido vulgar, afastando-se do rigorismo técnico. Sustenta, por seu turno, que a chamada
ilação indiciária possui natureza lógica indutivo-dedutiva.53
A questão da operação lógica a ser empregada sobre o indício é de grande interesse ao
tema ora estudado, pois além de figurar como um dos requisitos de existência do indício54,
sua compreensão mostra-se essencial à própria compreensão do valor probatório da prova
indireta em sua relação com o grau de convencimento do julgador que a aprecia. A inferência
indiciária será objeto de abordagem nos itens que seguem, os quais dizem respeito a relação
entre os termos presunção e indício.

1.2.1.1 Suspeita, Presunção e Indício

De início, cabe salientar a clara distinção entre os termos indício e suspeita. Ao


contrário do que ocorre com a prova indireta, sobre a suspeita sequer é realizado um
raciocínio de complexidade relevante, porquanto esta se funda apenas no que se entende por
possível, não havendo análise de quaisquer elementos concretos idôneos a embasar aquilo que
se supõe. A suspeita “consiste em olhar buscando algo ou pensando algo, porém,
intimamente, e sem qualquer base objetiva [...] não passa de conjetura, fundada em juízo
geralmente desfavorável de alguém, de coisas, ou fatos, juízo este que sempre gera
desconfiança ou dúvida.”55

51 ASSIS MOURA, 2009, p. 34.


52 ibidem.
53 ASSIS MOURA, 2009.
54 Ver ponto 2.2.1.1.2.
55 ASSIS MOURA, 2009, p. 57.
Não se trata de proposição fundada em raciocínio acerca do certo ou do provável, mas
sim de mera identificação de uma possibilidade. Em que pese incapaz de proporcionar
verdadeira prova dos fatos, a suspeita possui importância na medida em que pode deflagrar
um processo investigatório apto a obter elementos de provas significantes para o deslinde de
um caso. Nesse ínterim, Segundo Fautrier manifesta-se no sentido de que o investigador, em
sede policial, não deve menosprezar nem o menor dos detalhes quando se depara com um
caso de relevante complexidade:
La mayoria de los delitos se presentan ante la policia rodeados, desde el
primer momento, de misterio, comenzando desde entoces la labor del
profesional, que no debe desperdiciar un sollo detalle o antecedente – por
pequeño que sea – que obligue su atención, para deducir con la observación
sagaz y adecuada, cómo y em qué forma puede haberse producido el hecho
que tenemos ante nuestros ojos y bajo nuestra responsabilidad.56

Em que pese útil ao desenvolver de uma investigação acerca de um fato delituoso, a


suspeita não passa de opinião pessoal carregada de juízos de valor e subjetivismo do
indivíduo que a emprega e, assim sendo, jamais terá qualquer eficácia probatória em nosso
sistema de Processo Penal.
No que tange a relação entre presunção e indício, a questão não se soluciona com
argumentação tão exígua, pois existem diversas correntes a defender os mais diversos
posicionamentos, desde a identidade entre as duas figuras, até a completa diferenciação das
mesmas.
Entre os que defendem a identidade, ou sinonímia, entre as duas expressões,
Mittermayer fundamenta sua posição na idéia de que “os praxistas e o legislador” empregam
as expressões de maneira indiferente.57
De outro lado, as teorias que tomam significados diferentes para as expressões
presunção e indício apresentam diversidade de argumentos para a obtenção dessa conclusão.
Existem três principais linhas que defendem a diferenciação, uma delas utiliza um critério
lógico-racional, segundo o qual a índole das operações mentais realizadas sobre o indício e
sobre a presunção pertenceriam a categorias lógicas distintas, outra vertente toma por
parâmetro a natureza da verdade contida na premissa maior da inferência e uma última
corrente estabelece que as expressões devem ser entendidas como sendo diferentes
componentes da inferência que se procede sobre o fato conhecido para provar o fato
desconhecido.

56 FAUTRIER, 1940, p. 10
57 MITTERMAYER, 1917, p. 495.
1.2.1.1.1 Presunção e Indício. Distinção do ponto de vista lógico.

O primeiro critério para a diferenciação é fornecido por Maria Thereza de Rocha Assis
Moura, que explica a diferença existente entre as duas figuras através de algumas digressões
acerca da índole das operações mentais que devem ser procedidas sobre os indícios e sobre as
presunções, ou seja, defende uma distinção do ponto de vista lógico.58
Aduz a autora que a presunção pode ser definida como “a ilação que a lei ou o
magistrado tira de um fato conhecido, partindo da experiência comum, para afirmar,
antecipadamente, como certo ou provável, um fato desconhecido”59. Complementa sua noção
afirmando que “na presunção [...] não há o trabalho indutivo, porque falta o elemento
particular, que se move em direção à regra geral. A lei é formada na consciência, e dela se
procede, imediatamente, para atribuí-la para o sujeito processual”60. Assim sendo, a autora
atribui como meio de obtenção de uma ilação presuntiva, unicamente o emprego do
raciocínio dedutivo.61
No que tange ao indício, aponta a doutrinadora para a existência de posicionamentos
no sentido de que há aqueles que acreditam tratar-se a ilação indiciária de um raciocínio
puramente dedutivo, enquanto outros referem tratar-se de um raciocínio meramente indutivo.
Mas ela mesma filia-se a uma terceira corrente, da qual também fazem parte Dellepiane e
Malatesta, segundo a qual o raciocínio a ser procedido sobre o indício é o de índole indutivo-
dedutiva. Refere a autora:
A nosso ver, o indício não resulta unicamente de uma indução nem de pura
dedução, como, em geral, se dividem os doutrinadores.
Como já dissemos, o indício é todo rastro, sinal, vestígio, e, em geral, todo
fato conhecido.
Para que o fato particular, conhecido, conduza ao fato desconhecido, faz-se
necessário, por primeiro, um trabalho de indução, para ligá-lo a uma regra
geral, fundada na observação do que ordinariamente acontece em fatos
análogos, que é a determinação do caráter comum.
Da regra da experiência, por dedução, se desce à aplicação ao caso concreto,
para inferir-se o fato desconhecido ou indicado.
Afirma Dellepiane que, na maior parte dos casos, a operação mental que se
efetua é uma inferência analógica, posto que consiste em uma dedução,
apoiada numa inferência indutiva prévia, cujo fundamento, a premissa maior
do silogismo, não é sempre uma lei, cientificamente comprovada e de caráter

58 ASSIS MOURA, 2009.


59 ibidem, p. 48.
60 ibidem, p. 53.
61 ibidem.
necessário, mas uma lei empírica, uma generalização ministrada pela
experiência, um princípio comum, cujo caráter é contingente.
[...]
Posicionamo-nos, pois, dentre aqueles que entendem que o trabalho lógico
realizado na ilação indiciária é de natureza indutivo-dedutiva.
Indução e dedução combinam-se e completam-se, no juízo lógico-crítico,
sendo este trabalho até mesmo recomendado na procura da verdade
judiciária, porque reforça a probabilidade da conclusão.
[...]
O indício não pode concluir apenas da máxima de experiência, como ocorre
na presunção, fazendo-se imprescindível a existência do elemento particular,
que irá ligar-se à regra geral, para, depois, ser aplicada no caso concreto.
[...]
A ilação indiciária não é uma simples enunciação lógico-teórica: esta se
completa pela lógica concreta, que é a lógica do provável. Pensar-se de modo
diverso, a nosso ver, é atribuir ao sujeito investigador ou uma atividade
essencialmente técnica e não crítica ou então um excessivo arbítrio.62

Com efeito, tanto a dedução quanto a indução em suas formas puras demonstram-se
impróprias para atingir a finalidade que se espera de um indício, qual seja a obtenção de um
juízo de probabilidade.
Na dedução, enquanto silogismo básico, “o termo médio constitui a substância ou a
razão de ser da conexão necessária entre os dois extremos”63. Levando isso em conta, tem-se
que consiste em um tipo de raciocínio que amolda-se a uma concepção puramente
demonstrativa da prova por confiar excessivamente em suas premissas.
De outra banda, na indução, “o termo médio aparece na conclusão, o que significa que
ele não é um porque substancial, mas apenas um simples fato”64. “Portanto, a indução não
tem valor necessário ou demonstrativo, conquanto seja mais clara que o silogismo; seu âmbito
de validade é o mesmo do fato, ou seja, da totalidade dos casos em que sua validade foi
efetivamente constatada,”65. Dessa maneira, tem-se que a conclusão obtida pela indução pura
possui uma carga excessiva de indeterminação, e “pode, portanto, ser usada para fins de
exercício, em dialética, ou com objetos persuasivos em retórica”66, mas devido à sua
maleabilidade, não é possível atribuir eficácia de prova à conclusão obtida pelo raciocínio
puramente indutivo, ainda mais quando exigido um grau de convencimento que remonte à
certeza sobre a ocorrência de um fato determinado.
De outro lado, não existem óbices a utilização de uma conclusão induzida de uma
máxima de experiência como base para um posterior raciocínio dedutivo, confrontando esta

62 ASSIS MOURA, 2009, p. 39-40.


63 ABBAGNANO, 2000, p. 557.
64 ibidem, p. 557.
65 ibidem, p. 557.
66 ibidem, p. 557.
conclusão com uma outra premissa, um fato, advindo do caso concreto. Nesse sentido,
Malatesta sustenta que o raciocínio indutivo-dedutivo é empregado tanto para o indício, como
para a presunção, ou seja, para ambas espécies do gênero prova indireta, afastando o mero
emprego de dedução pura porque esta seria incompatível com a prova indireta e defendendo a
aplicação do chamado raciocínio experimental.67 Refere o doutrinador italiano:

Qual é, pois, a natureza lógica do argumento probatório indireto? Sempre


que se fala de raciocínio, fala-se de consequência particular, deduzida de
uma premissa mais geral; é, em suma, a forma lógica da dedução. Ora, em
matéria de argumentos probatórios indiretos, tratando-se de fatos
particulares, indicando um outro fato particular em que se concretiza o
delito, apresenta-se à mente uma certa dificuldade lógica para admitir a
dedução como via intelectiva para conduzir ao conhecimento do delito.
Poderá, talvez, o delito, deduzir-se por meio de uma evolução racional de
uma idéia geral?
Mas toda dificuldade desaparece, quando se considera que o raciocínio,
logicamente, tem uma dupla natureza, relativamente a nosso duplo modo de
perceber o conteúdo da premissa maior.
O conteúdo geral desta premissa maior pode ser percebido imediatamente
em sua realidade ideal e da sua generalidade percebida diretamente pode-se
deduzir o particular que nela se contém; é o caso da dedução pura, o método
fecundo das ciências abstratas, que não consistem senão na evolução dos
princípios supremos. Este raciocínio, que chamamos puro, não tem possível
aplicação às contingências do delito e não é desta espécie de raciocínio que
pretendemos falar, quando falamos da forma lógica do argumento probatório
indireto.
Mas o conteúdo da premissa maior do raciocínio, além da percepção
imediata de sua realidade ideal, pode provir de um trabalho indutivo, a
observação das verdades particulares nos faz subir a uma verdade mais geral.
É o caso da indução, o método fecundo das ciências experimentais. São as
várias particularidades observadas que nos dão aquela verdade geral, de que
nos valemos para, em seguida, concluirmos pela particularidade do delito.
Neste raciocínio, que chamamos experimental, para distingui-lo do outro que
denominamos puro, é sempre por trabalho dedutivo que se precede do
conhecido ao desconhecido. Mas a premissa maior deste raciocínio, o
princípio geral que é o ponto de partida da argumentação, não a temos por
percepção imediata, mas por trabalho de indução. É este raciocínio em que
se concretiza a forma lógica do argumento probatório indireto.
Logicamente, não pode funcionar como argumento probatório indireto senão
o raciocínio que chamamos experimental.68

Pelo entendimento de Malatesta, portanto, não existe qualquer distinção entre


presunção e indício do ponto de vista lógico, sendo que, para o doutrinador italiano, a real
diferença entre os dois raciocínios se daria em razão da natureza do raciocínio probatório
indireto que se aplica para obtenção de cada uma delas, como se verá a seguir.

67 MALATESTA, 1995.
68 ibidem, p. 189-191.
1.2.1.1.2 Presunção e Indício. Distinção do ponto de vista da natureza da verdade
contida na premissa maior da inferência indiciária.

De acordo com os ensinamentos de Malatesta, uma vez adotado o chamado raciocínio


experimental para ambas as figuras, sua diferenciação decorreria senão da natureza das
verdades que estão contidas na premissa maior da inferência indutivo-dedutiva, eis aí o
segundo critério de diferenciação entre a presunção e o indício, melhor exposto na lição do
autor:
O raciocínio é um juízo deduzido de dois outros juízos; cada uma deles é
expresso numa proposição: premissa maior, menor, e conclusão. Na primeira
delas, a premissa maior, está colocado o juízo mais geral, ou seja, o princípio
em que está contida a ilação que se procura extrair com a conclusão. Na
primeira delas, a premissa maior, está colocado o juízo mais geral, ou seja, o
princípio em que está contida a ilação que se procura extrair com a
conclusão; a segunda das premissas, que se chama menor, não é mais que um
juízo declaratório dessa continência. Disto se conclui que a natureza do
raciocínio é determinado pelo juízo contido na premissa maior pois, por um
lado, a conclusão está contida naquele mesmo juízo e, por outro, a menor
não serve senão para declarar essa continência.
Para estudar, portanto, a natureza ontológica do raciocínio, basta, como
fizemos com o estudo da natureza lógica, estudar um só juízo, o expresso na
premissa maior. Se, para apurar a natureza lógica do raciocínio probatório,
consideramos o juízo contido na maior, em relação ao modo como se apossa
do espírito; para apurar, agora, a natureza ontológica, consideraremos o
mesmo juízo em relação à verdade a que se refere.
Ora, em relação à verdade, que é o seu conteúdo, de quantas espécies pode
ser este juízo constitutivo da maior? A resposta acha-se na questão geral e
metafísica da redução dos juízos primitivos.
Um juízo não é mais que a relação entre duas idéias. Ora, estas duas idéias,
que constituem os dois limites da relação, podem ser idênticas entre si ou
diferentes. Eis, de um ponto de vista generalíssimo, duas categorias de
relação entre as idéias; eis, então, duas espécies de juízos possíveis, relações
de identidade e juízos analíticos: relações de diversidade e juízos sintéticos.69

Assevera o doutrinador italiano que “enquanto o raciocínio presuntivo vai do


conhecido ao desconhecido sob a luz do princípio da identidade, o raciocínio indicativo
percorre a mesma trajetória, sob a luz do princípio de causalidade.”70A conclusão obtida pelo
autor deve-se às digressões por ele realizadas acerca dos juízos analíticos, e sua relação com o
princípio da identidade, e dos juízos sintéticos, e sua relação com o princípio da causalidade.
Para ele, o princípio da identidade decorre senão de um juízo lógico que propõe a seguinte

69 MALATESTA, 1995,, p. 191.


70 Ibidem, p. 213.
idéia: “o que é, é”71. Aduz ainda que tal princípio diz respeito ao “tronco primitivo de todos
os juízos analíticos”72, quais sejam os princípios da contradição, do conhecimento, da
substância e do meio excluso. Explica o doutrinador:
1º) Uma coisa não pode ser e deixar de ser ao mesmo tempo e sob as mesmas
relações, precisamente porque o que é, é; o princípio de contradição se reduz,
portanto, ao princípio de identidade.
2º) O objeto do pensamento é o ser, pois se fosse o nada, pensar-se-ia em
nada, ou seja, pensar-se-ia e não se pensaria, indo de encontro ao princípio
da contradição. O princípio de conhecimento, resolvendo-se portanto no de
contradição e este se resolvendo por sua vez no de identidade, segue-se
também que o ele se reduz ao de identidade.
3º) O princípio de substância reduz-se também ao de identidade, pois a
qualidade supõe a substância, enquanto que toda qualidade não é senão o
modo de ser da substância. As qualidades são a substância explicada nos
seus modos; são, direi assim, as aparências da substância. Todo modo de ser
da substância deve, pois, supor a substância: de outra forma se suporia o
nada, e seria, por isso, modo do ser e modo do nada, ao mesmo tempo e sob
a mesma relação, o que é impossível pelo mesmo princípio da contradição,
que se resolve no de identidade.
4º) É pelo mesmo princípio de identidade, pois que o ser é o ser, uma coisa é
ou não é.
Eis, portanto, o princípio de contradição e o de conhecimento, o de
substância e o de exclusão, reduzidos todos ao principio de identidade.73

Entende-se dos ensinamentos de Malatesta que a relação entre o princípio da


identidade e o raciocínio presuntivo parte da idéia de que, tomando como parâmetro um ser
de existência determinada, em certas condições pode-se tomar suas qualidades como inerentes
à sua substância, desde que eliminada a possibilidade de contradição entre essas qualidades e
a própria substância do ser. Feito isso, possibilita-se ao raciocínio de lógica indutivo-dedutiva
da inferência presuntiva propor que um ser de mesma substância daquele tomado por
parâmetro, nas mesmas condições, ordinariamente possui suas mesmas qualidades.
Por sua vez, o princípio da causalidade, cuja proposição é a de que “todo
acontecimento supõe uma causa”74, é tido pelo autor como o “tronco original de todos os
juízos sintéticos”75, quais sejam o princípio da razão suficiente e o princípio da finalidade.76

5º) O princípio da razão suficiente reduz-se ao da causalidade, porquanto o


que é causa enquanto produz é razão enquanto explica
6º) O princípio da finalidade, por último, reduz-se também ao d causalidade,
pois é sempre o fim que determina a natureza do meio, a natureza do meio é,

71 MALATESTA, 1995, p. 192.


72 ibidem, p. 192.
73 ibidem, p. 192, nota 12.
74 ibidem, p. 192.
75 ibidem, p. 192.
76 ibidem, p. 192.
por isso, uma consequência ou um efeito, por assim dizer, da natureza do
fim. [...].
Eis, portanto, os outros dois princípios, o da razão suficiente e o da
77
finalidade reduzirem-se, por sua vez, ao princípio da causalidade.

