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MOVIMENTO DE UM PROJÉCTIL DE G3:

FORÇA DE ARRASTO NO QUADRADO DA VELOCIDADE

Rui Ferreira ( *)
Prof. Adjunto

ABSTRACT

We consider the problem of a projectile experiencing a drag force quadratic in


the speed. We will establish the vectorial equation of motion and the equivalent system
of 1st order ordinary differential equations. Starting from Cauchy momentum equation,
we arrive to the Navier-Stokes equation for an incompressible fluid. We will see how
small Reynolds numbers lead to a drag force linear in the speed, and how large
Reynolds numbers lead to a drag force law that is quadratic in the speed. The problem
for a G3 projectile is solved by numerical integration using a Runge-Kutta method.
Finally we study certain properties of the solution.

Keywords: Projectile, G3, Drag Force, Quadratic Law, Runge-Kutta, Viscosity,


Cauchy, Navier-Stokes, Reynolds number.

*
Professor das cadeiras de Física (Armas) e Física (Vestibular) na Academia Militar.
RESUMO

Consideramos o problema do movimento do projéctil com uma força de arrasto


quadrática na velocidade. Estabelecemos a equação vectorial do movimento e o sistema
equivalente de equações diferenciais ordinárias de 1ª ordem. Partiremos da equação de
momento de Cauchy e, aplicando-a ao movimento de um fluido, chegaremos
ultimamente à equação de Navier-Stokes para um fluido incompressível. Veremos como
números de Reynolds pequenos conduzem a uma lei para a força de arrasto linear na
velocidade, e como, por outro lado, números de Reynolds grandes conduzem a uma lei
quadrática na velocidade. Resolve-se o problema para o caso de um projéctil de G3, por
integração numérica, usando um método de Runge-Kutta. Finalmente estudam-se
algumas propriedades da solução.

Palavras-chave: Projéctil, G3, Força de Arrasto, Lei Quadrática, Runge-Kutta,


Viscosidade, Cauchy, Navier-Stokes, Número de Reynolds.

1. EQUAÇÕES DO MOVIMENTO DO PROJÉCTIL


COM FORÇA DE ARRASTO QUADRÁTICA NA VELOCIDADE

Qualquer estudante de Física, bem como os de vários ramos das engenharias


conhecem a solução do problema do projéctil quando a resistência do ar é desprezável.
Contudo, quando perante um lançamento oblíquo de um projéctil a 45° e com uma
velocidade inicial de 800 m/s, se chega a um alcance horizontal da ordem dos 65000 m,
é frequente um cadete de artilharia levantar, justamente, uma objecção. Nestas
condições, e recordando que esta é aproximadamente a velocidade de um projéctil de
G3, alguns cadetes observam que o alcance máximo (não efectivo) do projéctil desta
arma é apenas da ordem dos 3000 m. Ora, tal discrepância deve-se a que a resistência do
ar quase nunca pode ser desprezada na prática, e certamente não no caso de um projéctil
de G3.
Neste caso, bem como na maior parte das situações práticas que envolvem
projécteis, a resistência do ar é quadrática na velocidade. O motivo para que, então, se
continue a apresentar apenas a situação do movimento do projéctil na ausência do efeito
da resistência do ar, sobretudo a cadetes das armas, dever-se-á talvez ao facto de não se
conhecer uma solução explícita exacta para o movimento bidimensional do projéctil no
caso da resistência do ar quadrática na velocidade 1. No entanto, dada a presente
facilidade de acesso e utilização de meios de cálculo numérico, nada parece justificar
que este problema não possa ser apresentado, e que possa até ser resolvido pelo aluno.

