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Resumo

Análise de séries temporais em


epidemiologia: uma introdução Este é um artigo introdutório sobre análise
de séries temporais, onde se pretende apre-
sobre os aspectos metodológicos sentar, de maneira sumária, alguns modelos
estatísticos mais utilizados em análise de sé-
ries temporais .
Uma série temporal, também denominada
Time series analysis in epidemiology: série histórica, é uma seqüência de dados

an introduction to methodological obtidos em intervalos regulares de tempo


durante um período específico. Na análise
aspects de uma série temporal, primeiramente de-
seja-se modelar o fenômeno estudado para,
a partir daí, descrever o comportamento da
série, fazer estimativas e, por último, avaliar
quais os fatores que influenciaram o com-
portamento da série, buscando definir rela-
ções de causa e efeito entre duas ou mais
séries. Para tanto, há um conjunto de técni-
cas estatísticas disponíveis que dependem do
modelo definido (ou estimado para a série),
bem como do tipo de série analisada e do
objetivo do trabalho.
Para analise de tendências, podem se ajustar
modelos de regressão polinomial baseados na
série inteira ou em vizinhança de um determi-
nado ponto. Isso também pode ser realizado
com funções matemáticas. Define-se como
um fenômeno sazonal aquele que ocorre re-
gularmente em períodos fixos de tempo e, se
existir sazonalidade dita determinística na sé-
rie, podem-se utilizar modelos de regressão
que incorporem funções do tipo seno ou
Maria do Rosário Dias de Oliveira Latorre cosseno à variável tempo.
Departamento de Epidemiologia Os modelos auto-regressivos formam outra
Faculdade de Saúde Pública classe de modelos. Na análise do comporta-
Universidade de São Paulo mento de uma série histórica livre de ten-
Endereço para correspondência/Correspondence to: dência e de sazonalidade podem ser utiliza-
Av.Dr. Arnaldo, 715 dos modelos auto-regressivos (AR) ou que
01246-904 São Paulo - SP incorporem médias móveis (ARMA). Quan-
e-mail: mdrddola@usp.br do há tendência, utilizam-se os modelos
auto-regressivos integrados de médias mó-
Maria Regina Alves Cardoso veis (ARIMA) e, para incorporar o compo-
Departamento de Epidemiologia nente de sazonalidade, utilizam-se os mo-
Faculdade de Saúde Pública delos SARIMA.
Universidade de São Paulo Por último há os modelos lineares generali-
zados. Neste grupo de modelos estatísticos,
Apoio (bolsa pesquisador) a variável resposta é um processo de conta-
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico gem e as variáveis independentes são variá-
(CNPq: 300328/97-9) veis candidatas a explicar o comportamento

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da série ao longo do tempo. Estes modelos Abstract
são indicados quando as variáveis em estu-
do não têm aderência à distribuição normal, A time series, also denominated historical
principalmente pelo fato de serem proces- series, is a sequence of data obtained in re-
sos de contagem . Estes modelos compõem gular intervals of time during a specific
um grupo de distribuições de probabilida- period. In the analysis of a time series, one
des conhecido como família exponencial de first wants to model the study phenomenon
distribuições que englobam diversas funções and, from this, to describe the behaviour of
aditivas, como a regressão linear, de Poisson, the series, to make estimates, and, in the end,
logística, log-linear etc. Os modelos aditivos to evaluate the factors that may have
generalizados são uma extensão desta clas- influenced the behaviour of the series, with
se de modelos, nos quais cada variável inde- the objective of defining cause-effect
pendente analisada não entra no modelo relationships between two or more series.
com o seu valor, mas sim, adotando uma For this, there is a set of available statistical
função não paramétrica de forma não techniques which depend upon the defined
especificada, estimada a partir de curvas de model (or that estimated for the series), the
alisamento. type of the study series, and of the objective
of the work.
Palavras chave
chave: Séries temporais. Séries his- To analyse trends, it is possible to adjust
tóricas. Modelos estatísticos. Tendência. polynomial regression models based on the
Sazonalidade whole series or on the neighbourhood of a
specific point. This can also be done with
mathematical functions. A seasonal pheno-
menon is defined as the one that occurs
regularly in fixed periods of time and, if there
is seasonality considered as deterministic in
the series, one can use regression models
which include functions like seno or cosseno
to the variable time.
In the analysis of the behaviour of a time
series without trend and seasonality, the auto-
regressive models (AR) or models which
incorporate moving averages (ARMA) can
be used. When trend is present, one can use
auto-regressive models integrated with
moving averages (ARIMA) and to incor-
porate the seasonality component the
SARIMA models are used.
The generalized linear models constitute
another class of models. In this group of
statistical models, the response variable is a
counting process and the independent
variables are those which are candidates to
explain the behaviour of the series
throughout the time. This class of models is
indicated when the study variables do not
follow the Normal distribution, mainly
because they are counting processes. These
models represent a group of probability
distributions known as exponential family of