Assim, de acordo com as lições de Malatesta, tem-se a inferência indiciária quando


constatada pela experiência a ocorrência necessária ou ordinária de um nexo de causa e
efeito entre a premissa maior do raciocínio indutivo-dedutivo e a conclusão obtida. É dizer,
em outras palavras, que da experiência se obtém um juízo de ordinariedade ou de
necessariedade da causalidade entre o fato conhecido e o desconhecido.78 Ilustrativo é o
seguinte exemplo dado pelo doutrinador italiano, em que se indica como causa da existência
de determinados vestígios no cano de uma espingarda o provável acionamento recente de seu
mecanismo de disparo:
da observação particular e cumulativa de várias espingardas imediatamente
após disparadas, chega-se, por indução, a afirmação geral de que certos
determinados vestígios do cano provam ordinariamente o disparo recente;
encontram-se, portanto, naqueles determinados vestígios nos canos de uma
determinada espingarda e conclui-se por um recente disparo79

Em suma, as conclusões obtidas por Malatesta vão no sentido de que do ponto de vista
da lógica, sobre a prova indireta deve incidir o raciocínio experimental, não devendo,
portanto, a índole da operação mental procedida sobre o indício e sobre a presunção servir
como parâmetro para a diferenciação entre ambos. A diferenciação entre ambos se dá, para o
doutrinador italiano, tão somente pela natureza da verdade enunciada na premissa maior da
inferência indutivo-dedutiva realizada sobre a prova indireta, que pode consistir em um juízo
analítico, quando se estiver diante de uma presunção, ou em um juízo sintético, quando de
fronte a um verdadeiro indício.

1.2.1.1.3 Presunção e Indício. Diferentes componentes da inferência indiciária

Por fim, cumpre fazer uma breve alusão a um terceiro posicionamento acerca da
diferenciação entre as figuras da presunção e do indício. Um dos representantes dessa
corrente é o jurista gaúcho Inocêncio Borges da Rosa, o qual confere ao indício o papel de
suporte fático da inferência que possibilita estabelecer um nexo causal em relação ao fato

77 MALATESTA, 1995, p. 192, nota 12.


78 ibidem.
79 ibidem, p. 190.
probando, sendo a presunção o resultado do trabalho lógico realizado sobre o fato provado.
Essa é a lição do autor:
No sentido restrito, indícios do fato são sinais, vestígios, coisas que se
relacionam com o dito fato, que deixam entrevê-lo, ou a autoria ou co-autoria
do acusado, de maneira indireta e incompleta. São chamados, por isto,
'testemunhas mudas' do fato.
Não se confundem com as presunções, que são opiniões, juízos fundados
sôbre os indícios e as circunstâncias; que são as conjecturas que a lei ou o
juiz tira, por consequência indireta, da reiteração dos fatos conhecidos, dos
indícios e das circunstâncias, para afirmar a existência do fato que se
pretende provar.80

Existe para essa corrente, portanto, uma clara diferenciação entre as figuras na medida
em que o indício significaria o fato conhecido e provado que teria como função servir como
premissa para a inferência indiciária, da qual resultaria a presunção, consistindo esta no
verdadeiro argumento da prova indireta.

1.2.1.1.4 Conclusões.

Existem, portanto, pelo menos quatro posicionamentos acerca da relação entre


presunção e indício. Em análise às teses referidas, é possível estabelecer algumas
características fundamentais do raciocínio indireto: i) a máxima da experiência que compõe a
premissa maior da inferência é obtida através de um raciocínio indutivo acerca do ordinário
comportamento das coisas; ii) a premissa menor da inferência consiste no fato conhecido, no
indício propriamente dito; iii) sobre as premissas deve ser utilizado um raciocínio dedutivo,
de modo a obter um juízo acerca da provável (ou necessária) ocorrência do fato desconhecido.
Diante de tais características, torna-se imperioso traçar algumas considerações acerca
do tema ora tratado. A primeira delas é a de que o raciocínio empregado sobre o indício é de
índole indutivo-dedutiva. A segunda delas é que, em qualquer hipótese, o fato conhecido deve
ser entendido como sendo o indício em si. Por fim, a última das conclusões, mas não menos
importante, é a de que pouco importa a maneira como é chamado o resultado da inferência
realizada sobre o indício. Chamá-la simplesmente de indício ou de presunção, como defende
Borges da Rosa, é questão que remonta a discussões meramente etimológicas, que não
possuem o condão de extrair a força probatória da inferência indutivo-dedutiva empregada
sobre o indício. Assim sendo, as diferenças existentes entre o que defendem os autores dizem
respeito à mera atribuição de significado aos diversos componentes do raciocínio empregado

80 BORGES DA ROSA, 1959, p. 160


sobre a prova indireta, não sendo possível estabelecer posicionamento em direção a um ou
outro entendimento sem enfrentar uma análise etimológica dos termos presunção e indício,
tarefa desnecessária para a aferição da força probatória do indício, sobre a qual recaem os
objetivos do presente estudo.

1.2.2. Classificação dos Indícios

Algumas propostas de classificação dos indícios são de relevante interesse para o


presente estudo, pois se mostram aptas a introduzir algumas noções preliminares atinentes à
força probatória do indício enquanto prova. De outro lado, outras classificações interessam
porque úteis a determinar, dentre os elementos que compõe o fato delituoso, quais são
passíveis de comprovação por essa espécie de prova indireta. É possível, portanto, mediante a
análise de certas classificações dos indícios, obter uma noção prévia do espectro de utilização
e da força do indício enquanto prova.

1.2.2.1. Classificações tradicionais

As classificações propostas pelos autores tradicionais guardam relação com a


compreensão da força probatória dos indícios porque trazem conceitos úteis para o
entendimento daquilo que se entende por requisitos de existência e eficácia probatória dos
indícios. Tal fato não deve causar estranheza, pois essas classificações remontam à tempos em
que vigente o sistema da prova legal, decorrendo, portanto, da necessidade de tarifação da
prova para que fosse aritmeticamente obtida uma decisão pelo magistrado acerca da questão
de fato. Em verdade, essas classificações devem ser estudadas porque revelam pontos
polêmicos acerca da utilização de determinados indícios como prova apta a ensejar uma
condenação.
De acordo com Pierangeli, é possível dividir as classificações tradicionais mais
relevantes em três grupos.81 Segundo o autor, a primeira divisão dos indícios ocorre “em
razão da sua ligação direta ou indireta com o fato e são classificados em imediatos ou
próximos e imediatos ou remotos”82. A segunda classificação toma como parâmetro a relação
entre o indício e o momento do delito, podendo ser “anteriores, concomitantes e

81 PIERANGELI, 2006.
82 ibidem, p. 208.
posteriores”83. Por fim, o terceiro grupo classifica os indícios em “fracos ou leves, veementes
ou robustos e veementíssimos”84.
A primeira divisão supracitada diz respeito ao número de inferências realizadas sobre
o fato provado para que possibilite uma proposição diretamente ligada ao fato probando
objeto do processo. Tendo em conta o parâmetro utilizado para a classificação, basta enunciar
que se da inferência realizada sobre o indício resultar conclusão referente ao fato probando,
estar-se-á diante de um indício imediato. O indício mediato, por sua vez, ocorre quando o
resultado da inferência gerar conclusão à respeito de um fato, sobre o qual deva ser realizada
nova inferência para obtenção de uma nova conclusão, e assim sucessivamente, até que se
obtenha uma conclusão acerca do fato probando. O caráter remoto dos indícios mediatos
deve-se, portanto, à pluralidade de inferências interligando o fato provado ao fato probando.
Conhecer essa diferenciação é requisito para compreender a discussão acerca da
possibilidade de ter como certo e provado um indício de segundo grau, questionamento este
que atine à verificação da precisão do indício85, que por sua vez é um dos requisitos para o
indício adquirir eficácia de prova no processo penal.
De outro lado, a proposta de divisão do segundo grupo não possui grande relevância
para a compreensão da eficácia probatória dos indícios, motivo pelo qual deve-se passar à
análise do terceiro grupo, o qual analisa o indício segundo o conteúdo da máxima da
experiência contida na premissa maior do raciocínio indiciário desenvolvido.
Nesse sentido, embora já se tenha referido anteriormente a outras denominações, é
preferível dividir os indícios desse grupo segundo duas denominações, quais sejam o indício
necessário e o indício contingente. Essas denominações atendem melhor ao parâmetro
utilizado para essa classificação, qual seja o conteúdo da proposição resultante da inferência
indiciária.
Segundo Ferrater Mora, as proposições simples subdividem-se em necessárias,
contingentes e impossíveis, sendo as necessárias aquelas “nas quais se enuncia algo que não
pode ser de outro modo”86, as contingentes, por sua vez, aquelas “ nas quais se enuncia algo
que pode ser de outro modo”87 e as proposições impossíveis aquelas “nas quais se enuncia
algo que não pode ser de nenhum modo”88. Cumpre salientar, as duas primeiras categorias

83 PIERANGELI, 2006, p. 208.


84 ibidem, p. 208.
85 Ver ponto 2.2.1.1.1.
86 FERRATER MORA, 2005, p. 2390.
87 ibidem, p. 2390.
88 ibidem, p. 2390.
revelam os indícios necessários e contingentes, enquanto a proposição impossível encontra
maior identidade com a figura do contra-indício.
Para uma melhor compreensão, é relevante considerar que o conteúdo da máxima da
experiência que compõe a inferência indiciária é que acaba por determinar o grau
probabilístico com que o fato probando pode ter efetivamente ocorrido. Tal máxima de
experiência se obtém da observância dos acontecimentos, os quais, segundo Malatesta, podem
ter um caráter de ordinariedade ou de necessidade quando diante de relações de causa e efeito:
Quanto a relação de causalidade, como meio de conhecimento, quer se parta
da idéia geral do constante modo de ser e de agira da natureza, quer se parta
da idéia geral do ordinário modo de ser e agir da natureza, tem-se sempre
uma prova indireta, um indício, porque a causa é sempre algo diverso do
efeito e perceber uma relação, constante ou ordinária que seja, entre causa e
efeito não destrói sua diversidade. Por isso, conhecer por relação de
causalidade é sempre conhecer uma coisa pelo conhecimento de outra; é
sempre conhecer por via indireta; é sempre conhecer por meio do indício.
Portanto, no indício se pode partir, em tese geral, tanto da idéia do ordinário
quanto da idéia do constante modo de agir da natureza.89

O indício baseado no ordinário modo de se comportar das coisas denomina-se


contingente, pois a proposição obtida do mesmo quanto à possível ocorrência do fato
probando consistirá, no máximo, em um argumento de probabilidade, maior ou menor,
havendo que se considerar a existência de motivos infirmantes da conclusão. De outra banda,
caso se entenda como possível uma máxima da experiência determinar um caráter de
necessariedade para uma relação de causa e efeito, estar-se-á diante de um indício dito
necessário, do qual será possível ter imediata certeza quanto a ocorrência do fato probando.
É importante ressaltar que existem discussões acerca da possibilidade de a
experiência poder determinar o caráter necessário de uma relação de causa e efeito, tendo tal
discussão reflexos no atinente aos requisitos de eficácia probatória dos indícios. Dentre tais
requisitos encontra-se a pluralidade de indícios90, a qual deixaria de ser um requisito absoluto
caso admitida a existência de um indício necessário, que em caráter excepcional acabaria por
bastar por si só para gerar a certeza necessária para o convencimento do julgador quanto a
existência do fato probando.

89 MALATESTA, 1995, p. 199


90 Ver ponto 2.2.2.2.4.
1.2.2.2. Classificação dos indícios segundo a comprovação do fato delituoso

Traçados os principais parâmetros acerca das classificações tradicionais dos indícios,


convém analisar uma terceira classificação, ditada pelo “esboço para uma classificação dos
indícios”91, proposto por Assis Moura, o qual fornece uma compreensão quanto aos
elementos do fato delituoso passíveis de comprovação através da prova indiciária.
Mittermayer frisa a ampla gama de elementos de um fato delituoso passíveis de
serem comprovados pela prova indiciária:

applicado ao processo criminal, o indício é o facto, circumstancia accessoria


que se prende ao crime principal, e que, por isso, concorre para se chegar á
conclusão, ou de ter sido commettido o crime, ou de ter nelle parte um
indivíduo determinado, ou de ter sido o crime consummado deste ou
daquelle modo. Em uma palavra, os indícios versam, ou sobre o facto, ou
sobre o agente, ou sobre o modo do facto.92

Nessa esteira, propõe Assis Moura que, para obter o conhecimento de um fato em
sua completude, deve-se buscar respostas para sete questionamentos básicos, os quais seriam
suficientes para a aferição da autoria e da materialidade do delito, assim como de alguns
aspectos atinentes à imputabilidade e a culpabilidade do acusado. Essa é a lição da
doutrinadora:
todo fato criminoso deve ser examinado sob os aspectos seguintes:
a) Quem praticou o delito (quis)
b) Que meios ou instrumentos empregou (quibus auxiliis)?
c) Que malefício, ou perigo de dano, produziu o injusto (quid)?
d) Que motivos o determinaram à prática (cur)?
e) Por que maneira praticou o injusto (quomodo)?
f) Em que lugar o praticou (ubi)?
g) Em que tempo, ou instante, deu-se a prática do injusto (quando)?
[...]
A prova por indícios presta grande auxílio na solução das sete questões
acima enumeradas, as quais se direcionam, em última análise, à
comprovação de tudo que cerca a materialidade, bem como à descoberta da
autoria, com vistas à imposição de pena ao agente responsável, que agiu com
culpa, a sentido lato ou estrito.93

É possível observar que o critério utilizado pela autora passa necessariamente pela
finalidade prática conferida ao resultado da inferência indiciária em sua relação com a
estrutura do fato delituoso.

91 ASSIS MOURA, 2009, p. 67.


92 MITTERMAYER, 1917, p. 496.
93 ASSIS MOURA, 2009, p. 67-69.
Com efeito, esse caráter metodológico conferido por Assis Moura à sua classificação
dos indícios tem grande valia para a apreciação da prova indiciária, tanto por facilitar a
atividade do magistrado ao manusear a prova e relacioná-la com os elementos do delito que
necessitam ser provados, como por auxiliar na fundamentação da sentença quanto à
explicitação dos elementos de prova que levaram o julgador a concluir pela existência do fato
delituoso.
Por derradeiro, cumpre referir que a utilização da estrutura do fato delituoso como
parâmetro para a classificação dos indícios revela não só que os indícios podem ser
amplamente utilizados para fazer prova dos elementos constitutivos do crime, mas também
que os mesmos, por vezes, acabam sendo o único meio de prova possível para a comprovação
de alguns deles.
Um exemplo do que se esta por referir diz respeito à comprovação do dolo, a qual
não se mostra possível por meios diretos senão por meio de confissão do autor do fato de que
desejava o resultado produzido por seus atos, ou por testemunho de pessoa que teria visto o
acusado expressar essa intenção. Tendo em conta não ser corriqueira a confissão espontânea
pelos réus e que raramente um criminoso vai relatar suas intenções para pessoa que possa
fornecer testemunho que lhe seja desfavorável, entende-se que a prova indiciária é, por
excelência, o meio probatório geralmente utilizado para a comprovação do elemento subjetivo
do tipo penal.
Assim, é possível concluir que a classificação dos indícios de acordo com a
comprovação do fato delituoso é de grande utilidade para a compreensão dos aspectos que
envolvem o delito, auxiliando não só na reconstrução dos fatos pelo magistrado, mas também
para a adequação dos mesmos às soluções jurídicas aplicáveis.
2. A constitucionalidade da Condenação Penal por Prova Indiciária

Constatadas a inexistência de distinção ontológica entre a prova direta e a prova


indireta e a vedação à tarifa legal da prova em decorrência do sistema do livre convencimento
motivado, bem como analisada minuciosamente a inferência indiciária, que permite a
passagem do fato conhecido para o fato probando, tem-se por introduzidas as razões pelas
quais a prova indiciária não deve ser entendida como inferior à prova direta no que tange à
sua força probatória.
De maneira a reforçar essa idéia, por oportuno, importa considerar a compatibilidade
da utilização da prova por indícios como base para a condenação penal com relação aos
princípios constitucionais do processo penal que envolvem a apreciação da prova por parte do
julgador.
De início, especial atenção merece o princípio da presunção da inocência, através do
qual nasce a exigência de certeza, como grau de convencimento acerca da matéria fática, para
a condenação de um acusado. Da mesma forma, impõe-se uma análise dos princípios
constitucionais que dizem respeito à formação do convencimento do magistrado acerca dos
fatos colocados em discussão no processo e à fundamentação de suas conclusões.
Por fim, ultrapassada a fase de exame da compatibilidade da prova indiciária com o
ordenamento constitucional, restará apenas abordar, metodologicamente, os cuidados
entendidos como necessários para garantir a apreciação da prova indiciária sob uma
perspectiva constitucional.

