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FACULDADE DE DIREITO
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS PENAIS
Porto Alegre
2009
RESUMO
This work deals with issues involving criminal conviction based solely on circumstantial
evidence and its adequability requirements to the brazilian constitutional order. The study is
divided into two parts, the first related to the study of precepts enshrined in the brazilian
procedural law as well as issues properly related to the circunstancial evidence. The second
part deals about the constitutional principles concerning the assessment of circunstancial
evidence and the enunciation of a method of assessment that takes into account relevant issues
about the admissibility and evaluation of circumstantial evidence and also about the
fundamentation of the criminal sentence based on circumstantial evidence.
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................................... 5
1. O SISTEMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO E A PROVA INDICIÁRIA .................................... 7
1.1 PRECEITOS BÁSICOS DE DIREITO PROBATÓRIO ............................................................................................... 7
1.1.1. Conceito, Objeto e finalidade da prova ................................................................................................. 7
1.1.1.1. Finalidade da Prova. Verdade e Processo Penal. ............................................................................ 9
1.1.2 Sistemas de Apreciação de Prova......................................................................................................... 13
1.1.2.1 O Sistema de Apreciação de Prova Brasileiro ............................................................................... 14
1.1.3 Classificação das Provas...................................................................................................................... 16
1.1.3.1 Prova direta e Indireta. Considerações relevantes. ........................................................................ 17
1.2 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ACERCA DA PROVA INDICIÁRIA. ................................................................ 18
1.2.1 Conceito de Indício............................................................................................................................... 19
1.2.1.1 Suspeita, Presunção e Indício ........................................................................................................ 20
1.2.1.1.1 Presunção e Indício. Distinção do ponto de vista lógico. ....................................................... 22
1.2.1.1.2 Presunção e Indício. Distinção do ponto de vista da natureza da verdade contida na premissa
maior da inferência indiciária. ............................................................................................................... 25
1.2.1.1.3 Presunção e Indício. Diferentes componentes da inferência indiciária ................................... 27
1.2.1.1.4 Conclusões. ............................................................................................................................. 28
1.2.2. Classificação dos Indícios ................................................................................................................... 29
1.2.2.1. Classificações tradicionais ............................................................................................................ 29
1.2.2.2. Classificação dos indícios segundo a comprovação do fato delituoso .......................................... 32
2. A CONSTITUCIONALIDADE DA CONDENAÇÃO PENAL POR PROVA INDICIÁRIA .................. 34
2.1 PROVA INDICIÁRIA E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE PROCESSO PENAL .................................................. 34
2.1.1 O Princípio da Presunção da Inocência e o in dubio pro reo. ............................................................. 35
2.1.1.1 Prova indiciária. Probabilidade e certeza ....................................................................................... 41
2.1.2 Persuasão racional e motivação das decisões judiciais ....................................................................... 43
2.1.2.1 Fundamentação da Sentença e a questão de fato. A Teoria dos Modelos de Constatação............. 46
2.2 APRECIAÇÃO DA PROVA INDICIÁRIA SOB UMA PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL ........................................... 48
2.2.1 Admissibilidade da Prova Indiciária. ................................................................................................... 49
2.2.1.1 Requisitos de Existência do Indício ............................................................................................... 50
2.2.1.1.1 Certeza do Fato indiciante. ..................................................................................................... 50
2.2.1.1.2 Proposição geral fornecida pela lógica e pela experiência...................................................... 52
2.2.1.1.3 Causalidade entre fato indicador e fato indicado .................................................................... 53
2.2.1.2 Requisitos de Validade .................................................................................................................. 54
2.2.1.2.1 Ausência de limitação probatória ........................................................................................... 55
2.2.1.2.2 Emprego de provas lícitas para demonstrar o fato indicador .................................................. 56
2.2.1.2.3 Ausência de nulidade na obtenção da prova do fato indicador ............................................... 57
2.2.1.2.4 Inexistência de nulidade que vicie a prova por indícios ......................................................... 57
2.2.2. Avaliação da prova indiciária ............................................................................................................. 58
2.2.2.1 Métodos de Apreciação de Indício ................................................................................................ 59
2.2.2.2 Requisitos de eficácia probatória dos indícios. .............................................................................. 61
2.2.2.2.1 Exclusão da hipótese de falsificação do fato indicador. A credibilidade subjetiva da prova. . 61
2.2.2.2.2 Exclusão da hipótese de azar e a certeza racional da relação de causalidade entre o fato
indicador e o indicado............................................................................................................................ 62
2.2.2.2.3 A análise da consistência da máxima de experiência empregada na inferência indiciária. A
força probatória do indício. ................................................................................................................... 64
2.2.2.2.4 Pluralidade de Indícios precisos, graves e concordantes ........................................................ 66
2.2.2.2.5 Eliminação de contra-indícios e dos motivos infirmantes da conclusão. ................................ 67
2.2.3 Fundamentação da sentença condenatória baseada em indícios. O Modelo de Constatação
apropriado e o dever de explicitação das máximas de experiência. ............................................................. 70
CONCLUSÃO ..................................................................................................................................................... 74
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................................................... 76
INTRODUÇÃO
Esse exame de pertinência da prova foi consagrado pelo artigo 400, §1º, do Código de
Processo Penal e consiste em verdadeiro mecanismo que visa inadmitir a produção de provas
impertinentes, irrelevantes ou protelatórias, que em nada tenham a contribuir com a
finalidade do processo. Tal mecanismo cumpre com o papel de manter a prova, quanto a seu
conteúdo, fiel ao objeto a que deve corresponder, o fato probando. A aferição do objeto da
prova é questão necessária, portanto, para um desenvolver eficaz e eficiente da atividade
jurisdicional, bem como para que a prova mesma logre atingir sua própria finalidade e, por
decorrência, a finalidade do processo.