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distributions that incorporates many additive Este número da Revista Brasileira de
functions like the linear regression, Poisson, Epidemiologia tem como ênfase artigos ci-
logistic, log-linear, etc. The generalized entíficos que analisaram séries históricas.
additive models are an extension of this class Este tipo de análise é muito comum em
of models, in which each independent Epidemiologia, quando se pretende analisar
variable analysed does not enter in the model o comportamento de algum fenômeno ao
with its own value, but adopting a non longo do tempo. Neste número há diversos
parametric function in a non specific manner, exemplos de séries históricas e espera-se,
which is estimated from smoothing curves. com isso, mostrar as inúmeras aplicações
da análise de séries temporais, estimulando
Keywords: Time series. Models, statistical. os leitores ao aprofundamento das mesmas.
Trends. Seasonality. Este é um artigo introdutório sobre análise
de séries temporais, onde se pretende apre-
sentar, de maneira sumária, alguns modelos
estatísticos mais utilizados Não há a preten-
são de ser um livro texto, e detalhes de mo-
delagem podem ser vistos nos livros textos
indicados nas referências bibliográficas.

Definição

Uma série temporal, também denomi-


nada série histórica, é uma seqüência de da-
dos obtidos em intervalos regulares de tem-
po durante um período específico1,2. Este
conjunto pode ser obtido através de obser-
vações periódicas do evento de interesse
como, por exemplo, o valor máximo diário
da concentração de ozônio no ar no Muni-
cípio de São Paulo, ou através de processos
de contagem como o total mensal de óbitos
por câncer no Rio Grande do Sul. Se a série
histórica for denominada como Z, o valor
da série no momento t pode ser escrito como
Zt (t=1,2,...,n). Denomina-se trajetória de um
processo, a curva obtida no gráfico da série
histórica e o conjunto de todas as possíveis
trajetórias é denominado como um proces-
so estocástico. Considera-se que uma série
temporal é uma amostra deste processo.
O conjunto de observações ordenadas
no tempo pode ser discreto como o número
de atendimentos diários em um Pronto So-
corro ou o número mensal de casos notifi-
cados de uma doença específica; ou contí-
nuo, como o registro de um eletrocar-
diograma de uma pessoa ou o registro dos
valores de temperatura e umidade ao longo
do dia. Pode-se obter uma série temporal
discreta a partir de uma amostra de pontos