2.1 Prova Indiciária e Princípios Constitucionais de Processo Penal

Os princípios gerais que informam o processo penal são “ao menos inicialmente,
princípios constitucionais ou seus corolários”94. Essa relação entre ordenamento
constitucional e processo penal tende a determinar as características essenciais necessárias à
idéia de um processo justo. Nesse sentido é a lição de Araújo Cintra, Grinover e Dinamarco:
É inegável o paralelo existente entre a disciplina do processo e o regime
constitucional em que o processo se desenvolve.
Todo o direito processual, como ramo do direito público, tem suas linhas
fundamentais traçadas pelo direito constitucional, que fixa a estrutura dos
órgãos jurisdicionais, que garante a distribuição da justiça e a efetividade do
direito objetivo, que estabelece alguns princípios processuais; e o direito

94 ARAÚJO CINTRA, 2004, p. 79.


processual penal chega a ser apontado como direito constitucional aplicado
às relações entre autoridade e liberdade.
(…)
Mas é justamente a Constituição, como resultante do equilíbrio das forças
políticas existentes na sociedade em um dado momento histórico, que se
constitui no instrumento jurídico de que deve utilizar-se o processualista para
o completo entendimento do fenômeno processo e de seus princípios”95

Assim sendo, uma melhor compreensão acerca da possibilidade da prova indiciária


embasar sentença penal condenatória depende de uma análise dos princípios constitucionais
que norteiam a atividade do juiz durante seus atos decisórios, principalmente aqueles que
dizem respeito à apreciação da prova pelo julgador.
Nucci refere-se à existência de princípios constitucionais explícitos e implícitos em
nosso Processo Penal. Explícitos seriam aqueles princípios expressamente adotados pela carta
constitucional, enquanto os implícitos seriam os princípios de processo penal que são
originados pelos primeiros, através de conjugação de normas constitucionais ou mera
inteligência das mesmas.96 Dentre os princípios constitucionais explícitos, existem dois
princípios que merecem enfoque no presente estudo, o princípio da prevalência do interesse
do réu e o princípio da presunção da inocência, isso porque influenciam a atividade do
magistrado durante a avaliação da prova. Segundo Nucci, a presunção da inocência “integra-
se ao princípio da prevalência do interesse do réu (in dubio pro reo), garantindo que, em caso
de dúvida deve sempre prevalecer o estado de inocência, absolvendo-se o acusado”97.
De outro lado, faz-se igualmente indispensável a análise de dois dos princípios
gerais do direito processual98, que igualmente determinam parâmetros para o magistrado ao
firmar seu convencimento e manifestar-se acerca de seu decisum. São eles os princípios da
persuasão racional e da motivação das decisões judiciais, responsáveis pela conformação do
sistema do livre convencimento motivado.

2.1.1 O Princípio da Presunção da Inocência e o in dubio pro reo.

O princípio da presunção da inocência encontra-se expressamente consagrado no


artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, e, de acordo com Ricardo Alves Bento, “tem
um liame direto com os preceitos estabelecidos pelo in dubio pro reo”99. Assevera o autor que

95 ARAÚJO CINTRA, 2004, p. 78.


96 NUCCI, 2007.
97 ibidem, p. 78.
98 ARAÚJO CINTRA, 2004.
99 ALVES BENTO, 2006, p. 579.
a gênese da presunção da inocência deve-se ao in dubio pro reo, bem como sua evolução
para um “instrumento jurisdicional da atividade persecutória penal”100 que visa proteger os
direitos e garantias fundamentais dos indivíduos que tornam-se réus em processos
criminais.101
Para o doutrinador espanhol Vegas Torres, a presunção da inocência é considerada
um direito fundamental em decorrência de sua relevância enquanto garantia no curso do
processo criminal. Assevera o autor, porém, que existem diversas manifestações desse
princípio, as quais podem ser identificadas através de um estudo da literatura científica e das
construções jurisprudenciais acerca do princípio.102 Essa é a lição do doutrinador espanhol,
em sua língua vernácula:
Para poder dar cuenta en su justa medida de las manifestaciones de la
presunción de inocencia hay que recurrir, inevitablemente, a la literatura
científica y a la jurisprudencia. Ambas han puesto de relieve que la
presunción de inocencia encuentra las siguientes formas de expresión en el
proceso penal: en primer lugar, la presunción de inocencia actúa como
criterio o principio informador del processo penal de corte liberal, com és el
español; en segundo lugar, determina el tratamiento que debe recibir el
imputado durante el procedimiento; en tercer lugar, la presunción de
inocencia constituye uma importante regla com efectos em el ámbito de la
prueba y, desde este último ponto de vista (…) la presunción de inocencia
desenpeña dos importantes funciones (…): por un lado, exige la presencia de
ciertos requisitos en la actividad probatoria para que ésta pueda servir de
base para una sentencia condenatoria (función de regla probatoria) y, por
otro lado, actúa como criterio decisorio em los casos de incertitumbre acerca
de la quaestio facti (función de regla de juicio). Por tanto, la presunción de
inocencia actúa en el proceso penal como principio (informando cada uma
de suas fases) y como derecho subjetivo del imputado (como regla
probatoria y regla de juicio).103

De acordo com a lição supracitada, a presunção de inocência enquanto princípio


informador seria um “direito que se reconhece ao imputado com a finalidade principal de
limitar a atuação do Estado no exercício do ius puniendi em tudo o que possa afetar seus bens
ou direitos, isto é, constitui um suposto de imunidade frente a ataques indiscriminados da ação
estatal”104
De outro lado, a presunção de inocência enquanto regra de tratamento do imputado
“impede a aplicação de medidas judiciais que impliquem em uma equiparação de fato entre
imputado e culpado, e, portanto, qualquer tipo de decisão que suponha uma antecipação da

100 ALVES BENTO, 2006, p. 579.


101 ibidem.
102 VEGAS TORRRES, [s.d.], p. 118-119.
103 ibidem, p. 118-119.
104 ibidem, p. 119/120, tradução nossa.
pena.”105. Em relação aos efeitos do princípio da presunção de inocência enquanto dever de
tratamento ao acusado, observa Aury Lopes Jr. que possuem dupla dimensão: umas delas
interna ao processo - “dever de tratamento por parte do juiz e do acusador, que deverão
efetivamente tratar o réu como inocente”106; e outra externa - “impõe limites à publicidade
abusiva e estigmatização do acusado”107.108 Esse enfoque externo merece algum destaque,
atualmente tem se mostrado demasiado invasiva a atuação da mídia, seja com relação a
procedimentos policiais, seja com relação a processos criminais. A abordagem geralmente
sensacionalista das minúcias de determinados casos esconde-se por trás de uma hipertrofiada
visão da liberdade de expressão, sendo que a excessiva exposição das investigações policiais e
da instrução criminal acaba por criar forte comoção na sociedade, minando seriamente a
imagem dos indivíduos colocados no banco dos réus, e colocando o poder judiciário sob
constante pressão de determinados setores da sociedade. Dito de outra maneira, a dimensão
externa dos efeitos da presunção de inocência enquanto dever de tratamento do réu é tema que
merece atenção porquanto se presta a função de não desnaturar certas características do
processo penal, estas intimamente ligadas à noção de processo justo.
Das manifestações referidas por Vegas Torres, porém, aquela que possui maior
pertinência em relação à temática da condenação penal por prova indiciária é a manifestação
do princípio da presunção da inocência enquanto regra que tem efeitos sobre a atividade
probatória, seja com a função de regra probatória ou de regra de juízo.
A presunção de inocência como regra probatória significa que a produção e a
avaliação da prova devem obedecer a determinados requisitos formais, existentes com vistas a
assegurar a idoneidade dos meios probatórios existentes no processo com vistas a obtenção da
verdade dos fatos colocados sub judice. Disserta à respeito Vegas Torres:
De acuerdo con la doctrina del Tribunal Constitucional – que ha se
encargado de desarollar ampliamente esta faceta de la presunción de
inocencia, sobre todo a partir de la conocida Sentencia 31/1981, de 28 de
julio – ésta impone la existencia de determinadas reglas que indican cómo
debe ser el procedimiento probatorio y las características que debe reunir
cada uno de los medios de prueba para que puedan fundamentar uma
sentencia de condena. Por ello, conviene recalcar que no es suficiente
cualquier prueba para destruir el status de inocente, sino que ésta debe
prcticarse de acuerdo con ciertas garantías y de una determinada forma para
cumplir dicho propósito. En concreto, señala el Tribunal Constitucional que
para desvirutar la presunción de inocencia es necesario que exista una
mínima actividad probatoria, que pueda entenderse de cargo, suministrada

105 VEGAS TORRRES, [s.d.], p. 123, tradução nossa.


106 LOPES JR., 2007, p.518
107 ibidem, p.518
108 ibidem.
por la acusación, practicada en el juicio oral y que haya sido obtenida
respetando todas las garantías constitucionales y legales.109

O doutrinador espanhol assevera que o Tribunal Constitucional Espanhol enumera


uma série de requisitos, impostos pela presunção da inocência como regra probatória, os
quais devem ser preenchidos pela prova para que esta se encontre apta a ser avaliada pelo
magistrado ao firmar seu convencimento.110 Nesse ínterim, cabe salientar que o essa dimensão
da presunção da inocência, trazida ao direito brasileiro, guarda relação com à admissibilidade
da prova no que tange à verificação da licitude ou ilicitude do meio empregado para sua
produção.
A presunção da inocência como regra de juízo, por sua vez, manifesta a idéia de que,
existindo dúvida razoável acerca da materialidade ou autoria do fato delituoso, a absolvição é
medida que deve ser adotada. Nesse aspecto, portanto, a presunção de inocência se vale de
uma conjugação com o princípio da prevalência do interesse do réu, também conhecido
como in dubio pro reo, para que, em caso de dúvida, reste o mesmo absolvido. Segundo
Ricardo Alves Bento, o “princípio da presunção da inocência liga-se umbilicalmente ao 'in
dubio pro reo', pelo que não deve ser declarado culpado face à indisponibilidade de provas
suficientes”111 Dessa maneira a presunção de inocência atua como regra de juízo na medida
em que “atua também como expediente de decisão para aqueles casos em que o juiz não
alcançou um convencimento suficiente para ditar um solução, condenatória ou absolutória,
isto é, quando se encontra em um estado de dúvida irresolvível”112.
É em acordo com essa concepção de regra de juízo que Aury Lopes Jr. refere que a
presunção de inocência “predetermina a adoção da verdade processual, relativa, mas dotada
de um bom nível de certeza prática, eis que obtida segundo determinadas condições”113.
Assim, temos para o processo penal, em decorrência da presunção de inocência
enquanto regra de juízo, a consagração de um parâmetro de convencimento chamado
ordinariamente de certeza.
Sobre o chamado grau de convencimento, Camargo Aranha, escorado em
ensinamentos de Malatesta, afirma que a “avaliação da prova, no juízo criminal, pode levar o

109 VEGAS TORRRES, [s.d.], p. 139.


110 ibidem, p. 157.
111 ALVES BENTO, 2006, p. 580.
112 ibidem, p. 157.
113 LOPES JR., 2004, p. 176.
julgador a três resultados diferentes, a três estados de espírito diversos: a certeza, a dúvida ou
a ignorância”114.
A ignorância, para o autor, “é o estado negativo, traduzido como a total ineficácia da
prova para afirmar o fato probando”115. Assim sendo, este estado de ignorância é aquele que
não instala qualquer posicionamento no magistrado acerca da questão de fato colocada em
juízo. A dúvida, por sua vez, evidencia-se naqueles casos em que após avaliada a prova,
“encontramos motivos concludentes e persuasivos alicerçando as afirmações antagônicas
feitas pelas partes, sem que o julgador, racional e cientificamente possa afirmar qual a
verdadeira”116. Em outros termos, a dúvida se evidencia em todos os casos em que não obtida
uma idéia conclusiva que, sob uma perspectiva racional, possa ser encarada como a hipótese
definitivamente verdadeira. É nesse sentido que Camargo Aranha propõe, ainda, uma
graduação dos estados de dúvida, de acordo com a relação de preponderância entre os motivos
afirmativos e negativos das conclusões obtidas da prova, a qual pode ser caracterizada como
credibilidade, probabilidade e improbabilidade. A certeza, a seu tempo, é tratada por
Camargo Aranha como sendo “um estado de espírito pelo qual, no exame dos motivos
convergentes e divergentes, um deles deve ser rejeitado por inidôneo, destituído de
credibilidade, fora da realidade”117.
Tendo em conta que a verdade real, entendida como a perfeita conformação dos fatos
provados com a verdade histórica dos mesmos, é inatingível pela via processual, como
evidenciado através do estudo da finalidade da prova118, surgem dúvidas acerca da
possibilidade de o convencimento do julgador acerca da ocorrência de um fato ser
caracterizado como verdadeira certeza.
De início, deve-se ter em conta os ensinamentos de Malatesta, para o qual a certeza
seria a “crença na conformidade entre a noção ideológica e a verdade ontológica”, ou seja, “a
crença da posse da verdade”. Por consistir em uma crença, conclui-se que a certeza possui um
caráter subjetivo, inerente à atividade intelectiva realizada pelo julgador no processo de
reconstrução dos fatos, perfazendo uma certeza dita moral. Camargo Aranha traça os
contornos do conceito de certeza moral, contrastando-as com a certeza absoluta:
A certeza que se exige é a certeza moral, isto é, a persuasão produzida no
ânimo do juiz, de acordo com a normalidade do agir das pessoas, de forma a
excluir qualquer dúvida prudente. A certeza moral não se confunde com a
certeza absoluta, pois esta, ao contrário do que ocorre com aquela, exclui

114 CAMARGO ARANHA,1996, p. 70.


115 ibidem, p. 71.
116 ibidem, p. 71.
117 CAMARGO ARANHA,1996, p. 70.
118 Ver ponto 1.1.1.1.
qualquer possibilidade de erro, o que não é possível em se tratando de um
119
trabalho humano.