Cumpre referir que, tratar-se o fato delituoso do objeto da prova em processo penal
não significa dizer que apenas são verdadeiras provas admissíveis aquelas que têm o condão
de elucidar o delito em toda sua complexidade, mas sim todos aqueles elementos que versam
sobre o delito ao menos em relação a um de seus aspectos.
Uma breve análise da teoria do delito evidencia a necessidade de verificação de
diversos elementos tanto para a comprovação da tipicidade e da antijuridicidade do fato
quanto para a verificação da culpabilidade do agente. Assim, é plausível a idéia de que, diante
do caso concreto, um mesmo elemento de prova possa apresentar relação com vários
elementos constitutivos do delito, com apenas um deles, ou ainda com o delito globalmente
considerado, embora a idéia de uma prova plena em relação ao crime seja controversa.
Para De Plácido e Silva, finalidade exprime a idéia de “objetivo ou fins tidos na prática
ou execução de um ato”10. Portanto, para desumir a finalidade inerente a prova no processo
Muitas são as razões que apontam ter sido o Sistema do Livre Convencimento
Motivado o adotado por nosso ordenamento jurídico.
31 Decreto-Lei 3,689/41.
32 PACELLI DE OLIVEIRA, 2008,p. 292-294.
33 Art. 93, inciso IX, Constituição Federal: “todos os julgamentos dos órgãos do poder judiciário serão
públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade [...]”.
34 Art. 157 do Código de Processo Penal: “O Juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial […].”.
1.1.3 Classificação das Provas.
Por fim, quanto ao objeto, as provas podem ser classificadas em diretas e indiretas.
Assevera Cagliari que “Referem-se as primeiras, direta e imediatamente ao fato a ser
35 MALATESTA, 1995.
36 CAGLIARI, 2001, p.82.
37 ibidem, p. 82.
38 ibidem, p. 83.
provado. As segundas dizem respeito a outro(s) fato(s) que, por sua vez, se liga(m) ao fato a
ser provado. São provas indiretas as presunções e indícios”39.
Ressalte-se novamente que a prova, para superar o exame de pertinência, deve versar
sobre o fato probando, o objeto da prova. As bases para a diferenciação entre prova direta e
prova indireta residem, portanto, na relação existente entre o conteúdo da prova e o delito, a
qual, devido sua complexidade e relevância, merece destaque no presente estudo.
Dito de outro modo, as bases dessa classificação dizem respeito à maneira pela qual se
obtém do conteúdo da prova a proposição acerca do fato que se quer provar. De um lado, as
provas diretas por si só já externam uma proposição referente ao fato probando, de outro, as
provas indiretas necessitam seja procedida uma operação mental sobre seu conteúdo, através
da qual será obtida a proposição relacionada ao fato probando.
Danilo Knijnik observa que do ponto de vista ontológico não há qualquer diferença
entre a prova direta e a indireta. Refere o autor que embora as provas direta e indireta exijam
Munido de uma compreensão suficiente do que se entende por prova, assim como de
seu tratamento por parte do magistrado em nosso sistema de processo penal, torna-se possível
iniciar uma abordagem direcionada ao estudo da própria figura do indício, desde seu conceito
até as polêmicas acerca de sua identidade ou diferenciação em relação à figura da presunção.
56 FAUTRIER, 1940, p. 10
57 MITTERMAYER, 1917, p. 495.
1.2.1.1.1 Presunção e Indício. Distinção do ponto de vista lógico.
O primeiro critério para a diferenciação é fornecido por Maria Thereza de Rocha Assis
Moura, que explica a diferença existente entre as duas figuras através de algumas digressões
acerca da índole das operações mentais que devem ser procedidas sobre os indícios e sobre as
presunções, ou seja, defende uma distinção do ponto de vista lógico.58
Aduz a autora que a presunção pode ser definida como “a ilação que a lei ou o
magistrado tira de um fato conhecido, partindo da experiência comum, para afirmar,
antecipadamente, como certo ou provável, um fato desconhecido”59. Complementa sua noção
afirmando que “na presunção [...] não há o trabalho indutivo, porque falta o elemento
particular, que se move em direção à regra geral. A lei é formada na consciência, e dela se
procede, imediatamente, para atribuí-la para o sujeito processual”60. Assim sendo, a autora
atribui como meio de obtenção de uma ilação presuntiva, unicamente o emprego do
raciocínio dedutivo.61
No que tange ao indício, aponta a doutrinadora para a existência de posicionamentos
no sentido de que há aqueles que acreditam tratar-se a ilação indiciária de um raciocínio
puramente dedutivo, enquanto outros referem tratar-se de um raciocínio meramente indutivo.
Mas ela mesma filia-se a uma terceira corrente, da qual também fazem parte Dellepiane e
Malatesta, segundo a qual o raciocínio a ser procedido sobre o indício é o de índole indutivo-
dedutiva. Refere a autora:
A nosso ver, o indício não resulta unicamente de uma indução nem de pura
dedução, como, em geral, se dividem os doutrinadores.
Como já dissemos, o indício é todo rastro, sinal, vestígio, e, em geral, todo
fato conhecido.
Para que o fato particular, conhecido, conduza ao fato desconhecido, faz-se
necessário, por primeiro, um trabalho de indução, para ligá-lo a uma regra
geral, fundada na observação do que ordinariamente acontece em fatos
análogos, que é a determinação do caráter comum.
Da regra da experiência, por dedução, se desce à aplicação ao caso concreto,
para inferir-se o fato desconhecido ou indicado.
Afirma Dellepiane que, na maior parte dos casos, a operação mental que se
efetua é uma inferência analógica, posto que consiste em uma dedução,
apoiada numa inferência indutiva prévia, cujo fundamento, a premissa maior
do silogismo, não é sempre uma lei, cientificamente comprovada e de caráter
Com efeito, tanto a dedução quanto a indução em suas formas puras demonstram-se
impróprias para atingir a finalidade que se espera de um indício, qual seja a obtenção de um
juízo de probabilidade.