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de uma série contínua ou por meio de um trajetória do processo: linear, parábola,
parâmetro como, por exemplo, a média de exponencial etc. Para se evitar a correlação
períodos fixos de tempo. serial entre os termos da equação de re-
Na análise de uma série temporal, pri- gressão, recomenda-se4,5 fazer a transfor-
meiramente deseja-se modelar o fenômeno mação da variável período na variável perí-
estudado para, a partir daí, descrever o com- odo-centralizada (período menos o ponto
portamento da série, fazer estimativas e, por médio da série histórica), estimando-se, en-
último, avaliar quais os fatores que influen- tão, o modelo de regressão correspondente.
ciaram o comportamento da série, buscan- Detalhes do processo de centralização da
do definir relações de causa e efeito entre variável tempo podem ser vistos em
duas ou mais séries. Para tanto, há um con- Latorre5. Os exemplos da aplicação desta
junto de técnicas estatísticas disponíveis que técnica, apresentados neste número da Re-
dependem do modelo definido (ou estima- vista Brasileira de Epidemiologia, são os tra-
do para a série), bem como do tipo de série balhos de Tomé e Latorre6, Hallal e colabo-
analisada e do objetivo do trabalho. radores7 e Bastos e colaboradores8.
Tomé e Latorre6 analisaram as tendênci-
Componentes as da mortalidade infantil e seus componen-
tes para o Município de Guarulhos, no perí-
Uma série histórica pode ser composta odo de 1971 a 1998, utilizando modelos de
por três componentes não observáveis2,3: regressão polinomial. Verificaram que ape-
tendência (Tt), sazonalidade (St) e a variação nas no período de 1971 a 1980 todos os coe-
aleatória denominada de ruído branco (at). ficientes apresentaram tendências decres-
A primeira escolha para a elaboração de um centes estatisticamente significativas. Na
modelo seria um relacionamento aditivo série histórica de 1981 a 1990, somente os
destes componentes: Zt=Tt+St+at. Pode-se coeficientes de mortalidade infantil
construir, também, um modelo multipli- (p=0,0058), o de mortalidade neonatal tardia
cativo (Zt=Tt .St .at) ou realizar-se a transfor- (p=0,0105) e da pós-neonatal (p=0,0045) apre-
mação log, no modelo multiplicativo, quan- sentaram tendências estatisticamente de-
do ele se transforma no modelo log-linear. crescentes, o mesmo acontecendo no perí-
Ao analisar uma série histórica, deve-se es- odo de 1991 a 1998 (respectivamente
tudar cada um destes componentes separa- p<0,0001, p=0,0173 e p=0,0044).
damente, retirando-se o efeito dos outros. Hallal e colaboradores7 analisaram a
Para analisar a tendência os dois méto- mortalidade por câncer no Rio Grande do
dos mais utilizados são: 1) ajuste de uma fun- Sul entre 1979 e 1995, utilizando modelos de
ção polinomial do tempo e 2) análise do regressão linear simples. A tendência tem-
comportamento da série ao redor de um poral das taxas padronizadas de mortalida-
ponto, estimando a tendência naquele pon- de para o total dos cânceres, segundo sexo,
to2,3. Na primeira opção, utilizam-se os foi de estabilidade, do ponto de vista estatís-
modelos de regressão polinomial e, na últi- tico, o mesmo acontecendo com as seguin-
ma, modelos auto-regressivos. tes localizações: cólon/reto feminino e colo
do útero e útero não especificado. Obtive-
Modelos de regressão polinomial ram tendências estatisticamente crescentes
nos coeficientes de mortalidade por câncer
Nos modelos de regressão polinomial, os de pulmão (ambos os sexos), mama femini-
valores da série são considerados como va- na, próstata e cólon/reto masculino. Já a
riável dependente (Y) e os períodos do estu- mortalidade por câncer de estômago (am-
do como variável independente (X). Primei- bos os sexos) e esôfago masculino teve ten-
ramente deve-se fazer o diagrama de dis- dência de decréscimo estatisticamente sig-
persão de Zt (Y) em relação ao tempo para nificativo.
visualizar qual a função que mais se ajusta à Bastos e colaboradores8 analisaram a