Malatesta, por sua vez, assevera que o magistrado, por ciente acerca da
impossibilidade de obter um juízo perfeito acerca da ocorrência dos fatos, deve submeter suas
conclusões pessoais, das quais possuí uma certeza moral à parâmetros de racionalidade, de
forma a estabelecer assim um convencimento racional acerca da ocorrência do fato. Para o
autor italiano, o conceito de certeza moral encontra-se vinculado à idéia de convencimento
íntimo, necessitando ainda o magistrado de empregar o uso da razão de modo a impedir que o
elemento volitivo presente em seu raciocínio venha a influenciar na decisão.
É dessa forma que a extrai o subjetivismo excessivo das conclusões do julgador e dá
origem a uma certeza de grau inferior à certeza absoluta e superior à certeza moral, a qual
será chamada de certeza racional, ou certeza além da dúvida razoável.
Conclui-se, portanto, que a certeza exigida pelo processo penal não necessariamente
encontra-se vinculada a uma idéia de prova apta a demonstrar a verdade real dos
acontecimentos fáticos pertinentes ao processo, devendo ser entendida como um estado de
espírito do julgador relacionado com seu grau de convencimento acerca da ocorrência dos
fatos colocados em juízo, submetido à parâmetros de racionalidade e plausibilidade com
relação à possibilidade de erro na adoção de uma versão dos fatos como sendo a verdadeira.
A linha de raciocínio defendida por David Medina da Silva converge com o
entendimento exposto:
Não existir prova suficiente para a condenação: constitui a expressão
máxima do princípio do in dubio pro reo, ensejando a absolvição em
qualquer hipótese [...] em que não for possível extrair, dos elementos de
prova carreados aos autos, juízo de certeza em favor da condenação e
contrário ao acusado. Tanto quanto é certo que a dúvida milita em favor do
acusado, também é indiscutível que em todo o trabalho de reconstrução
histórica haverá, inoxeravelmente, um contingente de dúvida, ante a
falibilidade dos meios de busca da verdade. Assim [...] só a dúvida razoável,
vale dizer, intransponível em relação à essência do fato em julgamento,
autoriza o juiz a absolver em face de non liquet.120

Ao fim e ao cabo, da relação entre in dubio pro reo e presunção da inocência, a


manifestação que merece maior atenção do julgador ao tomar uma decisão sobre a
possibilidade de condenação com base em prova indiciária diz respeito à função da presunção
de inocência enquanto regra de juízo. Em outros termos, é dizer que a importância desses
dois princípios relaciona-se com o parâmetro de convencimento acerca dos fatos exigido para

119 idem, p. 70-71.


120 MEDINA DA SILVA, 2008, p. 299
que seja proferida uma sentença condenatória em desfavor de um acusado, o qual se
convencionou chamar de certeza.

2.1.1.1 Prova indiciária. Probabilidade e certeza

Como visto,“A condenação somente é possível diante de um juízo de certeza quanto à


existência da infração penal (tipicidade, ilicitude e culpabilidade) e da autoria”.121
Dessa exigência da certeza como grau de convencimento acerca dos fatos, nasce a
necessidade de avaliar a capacidade de a prova indiciária tornar tangível ao convencimento
do magistrado a crença na posse da chamada verdade processual.
Com vistas a iniciar a discussão, cabe lembrar que, em ponto específico do presente
estudo, foram abordados três posicionamentos básicos acerca da índole da operação mental
procedida sobre o indício, figurando como mais coerente aquele que defende tratar-se a
inferência indiciária de um raciocínio indutivo-dedutivo.122
Tendo em conta que a premissa maior do raciocínio indiciário (a qual será colocada
junto do fato concreto – premissa menor – para deduzir-se o argumento indiciário) raramente,
ou nunca, transmite uma idéia de necessariedade, mas sim um juízo baseado na ordinariedade
dos acontecimentos, resta claro que o indício fornecerá uma conclusão ao menos provável.
Em outras palavras, no raciocínio indiciário, a indução procedida sobre a máxima de
experiência constitui um argumento de probabilidade, de caráter contingente e raramente (ou
nunca) necessário123 . Nesse sentido as lições de Dellepiane e Malatesta:

(…) na inferência indiciária, a lei que lhe serve de fundamento, que constitui
a premissa maior do silogismo correspondente, não é sempre uma lei
cientificamente comprovada e de um caráter necessário, senão que uma lei
empírica, uma generalização fornecida pela experiência, um princípio de
senso comum, cujo caráter é contingente.124

No grande e indefinido acervo dos fatos físicos e morais, existem


conformidades no modo físico e moral de ser e agir da natureza. Todas estas
conformidades, consideradas do ponto de vista das causas que as produzem,
constituem o que chamamos leis naturais, físicas e morais.
Estas mesmas conformidades, se forem consideradas, ao contrário, do ponto
de vista da sua harmônica coexistência, constituem o que se chama ordem,
que se concretiza no modo constante ou ordinário, de ser e agir da natureza.
É constante o que se apresenta como verdadeiro em todos os casos

121 FEITOZA PACHECO, 2005, p. 845.


122 Ver ponto 1.2.1.1.
123 Ver ponto 1.2.2, sobre a distinção entre o indício necessário e contingente.
124 DELLEPIANE, 1958, p. 69.
particulares compreendidos na espécie; é ordinário o que se apresenta como
verdadeiro no maior número dos casos compreendidos na espécie. Partindo
da idéia de ordem como constante modo de ser e agir da espécie, deduzem-se
conseqüências certas, relativamente ao indivíduo; partindo da idéia de ordem
como ordinário modo de ser e agir da espécie, deduzem-se conseqüências
prováveis quanto ao indivíduo: o constante da espécie é lei de certeza para o
125
indivíduo; o ordinário da espécie é lei de probabilidade para o indivíduo.

Apesar disso, não se entende que apenas o indício que transmite uma idéia de
necessariedade deve ser considerado verdadeira prova, isso porque as conclusões prováveis
dos indícios contingentes igualmente possuem o condão de adquirir força probatória para dar
ensejo ao necessário grau de convencimento que possibilita ao magistrado emanar uma
sentença condenatória criminal.
A questão da relação mantida entre a probabilidade e a certeza é abordada por
Malatesta, autor que reconhece nas provas de probabilidade a pertinência para serem
apreciadas em juízo, embora reconheça que uma prova de probabilidade, considerada
isoladamente, não é suficiente para conduzir a certeza necessária para uma condenação penal.
Entende o doutrinador italiano que a prova de probabilidade, aliada a outras da mesma
espécie, pode dar azo à chamada prova cumulativa de certeza. Segundo o autor, essa prova
decorre da análise conjunta das diversas provas de probabilidade, pela qual é possível
determinar se as conclusões obtidas das inferências indiciárias são dissonantes ou se
convergem no sentido de embasar convencimento suficiente acerca da ocorrência de um
fato.126 Essa é a lição do autor:
(…) visando-se em juízo criminal a estabelecer a realidade dos fatos, só são
propriamente provas as que levam a nosso espírito uma preponderância de
razões afirmativas para crer em tais realidades; e, por isso, só são
propriamente provas as da probabilidade, a simples preponderância, maior
ou menor, das razões afirmativas sobre as negativas e as de certeza, o triunfo
das razões afirmativas para crer na realidade do fato.127

o provável (…) tem por natureza motivos convergentes à afirmação e


divergentes dela. Admitindo, pois, que exista uma prova de probabilidade,
existirão nela motivos convergentes e divergentes. Mas se a esta primeira
prova de probabilidade juntarmos outra, excludente dos motivos divergentes,
daí resultará uma prova cumulativa de certeza.128

Assim, inicialmente é realizada uma análise da convergência das proposições oriundas


das provas de probabilidade em relação ao fato probando. A seguir, mesmo que o resultado
obtido do primeiro passo seja a compatibilidade entre as diversas conclusões e a existência do

125 MALATESTA, 1995, p. 198-199.


126 ibidem.
127 ibidem, p. 88.
128 ibidem, p. 88-89.
crime ou afirmação da autoria delitiva, deve-se verificar a existência de proposições que
constituem motivos infirmantes da conclusão obtida, sendo necessário confrontar tais
proposições com o restante do acervo probatório de modo a eliminá-las. Realizado este
trabalho, cabe ao julgador avaliar seu grau de convencimento acerca do fato probando e a
possível verificação de uma prova além da dúvida razoável.
Dellepiane afirma que no concurso de indícios, não se pode obter a certeza pura e
simples, tendo em vista que a chamada hipótese de azar129 jamais será completamente
eliminada no concurso das probabilidades. De fato refere o autor:
O fundamento racional da prova indiciária vem a ser, no fundo, o princípio
de razão e que andam acertados os autores ao afirmarem que a prova por
concurso de indícios se reduz, em última análise, a um balanço de
probabilidades suscetível de provocar no espírito uma certeza moral muito
grande, mas que, contudo, não chega a à certeza pura e simples, dado que
nunca se acha rigorosamente eliminada a hipótese de azar, podendo-se
apenas afirmar que a presença dêste se improbabiliza, à medida que aumenta
o número dos indícios e, principalmente, o valor dêstes.130

Quanto a isso, deve-se ter em conta que a idéia de certeza enquanto parâmetro de
convencimento imposto pelos princípios da presunção da inocência e da prevalência do
interesse do réu não se encontra vinculada à idéia de certeza absoluta, mas sim de certeza
além da dúvida razoável.
Dito isso, não restam óbices à conclusão de que a prova indiciária, desde que
atendidos alguns requisitos, possuí o condão de conduzir o julgador ao grau de
convencimento da certeza racional quanto a ocorrência de um fato, e, portanto, de comportar
força probatória suficiente para dar ensejo a uma condenação penal em conformidade com o
ordenamento constitucional.

2.1.2 Persuasão racional e motivação das decisões judiciais

O princípio da persuasão racional “regula a apreciação e a avaliação das provas


existentes nos autos, indicando que o juiz deve formar livremente a sua convicção”131, o
princípio da motivação das decisões judiciais132, por seu turno, reflete a necessidade de

129 Sobre a hipótese de azar, ver o ponto 2.2.2.2.1.


130 DELLEPIANE, 1958, p. 79.
131 ARAÚJO CINTRA, 2004 p. 67.
132 ibidem, p. 68.
“fundamentar e motivar a decisão para que se saiba quais as condicionantes que levaram o
julgador à convicção dos fatos, para se aquilatar o acerto, ou não, da apreciação feita”133.
A confluência desses dois princípios resulta nas estruturas básicas do chamado sistema
do livre convencimento motivado. A relação entre ambos pode ser inferida da lição de
Denílson Feitoza Pacheco:

Apesar de o juiz estar limitado às provas dos autos, e livre para estabelecer o
valor de cada uma, no contexto probatório global, pois não há uma
predeterminação legal do valor de cada prova, devendo, contudo,
fundamentar, motivar, sua decisão, revelando em que se baseou sua
134
valoração probatória […].

Observando a dinâmica da evolução dos Sistemas de Avaliação de Prova, é possível


notar que o subjetivismo presente na análise da prova, foi o traço que buscou se apagar do
processo decisório com a superação do sistema do convencimento íntimo, revestindo-o de
exacerbada racionalidade através do sistema da tarifa legal. Este sistema, por sua vez,
apresentou-se débil na medida em que tirava do magistrado a possibilidade de adequar a
análise do conjunto probatório em cada caso, porque guiado por regras específicas e exatas,
transformando o processo decisório em um verdadeira questão aritmética e o magistrado em
um mero aplicador da lei.
A passagem ao livre convencimento visou novamente inserir a análise do magistrado
às peculiaridades de cada caso, para que forme seu convencimento a partir dos elementos de
prova disponíveis e aprecie os mesmos sob uma perspectiva racional, pela qual deve obter
uma conclusão sobre a verdade dos fatos.
Tendo em conta essa carga de pessoalidade na análise da prova, surgem dúvidas
acerca da possibilidade dessa liberdade atribuída ao julgador traduzir-se em excesso de
subjetivismo e discricionariedade, a exemplo do que acontecia no sistema o convencimento
íntimo.
Tais conjecturas, porém, podem ser afastadas pelo argumento de que é possível
realizar um controle da racionalidade das decisões. O principal mecanismo escolhido pelo
legislador, para tanto, consiste no dever constitucional do magistrado em fundamentar suas
decisões:
Por imperativo constitucional, todos os julgamentos dos órgãos do Poder
Judiciário devem ser fundamentados sob pena de nulidade [...]. Assim,
estabelece o artigo 381,III, do CPP, que a sentença deve conter 'a indicação
dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão'. A motivação é,

133 CAMARGO ARANHA, 1996, p. 66.


134 FEITOZA PACHECO, 2005, p. 845.
sobretudo, uma garantia das partes e do próprio Estado contra as decisões
arbitrárias, já que o juiz, ao motivar, demonstra o raciocínio lógico-jurídico
adotado na solução da lide, propiciando ao interessado conformar-se com a
decisão hostilizada pela via recursal pertinente.135

Medina da Silva afirma que “A lei não estabelece critérios convicção, cabendo à
consciência do juiz, unicamente, proclamar-se ou não na posse do estado de certeza que
conduz à condenação”136. Por outro lado, Danilo Knijnik assevera que “tem-se procurado
resgatar a idéia de que a liberdade do convencimento judicial, não submetido à regras
jurídicas predeterminadas de valoração está sujeito a regras de lógica e a certos postulados
jurídicos, no sentido de afastar o subjetivismo.”137
Cuida-se, portanto, do abandono de critérios que visam minar totalmente a liberdade
do magistrado no que tange à avaliação e valoração da prova e que davam origem a uma
certeza legal138 sobre a ocorrência dos fatos objeto de prova, como era feito através da tarifa
legal. No entanto, tal abandono se procedeu sem que se permitisse ao julgador ficar sem
parâmetros específicos para valorar a prova ou fundamentar suas decisões. Nesse aspecto,
cabe frisar que o sistema do livre convencimento motivado, sob a luz do princípio da
persuasão racional, mostra-se vantajoso em relação aos sistemas do convencimento íntimo e
da tarifa legal, porquanto possibilita ao julgador pensar a solução que julga mais conveniente
sem desvincular-se da lógica e da razão, vetores que indicam uma direção a seguir mas não
necessariamente apontam um caminho pré-definido. Dessa maneira, o magistrado encontra
sua liberdade guiada por parâmetros de ordem supra legal, os quais objetivam extrair qualquer
subjetivismo ou arbitrariedade das decisões:
O livre convencimento, assim, em exprime a liberdade atribuída ao juiz para
a apreciação do valor ou da força da prova, para que, por sua inteligência,
por sua ponderação, por seu bom senso, pela sua acuidade, pela sua
prudência, consultando mesmo sua própria consciência, diante das próprias
circunstâncias trazidas ou anotadas no correr do processo, interprete as
mesmas provas, para, sem ofensa ao direito expresso, prolatar seu
decisório.139

Porém, dessa vinculação a postulados jurídicos e regras de lógica, impõe-se o controle


à liberdade do magistrado, sendo, novamente, o mecanismo escolhido a necessidade de
fundamentação das decisões.

135 MEDINA DA SILVA, 2008, p. 294


136 ibidem, p. 299
137 KNIJNIK, 2007, p.16
138 MALATESTA, 1995.
139 SILVA, 2001, p. 499.
Na perspectiva da prova indiciária e sua possibilidade de embasar uma condenação
penal, pode-se restringir a análise desse mecanismo de fundamentação no que diz respeito ao
controle da relação entre a análise da prova e reconstrução dos fatos pelo julgador, ou seja, a
busca pela verdade dos fatos, sendo necessária uma abordagem acerca dos chamados modelos
de constatação.