Na dedução, enquanto silogismo básico, “o termo médio constitui a substância ou a
razão de ser da conexão necessária entre os dois extremos”63. Levando isso em conta, tem-se
que consiste em um tipo de raciocínio que amolda-se a uma concepção puramente
demonstrativa da prova por confiar excessivamente em suas premissas.
De outra banda, na indução, “o termo médio aparece na conclusão, o que significa que
ele não é um porque substancial, mas apenas um simples fato”64. “Portanto, a indução não
tem valor necessário ou demonstrativo, conquanto seja mais clara que o silogismo; seu âmbito
de validade é o mesmo do fato, ou seja, da totalidade dos casos em que sua validade foi
efetivamente constatada,”65. Dessa maneira, tem-se que a conclusão obtida pela indução pura
possui uma carga excessiva de indeterminação, e “pode, portanto, ser usada para fins de
exercício, em dialética, ou com objetos persuasivos em retórica”66, mas devido à sua
maleabilidade, não é possível atribuir eficácia de prova à conclusão obtida pelo raciocínio
puramente indutivo, ainda mais quando exigido um grau de convencimento que remonte à
certeza sobre a ocorrência de um fato determinado.
De outro lado, não existem óbices a utilização de uma conclusão induzida de uma
máxima de experiência como base para um posterior raciocínio dedutivo, confrontando esta
67 MALATESTA, 1995.
68 ibidem, p. 189-191.
1.2.1.1.2 Presunção e Indício. Distinção do ponto de vista da natureza da verdade
contida na premissa maior da inferência indiciária.
Em suma, as conclusões obtidas por Malatesta vão no sentido de que do ponto de vista
da lógica, sobre a prova indireta deve incidir o raciocínio experimental, não devendo,
portanto, a índole da operação mental procedida sobre o indício e sobre a presunção servir
como parâmetro para a diferenciação entre ambos. A diferenciação entre ambos se dá, para o
doutrinador italiano, tão somente pela natureza da verdade enunciada na premissa maior da
inferência indutivo-dedutiva realizada sobre a prova indireta, que pode consistir em um juízo
analítico, quando se estiver diante de uma presunção, ou em um juízo sintético, quando de
fronte a um verdadeiro indício.
Por fim, cumpre fazer uma breve alusão a um terceiro posicionamento acerca da
diferenciação entre as figuras da presunção e do indício. Um dos representantes dessa
corrente é o jurista gaúcho Inocêncio Borges da Rosa, o qual confere ao indício o papel de
suporte fático da inferência que possibilita estabelecer um nexo causal em relação ao fato
Existe para essa corrente, portanto, uma clara diferenciação entre as figuras na medida
em que o indício significaria o fato conhecido e provado que teria como função servir como
premissa para a inferência indiciária, da qual resultaria a presunção, consistindo esta no
verdadeiro argumento da prova indireta.
1.2.1.1.4 Conclusões.
81 PIERANGELI, 2006.
82 ibidem, p. 208.
posteriores”83. Por fim, o terceiro grupo classifica os indícios em “fracos ou leves, veementes
ou robustos e veementíssimos”84.
A primeira divisão supracitada diz respeito ao número de inferências realizadas sobre
o fato provado para que possibilite uma proposição diretamente ligada ao fato probando
objeto do processo. Tendo em conta o parâmetro utilizado para a classificação, basta enunciar
que se da inferência realizada sobre o indício resultar conclusão referente ao fato probando,
estar-se-á diante de um indício imediato. O indício mediato, por sua vez, ocorre quando o
resultado da inferência gerar conclusão à respeito de um fato, sobre o qual deva ser realizada
nova inferência para obtenção de uma nova conclusão, e assim sucessivamente, até que se
obtenha uma conclusão acerca do fato probando. O caráter remoto dos indícios mediatos
deve-se, portanto, à pluralidade de inferências interligando o fato provado ao fato probando.
Conhecer essa diferenciação é requisito para compreender a discussão acerca da
possibilidade de ter como certo e provado um indício de segundo grau, questionamento este
que atine à verificação da precisão do indício85, que por sua vez é um dos requisitos para o
indício adquirir eficácia de prova no processo penal.
De outro lado, a proposta de divisão do segundo grupo não possui grande relevância
para a compreensão da eficácia probatória dos indícios, motivo pelo qual deve-se passar à
análise do terceiro grupo, o qual analisa o indício segundo o conteúdo da máxima da
experiência contida na premissa maior do raciocínio indiciário desenvolvido.
Nesse sentido, embora já se tenha referido anteriormente a outras denominações, é
preferível dividir os indícios desse grupo segundo duas denominações, quais sejam o indício
necessário e o indício contingente. Essas denominações atendem melhor ao parâmetro
utilizado para essa classificação, qual seja o conteúdo da proposição resultante da inferência
indiciária.
Segundo Ferrater Mora, as proposições simples subdividem-se em necessárias,
contingentes e impossíveis, sendo as necessárias aquelas “nas quais se enuncia algo que não
pode ser de outro modo”86, as contingentes, por sua vez, aquelas “ nas quais se enuncia algo
que pode ser de outro modo”87 e as proposições impossíveis aquelas “nas quais se enuncia
algo que não pode ser de nenhum modo”88. Cumpre salientar, as duas primeiras categorias
Nessa esteira, propõe Assis Moura que, para obter o conhecimento de um fato em
sua completude, deve-se buscar respostas para sete questionamentos básicos, os quais seriam
suficientes para a aferição da autoria e da materialidade do delito, assim como de alguns
aspectos atinentes à imputabilidade e a culpabilidade do acusado. Essa é a lição da
doutrinadora:
todo fato criminoso deve ser examinado sob os aspectos seguintes:
a) Quem praticou o delito (quis)
b) Que meios ou instrumentos empregou (quibus auxiliis)?
c) Que malefício, ou perigo de dano, produziu o injusto (quid)?
d) Que motivos o determinaram à prática (cur)?
e) Por que maneira praticou o injusto (quomodo)?
f) Em que lugar o praticou (ubi)?
g) Em que tempo, ou instante, deu-se a prática do injusto (quando)?