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tendência da epidemia de AIDS em adultos, tendência. Por exemplo, se a tendência ob-
no período de 1985 a 1997, no Município de tida for linear (1o. grau) , bastaria fazer uma
São Paulo, tendo como enfoque principal os diferença da série Zt (Zt-Zt-1) para que ela es-
usuários de drogas injetáveis (UDI). Utiliza- tivesse livre de tendência. Detalhes do pro-
ram modelos de regressão polinomial e ob- cesso de diferenças da série podem ser visto
servaram que no período de 1985 a 1992 em Moretin e Toloi2.
houve tendência de ascensão dos casos de
AIDS em UDI e não UDI; a partir deste pon- Sazonalidade
to ocorreu um declínio para UDI e manu-
tenção em platô elevado para os não UDI, A sazonalidade é um componente da sé-
pela tendência de crescimento constante rie histórica difícil de ser estimado, pois é
entre mulheres e homens heterossexuais. Os necessário compatibilizar a questão
modelos que mais se ajustaram foram os de conceitual do fenômeno em estudo com a
segunda ordem (parábola), exceto para os questão estatística. Define-se um fenômeno
heterossexuais não UDI, cuja tendência foi sazonal como aquele que ocorre regular-
de aumento linear. mente em períodos fixos de tempo1-3. Se
Às vezes, devido à grande oscilação dos houver uma sazonalidade dita determinística
pontos, é necessário suavizar a série redu- podem ser utilizados modelos de regressão
zindo o ruído branco. Há várias técnicas de que incorporem funções do tipo seno ou
alisamento, sendo que a mais utilizada é a cosseno à variável tempo. Para se descobrir
média móvel. Detalhes do processo de se existe sazonalidade na série de valores e
alisamento da série podem ser vistos em verificar qual o seu ritmo é importante rea-
Moretin e Toloi2 ou em Latorre5. lizar uma análise espectral3. Com este tipo
As vantagens2,3 da estimação da tendên- de análise é possível se identificar um pa-
cia utilizando modelos de regressão drão sazonal, mesmo dentro de uma varia-
polinomial são o grande poder estatístico bilidade aleatória. A análise espectral utiliza
desta classe de modelos, fácil elaboração e um conjunto de funções que contêm seno e
interpretação. Entretanto, algumas vezes não cosseno e tenta ajustá-las à variância obser-
há uma função definida, como a linear ou vada em uma série de observações no tem-
exponencial, tornando-se necessário que o po, levando em conta a amplitude das “on-
pesquisador ajuste uma função matemática das”, o período em que elas se repetem e a
como a Kernel e outras ou utilize outra clas- fase em que se iniciam3.
se de modelos. Para se retirar o efeito da sazonalidade
A segunda opção para a análise de séries de uma série2, pode-se usar a média móvel
históricas seria a estimação da tendência centrada no número de períodos que com-
analisando o comportamento da série ao põem uma repetição (por exemplo, para
redor de um ponto, estimando a tendência sazonalidade anual, seria utilizada a média
para valores da série próximos à ele; e não móvel de 12 meses) ou, então, pode-se tra-
utilizando a série como um todo. A análise balhar com a diferença entre a série original
utilizando parte da série é mais recomenda- (Z t) e o polinômio estimado para a
da quando se deseja avaliar apenas uma parte sazonalidade.
da trajetória ou quando o comportamento
da série é muito instável. Nesta situação, Modelos auto-regressivos
melhores projeções devem ser feitas apenas
a partir de um passado recente da mesma. Antes de se conduzir qualquer análise é
Após a estimativa da tendência, para se importante definir se a série é estacionária
analisar os outros componentes é necessá- ou não, para, a partir daí, estabelecer a es-
rio construir uma série “livre de tendência” trutura do modelo probabilístico que esti-
através das diferenças da mesma (DdZt), onde mará a série. Uma série é considerada esta-
d é o grau do polinômio obtido na análise da cionária2,3 quando suas observações ocor-