2.1.2.1 Fundamentação da Sentença e a questão de fato. A Teoria dos Modelos de


Constatação

“Se o direito tem de se haver com os fatos, porque indissociáveis das normas, há
necessidade de evitar-se o arbítrio na reconstrução fática, criando mecanismos de vinculação e
controle”.140 Esse argumento traduz a necessidade de controle sobre a reconstituição dos fatos,
através da fundamentação exercida pelo magistrado para a justificação da sua decisão. Tal
necessidade, por sua vez decorre da idéia de que deve se evitar abusos de discricionariedade
por parte do magistrado, assim como a utilização de subjetivismo puro e simples na
apreciação dos fatos. No mesmo sentido, aduz Andrés Ibañéz que “é na reconstrução ou
elaboração dos fatos onde o juiz é mais soberano; mais dificilmente controlável, e, onde,
portanto, pode ser [...] mais arbitrário”141.
Assim, para o bom exercício de tal controle, o julgador deve, obrigatoriamente,
explicitar na fundamentação do decisum os critérios adotados para chegar as suas conclusões
quanto à matéria fática. Ocorre, porém, que na prática, muitas vezes restam obscurecidos os
parâmetros utilizados pelo julgador para tomar como verdadeira uma das versões dos fatos
trazidas a juízo. Sobre isso, aduz Baltazar Júnior:
Abandonado o sistema da prova legal, que tinha por fim diminuir os poderes
do julgador, ganha-se na possibilidade de melhor apreender todas as nuanças
da problemática da aplicação judicial do direito, com o entrelaçamento das
questões de fato e direito, mas perde-se em segurança, na medida em que
nem sempre fica claro o caminho percorrido pelo julgador para adotar uma
versão dos fatos. [...] É sabido que o juiz tem a obrigação de fundamentar,
mas não há padrões, modelos, ou regras claras sobre como isso deve ser
feito.142

Em resposta à excessiva falta de controle das decisões judiciais no que se refere à


reconstrução dos fatos, dando lugar à discricionariedade e excesso de subjetivismo do juiz,

140 KNIJNIK, 2007, p. 16.


141 ANDRÉS IBAÑÉZ, 2006, p. 68
142 BALTAZAR JÚNIOR, 2007, p .164.
alguns doutrinadores brasileiros, como Knijnik e Baltazar Jr., defendem o emprego dos
chamados modelos de constatação.
Baltazar Jr. assevera que os modelos de constatação, embora amplamente utilizados no
common law não encontram correspondência legal nas leis processuais dos países de tradição
romano-germânica. Nos países de tradição anglo-saxônica esses parâmetros são consagrados
pela figura jurídica dos standard of proof.143. De acordo com o autor, o modelo de
constatação nada mais é do que um critério acerca do grau de convencimento que a prova
deve proporcionar no julgador, que deve ser utilizado como parâmetro pelo magistrado para
averiguação da verdade dos fatos em um determinado caso, e que deve aparecer de forma
explicita na fundamentação da decisão para sujeitá-la ao controle e discussão das partes sobre
a relação entre a prova e a versão dos fatos tida como verdadeira, de modo a evitar erros ou
mesmo o arbítrio do magistrado.144
Assim sendo, os modelos de constatação podem e devem ser utilizados com a
finalidade de tornar mais perceptível os critérios utilizados pelo magistrado para firmar seu
convencimento acerca da quaestio facti.
Sob outro aspecto, deve-se ter em consideração que tais “modelos de constatação não
são lineares, variando conforme os reflexos do direito material”145, ou seja, esses parâmetros
tornam-se mais rigorosos de acordo com o caráter substancial da questão discutida em juízo,
tendo em vista nocividade que um possível erro judiciário pode acarretar quando se refere a
determinados bens jurídicos.
Knijnik propõe que, para as causas cíveis que possuem interesses meramente
patrimoniais em jogo, o modelo de constatação indicado seria o da preponderância de provas,
o qual consiste em atribuir valor ao conjunto probatório com vistas a determinar qual das
proposições parece mais crível e merece ser acolhida. Nesse modelo não há muita
preocupação com a existência de dúvida acerca da decisão, contanto que a análise da prova
indique que a proposição adotada como verdadeira seja também a mais provável, ou crível,
dentre todas as outras argüidas.146
De outra banda, assevera o autor, nos processos cíveis que não tenham por objeto da
controvérsia uma questão de natureza meramente patrimonial, a importância dos bens
jurídicos postos sub judice podem exigir que o grau de certeza do magistrado esteja em um
patamar mais elevado do que no modelo da preponderância de provas, pois a ocorrência de

143 BALTAZAR JÚNIOR, 2007.


144 KNIJNIK, 2007, p. 18.
145 ibidem., p. 18, nota 68.
146 ibidem.
um erro pode causar um dano de maior relevância. Para tutelar esses direitos e reduzir os
riscos de uma injusta avaliação da prova até patamares admissíveis, é necessário que se siga o
chamado modelo de constatação da prova clara e convincente, na qual a prevalência de uma
preposição passa a depender da alta probabilidade de que essa seja a que mais se aproxima da
verdade no processo. Em outras palavras, basta que a proposição encontre forte amparo no
acervo probatório e afaste de maneira relevante as proposições em sentido contrário.147
Por fim, em se tratando de processo penal, deve-se ressaltar que existe prevalência dos
direitos do indivíduo acusado em detrimento da segurança pública, em face da prevalência do
interesse do réu – in dubio pro reo – derivada do Princípio da Presunção da Inocência, que
encontra guarida no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Por tais motivos, o
modelo de constatação exigível para possibilitar uma condenação penal, segundo Knijnik, é o
da prova acima da dúvida razoável, através do qual se pode concluir pela certeza racional
acerca da ocorrência de um dado fato.148

2.2 Apreciação da prova indiciária sob uma perspectiva constitucional

O trajeto lógico a ser percorrido durante a verificação da possível relação entre um


determinado indício e a verdade que busca se obter durante o processo penal possuí uma
relevante complexidade. Assim, procurando não simplificar, mas sim sistematizar essas
etapas percorridas pelo magistrado, propõe-se o entendimento de que para uma correta
aferição da capacidade da prova indiciária dar ensejo a uma condenação penal, é necessário
ultrapassar três diferentes planos processuais, quais sejam: da Admissibilidade da Prova, da
Valoração da Prova e da Fundamentação da Sentença.
Na verdade, a divisão entre os planos, proposta por Knijnik, é utilizada pelo autor para
definir com maior precisão quais as questões enfrentadas durante o processo judicial são alvo
do livre convencimento do julgador e tem por escopo definir as matérias passíveis de reexame
em Recurso Especial.149 Na perspectiva do presente estudo, porém, a importância da divisão
reside no fato de que cada um dos planos impõe a consideração do indício – e da prova em
geral - sobre diferentes prismas, tomando em conta desde a existência, validade e eficácia
probatória de um indício, até a exposição dos fundamentos da sentença em que se avalia a
aptidão da prova indiciária para dar ensejo a uma condenação.

147 KNIJNIK, 2007.


148 ibidem..
149 ibidem.
Tal abordagem tem por finalidade propor, de maneira ordenada, certos requisitos e
parâmetros para auxiliar o julgador a certificar-se de ter obtido uma conclusão precisa e
segura acerca da reconstrução dos fatos realizada com base, exclusivamente, em prova
indiciária. É nessa perspectiva que se afirma a necessidade do indício adequar-se à algumas
exigências para que as inferências sobre ele realizadas possam dar ensejo a um
convencimento tido como de grau suficiente para confirmar a existência de uma fato, sob a
perspectiva da verdade processual e da certeza racional.

2.2.1 Admissibilidade da Prova Indiciária.

“Através das provas se procura demonstrar a ocorrência ou inocorrência dos pontos


duvidosos de fato relevantes para a decisão judicial, ou seja, a conformação das afirmações de
fato feitas no processo com a verdade objetiva”150.
A lição supracitada refere-se à finalidade da prova. Nesse momento, porém, sua
importância diz respeito à necessidade de aferição da existência de certos requisitos que um
indício deve preencher para integrar o conjunto de elementos de prova que serão submetidos
ao processo de valoração da prova por parte do magistrado, com vistas a obter de uma decisão
precisa e segura.
O juízo de admissibilidade de uma prova em determinado processo implica
necessariamente em avaliar certos requisitos de existência e validade do meio probatório
trazido ao processo. A avaliação desses requisitos deve-se à necessidade de o meio probatório
preencher alguns critérios mínimos para possibilitar sua força probatória. Sobre a
admissibilidade da prova, a seguinte lição é paradigmática:

A experiência indica que não é aconselhável a total liberdade na


admissibilidade dos meios de prova, ora porque não se fundam em bases
científicas suficientemente sólidas para justificar o seu acolhimento em juízo
[...]; ora porque dariam perigoso ensejo a manipulações ou fraudes [...]; ora
porque ofenderiam a própria dignidade de quem lhes ficasse sujeito,
representando constrangimento pessoal inadmissível[...].151

150 ARAÚJO CINTRA, 2004, p. 350.


151 ibidem, p. 350.
Maria Thereza Rocha de Assis Moura teceu as bases científicas dos chamados
requisitos de existência e validade dos indícios, os quais passam a ser alvo de abordagem em
consonância com a ótica da admissibilidade de prova.152

2.2.1.1 Requisitos de Existência do Indício

O plano da existência diz respeito aos requisitos mínimos para que o raciocínio
empregado sobre o fato conhecido possua o condão de, ao menos, apontar na direção do fato
probando, objeto da inferência realizada.
Entende-se, pois, que tais requisitos devem ser analisados por ocasião do juízo de
admissibilidade da prova, pois possuem relação direta à análise de pertinência e relevância do
meio probatório apresentado ao julgador.
O preenchimento de tais requisitos é questão prejudicial para que o fato conhecido
possa ser entendido como uma verdadeira prova indiciária, munida de potencial para abarcar
relevante força probatória. A análise da certeza do fato indicador refere-se ao processo de
aferição da precisão do indício, enquanto a existência de Proposição geral fornecida pela
lógica ou pela experiência e da Causalidade entre fato indicador e fato indicado consistem
em elementos necessários para a aferição da gravidade do indício.

2.2.1.1.1 Certeza do Fato indiciante.

A certeza do fato indiciante corresponde à análise da chamada precisão do indício,


que, por sua vez, diz respeito à idéia de que “cada indício deve ser certo no seu ponto de
partida e deve estar provado de maneira absolutamente rigorosa a existência da circunstância
indiciante”153
Portanto, o requisito de existência do indício da certeza do fato indiciante diz respeito
a exigência de que o juiz não escore seu raciocínio em um fato apenas provável, ou hipotético,
mas sim, que se obtenha certeza quanto a existência do fato indicador, de modo que o indício,
enquanto fato conhecido, possa configurar uma base segura para que se proceda um raciocínio
seguro em prol da obtenção do fato desconhecido.

152 ASSIS MOURA, 2009.


153 SCAPINI, Névio. La prova per indizi nel vigente... apud KNIJNIK, 2007, p. 51 .
Segundo Assis Moura, “O elemento fundamental da prova indiciária está na certeza do
fato ou circunstância indiciante. [...] O juiz não pode apoiar-se em dado meramente provável,
nem hipotético: a base da argumentação, que é o fato conhecido, deve ser certa”.154
Cabe lembrar, como anteriormente referido, que o dado probabilístico do raciocínio
indiciário advém do processo indutivo que dá origem a uma máxima de experiência, e que irá
compor a premissa maior da inferência indiciária. Na premissa menor, por sua vez, deve
constar um dado concreto de existência incontroversa, pois se ambas as premissas oferecerem
dados meramente probabilísticos, não há como fugir de uma conclusão, ou conclusões, de
excessiva contingência, as quais não podem servir de base para o convencimento racional do
magistrado devido a seu alto grau de indeterminação.
Assis Moura sinaliza a discussão sobre a possibilidade de um indício ser
comprovadamente certo em função de outros indícios. Ou seja, se indícios podem servir de
meio de prova para determinar a existência de outros indícios, os quais, por sua vez, serviriam
de base para a inferência indiciária que estabelece o nexo causal entre o fato conhecido e o
desconhecido. A hipótese, portanto, tratar-se-ia de um raciocínio jurídico composto de
sucessivas ilações.155
Perfecto Andrés Ibañéz explica que “quanto maior for a distância e portanto maior o
número de de inferências que foram necessárias para derivar dos fatos probatórios o thema
probandi, menor será o grau de probabilidade da indução”156.
Temos aí, portanto, o cerne da polêmica colocada por Assis Moura, autora que se
posiciona no sentido de que “se o juiz pode ter por certo o fato indicado, resultado da primeira
ilação, especialmente pela concorrência harmônica de outros indício que a convalidam, pode
bem fundar-se sobre tal circunstância indiciada, para ulterior inferência”157.
Posicionamento diverso pode ser encontrado nos ensinamentos de Danilo Knijnik,
autor que rechaça o acolhimento dos chamados indícios de segundo grau enquanto meio de
prova. Acredita Knijnik que “nos indícios de segundo grau, ao contrário dos indícios
juridicamente válidos, o ponto de partida não é um fato certo, mas um fato incerto ou
presumido, também estabelecido por presunção”158. Nessa esteira, ainda faz uma inteligência
da redação do artigo 239 do CPP em relação a seu posicionamento, afirmando que “no
momento em que se exige que a circunstância indiciante seja conhecida e provada, exclui-se,

154 ASSIS MOURA, 2009, p. 89.


155 ibidem.
156 ANDRÉS IBAÑÉZ, 2006, p. 97.
157 ibidem, p. 90.
158 KNIJNIK, 2007, p. 59.
no âmbito do processo penal, os indícios de segundo grau”159. Malatesta corrobora o
entendimento de Knijnik, condicionando a possibilidade de existência de um indício de
segundo grau à hipótese de existência do indício necessário:
Como o indício deve ser provado de um modo certo, segue-se que ele não
pode, em geral, ser provado com outros indícios, porquanto, geralmente
falando, os indícios são contingentes e inaptos, por isso, a dar certeza
daquilo que objetivam provar.
Para admitir a possibilidade de um indício bem provado, por outro indício, é
160
necessário referir-se à hipótese de que o indício probante seja necessário.

Diante da exigência, em processo penal, da certeza racional como critério para o


convencimento do julgador acerca da existência de um fato, parece razoável que este seja o
parâmetro que deve ser atendido para a averiguação da certeza do fato indiciante. A vedação
ao uso de inferências de 2º grau, sem dúvida, consiste em um mecanismo de proteção do
conjunto probatório quanto a possíveis manipulações acerca de seu conteúdo, porém, mesmo
que não se acredite na existência de um indício verdadeiramente necessário, é possível a
utilização segura do indício de segundo grau, desde que a operação mental de 1º grau seja
desenvolvida de acordo com os requisitos ora traçados para a aferição da força probatória dos
indícios, dando origem a uma conclusão precisa e segura quanto à existência do indício de 2º
grau.

2.2.1.1.2 Proposição geral fornecida pela lógica e pela experiência.

Esse requisito diz respeito à necessidade do emprego do raciocínio indutivo-dedutivo


sobre o fato conhecido para a apuração do fato desconhecido.
As discussões acerca da índole da operação mental realizada sobre o indício já foram
exaustivamente tratadas no presente estudo, motivo pelo qual se tem por suficiente fazer uma
alusão ao ensinamento conclusivo de Maria Thereza Rocha de Assis Moura sobre esse
requisito de existência:
O valor dos indícios repousa sobre as leis da experiência, que marcam o
caminho pelo qual, do fato indiciante conhecido, se chega ao conhecimento
daquele desconhecido. A máxima da experiência, comum ou técnica,
utilizada na ilação, deve ser concretamente reconhecida e exata no momento
em que aplicada, para permitir um raciocínio de natureza indutivo-dedutiva,
pelo qual da circunstância provada se dessume outra circunstância a provar-
se.161

159 KNIJNIK, 2007, p. 62.


160 MALATESTA, 1995, p. 235.
161 ASSIS MOURA, 2009, p. 91.
A compreensão da experiência como o “recurso à possibilidade de repetir certas
situações como meio de verificar as soluções que elas permitem”162, provoca a conclusão de
que “um juízo sobre a realidade é confirmável, ou verificável, por meio da experiência”163, no
entanto, ela só pode integrar a inferência realizada pelo julgador através da indução, e
aplicado ao caso concreto pela dedução. Trata-se, portanto, de um duplo requisito porque
exige uma forma lógica para que a experiência, enquanto substância, possa servir de
parâmetro de aferição da força probatória da proposição originada pela inferência indiciária.
É necessário ressaltar que a importância de que essa operação mental tenha por
fundamento uma determinada lei de experiência reside no fato de que tal máxima de
experiência traduz a relevância do meio probatório para o processo, bem como será um dos
elementos considerados para fins de aferição da gravidade do indício.

2.2.1.1.3 Causalidade entre fato indicador e fato indicado

O requisito da causalidade diz respeito à presença de uma conexão lógica entre aquilo
que prova o indício e o fato que se busca provar. Não preenchido este requisito, a prova em
questão não haveria de ser admitida pelo magistrado porque em verdadeiro descompasso com
o próprio objetivo do processo.
É de interesse para todo o processo que a prova recaia sobre a existência dos fatos
delituosos colocados em questão ou, ao menos, sobre a participação do acusado em relação
aos mesmos. De acordo com Vegas Torres, o posicionamento do Tribunal Constitucional
Espanhol em relação aos requisitos que deve atender a prova para que encontre-se apta a
derrubar a chamada presunção de inocência do acusado e dar ensejo à condenação do mesmo
é nesse sentido:
Un requisito añadido al de la actividad probatoria suficiente es el de que ésta
sea de cargo. Según la doctrina del Tribunal Constitucional, la prueba de
cargo es aquélla <<encaminada a fijar el hecho incriminado que em tal
aspecto constituye el delito, así como las circunstancias concurrentes em el
mismo (…), por una parte, y, por la otra, la participación del acusado,
incluso la relación de causalidad, com las demás características subjetivas y
la imputabilidad>>. De acuerdo con esta amplia definición, para que la
prueba pueda ser considerada de cargo es necesario que recaiga, en primer
lugar, sobre la existencia de los hechos delitivos y, en segundo lugar, sobre la

162 ABAGNNANO, 2000, p. 406


163 FERRATER MORA, 2005, p. 968
participación en ellos del acusado, esto es, sobre los elementos objetivos y
164
subjetivos del delito.

Assim sendo, a pertinência na produção da prova indiciária é requisito para sua


produção, devendo a mesma estar “relacionada com o processo, servindo a decisão da
causa”.165
A existência desse nexo causal é questão prejudicial para a aferição da gravidade e da
concordância dos indícios. Estes, por sua vez, consistem em elementos necessários para a
avaliação da eficácia probatória da prova indiciária.