[...]
A prova por indícios presta grande auxílio na solução das sete questões
acima enumeradas, as quais se direcionam, em última análise, à
comprovação de tudo que cerca a materialidade, bem como à descoberta da
autoria, com vistas à imposição de pena ao agente responsável, que agiu com
culpa, a sentido lato ou estrito.93
É possível observar que o critério utilizado pela autora passa necessariamente pela
finalidade prática conferida ao resultado da inferência indiciária em sua relação com a
estrutura do fato delituoso.
Os princípios gerais que informam o processo penal são “ao menos inicialmente,
princípios constitucionais ou seus corolários”94. Essa relação entre ordenamento
constitucional e processo penal tende a determinar as características essenciais necessárias à
idéia de um processo justo. Nesse sentido é a lição de Araújo Cintra, Grinover e Dinamarco:
É inegável o paralelo existente entre a disciplina do processo e o regime
constitucional em que o processo se desenvolve.
Todo o direito processual, como ramo do direito público, tem suas linhas
fundamentais traçadas pelo direito constitucional, que fixa a estrutura dos
órgãos jurisdicionais, que garante a distribuição da justiça e a efetividade do
direito objetivo, que estabelece alguns princípios processuais; e o direito
Malatesta, por sua vez, assevera que o magistrado, por ciente acerca da
impossibilidade de obter um juízo perfeito acerca da ocorrência dos fatos, deve submeter suas
conclusões pessoais, das quais possuí uma certeza moral à parâmetros de racionalidade, de
forma a estabelecer assim um convencimento racional acerca da ocorrência do fato. Para o
autor italiano, o conceito de certeza moral encontra-se vinculado à idéia de convencimento
íntimo, necessitando ainda o magistrado de empregar o uso da razão de modo a impedir que o
elemento volitivo presente em seu raciocínio venha a influenciar na decisão.
É dessa forma que a extrai o subjetivismo excessivo das conclusões do julgador e dá
origem a uma certeza de grau inferior à certeza absoluta e superior à certeza moral, a qual
será chamada de certeza racional, ou certeza além da dúvida razoável.
Conclui-se, portanto, que a certeza exigida pelo processo penal não necessariamente
encontra-se vinculada a uma idéia de prova apta a demonstrar a verdade real dos
acontecimentos fáticos pertinentes ao processo, devendo ser entendida como um estado de
espírito do julgador relacionado com seu grau de convencimento acerca da ocorrência dos
fatos colocados em juízo, submetido à parâmetros de racionalidade e plausibilidade com
relação à possibilidade de erro na adoção de uma versão dos fatos como sendo a verdadeira.
A linha de raciocínio defendida por David Medina da Silva converge com o
entendimento exposto:
Não existir prova suficiente para a condenação: constitui a expressão
máxima do princípio do in dubio pro reo, ensejando a absolvição em
qualquer hipótese [...] em que não for possível extrair, dos elementos de
prova carreados aos autos, juízo de certeza em favor da condenação e
contrário ao acusado. Tanto quanto é certo que a dúvida milita em favor do
acusado, também é indiscutível que em todo o trabalho de reconstrução
histórica haverá, inoxeravelmente, um contingente de dúvida, ante a
falibilidade dos meios de busca da verdade. Assim [...] só a dúvida razoável,
vale dizer, intransponível em relação à essência do fato em julgamento,
autoriza o juiz a absolver em face de non liquet.120
(…) na inferência indiciária, a lei que lhe serve de fundamento, que constitui
a premissa maior do silogismo correspondente, não é sempre uma lei
cientificamente comprovada e de um caráter necessário, senão que uma lei
empírica, uma generalização fornecida pela experiência, um princípio de
senso comum, cujo caráter é contingente.124
Apesar disso, não se entende que apenas o indício que transmite uma idéia de
necessariedade deve ser considerado verdadeira prova, isso porque as conclusões prováveis
dos indícios contingentes igualmente possuem o condão de adquirir força probatória para dar
ensejo ao necessário grau de convencimento que possibilita ao magistrado emanar uma
sentença condenatória criminal.
A questão da relação mantida entre a probabilidade e a certeza é abordada por
Malatesta, autor que reconhece nas provas de probabilidade a pertinência para serem
apreciadas em juízo, embora reconheça que uma prova de probabilidade, considerada
isoladamente, não é suficiente para conduzir a certeza necessária para uma condenação penal.
Entende o doutrinador italiano que a prova de probabilidade, aliada a outras da mesma
espécie, pode dar azo à chamada prova cumulativa de certeza. Segundo o autor, essa prova
decorre da análise conjunta das diversas provas de probabilidade, pela qual é possível
determinar se as conclusões obtidas das inferências indiciárias são dissonantes ou se
convergem no sentido de embasar convencimento suficiente acerca da ocorrência de um
fato.126 Essa é a lição do autor:
(…) visando-se em juízo criminal a estabelecer a realidade dos fatos, só são
propriamente provas as que levam a nosso espírito uma preponderância de
razões afirmativas para crer em tais realidades; e, por isso, só são
propriamente provas as da probabilidade, a simples preponderância, maior
ou menor, das razões afirmativas sobre as negativas e as de certeza, o triunfo
das razões afirmativas para crer na realidade do fato.127
Quanto a isso, deve-se ter em conta que a idéia de certeza enquanto parâmetro de
convencimento imposto pelos princípios da presunção da inocência e da prevalência do
interesse do réu não se encontra vinculada à idéia de certeza absoluta, mas sim de certeza
além da dúvida razoável.