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rem aleatoriamente ao redor de uma média tegrado de médias móveis), onde d é a or-
constante, ou seja, não há tendência. Isto dem das diferenças necessárias para tirar a
significa que E(Z t)=E(Z t+m)=m e Var tendência da série. Há duas situações em
(Zt)=Var(Zt+m)=constante. Para tanto, defi- que a série pode ser considerada não estaci-
ne-se a função de auto-correlação2,3 (tam- onária: 1) quando durante um período os
bém chamada de função de correlação pontos oscilam ao redor de uma média e,
serial) que, em cada período j (lag j) da série, depois, mudam de patamar (neste caso bas-
é calculado o coeficiente de correlação en- ta tomar uma diferença da série); e 2) quan-
tre as observações t e t+j. Neste caso, se t e do a série é não estacionária em relação à
t+j são independentes, a correlação entre t e tendência (geralmente, para torná-las esta-
t+j é zero. cionárias é necessário tomar a segunda di-
O modelo mais simples é obtido para a ferença). Os modelos ARIMA podem dar
série histórica estacionária, ou seja, livre de conta da sazonalidade quando há lags de
tendência e de sazonalidade. Esta série é baixa ordem. Porém, quando a sazonalidade
conseqüência da variação aleatória do ruído ocorre em múltiplos períodos, é necessário
branco ao redor de uma grande média, ao que se considere no modelo um componen-
longo do tempo. Ela é escrita2,3 como a com- te de sazonalidade estocástica. Nesta situa-
binação aleatória dos valores anteriores da ção, utiliza-se o modelo SARIMA2,3 que in-
Zt ( Zt=b1 Zt-1+b2Zt-2+ ... +bp Zt-p) e, por isso, a corpora as funções trigonométricas (prefe-
série toda pode ser função do ruído branco. rencialmente, seno e cosseno) ao modelo
Essa classe de modelos é conhecida como ARIMA, e a ordem da sazonalidade vai de-
modelos auto-regressivos-AR (no caso, de pender da série.
ordem p). Este é um processo interativo onde Exemplo da aplicação do modelo
há a identificação da ordem p através da fun- SARIMA pode ser visto na trabalho de Otero
ção de auto-correlação; a partir daí, faz-se a e colaboradores9. Estes autores descreve-
estimativa de um modelo de previsão bem ram a evolução da mortalidade por desnu-
como a análise dos resíduos para a avaliação trição em idosos nas Regiões Metropolita-
da existência de viéses e/ou grandes erros nas dos Estados do Rio de Janeiro (RMRJ) e
de estimativas. A dificuldade desta técnica é de São Paulo (RMSP), verificando suas ten-
a identificação do modelo, pois é possível dências entre 1980 e 1996 e propuseram um
que pessoas diferentes identifiquem mode- modelo para predição dos mesmos. Os re-
los de ordem diferentes para a mesma série sultados apontaram a existência tendências
temporal. de aumento e revelaram um padrão sazonal
Para muitas séries, a melhor solução se no inverno na RMSP (maior número de óbi-
encontra em combinar o modelo auto-re- tos em junho e julho) e no verão na RMRJ
gressivo (AR) com o de médias móveis (aumento em janeiro), concluindo que o
(MA)2,3. Este é composto pela combinação modelo SARIMA foi o melhor para fazer pre-
linear de valores próximos da série (AR de visões.
ordem p) com uma combinação linear dos
ruídos brancos próximos ao valor da série Modelos lineares generalizados
(MA de ordem q).
Tanto o modelo AR, quanto o MA, quan- Neste grupo de modelos estatísticos a
to o ARMA são utilizados para séries estaci- variável dependente ou resposta (Y) é um
onárias. Entretanto, quando o processo é processo de contagem (por exemplo, núme-
não estacionário homogêneo (ou seja, pos- ro de óbitos ou de atendimentos diários) e
sui tendência, porém não é explosivo), uma as variáveis independentes são variáveis
das maneiras de analisá-lo é incorporando candidatas a explicar o comportamento da
um processo de diferenças (DdZt) no mode- série ao longo do tempo. Esta classe de
lo ARMA2,3. Este é o modelo conhecido modelos é indicada quando as variáveis em
como ARIMA (modelo auto-regressivo in- estudo não têm aderência à distribuição nor-