2.2.1.2 Requisitos de Validade

A validade de certos meios de prova é amplamente debatida na doutrina e


jurisprudência. Seja pela maneira como são produzidas, ou pelas vias através das quais
chegam ao processo, as provas carreadas aos autos de um processo podem estar eivadas de
vícios que são passíveis de comprometer a idoneidade de um julgado, e, por tal motivo, sua
produção e admissão ao processo merecem atenção especial do julgador.
É possível estabelecer uma compreensão acerca da lógica que envolve a validade da
prova pela lição de Campos de Araújo:
Inegável a existência, no ordenamento jurídico processual penal pátrio, de
regras e princípios que findam por impor limitações ao direito à prova, seja
com a finalidade de propiciar uma escorreita reconstituição dos fatos,
dizendo, pois, respeito à pesquisa da verdade processual, seja, noutra
vertente, com o móvel da proteção a valores e interesses outros que se
afiguram dotados de maior relevo que o direito à prova.166

Tais requisitos de validade da prova indiciária, em verdade, estendem-se a prova


compreendida como um todo, e possuem grande importância para a apreciação da prova.
Assis Moura promoveu a classificação dos requisitos de validade da prova em quatro
categorias, as quais devem ser observadas para que o indício seja considerado válido, de
maneira a garantir a idoneidade da reconstrução dos fatos e a proteção de direitos superiores
ao direito à prova. Tais requisitos são a ausência de limitação probatória, o emprego de
provas lícitas para demonstrar o fato indicador, a ausência de nulidade na obtenção da
prova do fato indicador e, por fim, a inexistência de nulidade que vicie a prova por indícios.

164 VEGAS TORRRES, [s.d], p. 142-143.


165 FEITOZA PACHECO, 2005, p. 849.
166 ARAÚJO, 2005, p. 153.
2.2.1.2.1 Ausência de limitação probatória

“À prova indiciária não se pode recorrer nos casos excepcionais em que a lei impõe
especiais limitações probatórias”167.
Trata-se de casos excepcionais, tendo em vista que vigora em nosso processo penal o
princípio da liberdade probatória. Assim sendo, conforme lição de Feitoza Pacheco, tais
limitações ao direito à prova dizem respeito a previsões legais referentes ao momento da
prova, ao tema da prova e ao meio de prova. Quanto ao momento da prova, o autor refere que
a regra é de que as provas podem ser produzidas em qualquer momento do processo, havendo
exceção prevista apenas quanto a “preclusão temporal quanto ao arrolamento de testemunhas
(art. 395, CPP) e a impossibilidade de se juntarem documentos na fase da pronúncia (art. 406,
§2º, CPP)”. No que se refere ao tema da prova, aduz o doutrinador que existem “fatos sujeitos
a segredo, como aqueles de cuja ciência se teve em razão de função, ministério, ofício ou
profissão que imponha segredo”168. Quanto aos meios, afirma que “podem ser utilizados, no
processo penal brasileiro, geralmente, quaisquer meios probatórios, ainda que não
especificados na lei, desde que não sejam inconstitucionais, ilegais, ou imorais”, cumpre
salientar, no entanto, que existem limitações quanto à comprovação do estado das pessoas,
bem como especificações acerca da prova da materialidade quando o delito deixar
vestígios.169
Nesta senda, particularmente quanto aos meios de prova, Pacelli ensina que “toda
restrição de determinados meios de prova deve estar atrelada à proteção de valores
reconhecidos pela e positivados na ordem jurídica”, sendo que tais restrições podem ter por
escopo garantir o “grau de convencimento resultante do meio de prova utilizado”. É nesse
sentido que as limitações à prova quanto ao estado das pessoas170 e a especificidade do
“exame do corpo de delito, quando a infração deixar vestígio e não tiverem esses
desaparecido”171, “funcionariam como verdadeiras garantias ao acusado, na medida em que
estabelecem critérios específicos quanto ao grau de convencimento e de certeza a ser obtido
em relação a determinadas infrações penais”172.

167 ASSIS MOURA, 2009, p. 92.


168 art. 207, CPP
169 FEITOZA PACHECO, 2005, p. 837-838.
170 Artigo 155, parágrafo único, do CPP.
171 Artigo 564, inciso III, b, do CPP.
172 PACELLI, 2008.
As discussões acerca da natureza de tais limitações, ou seja, se consistem, ou não, em
tarifação da prova, não se mostra relevante ao tema debatido, bastando referir que a prova,
para ser considerada válida, deve obedecer as limitações impostas pela lei para ser admitida
em juízo.

2.2.1.2.2 Emprego de provas lícitas para demonstrar o fato indicador

Tanto o artigo 5º da Constituição, em seu inciso LVI, quanto o artigo 157, caput, do
CPP reproduzem a vedação à utilização da prova ilícita nos processo penal. Segundo a
redação do dispositivo constitucional “são inadmissíveis, no processo, das provas obtidas por
meios ilícitos”173.
Por tratar-se de questão prejudicial à admissibilidade dos meios probatórios e, por
decorrência, da análise da eficácia probatória dos indícios, faz-se indispensável ao menos
uma aproximação daquilo que se entende por prova ilícita.
Pacelli ensina que a vedação da admissibilidade da prova ilícita consiste em um
mecanismo de garantia da “qualidade do material probatório a ser introduzido e valorado no
processo”, bem como trata-se de um meio efetivo de proteção aos direitos constitucionais da
intimidade, da privacidade, da imagem e da inviolabilidade de domicílio, os quais
“normalmente são os mais atingidos durante as diligências investigatórias”.174
Importa ter em conta que a tutela dos direitos e garantis fundamentais proporcionada
pelo instituto relaciona-se com a manifestação da presunção da inocência enquanto regra
probatória175, sendo, portanto, sua aplicação de grande relevância para que se garanta de uma
apreciação da prova sob uma perspectiva constitucional.
No que tange ao controle da qualidade do material probatório utilizado no processo,
deve-se considerar que se dá não só quanto aos meios probatórios por sua própria essência,
mas também pelas conseqüências que sua produção pode ensejar e se tal consequência pode
ser tolerável. Cuide-se que há vedação à qualquer prova obtida por meio de tortura, por
exemplo, mas, de outro lado, existe a quebra de sigilo bancário, o mandado de busca e
apreensão e a interceptação telefônica que são consideradas provas lícitas quando produzidas
com prévia autorização judicial. Nessa esteira, Pacelli afirma que “mesmo quando não houver
vedação expressa quanto ao meio, será preciso indagar acerca do resultado da prova, isto é, se

173 Artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal.


174 PACELLI, 2008, p. 295.
175 Ver ponto 2.1.1.
os resultados obtidos configuram ou não violação de direitos. E se configurarem, se a violação
foi e poderia ter sido autorizada”176.
O efeito prático a inadmissibilidade das provas ilícitas no processo significa “que
devem ser desentranhadas do processo, para que não sirvam de base a uma sentença ou
decisão judicial”177.
Assim, para que a prova indiciária encontrar-se apta a adquirir eficácia probatória,
sendo levada para a instrução criminal junto com os demais instrumentos de prova, é
necessário que seja produzida através de meios considerados lícitos.

2.2.1.2.3 Ausência de nulidade na obtenção da prova do fato indicador

Esse requisito de validade relaciona-se com o que se entende por prova ilegítima, ou
seja, aquelas provas que, ao contrário da prova ilícita, não violam direito material, mas sim
disposições de ordem processual.
“Havendo violação de norma processual, estariam sujeitas ao reconhecimento de
nulidade e decretação de sua ineficácia no processo”178. Assim sendo,“se os meios
empregados para a prova do fato indiciário (ex: testemunhos, documentos, perícia) padecerem
de nulidade, o juiz não poderá outorgar-lhes mérito probatório e, em consequência, o fato
indiciário lhe será processualmente desconhecido”179.
Relevante considerar que, em regra, a simples repetição, atendendo os requisitos
processuais atinentes ao meio probatório, é capaz de sanar o vício que contamina a prova
ilegítima.

2.2.1.2.4 Inexistência de nulidade que vicie a prova por indícios

“Pode acontecer que os meios empregados para a prova do fato indicador estejam
livres de vícios, mas que façam parte de um procedimento nulo por outras razões, nulidade
esta que também os deixa sem valor.”180
Para a boa compreensão desse requisito elencado por Assis Moura, pode-se fazer breve
alusão a uma situação em especial, qual seja a verificação de nulidade decorrente da utilização

176 PACELLI, 2008, p. 296.


177 FEITOZA PACHECO, 2005 p. 811.
178 ibidem p. 811.
179 ASSIS MOURA, 2009, p. 92.
180 ibidem, p. 92.
de prova emprestada no processo penal. Assim, tendo uma prova indiciária sido produzida
em outro procedimento, é requisito para a sua validade que tenham sido observadas todas as
exigências atinentes ao devido processo legal, bem como oportunizado o contraditório,
naquela oportunidade, para os ora acusados, ou seja, é importante que os indivíduos ora
julgados também tenham sido réus no outro processo. Nesse sentido é a lição de Nucci sobre a
prova emprestada:
É aquela produzida em outro processo e, através da reprodução documental,
juntada no processo criminal pendente de decisão. O juiz poderá levá-la em
consideração, embora deva ter a especial cautela de verificar como foi
formada no outro feito, de onde foi importada, para saber se houve o
indispensável devido processo legal. Essa verificação inclui, naturalmente, o
direito indeclinável ao contraditório, razão pela qual abrange o fato de ser
constatado se as mesmas partes estavam envolvidas no processo em que a
prova foi efetivamente produzida.181

Assim, encontra-se bem evidenciado que o indício e a prova em geral podem


encontrar-se eivados de nulidade que decorre não da ilegalidade ou da ilicitude do meio
probatório, mas sim da inobservância de outros requisitos, que acaba por extrair a validade do
instrumento de prova e frustrando a intenção de utilizá-la no processo.
Recorde-se que, assim como com a prova ilegítima, “o indício que resultar de prova
viciada não terá valor, a menos que esta seja refeita”182.

2.2.2. Avaliação da prova indiciária

De modo a facilitar e garantir a lisura do processo lógico de inferência que


possibilitará a verificação do fato desconhecido através da prova indiciária, o indício deve
preencher todos os requisitos de validade exigidos. Apenas assim passará a integrar o rol de
elementos de prova que serão considerados para a aferição dos fatos e decorrente aplicação da
solução jurídica.
Uma vez reunidos os indícios existentes e válidos, deve-se passar ao processo de
verificação da eficácia probatória dos mesmos, a qual, segundo Assis Moura, é indispensável
para que “a certeza atingível possa ser adquirida com fundamento nos indícios”183. Para a
autora, “é do conjunto de indícios que se atinge um grau de certeza, do mínimo ao máximo,
quanto ao fato investigado”184, sendo necessário, além da preparação do magistrado, o

181 NUCCI, 2007, p. 361.


182 ASSIS MOURA, 2009, p. 93.
183 Ibidem., p. 93.
184 ibidem, p. 93.
emprego do método correto para investigar e precisar seu valor probatório. Tal aferição do
acervo probatório composto por indícios pode ser procedida em conformidade com três
métodos, chamados por Knijnik de Métodos de Apreciação de Indício185.

2.2.2.1 Métodos de Apreciação de Indício

Segundo Danilo Knijnik, existem três métodos para se proceder a aferição dos
requisitos de precisão, gravidade e concordância dos indícios, os quais são indicados por três
diferentes teorias: a tradicional, a mediana, e a da múltipla conformidade.186
A teoria tradicional caracteriza-se por exigir que cada indício, individualmente
considerado, reúna em si três elementos capazes de conferir-lhes eficácia probatória, quais
sejam: precisão, gravidade e concordância. Portanto, de acordo com essa teoria, se um dos
indícios não encontrar-se munido das três características que lhe conferem a eficácia
probatória, não deve ser levado em conta para firmar o convencimento judicial sobre o fato
desconhecido.187
O segundo método de apreciação dos indícios é ditado pela teoria mediana, também
conhecida por teoria eclética, a valoração da prova deve-se dar em duas etapas distintas, as
quais consistem em, primeiro, averiguar se cada indício por si preenche aos requisitos de
precisão e a gravidade, e segundo, se a análise conjunta dos indícios é capaz conferir a
concordância necessária para a atribuição de eficácia probatória.188
A terceira teoria, por fim, é a da múltipla conformidade, que defende um modelo
através do qual os indícios são analisados todos em conjunto para aferição da precisão,
gravidade e concordância dos mesmos globalmente considerados.189
A teoria tradicional é alvo de críticas tanto pelo excessivo seu rigorismo em relação
ao indício do ponto de vista intrínseco, diante da exigência de que o indício por si só possua
os três requisitos de eficácia probatória, quanto pelo seu desleixo do ponto de vista extrínseco,
por não exigir a pluralidade de indícios, e não promover a análise conjunta da prova indiciária
quando presente esta pluralidade, para que se possibilite a condenação.
A teoria da múltipla conformidade, por sua vez, torna a prova indiciária
excessivamente maleável, pois uma análise dos indícios em conjunto pode ter como

185 KNIJNIK, 2007.


186 Ibidem.
187 Ibidem.
188 Ibidem.
189 Ibidem..
consequência o preenchimento recíproco de lacunas de modo a garantir que indícios
isoladamente imprecisos e sem um grau de gravidade relevante adquiram um significativo
valor probatório quando em conjunto. Knijnik afirma que, através desse modelo é possível
atribuir valor probatório a um indício que não preenche intrinsecamente os requisitos da
precisão e da gravidade. Assim sendo, o autor firma sua posição no sentido de que a múltipla
conformidade seria uma metodologia de apreciação de indícios incompatível com o processo
penal, porquanto “o processo penal condenatório é avesso a tal atividade de suplência contra
reo, mormente porque o modelo de constatação aplicável ao processo penal indiciário é o da
prova incompatível com qualquer hipótese de inocência”190.
As problemáticas que envolvem as duas teorias remetem à análise das vicissitudes
apontadas sob a luz das concepções demonstrativa e persuasiva da prova. Aparentemente, a
teoria tradicional ratifica a idéia de que um elemento de prova único, ainda que indireto,
possa bastar para a demonstração da verdade dos fatos e dar ensejo a uma condenação. Nessa
perspectiva, tal modelo encontra-se exacerbadamente afeiçoado à concepção demonstrativa da
prova, o que compromete sua credibilidade. A teoria da múltipla conformidade, por sua vez,
ao atribuir maior maleabilidade à prova indiciária, possibilita que a retórica se torne um
poderoso instrumento de manipulação valoração da prova, revelando-se afeiçoado ao modelo
persuasivo de prova em medida maior do que permitido no direito processual penal pelos
princípios da verdade real e da presunção da inocência.
A teoria mediana, por seu turno, é o modelo que se apresenta em maior conformidade
com a idéia de persecução da verdade no processo, porquanto atende ao caráter teleológico da
prova com maior observância aos cuidados exigidos, de forma a não atingir os pontos
extremos das concepções demonstrativa e persuasiva da prova. Observe-se que, enquanto na
primeira fase a averiguação da precisão e da gravidade dos indícios há uma preocupação com
a aproximação da verdade material, a segunda fase desenvolve-se através de uma
aproximação da concepção persuasiva, visto que o exame da concordância dos indícios tendo
em conta sua pluralidade, permite que se analise os mesmos em uma perspectiva de obtenção
da verdade racional.
Nesses termos, portanto, o modelo de apreciação dos indícios que se mostra
compatível às peculiaridades exigidas pelo processo penal é o traçado pela teoria mediana.

190 KNIJNIK, 2007, p. 55.


2.2.2.2 Requisitos de eficácia probatória dos indícios.

Uma vez adotado como parâmetro de avaliação do acervo probatório o Método de


Apreciação de Indícios consagrado pela Teoria Mediana, surge a necessidade de abordar com
maior especificidade os requisitos para a aferição da força probatória dos indícios. Tais
requisitos, na forma como elencados por Assis Moura, merecem algumas observações e
modificações, de maneira a adequarem-se à teoria mediana de apreciação dos indícios e,
também, para que passem a constituir uma verdadeira técnica de avaliação da prova indiciária.

2.2.2.2.1 Exclusão da hipótese de falsificação do fato indicador. A credibilidade subjetiva


da prova.