Dito isso, não restam óbices à conclusão de que a prova indiciária, desde que
atendidos alguns requisitos, possuí o condão de conduzir o julgador ao grau de
convencimento da certeza racional quanto a ocorrência de um fato, e, portanto, de comportar
força probatória suficiente para dar ensejo a uma condenação penal em conformidade com o
ordenamento constitucional.
Apesar de o juiz estar limitado às provas dos autos, e livre para estabelecer o
valor de cada uma, no contexto probatório global, pois não há uma
predeterminação legal do valor de cada prova, devendo, contudo,
fundamentar, motivar, sua decisão, revelando em que se baseou sua
134
valoração probatória […].
Medina da Silva afirma que “A lei não estabelece critérios convicção, cabendo à
consciência do juiz, unicamente, proclamar-se ou não na posse do estado de certeza que
conduz à condenação”136. Por outro lado, Danilo Knijnik assevera que “tem-se procurado
resgatar a idéia de que a liberdade do convencimento judicial, não submetido à regras
jurídicas predeterminadas de valoração está sujeito a regras de lógica e a certos postulados
jurídicos, no sentido de afastar o subjetivismo.”137
Cuida-se, portanto, do abandono de critérios que visam minar totalmente a liberdade
do magistrado no que tange à avaliação e valoração da prova e que davam origem a uma
certeza legal138 sobre a ocorrência dos fatos objeto de prova, como era feito através da tarifa
legal. No entanto, tal abandono se procedeu sem que se permitisse ao julgador ficar sem
parâmetros específicos para valorar a prova ou fundamentar suas decisões. Nesse aspecto,
cabe frisar que o sistema do livre convencimento motivado, sob a luz do princípio da
persuasão racional, mostra-se vantajoso em relação aos sistemas do convencimento íntimo e
da tarifa legal, porquanto possibilita ao julgador pensar a solução que julga mais conveniente
sem desvincular-se da lógica e da razão, vetores que indicam uma direção a seguir mas não
necessariamente apontam um caminho pré-definido. Dessa maneira, o magistrado encontra
sua liberdade guiada por parâmetros de ordem supra legal, os quais objetivam extrair qualquer
subjetivismo ou arbitrariedade das decisões:
O livre convencimento, assim, em exprime a liberdade atribuída ao juiz para
a apreciação do valor ou da força da prova, para que, por sua inteligência,
por sua ponderação, por seu bom senso, pela sua acuidade, pela sua
prudência, consultando mesmo sua própria consciência, diante das próprias
circunstâncias trazidas ou anotadas no correr do processo, interprete as
mesmas provas, para, sem ofensa ao direito expresso, prolatar seu
decisório.139
“Se o direito tem de se haver com os fatos, porque indissociáveis das normas, há
necessidade de evitar-se o arbítrio na reconstrução fática, criando mecanismos de vinculação e
controle”.140 Esse argumento traduz a necessidade de controle sobre a reconstituição dos fatos,
através da fundamentação exercida pelo magistrado para a justificação da sua decisão. Tal
necessidade, por sua vez decorre da idéia de que deve se evitar abusos de discricionariedade
por parte do magistrado, assim como a utilização de subjetivismo puro e simples na
apreciação dos fatos. No mesmo sentido, aduz Andrés Ibañéz que “é na reconstrução ou
elaboração dos fatos onde o juiz é mais soberano; mais dificilmente controlável, e, onde,
portanto, pode ser [...] mais arbitrário”141.
Assim, para o bom exercício de tal controle, o julgador deve, obrigatoriamente,
explicitar na fundamentação do decisum os critérios adotados para chegar as suas conclusões
quanto à matéria fática. Ocorre, porém, que na prática, muitas vezes restam obscurecidos os
parâmetros utilizados pelo julgador para tomar como verdadeira uma das versões dos fatos
trazidas a juízo. Sobre isso, aduz Baltazar Júnior:
Abandonado o sistema da prova legal, que tinha por fim diminuir os poderes
do julgador, ganha-se na possibilidade de melhor apreender todas as nuanças
da problemática da aplicação judicial do direito, com o entrelaçamento das
questões de fato e direito, mas perde-se em segurança, na medida em que
nem sempre fica claro o caminho percorrido pelo julgador para adotar uma
versão dos fatos. [...] É sabido que o juiz tem a obrigação de fundamentar,
mas não há padrões, modelos, ou regras claras sobre como isso deve ser
feito.142
O plano da existência diz respeito aos requisitos mínimos para que o raciocínio
empregado sobre o fato conhecido possua o condão de, ao menos, apontar na direção do fato
probando, objeto da inferência realizada.
Entende-se, pois, que tais requisitos devem ser analisados por ocasião do juízo de
admissibilidade da prova, pois possuem relação direta à análise de pertinência e relevância do
meio probatório apresentado ao julgador.
O preenchimento de tais requisitos é questão prejudicial para que o fato conhecido
possa ser entendido como uma verdadeira prova indiciária, munida de potencial para abarcar
relevante força probatória. A análise da certeza do fato indicador refere-se ao processo de
aferição da precisão do indício, enquanto a existência de Proposição geral fornecida pela
lógica ou pela experiência e da Causalidade entre fato indicador e fato indicado consistem
em elementos necessários para a aferição da gravidade do indício.
O requisito da causalidade diz respeito à presença de uma conexão lógica entre aquilo
que prova o indício e o fato que se busca provar. Não preenchido este requisito, a prova em
questão não haveria de ser admitida pelo magistrado porque em verdadeiro descompasso com
o próprio objetivo do processo.