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mal, principalmente pelo fato de serem pro- mana, períodos de rodízio e número diário
cessos de contagem (ou seja, são variáveis de atendimentos por doenças não respira-
quantitativas discretas). tórias. Os resultados mostraram que tanto
Estes modelos compõem um grupo de o monóxido de carbono quanto o dióxido
distribuições de probabilidades conhecido de enxofre estiveram diretamente associa-
como família exponencial de distribuições dos a IVAS, sendo esta associação robusta,
que englobam diversas funções aditivas, resistindo à inclusão das variáveis de con-
como a regressão linear, de Poisson, logística, trole.
log-linear etc. Os modelos aditivos generali-
zados são uma extensão desta classe de Considerações finais
modelos, nos quais cada variável indepen-
dente analisada não entra no modelo com o Este número da Revista Brasileira de
seu valor, mas sim, adotando uma função Epidemiologia tem como enfoque principal
não paramétrica de forma não especificada, a utilização de análise de séries temporais
que é estimada a partir de curvas de em Epidemiologia. A análise de séries histó-
alisamento. Sendo assim, não é necessário ricas é comum em estudos descritivos, po-
assumir uma relação linear e/ou aditiva en- rém muitas vezes observa-se a falta da
tre a variável dependente e a variável inde- metodologia estatística adequada. Compa-
pendente em estudo. A trajetória alisada ram-se, visualmente, dois ou mais pontos,
proporciona a visualização não somente da porém não é levado em conta que existe uma
forma, mas, também, apresenta as possíveis oscilação devido ao acaso. Daí decorre a
não linearidades nas relações estudadas, necessidade de avaliação de séries históricas
uma vez que não apresenta uma função através de modelos estatísticos diversos, cada
paramétrica rígida. Maiores detalhes desta um mais adequado a uma específica trajetó-
classe de modelos podem ser vistos no tra- ria no tempo. Neste texto introdutório fo-
balho de Conceição e colaboradores10. Nes- ram apresentados de maneira sumária ape-
te artigo há a descrição e comparação des- nas os modelos estatísticos mais utilizados
sas duas classes de modelos e os autores em análise de séries temporais. Detalhes de
mostram, como exemplo de aplicação, a modelagem podem ser vistos nos livros tex-
análise da associação entre mortalidade por tos indicados nas referências bibliográficas,
idosos e poluição atmosférica na cidade de e diversos exemplos de suas aplicações po-
São Paulo, no período de 1994 a 1997. dem ser vistos ao longo deste número espe-
Um outro exemplo desta técnica é o es- cial da Revista. Espera-se, com isso, mos-
tudo de Martins e colaboradores11. Neste trar as inúmeras aplicações da análise de sé-
estudo o objetivo foi investigar a associação ries temporais, estimulando-se a busca das
entre os níveis diários dos poluentes do ar e técnicas estatísticas adequadas. A disponi-
os atendimentos de idosos com infecções bilidade de diversos pacotes estatísticos per-
de vias aéreas superiores (IVAS), do Pronto mite aos pesquisadores a utilização da me-
Socorro Médico do Hospital das Clínicas de lhor técnica estatística, porém o fascínio pela
São Paulo, no período de 1996 a 1998. Fo- técnica não deve obscurecer o desenvolvi-
ram estimados modelos aditivos generaliza- mento das hipóteses, pois as análises estatís-
dos de regressão de Poisson, ajustados por ticas ganham pleno sentido quando orienta-
sazonalidade (funções não paramétricas de das por hipóteses epidemiologicamente re-
alisamento), fatores climáticos (funções li- levantes.
neares), variáveis indicadoras de dias da se-

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