É possível que a prova sob análise do julgador encontre-se eivada de vício em sua
produção, por tratar-se de prova fabricada de modo a possibilitar, propositalmente, uma
determinada conclusão, de interesse do falsificador, por parte do magistrado.
O interesse em forjar uma determinada prova pode ter por escopo dar sustentação à
uma versão dos fatos que conduza a uma absolvição, ou simplesmente munir de valor
probatório determinada versão acusatória. Com efeito, um indivíduo pode implantar no local
do fato criminoso vestígios que venham a incriminar terceiro, tanto com o intuito de ludibriar
as investigações policiais e evadir-se da reprimenda merecida, quanto com o objetivo sórdido
de prejudicar a outrem.
Para Malatesta, analisar essa hipótese de falsificação é entrar no campo de análise da
credibilidade subjetiva da prova, ou seja, analisar a idoneidade do meio probatório tendo em
conta a coisa ou a pessoa de onde dimana a prova. Para o autor, em relação às provas
pessoais deve ser procedida uma análise da credibilidade da própria testemunha que fornece
uma versão dos fatos, enquanto para as provas reais devem ser atendidos alguns critérios
básicos para a sua obtenção.
Uma pessoa ou uma coisa se apresentam em juízo fazendo uma afirmação. É
preciso começar por avaliar a credibilidade deste sujeito pessoal ou real de
prova e a credibilidade consiste na relação entre o sujeito que afirma e a
afirmação: relação de veracidade ou falsidade entre a pessoa que afirma e sua
afirmação; relação de veracidade ou falsidade entre a coisa que atesta e suas
possíveis atestações.
[...]
O que não é normal na vida das coisas, o que destrói a sua subjetividade
natural ou genuinidade, se assim se quer dizer, é a sua alteração, introduzida
com o fim de uma falsa atestação, para que, assim, fique traído o juízo de
quem deseje tirar das coisas um argumento probatório; em suma e numa
palavra é sua falsificação. Eis por que, falando de avaliação subjetiva das
coisas, falamos de alterações maliciosas e não de alterações casuais, não
maliciosas.
Em vista do que temos dito sobre a veracidade da prova real, nota-se como a
avaliação subjetiva das provas reais tem um campo limitadíssimo e uma
importância muito menor que as provas pessoais. E a pouca importância da
avaliação subjetiva das provas reais surge mais clara quando se lembra que a
apreensão judicial das coisas, para fazê-las funcionar como provas, tem lugar
quase sempre imediatamente após o delito e, pela imediata apreensão, de um
lado se assegura a sua identidade, de outro, são elas subtraídas à facilidade
191
das falsificações, através das mil garantias que é de costume cercá-las.

É também no sentido de reduzir a probabilidade de alteração ou falsificação das


provas reais que Assis Moura aponta a necessidade da coleta imediata dos vestígios deixados
em um delito e a determinação da autenticidade dos mesmos por parte de peritos, os quais
subministram técnicas e regras de experiência que possibilitam tal verificação.192
Por fim, basta referir que a exclusão da hipótese de falsificação do fato indiciário
condiz com a confirmação da precisão do indício, porquanto afirma a existência do fato
indicador da forma como conhecido e provado.

2.2.2.2.2 Exclusão da hipótese de azar e a certeza racional da relação de causalidade entre


o fato indicador e o indicado.

“Para que se possa falar em eficácia do indício, é preciso que se tenha descartado toda
a possibilidade de erro, e, naturalmente, um de tais erros [...] consiste em desconhecer a
possibilidade de que seja casual a conexão entre o fato investigado e o indiciário”193.
A chamada exclusão da hipótese de azar possui relevante importância no processo de
avaliação da força probatória de um indício.
O azar, para Dellepiane, configura algo muito semelhante com o que se entende
ordinariamente por coincidência:
parece consistir, simplesmente, no encontro de séries ou processo
fenomênicos independentes, isto é, que se não acham unidos entre si, ou com
outro fenômeno ou processo, por vínculos regulares de causalidade. Sucede,
com efeito, na realidade objetiva, que séries fenomênicas não solidarias se
encontram, interferem, dando lugar a fatos novos. Tanto êsses encontros
como seus efeitos, considerados um a um, são irregulares, não obedecem a
lei alguma. Pois bem: tais encontros constituem, precisamente, os fatos
denominados de azar.194

191 MALATESTA, 1995, p. 160-161.


192 ASSIS MOURA, 2009.
193 ibidem, p. 94.
194 DELLEPIANE, 1958, p. 81-82 .
O autor argentino defende a idéia de que o azar se dá em certos graus, decorrentes da
maior ou menor probabilidade de sua ocorrência, e que, portanto, o é previsível e passível de
ser descartado.195 Quanto a relação do azar com a prova indiciária, frisa o autor:

Só em casos raríssimos o azar realiza várias coincidências, ou repete casos,


ou reune múltiplos indícios absolutamente independentes, combinando-se, ao
mesmo tempo, em forma assás perfeita como para dar idéia da ocorrência de
um fato que em realidade não existiu; de modo que, quando o número de
indícios e seu afastamento é grande, a crença na eliminação da hipótese de
azar torna-se firme e suficiente para produzir no espírito a convicção da
realidade do fato por êles indicado. Acontece aqui como com as
coincidências múltiplas, constantes e variadas que, excluído a hipótese do
azar, atestam a existência das leis naturais.196

Como se pode notar das lições do mestre argentino, a hipótese de azar nada mais é que
o grau de probabilidade com que a análise dos indícios pode resultar, por uma casualidade,
em uma conclusão que não condiz com a verdade dos fatos.
Ocorre que a hipótese de azar é passível de afastamento toda vez que a prova
indiciária esteja apta a indicar que a probabilidade de sua ocorrência não seja razoável.
Porém, tal verificação da possível ocorrência da hipótese de azar deve contar com um
processo prévio de verificação da gravidade do indício individualmente considerado.
Portanto, é condição para a exclusão da hipótese de azar que o indício seja grave, “no
sentido de que a regra de experiência comum, lógica ou científica deve extrair da
circunstância indiciante um número relativamente restrito e preciso de conseqüências,
excluindo-se do elenco de indícios todas as regras excessivamente vagas”197.
Deve-se, assim, restringir o acervo probatório aos indícios precisos - de existência
certa e provada - e graves, no sentido de que a relação de causa e efeito entre o fato indicador
e o fato indicado, proposta pela experiência, não seja vaga de maneira a manifestar a
ocorrência mera suspeita, mas sim de probabilidade relevante. Seguindo este método de
avaliação, evita-se que o conjunto dos indícios, através do qual o julgador elimina a hipótese
de azar e convence-se quanto à relação de causalidade entre o fato indicador e o indicado, seja
excessivamente maleável.
É nesse ponto que se supera a primeira fase proposta pela teoria mediana, de análise
individual do indício, e passa-se a considerar o conjunto dos mesmos para fins de exclusão da

195 DELLEPIANE, 1958.


196 ibidem, p. 83-84.
197 SCAPINI, Névio. La prova per indizi nel vigente... apud KNIJNIK, 2007, p. 51.
hipótese de azar e obtenção da certeza racional quanto à relação de causalidade entre o fato
provado e o fato probando.
Insta recordar, “se faltar o nexo de causalidade ou for ele incerto ou imaginário, há que
se negar toda força probatória ao pretendido indício”198. É por tal motivo que a confirmação
da existência do nexo causal entre o fato provado e o fato probando relaciona-se com o
processo de exclusão da hipótese de azar.
O requisito de existência da certeza processual da causalidade entre fato indicador e
fato indicado é igualmente prejudicial à análise da eficácia probatória. Para procedermos a
valoração intrínseca do grau em que se dá a relação de causalidade, é necessária uma pretérita
confirmação desse nexo de causalidade. Esse proceder consiste na aferição da concordância
do indício, ou seja, na avaliação dos indícios “de tal modo a restringir o campo das múltiplas
probabilidades à uma única certeza”199.
Dellepiane aponta para a necessidade de se diferenciar aquilo que se entende com os
termos concordância e convergência da prova indiciária. Aduz o autor que a primeira
característica diz respeito aos fatos indiciários, enquanto a segunda se refere às conclusões
obtidas das inferências indiciárias, devendo ambas serem observadas pelo julgador para
chegar a certeza quanto ao nexo causal. Assim, quanto à concordância dos indícios, defende o
autor argentino a necessidade de “que se ajustem entre si, de modo a produzirem um todo
coerente e natural, no qual cada fato indiciário ocupe sua respectiva colocação no que respeita
ao tempo, lugar, e demais circunstâncias”. No que tange à convergência das inferências
indiciárias, manifesta-se no sentido de que “todas reunidas não possam levar à conclusões
diversas”.200
É possível referir, portanto, que a análise do conjunto de indícios passa por uma dupla
tarefa, começando pela concordância entre os indícios, para após avaliar a convergência das
conclusões originadas do raciocínio indiciário.

2.2.2.2.3 A análise da consistência da máxima de experiência empregada na inferência


indiciária. A força probatória do indício.

Da concordância dos indícios se retira a confirmação da relação de causalidade entre


os fatos provados e o fato probando, eliminando-se, assim, a hipótese de azar. Da aferição da

198 ASSIS MOURA, 2009, p 96.


199 SCAPINI, Névio. La prova per indizi nel vigente... apud KNIJNIK, 2007, p. 51 .
200 DELLEPIANE, 1958, p. 106.
consistência da máxima experiência, por sua vez, se obtém um juízo específico acerca do
grau em que se dá tal relação e, por decorrência, da força probatória de cada proposição
fornecida pelos vários indícios.
“A maior ou menor força probatória do indício depende do maior ou menor nexo
lógico que exista entre aquele e o fato desconhecido que se pretende demonstrar”201, por tal
motivo, a aferição do grau em que se dá esse nexo de causalidade faz-se necessário através da
análise da consistência das máximas de experiência empregadas nas inferências indiciárias
concordantes.
Andrés Ibañéz assevera que “é fundamental que a inferência judicial tenha sempre um
referente empírico bem identificável, que faça possível afirmar com rigor se as proposições
relativas a ele são verdadeiras ou falsas”202. O complemento dessa afirmação vem com a
exposição do autor acerca da relação entre probabilidade, certeza e eficácia explicativa da
máxima de experiência:
A máxima de experiência responde ao esquema da indução generalizadora,
das generalizações empíricas, e, em conseqüência, produz unicamente
conhecimento provável. Isto não o priva de valor na experiência processual,
ao contrário, permite atribuir-lhe o que realmente pode corresponder-lhe e,
nessa mesma medida, tal reconsideração de sua significação se inscreve com
toda autenticidade no paradigma da busca da verdade dos fatos.
Por outra parte, resulta quase desnecessário dizer que nem todas as máximas
de experiência estarão dotadas da mesma eficácia explicativa no momento de
dar o salto de um fato probatório a outro que possa considerar-se provado.
Assim, enquanto algumas máximas de experiência [...] gozam de um alto
grau de elaboração e reconhecimento; outras poderão ser o fruto de um
reduzido número de dados empíricos.203

A relação entre força probatória do indício e consistência da máxima de experiência é


igualmente trabalhada por Malatesta sob a ótica do grau de probabilidade quanto à possível
ocorrência do fato probando:
O ordinário (…) é a base lógica dos indícios contingentes e consiste na
ligação existente para o maior número de casos entre o fato indiciante e o
indiciado. Ora, quanto mais intenso é o ordinário de onde se parte no
raciocínio indicativo, tanto maior é o valor probante do indício. Aquilo que
chamamos maior intensidade do ordinário é, pois, determinado pelo maior
número de casos em que se verifica a mencionada ligação entre fato
indiciante e indiciado e pelo menor número de casos em que a mencionada
ligação não se verifica. A força probante do indício está, assim, na razão
direta da frequência do fato indiciado e na razão inversa da multiplicidade e
freqüência dos fatos contrários.204

201 ASSIS MOURA, 2009, p. 91.


202 ANDRÉS IBAÑÉZ, 2006, p. 96.
203 ibidem, p. 102.
204 MALATESTA, 1995, p. 236.
Disso depreende-se que a força probatória do indício mantém relação com a medida
com que as máximas de experiência, enquanto “definições ou juízos hipotéticos de conteúdo
geral, desligados dos casos individuais julgados no processo, procedentes da experiência e
independentes dos casos particulares que foram observados, e que almejam ter validade para
outros novos casos”205, possibilitam ao julgador concluir em que medida o indício atesta a
provável ocorrência do fato probando.
Atingir esse dado é trabalho essencial para a análise das conclusões originadas da
inferência indiciária. Cuide-se que, sendo apenas provável o resultado do raciocínio indutivo-
dedutivo, haverá também resultados que apontam para hipóteses diversas do fato probando, as
quais são chamadas de motivos infirmantes, e que devem ser eliminadas através da análise da
convergência das proposições originadas da pluralidade de indícios.

2.2.2.2.4 Pluralidade de Indícios precisos, graves e concordantes

A pluralidade de indícios como condição para que se obtenha a certeza processual do


fato probando decorre da idéia de que um único indício estaria apto apenas a confirmar uma
relação de probabilidade entre o fato conhecido e o desconhecido. Sendo insuficiente o caráter
probabilístico do convencimento para a obtenção da certeza, entende-se que o indício
individualmente considerado carece de força probatória para derrubar a presunção de
inocência, a qual pode ser obtida mediante a concordância da conclusão que propõe com
outras, igualmente probabilísticas, provenientes da análise de outros indícios.
As exceções ao requisito da pluralidade de indícios dizem respeito àqueles argumentos
baseados na existência de indícios necessários, em oposição classe dos indícios contingentes,
os quais não suscitam controvérsia acerca da necessidade de figurar em número plural para
que possam dar azo à certeza moral do julgador, visto que inseridos na lógica da prova
cumulativa de certeza proposta por Malatesta206.
Dellepiane aponta para a relativização da exigência da pluralidade de indícios quando
diante do indício necessário, ou seja, nos casos em que a máxima, induzida da experiência,
fornecer um dado absoluto, e não meramente provável:
Que sejam vários, quando não possam dar lugar a deduções concludentes,
como as fundadas em leis naturais que não admitem excessão.
(…)

205 STEIN, Friederich. El conocimiento privado... apud KNIJNIK, 2007, p. 69.


206 Ver ponto 2.1.1.1.
Tratando-se de indícios desta classe, que qualificamos de veementes e que
alguns autores chamam necessários [...], basta pois, um único para
estabelecer certamente um fato. Quando os indícios não revestem êsse
caráter, ter-se-á necessidade de vários para chegar à certeza, não se podendo,
racionalmente, fixar número mínimo algum como necessário e suficiente
para produzir a convicção. Êsse número variará segundo as circunstâncias de
cada caso, isto é, segundo a força ou peso dos indícios que entram na
207
combinação.

Assim, a admissão de exceções à exigência da pluralidade de indícios depende do


ponto de vista que se tem sobre a possibilidade de existir tal indício necessário.
Ressalte-se, a pluralidade de indícios não significa o estabelecimento de um parâmetro
numérico de indícios, mas apenas decorre da idéia de que os indícios geralmente se prestam a
conclusões contingentes, as quais podem gerar a certeza moral apenas quando em concurso
com outras conclusões de mesmo caráter.
Nesse sentido, refere Assis Moura que “os indícios se pesam, e não se contam, não
basta que apareçam provados em número plural; é indispensável que, examinados em
conjunto, produzam a certeza moral sobre o fato investigado. Para tanto, devem ser graves,
precisos, e concorrerem, harmonicamente, a indicar o mesmo fato”208.
Assim sendo, diante da existência de um único indício preciso, grave, e de nexo
causal não decorrente do azar, deve o julgador obter um juízo quanto à consistência da
máxima de experiência empregada no raciocínio indiciário. Sendo o resultado dessa
averiguação diverso da constatação da necessariedade da conclusão fornecida pela lei de
experiência, ausentes outros elementos probatórios que possam corroborar tal conclusão, deve
o magistrado considerar o indício como inapto a gerar a certeza quanto à ocorrência do fato
probando.