É de interesse para todo o processo que a prova recaia sobre a existência dos fatos
delituosos colocados em questão ou, ao menos, sobre a participação do acusado em relação
aos mesmos. De acordo com Vegas Torres, o posicionamento do Tribunal Constitucional
Espanhol em relação aos requisitos que deve atender a prova para que encontre-se apta a
derrubar a chamada presunção de inocência do acusado e dar ensejo à condenação do mesmo
é nesse sentido:
Un requisito añadido al de la actividad probatoria suficiente es el de que ésta
sea de cargo. Según la doctrina del Tribunal Constitucional, la prueba de
cargo es aquélla <<encaminada a fijar el hecho incriminado que em tal
aspecto constituye el delito, así como las circunstancias concurrentes em el
mismo (…), por una parte, y, por la otra, la participación del acusado,
incluso la relación de causalidad, com las demás características subjetivas y
la imputabilidad>>. De acuerdo con esta amplia definición, para que la
prueba pueda ser considerada de cargo es necesario que recaiga, en primer
lugar, sobre la existencia de los hechos delitivos y, en segundo lugar, sobre la
“À prova indiciária não se pode recorrer nos casos excepcionais em que a lei impõe
especiais limitações probatórias”167.
Trata-se de casos excepcionais, tendo em vista que vigora em nosso processo penal o
princípio da liberdade probatória. Assim sendo, conforme lição de Feitoza Pacheco, tais
limitações ao direito à prova dizem respeito a previsões legais referentes ao momento da
prova, ao tema da prova e ao meio de prova. Quanto ao momento da prova, o autor refere que
a regra é de que as provas podem ser produzidas em qualquer momento do processo, havendo
exceção prevista apenas quanto a “preclusão temporal quanto ao arrolamento de testemunhas
(art. 395, CPP) e a impossibilidade de se juntarem documentos na fase da pronúncia (art. 406,
§2º, CPP)”. No que se refere ao tema da prova, aduz o doutrinador que existem “fatos sujeitos
a segredo, como aqueles de cuja ciência se teve em razão de função, ministério, ofício ou
profissão que imponha segredo”168. Quanto aos meios, afirma que “podem ser utilizados, no
processo penal brasileiro, geralmente, quaisquer meios probatórios, ainda que não
especificados na lei, desde que não sejam inconstitucionais, ilegais, ou imorais”, cumpre
salientar, no entanto, que existem limitações quanto à comprovação do estado das pessoas,
bem como especificações acerca da prova da materialidade quando o delito deixar
vestígios.169
Nesta senda, particularmente quanto aos meios de prova, Pacelli ensina que “toda
restrição de determinados meios de prova deve estar atrelada à proteção de valores
reconhecidos pela e positivados na ordem jurídica”, sendo que tais restrições podem ter por
escopo garantir o “grau de convencimento resultante do meio de prova utilizado”. É nesse
sentido que as limitações à prova quanto ao estado das pessoas170 e a especificidade do
“exame do corpo de delito, quando a infração deixar vestígio e não tiverem esses
desaparecido”171, “funcionariam como verdadeiras garantias ao acusado, na medida em que
estabelecem critérios específicos quanto ao grau de convencimento e de certeza a ser obtido
em relação a determinadas infrações penais”172.
Tanto o artigo 5º da Constituição, em seu inciso LVI, quanto o artigo 157, caput, do
CPP reproduzem a vedação à utilização da prova ilícita nos processo penal. Segundo a
redação do dispositivo constitucional “são inadmissíveis, no processo, das provas obtidas por
meios ilícitos”173.
Por tratar-se de questão prejudicial à admissibilidade dos meios probatórios e, por
decorrência, da análise da eficácia probatória dos indícios, faz-se indispensável ao menos
uma aproximação daquilo que se entende por prova ilícita.
Pacelli ensina que a vedação da admissibilidade da prova ilícita consiste em um
mecanismo de garantia da “qualidade do material probatório a ser introduzido e valorado no
processo”, bem como trata-se de um meio efetivo de proteção aos direitos constitucionais da
intimidade, da privacidade, da imagem e da inviolabilidade de domicílio, os quais
“normalmente são os mais atingidos durante as diligências investigatórias”.174
Importa ter em conta que a tutela dos direitos e garantis fundamentais proporcionada
pelo instituto relaciona-se com a manifestação da presunção da inocência enquanto regra
probatória175, sendo, portanto, sua aplicação de grande relevância para que se garanta de uma
apreciação da prova sob uma perspectiva constitucional.
No que tange ao controle da qualidade do material probatório utilizado no processo,
deve-se considerar que se dá não só quanto aos meios probatórios por sua própria essência,
mas também pelas conseqüências que sua produção pode ensejar e se tal consequência pode
ser tolerável. Cuide-se que há vedação à qualquer prova obtida por meio de tortura, por
exemplo, mas, de outro lado, existe a quebra de sigilo bancário, o mandado de busca e
apreensão e a interceptação telefônica que são consideradas provas lícitas quando produzidas
com prévia autorização judicial. Nessa esteira, Pacelli afirma que “mesmo quando não houver
vedação expressa quanto ao meio, será preciso indagar acerca do resultado da prova, isto é, se
Esse requisito de validade relaciona-se com o que se entende por prova ilegítima, ou
seja, aquelas provas que, ao contrário da prova ilícita, não violam direito material, mas sim
disposições de ordem processual.
“Havendo violação de norma processual, estariam sujeitas ao reconhecimento de
nulidade e decretação de sua ineficácia no processo”178. Assim sendo,“se os meios
empregados para a prova do fato indiciário (ex: testemunhos, documentos, perícia) padecerem
de nulidade, o juiz não poderá outorgar-lhes mérito probatório e, em consequência, o fato
indiciário lhe será processualmente desconhecido”179.
Relevante considerar que, em regra, a simples repetição, atendendo os requisitos
processuais atinentes ao meio probatório, é capaz de sanar o vício que contamina a prova
ilegítima.
“Pode acontecer que os meios empregados para a prova do fato indicador estejam
livres de vícios, mas que façam parte de um procedimento nulo por outras razões, nulidade
esta que também os deixa sem valor.”180
Para a boa compreensão desse requisito elencado por Assis Moura, pode-se fazer breve
alusão a uma situação em especial, qual seja a verificação de nulidade decorrente da utilização
Segundo Danilo Knijnik, existem três métodos para se proceder a aferição dos
requisitos de precisão, gravidade e concordância dos indícios, os quais são indicados por três
diferentes teorias: a tradicional, a mediana, e a da múltipla conformidade.186
A teoria tradicional caracteriza-se por exigir que cada indício, individualmente
considerado, reúna em si três elementos capazes de conferir-lhes eficácia probatória, quais
sejam: precisão, gravidade e concordância. Portanto, de acordo com essa teoria, se um dos
indícios não encontrar-se munido das três características que lhe conferem a eficácia
probatória, não deve ser levado em conta para firmar o convencimento judicial sobre o fato
desconhecido.187
O segundo método de apreciação dos indícios é ditado pela teoria mediana, também
conhecida por teoria eclética, a valoração da prova deve-se dar em duas etapas distintas, as
quais consistem em, primeiro, averiguar se cada indício por si preenche aos requisitos de
precisão e a gravidade, e segundo, se a análise conjunta dos indícios é capaz conferir a
concordância necessária para a atribuição de eficácia probatória.188
A terceira teoria, por fim, é a da múltipla conformidade, que defende um modelo
através do qual os indícios são analisados todos em conjunto para aferição da precisão,
gravidade e concordância dos mesmos globalmente considerados.189
A teoria tradicional é alvo de críticas tanto pelo excessivo seu rigorismo em relação
ao indício do ponto de vista intrínseco, diante da exigência de que o indício por si só possua
os três requisitos de eficácia probatória, quanto pelo seu desleixo do ponto de vista extrínseco,
por não exigir a pluralidade de indícios, e não promover a análise conjunta da prova indiciária
quando presente esta pluralidade, para que se possibilite a condenação.
A teoria da múltipla conformidade, por sua vez, torna a prova indiciária
excessivamente maleável, pois uma análise dos indícios em conjunto pode ter como
É possível que a prova sob análise do julgador encontre-se eivada de vício em sua
produção, por tratar-se de prova fabricada de modo a possibilitar, propositalmente, uma
determinada conclusão, de interesse do falsificador, por parte do magistrado.
O interesse em forjar uma determinada prova pode ter por escopo dar sustentação à
uma versão dos fatos que conduza a uma absolvição, ou simplesmente munir de valor
probatório determinada versão acusatória. Com efeito, um indivíduo pode implantar no local
do fato criminoso vestígios que venham a incriminar terceiro, tanto com o intuito de ludibriar
as investigações policiais e evadir-se da reprimenda merecida, quanto com o objetivo sórdido
de prejudicar a outrem.
Para Malatesta, analisar essa hipótese de falsificação é entrar no campo de análise da
credibilidade subjetiva da prova, ou seja, analisar a idoneidade do meio probatório tendo em
conta a coisa ou a pessoa de onde dimana a prova. Para o autor, em relação às provas
pessoais deve ser procedida uma análise da credibilidade da própria testemunha que fornece
uma versão dos fatos, enquanto para as provas reais devem ser atendidos alguns critérios
básicos para a sua obtenção.
Uma pessoa ou uma coisa se apresentam em juízo fazendo uma afirmação. É
preciso começar por avaliar a credibilidade deste sujeito pessoal ou real de
prova e a credibilidade consiste na relação entre o sujeito que afirma e a
afirmação: relação de veracidade ou falsidade entre a pessoa que afirma e sua
afirmação; relação de veracidade ou falsidade entre a coisa que atesta e suas
possíveis atestações.
[...]
O que não é normal na vida das coisas, o que destrói a sua subjetividade
natural ou genuinidade, se assim se quer dizer, é a sua alteração, introduzida
com o fim de uma falsa atestação, para que, assim, fique traído o juízo de
quem deseje tirar das coisas um argumento probatório; em suma e numa
palavra é sua falsificação. Eis por que, falando de avaliação subjetiva das
coisas, falamos de alterações maliciosas e não de alterações casuais, não
maliciosas.
Em vista do que temos dito sobre a veracidade da prova real, nota-se como a
avaliação subjetiva das provas reais tem um campo limitadíssimo e uma
importância muito menor que as provas pessoais. E a pouca importância da
avaliação subjetiva das provas reais surge mais clara quando se lembra que a
apreensão judicial das coisas, para fazê-las funcionar como provas, tem lugar
quase sempre imediatamente após o delito e, pela imediata apreensão, de um
lado se assegura a sua identidade, de outro, são elas subtraídas à facilidade
191
das falsificações, através das mil garantias que é de costume cercá-las.
“Para que se possa falar em eficácia do indício, é preciso que se tenha descartado toda
a possibilidade de erro, e, naturalmente, um de tais erros [...] consiste em desconhecer a
possibilidade de que seja casual a conexão entre o fato investigado e o indiciário”193.
A chamada exclusão da hipótese de azar possui relevante importância no processo de
avaliação da força probatória de um indício.
O azar, para Dellepiane, configura algo muito semelhante com o que se entende
ordinariamente por coincidência:
parece consistir, simplesmente, no encontro de séries ou processo
fenomênicos independentes, isto é, que se não acham unidos entre si, ou com
outro fenômeno ou processo, por vínculos regulares de causalidade. Sucede,
com efeito, na realidade objetiva, que séries fenomênicas não solidarias se
encontram, interferem, dando lugar a fatos novos. Tanto êsses encontros
como seus efeitos, considerados um a um, são irregulares, não obedecem a
lei alguma. Pois bem: tais encontros constituem, precisamente, os fatos
denominados de azar.194
Como se pode notar das lições do mestre argentino, a hipótese de azar nada mais é que
o grau de probabilidade com que a análise dos indícios pode resultar, por uma casualidade,
em uma conclusão que não condiz com a verdade dos fatos.
Ocorre que a hipótese de azar é passível de afastamento toda vez que a prova
indiciária esteja apta a indicar que a probabilidade de sua ocorrência não seja razoável.