2.2.2.2.5 Eliminação de contra-indícios e dos motivos infirmantes da conclusão.

Também figura como essencial à aferição da força probante dos indícios o dever do
magistrado de “levar em conta os motivos para não crer, inerentes ao indício por si mesmo”209
e também das conclusões obtidas do conjunto de indícios que demonstrem-se desconexas ou
contraditórias. “Estes motivos para não crer constituem os motivos infirmantes, que derivam

207 DELLEPIANE, 1958, p. 104-105.


208 ASSIS MOURA, 2009, p. 98.
209 MALATESTA, 1995, p. 230.
por vezes da consideração da subjetividade do indício e brotam sempre da consideração do
seu conteúdo, quando não se trata de indício necessário.”210
É dizer, em outros termos, que os indícios podem conduzir a mais de uma conclusão,
sendo possível a colisão ou simples descompasso destas outras hipóteses com àquelas que
servem de apoio à versão que se pretende provar. Assim sendo, deve-se tomar em
consideração todas as conclusões passíveis de serem obtidas pelas ilações indiciárias, de
modo a eliminar aquelas que se mostrem dissonantes do restante do acervo probatório e que
signifiquem razoável probabilidade de ocorrência de falha na reconstrução dos fatos e no
processo de convencimento do magistrado.
Assevera Knijnik que os motivos infirmantes da conclusão devem ser afastados
tendo como referência o nível de convencimento exigido pela natureza da questão processual
colocada sub judice. Em se tratando de prova indiciária apreciada em juízo criminal, tal
parâmetro pode ser obtida do modelo de constatação da prova incompatível com qualquer
hipótese que não a da acusação:
Considerando-se que o raciocínio indiciário envolve um elevado grau de
intelecção, não podendo arredar aprioristicamente todas as possibilidades de
erro, devem as partes finalmente cotejar as dúvidas remanescentes com o
contexto processual pertinente (…), verificando se foi atingida a suficiência
211
do modelo de constatação aplicável a cada um deles

Por fim, a última fase da avaliação pela qual deve passar prova indiciária, de modo a
fornecer uma conclusão precisa e segura acerca dos fatos, consiste no confronto das
conclusões obtidas com o restante do acervo probatório, já que “a prova contrária, afastando a
conclusão gerada pela máxima de experiência prevalece sobre o raciocínio lógico
indiciário”212.
Os motivos infirmantes são “inerentes à prova indireta em si considerada, tanto em
relação ao sujeito provante, [...], quanto em relação ao objeto provado”213, e diferenciam-se da
chamada prova infirmante, ou seja, “aquela que vem a confirmar um motivo infirmante,
agindo, seja contra o conteúdo incriminante do indício, seja contra a credibilidade subjetiva
dele”.214 .
As provas infirmantes das conclusões obtidas pela operação mental procedida sobre
o indício são chamadas de contra-indícios, os quais podem existir tanto como prova direta,

210 MALATESTA, 1995, p. 230.


211 KNIJNIK, 2007, p. 58.
212 ibidem, p. 58.
213 MALATESTA, 1995, p. 232.
214 ibidem, p. 232.
quanto como prova indireta. Nesse sentido, refere Malatesta que “a prova infirmante do
indício, consista ou não em outro indício, constitui o contra-indício, em geral”215. Necessário,
portanto, “examinar se não existem contraprovas, ainda que indiciárias, que prejudiquem as
conclusões inferenciais que seriam extraídas da máxima aplicada”216.
Em tempo, observe-se que o rol de requisitos de eficácia probatória do indício
proposto por Assis Moura deixa a entender que o contra-indício e a prova que infirma o fato
indicador são coisas diversas, quando, na verdade, confundem-se na medida em que ambas
consistem em provas infirmantes. A própria autora afirma que “As provas em sentido
contrário aos indícios, ou que os infirmem, conduzem à ineficácia daquela indiciária, se não
puder ela, razoavelmente, afastar as demais, de acordo com uma crítica severa e global de
todas as provas produzidas no processo.”217. Tal noção confunde-se com aquela propagada
por Malatesta, segundo o qual “O contra-indício é não somente um indício que se opõe a
outro, mas uma prova qualquer que se oponha a um indício: o contra-indício, como dissemos,
é, em suma, a prova infirmante do indício”218. Por tais motivos, não se está diante de dois
requisitos de eficácia distintos.
Nesse particular, deve-se ter em conta que prova indiciária não merece ser
marginalizada e esquecida pelo julgador ante a mera existência de prova direta, pois cabe ao
magistrado realizar os juízos de valoração de cada elemento de prova, assim como o
confronto da eficácia probatória dos mesmos.
Danilo Knijnik ressalta que, em decorrência do princípio do livre convencimento
motivado, não há qualquer estipulação de hierarquia entre os meios probatórios, os quais
podem ser valorados pelo juiz dentro dos limites impostos pelo livre convencimento, desde
que devidamente fundamentada sua decisão.
[...] há muito, a lei não mais admite provas de valor tarifado, nem mais
estabelece a priori uma hierarquia entre as provas. Desta forma, não tem o
menor fundamento jurídico acreditar que os indícios sejam meias-provas ou
provas menores, ou, até, prova nenhuma. Os indícios serão provas fracas ou
fortes, como quaisquer outras, pois devem ser aferidos dentro de todo o
contexto instrutório, como, aliás, ocorre com todas as demais provas.”219

Dessa maneira, tanto a prova direta como a indireta podem ser consideradas
merecedoras de confiabilidade. Embora a apreciação da prova indiciária demande a
realização de inferências que dependem de um raciocínio de maior complexidade e esforço do

215 MALATESTA, 1995, p. 230.


216 KNIJNIK, 2007, p. 58.
217 ASSIS MOURA, 2009, p. 103.
218 MALATESTA, 1995, p. 231.
219 MAZZILI, 2003, p. 02.
julgador, em relação ao raciocínio empregado sobre a prova direta, a prática revela a
existência de situações em que o valor da prova indiciária pode se sobressair na avaliação do
julgador quanto a aferição da idoneidade da prova colhida, ou seja, “enquanto as testemunhas
podem mentir, os indícios não”220.
Nessa esteira, Malatesta reconhece que a apreciação da prova indireta diferencia-se da
direta apenas quanto a seu objeto, pois ambas necessitam de um rigoroso controle no que se
refere ao sujeito que as produz.
Toda prova tem um sujeito e um objeto; o sujeito da prova é a pessoa ou a
coisa que a afirma; o objeto é a coisa demonstrada. Assim, o sujeito e o
objeto da prova necessitam de uma avaliação especial. Quando, por via das
provas, o espírito humano quer chegar à certeza de um fato, precisa,
primeiro, avaliar a credibilidade subjetiva da prova e, depois, avaliar-lhe a
conclusão objetiva.
(…)
Ora, esta relação de verdade ou falsidade entre a pessoa que afirma e a
afirmação, a relação de veracidade ou falsidade entre a coisa que atesta e as
suas atestações, esta credibilidade, em suma, do sujeito probatório, precisa
sempre ser igualmente avaliada pela razão, quer se trate puramente de prova
221
direta ou indireta.

Por decorrência de tal análise do sujeito da prova, nem sempre ter-se-á uma prova
direta com força probatória superior ao indício.
Por fim, acerca de todo o exposto, é possível afirmar que a conclusão oriunda prova
indiciária é composta de dois elementos. O primeiro deles diz respeito à afirmação da
provável ocorrência de um fato além da chamada dúvida razoável, gerando uma certeza
processual através da análise da força probatória do indício. O segundo elemento, por sua
vez, diz respeito à negação da ocorrência hipótese diversa, visto que a análise dos motivos
infirmantes demonstra sua improbabilidade ou impossibilidade de ocorrência.

2.2.3 Fundamentação da sentença condenatória baseada em indícios. O Modelo de


Constatação apropriado e o dever de explicitação das máximas de experiência.

Quando estudados os princípios da persuasão racional e da fundamentação das


decisões judiciais, constatou-se a necessidade de o julgador explicitar na fundamentação da
sentença os parâmetros pelos quais decidiu acerca da questão de fato colocada em
determinado caso. Para a execução da tarefa, foi sugerido que o magistrado utilizasse os
chamados modelos de constatação como meio de explicitar os critérios, ou parâmetros

220 ROSENBERG, Irene Merker et al. “Perhaps what we say... apud Danilo Knijnik, 2007, p. 26.
221 MALATESTA, 1995, p. 157-158.
básicos, utilizados na apreciação da prova para firmar convencimento acerca da questão de
fato atinente a cada caso. Afirmou-se, ainda, que os standards probatórios se adaptam
conforme o caráter substancial da discussão travada em juízo.
Nesse momento, porém, levando em conta que aquilo que se deseja é um controle
efetivo do ato decisório no que tange à reconstrução fática através da prova indiciária, tem-se
por necessário tecer duas observações adicionais. Uma delas diz respeito à possível existência
de um quarto modelo de constatação, apropriado para a prova indiciária, e a outra se refere à
necessidade de expor na fundamentação as máximas de experiência empregadas no raciocínio
indiciário.
Observa Knijnik que a fundamentação da condenação penal baseada unicamente em
prova indireta impõe uma adaptação do modelo da prova acima da dúvida razoável, atinente
aos processos criminais, que seja condizente com a complexidade da prova indiciária e que
torne a valoração e avaliação da prova menos vulneráveis a interpretações equivocadas e ao
erro de avaliação. Segundo o autor, ao contrário do que ocorre em relação à prova direta, não
basta à prova indireta que esta encontre consistência em relação à versão acusatória, sendo
exigível que também esteja apta a opor-se a qualquer versão absolutória crível ou
racionalmente provável.222
Esse cuidado se deve ao fato de a prova indireta consistir em um instrumento de
maior contingência em relação à obtenção da verdade dos fatos, sua utilização como prova,
portanto, exige que recrudesça o cuidado a ser observado durante a avaliação da mesma. É
nesse sentido que o autor aponta a formulação de um quarto modelo de constatação, mais
rigoroso, com origem na doutrina norte-americana, e que exige uma “prova incompatível com
qualquer hipótese que não a da acusação”223. A lição do autor merece transcrição:
Logo viu-se, entretanto, que mesmo esses três modelos de constatação não
bastavam, podendo conduzir à injustiças. A doutrina chamou a atenção para
um aspecto já abordado neste livro. É que, embora certo que o juiz possa
formar seu convencimento livremente, valendo-se da prova indireta e sem
hierarquias, considerada a maior chance de erro, um modelo de constatação
mais rigoroso deveria ser aplicado quando se tratasse de prova indiciária,
notadamente em matéria criminal.
(…)
Convém mencionar que, mesmo no direito americano, a existência de um
quarto modelo de constatação, específico para o processo penal cujos fatos
estejam baseados em indícios, ainda é controvertido.224

222 KNIJNIK, 2007.


223 Ibidem.
224 Ibidem, p. 41-42.
As digressões sobre esse quarto modelo de constatação merecem atenção porque
realmente mostram-se em consonância com a lógica da avaliação da prova indiciária. A idéia
de uma conclusão que toma por parâmetro que “é quase impossível que algo não tenha
ocorrido”225 mostra-se compatível com a análise da eficácia probatória da prova indiciária.
Isso porque tal análise, como anteriormente discutido, comporta além da análise do grau de
probabilidade de ocorrência do fato probando, uma posterior aferição dos chamados motivos
infirmantes e do confronto das conclusões com possíveis contra-indícios. Em outras palavras,
a eficácia da prova indiciária depende não só da suficiente comprovação do fato probando,
mas de uma inteligência do conjunto probatório que permita ao julgador eliminar todas as
hipóteses racionalmente aceitáveis de inocência propostas pelos indícios e contraprovas,
mesmo que em grau mínimo de razoabilidade.
Esse quanto modelo de constatação, portanto, mostra-se mais adequado para os casos
em que o julgador se depara com prova exclusivamente indiciária, visto que traz como
parâmetro para o convencimento não só a prova do fato além da dúvida razoável, mas
também a razoável exclusão de qualquer hipótese de inocência, conformando, assim, o
standard probatório da “prova incompatível com qualquer hipótese que não a da
acusação”226.
De outra banda, é necessário ter em conta mais uma peculiaridade quando diante da
tarefa de fundamentar sentença condenatória baseada em indícios. Tal peculiaridade, apontada
por Knijnik, consiste na necessidade constarem explicitamente na fundamentação da sentença
as máximas de experiência empregadas na premissa maior de cada inferência indiciária:
Com efeito, se está em causa a prova judicial de um fato, está em causa uma
máxima de experiência. Ela é onipresente. Assim ocorre por não haver
distinção, nem ontológica nem gnoseológica, entre prova direta e indireta
(…). Assim, as máximas de experiência sempre estão presentes em qualquer
juízo de fato elaborado no processo. Da prova testemunhal mais tradicional à
perícia mais intrincada, só é possível concluir mediante o emprego de uma
ou mais máximas de experiência.227

Nesse ínterim, cabe observar a necessidade de explicitar não só as máximas da


experiência utilizadas para a avaliação objetiva da prova, ou seja, aquela que diz respeito ao
conteúdo da prova, mas também aquelas empregadas na avaliação subjetiva da prova, que diz
respeito à análise da credibilidade do sujeito de que emana a prova.

225 KNIJNIK, 2007, p. 43.


226 Ibidem, p. 45.
227 Ibidem, 2007, p. 68-69
Seguindo essas orientações, ter-se-á uma fundamentação de sentença condenatória
baseada em indícios que atinge os objetivos do princípio geral do dever de fundamentação
das decisões judiciais, “a fim de balizar o contraditório e garantir maior racionalidade ao juízo
de fato”228.

228 KNIJNIK, 2007, p. 72.


CONCLUSÃO

A aferição dos parâmetros que concernem à adequação constitucional da condenação


penal baseada em prova indiciária é questão polêmica, e possui diversas variáveis, as quais
foram devidamente enfrentadas no decorrer do presente estudo.
A finalidade da prova relaciona-se com a verdade processual que se busca obter no
curso de uma ação penal, sendo que ao processo de reconstrução dos fatos procedido em juízo
encontra-se vinculada a idéia de que jamais reproduzirá o fato histórico em perfeita
consonância com o ocorrido na realidade. Assim, a natureza da prova e a verdade, portanto,
não se confundem, porém, ainda assim, nada impede que a atividade probatória no processo
penal tenha por escopo desenvolver uma conclusão mais próxima o possível da verdade dos
fatos da maneira como eles ocorreram no mundo, devendo ser abandonada a relação entre o
processo penal e a pura verdade formal
Partindo de outro ângulo, tomando como referência a manifestação da presunção de
inocência enquanto regra de juízo, enunciada pelo in dubio pro reo, é possível depreender
que o parâmetro relacionado ao grau de convencimento exigido para a condenação penal é a
certeza. Disso, da diversa natureza da prova em relação à verdade e da falibilidade humana,
decorre que essa certeza possui cunho processual, e para figurar na consciência do juiz, deve
superar a dúvida razoável.
Ainda, deve-se lembrar que a livre apreciação da prova pelo magistrado revela a
inexistência disparidade entre a força probatória do indício e da prova direta, devendo as
mesmas serem apreciadas sob as perspectivas objetiva e subjetiva, para que, quando
confrontadas, determine-se qual das proposições por elas fornecidas merece prevalecer, e em
que grau.
A prova indiciária propõe-se à possibilitar a reconstrução dos fatos através do emprego
da inferência indiciária. Essa operação mental é procedida sobre o fato provado, o indício, de
maneira que se obtém uma relação de causalidade em relação ao fato probando, nexo este que
possui determinada intensidade e é ditado pelas leis da experiência que compõe a premissa
maior do raciocínio indiciário. Sendo um raciocínio caracterizado pela indução de uma
máxima da experiência, obtida da observância do ordinário comportamento das coisas, a
ilação indiciária possui um caráter probabilístico, de intensidade mensurável, ao qual
dificilmente, ou nunca, pode-se atribuir a característica da necessariedade.
A conformidade constitucional da condenação por prova indiciária pode ser analisada
através dos planos de apreciação da prova, desde a admissibilidade e avaliação da prova até a
fundamentação da sentença condenatória baseada em indícios.
Para que o fato conhecido possa ser considerado verdadeiro indício ele deve encontrar-
se provado e estabelecer um nexo causal entre o fato provado e o fato probando através de
uma lei de experiência, empregada ao caso concreto por meio de um raciocínio indutivo-
dedutivo.
Uma vez atestada a existência do indício, deve-se verificar que o mesmo trata-se de
um meio de prova válido e apto a integrar o acervo que será destinado à avaliação do
julgador, descartando-se as hipóteses de vício na produção ou nulidade processual que
contaminem a prova produzida.
Verificada a validade do indício, deve o julgador eliminar a hipótese de falsificação do
fato indiciário bem como analisar a hipótese de azar que cerca sua ocorrência, de maneira a
determinar a certeza da relação de causalidade entre o indício e o fato indiciário.
Para extrair a força probatória do indício, cumpre ser realizada uma análise da
consistência da máxima da experiência empregada no raciocínio indiciário, de forma a
determinar o grau em que se dá a probabilidade de ocorrência do fato probando.
Por derradeiro, a certeza processual será tangível pela proposição contingente oriunda
da inferência empregada sobre o indício quando este se reunir a outros elementos de prova e
assegurar uma intensificação de seu caráter probabilístico em uma medida que sua
inocorrência não é razoavelmente aceitável pelo magistrado.
A adoção do livre convencimento motivado determina que magistrado encontra-se
livre para apreciar e conferir valor da prova trazida para sua apreciação, sendo a enunciação
dos requisitos de existência, validade e eficácia probatória do indício apenas a proposição de
um método para a averiguação da força probatória do indício.
Uma vez proferida a condenação, deve o magistrado fundamentar sua decisão expondo
claramente a conformação de seu raciocínio em relação à questão de fato e de direito.
Especificamente com relação à quaestio facti, aconselha-se que o mesmo explicite na
sentença as máximas de experiência utilizadas na conformação de suas conclusões, as quais,
por sua vez, devem encontrar correspondência com o modelo de constatação proposto para a
apreciação da prova indiciária no juízo criminal.
Referências Bibliográficas

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