Porém, tal verificação da possível ocorrência da hipótese de azar deve contar com um
processo prévio de verificação da gravidade do indício individualmente considerado.
Portanto, é condição para a exclusão da hipótese de azar que o indício seja grave, “no
sentido de que a regra de experiência comum, lógica ou científica deve extrair da
circunstância indiciante um número relativamente restrito e preciso de conseqüências,
excluindo-se do elenco de indícios todas as regras excessivamente vagas”197.
Deve-se, assim, restringir o acervo probatório aos indícios precisos - de existência
certa e provada - e graves, no sentido de que a relação de causa e efeito entre o fato indicador
e o fato indicado, proposta pela experiência, não seja vaga de maneira a manifestar a
ocorrência mera suspeita, mas sim de probabilidade relevante. Seguindo este método de
avaliação, evita-se que o conjunto dos indícios, através do qual o julgador elimina a hipótese
de azar e convence-se quanto à relação de causalidade entre o fato indicador e o indicado, seja
excessivamente maleável.
É nesse ponto que se supera a primeira fase proposta pela teoria mediana, de análise
individual do indício, e passa-se a considerar o conjunto dos mesmos para fins de exclusão da
Também figura como essencial à aferição da força probante dos indícios o dever do
magistrado de “levar em conta os motivos para não crer, inerentes ao indício por si mesmo”209
e também das conclusões obtidas do conjunto de indícios que demonstrem-se desconexas ou
contraditórias. “Estes motivos para não crer constituem os motivos infirmantes, que derivam
Por fim, a última fase da avaliação pela qual deve passar prova indiciária, de modo a
fornecer uma conclusão precisa e segura acerca dos fatos, consiste no confronto das
conclusões obtidas com o restante do acervo probatório, já que “a prova contrária, afastando a
conclusão gerada pela máxima de experiência prevalece sobre o raciocínio lógico
indiciário”212.
Os motivos infirmantes são “inerentes à prova indireta em si considerada, tanto em
relação ao sujeito provante, [...], quanto em relação ao objeto provado”213, e diferenciam-se da
chamada prova infirmante, ou seja, “aquela que vem a confirmar um motivo infirmante,
agindo, seja contra o conteúdo incriminante do indício, seja contra a credibilidade subjetiva
dele”.214 .
As provas infirmantes das conclusões obtidas pela operação mental procedida sobre
o indício são chamadas de contra-indícios, os quais podem existir tanto como prova direta,
Dessa maneira, tanto a prova direta como a indireta podem ser consideradas
merecedoras de confiabilidade. Embora a apreciação da prova indiciária demande a
realização de inferências que dependem de um raciocínio de maior complexidade e esforço do
Por decorrência de tal análise do sujeito da prova, nem sempre ter-se-á uma prova
direta com força probatória superior ao indício.
Por fim, acerca de todo o exposto, é possível afirmar que a conclusão oriunda prova
indiciária é composta de dois elementos. O primeiro deles diz respeito à afirmação da
provável ocorrência de um fato além da chamada dúvida razoável, gerando uma certeza
processual através da análise da força probatória do indício. O segundo elemento, por sua
vez, diz respeito à negação da ocorrência hipótese diversa, visto que a análise dos motivos
infirmantes demonstra sua improbabilidade ou impossibilidade de ocorrência.
220 ROSENBERG, Irene Merker et al. “Perhaps what we say... apud Danilo Knijnik, 2007, p. 26.
221 MALATESTA, 1995, p. 157-158.
básicos, utilizados na apreciação da prova para firmar convencimento acerca da questão de
fato atinente a cada caso. Afirmou-se, ainda, que os standards probatórios se adaptam
conforme o caráter substancial da discussão travada em juízo.
Nesse momento, porém, levando em conta que aquilo que se deseja é um controle
efetivo do ato decisório no que tange à reconstrução fática através da prova indiciária, tem-se
por necessário tecer duas observações adicionais. Uma delas diz respeito à possível existência
de um quarto modelo de constatação, apropriado para a prova indiciária, e a outra se refere à
necessidade de expor na fundamentação as máximas de experiência empregadas no raciocínio
indiciário.
Observa Knijnik que a fundamentação da condenação penal baseada unicamente em
prova indireta impõe uma adaptação do modelo da prova acima da dúvida razoável, atinente
aos processos criminais, que seja condizente com a complexidade da prova indiciária e que
torne a valoração e avaliação da prova menos vulneráveis a interpretações equivocadas e ao
erro de avaliação. Segundo o autor, ao contrário do que ocorre em relação à prova direta, não
basta à prova indireta que esta encontre consistência em relação à versão acusatória, sendo
exigível que também esteja apta a opor-se a qualquer versão absolutória crível ou
racionalmente provável.222
Esse cuidado se deve ao fato de a prova indireta consistir em um instrumento de
maior contingência em relação à obtenção da verdade dos fatos, sua utilização como prova,
portanto, exige que recrudesça o cuidado a ser observado durante a avaliação da mesma. É
nesse sentido que o autor aponta a formulação de um quarto modelo de constatação, mais
rigoroso, com origem na doutrina norte-americana, e que exige uma “prova incompatível com
qualquer hipótese que não a da acusação”223. A lição do autor merece transcrição:
Logo viu-se, entretanto, que mesmo esses três modelos de constatação não
bastavam, podendo conduzir à injustiças. A doutrina chamou a atenção para
um aspecto já abordado neste livro. É que, embora certo que o juiz possa
formar seu convencimento livremente, valendo-se da prova indireta e sem
hierarquias, considerada a maior chance de erro, um modelo de constatação
mais rigoroso deveria ser aplicado quando se tratasse de prova indiciária,
notadamente em matéria criminal.
(…)
Convém mencionar que, mesmo no direito americano, a existência de um
quarto modelo de constatação, específico para o processo penal cujos fatos
estejam baseados em indícios, ainda é controvertido.224
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