Sendo a resistência do ar uma força de sentido oposto ao da velocidade e


proporcional ao quadrado desta, a segunda lei de Newton escreve-se então
mg − kvv =
ma (1.1)
onde k é uma constante.
Escolhendo um sistema de eixos com o eixo dos xx na horizontal e o eixo dos yy
na vertical e positivo para cima, as equações do movimento são
 2 2 2
d x = k dx  d 2 x   d 2 y 
−   + 
 dt 2 m dt  dt 2   dt 2 
 (1.2)
d2 y 2
k dy  d 2 x   d 2 y 
2

 2 = −   +  −g
 dt m dt  dt 2   dt 2 

Dadas as condições iniciais:


=x0 0=
; y0 0
(1.3)
= 0 cos α ,
vox v= v0 y v0 sin α

podemos resolver este problema utilizando um método de Runge-Kutta. O método é há


muito utilizado em diversos problemas e encontra-se disponível nos pacotes mais usuais
de cálculo numérico. Aqui será utilizado o algoritmo ode45 implementado no
MATLAB.
Os métodos de Runge-Kutta aplicam-se a equações diferenciais ordinárias de 1ª
ordem com valor inicial, na forma genérica
=z ′ f=
(t , z ), z (t0 ) z0 (1.4)
onde t é um escalar e z um vector. Para resolvermos (1.2), devemos notar que o
problema de ordem n
z ( n ) = f (t , z , z ′, , z ( n −1) ) (1.5)
com as substituições
=z1 z= , zn z ( n −1)
, z2 z ′,= (1.6)

1
Na verdade, recentemente, Yabushita, et al., 2007 obtiveram uma solução analítica expressa como uma
série de potências. Contudo, a solução é tão intrincada, que para a determinação dos parâmetros de
interesse, teremos sempre que recorrer a uma aproximação numérica.
se transforma no sistema equivalente de n equações diferenciais ordinárias de primeira
ordem
 z1′ = z2

 z2′ = z3
 (1.7)
 

 zn′ = f (t , z1 , z2,  , zn )
Então se em relação às variáveis do problema (1.2), fizermos as substituições
=z1 x= ′, z3 y=
, z 2 x= , z4 y ′ (1.8)
com as condições iniciais
= z2 (0) v0 cos α=
z1 (0) 0,= z4 (0) v0 sin α
, z3 (0) 0,= (1.9)
obtemos o sistema equivalente
 dz1
 dt = z2

 dz2 =
k
− z2 z22 + z42
 dt m
 (1.10)
 dz3 = z4
 dt
 dz k
 4 =
− z4 z22 + z42 − g
 dt m
que está finalmente de forma a podermos aplicar o método de Runge-Kutta.

2. ESCOAMENTO DE UM FLUIDO. EQUAÇÕES DE NAVIER-STOKES

O transporte de momento linear (não relativístico) num contínuo é descrito pela


chamada equação de momento de Cauchy2:
 ∂v 
ρ + v ⋅∇v  = ∇ ⋅ σ (1.11)
 ∂t 
onde ρ é a densidade do meio contínuo e σ o tensor das tensões e v o campo vectorial
da velocidade. É habitual separar o tensor das tensões σ em dois, um para a parte
isotrópica e outro para a parte anisotrópica:
− pI + σ ′
σ= (1.12)

2
Escreveremos as equações na ausência de forças exteriores (usualmente a força gravítica).
onde p é a pressão (tensão normal média), I o tensor identidade e σ' o chamado tensor
das tensões desviador.
Todas as equações (não relativísticas) relacionadas com a conservação da
quantidade de movimento podem ser derivadas partindo da equação de momento de
Cauchy, e especificando uma relação constitutiva para o tensor das tensões, ou seja
estabelecendo um conjunto de hipóteses que nos permita caracterizar a forma do tensor
das tensões.
Interessa-nos aqui, em particular, a equação que rege o movimento de um fluido,
a chamada equação de Navier-Stokes. Repare-se que os termos p e σ' em (1.12) são por
enquanto desconhecidos. Precisamos então um modelo que relacione as tensões com o
movimento do fluido. Isto é feito formulando certas hipóteses, baseadas na observação,
que permitem especificar as tensões em termos de outras variáveis do escoamento,
como a viscosidade e a velocidade.
Com base nessas hipóteses suficientemente gerais (Landau & Lifshitz, 1959, p.
48), da equação de momento de Cauchy resulta, para um fluido com viscosidade 3:
 ∂v 
ρ + v ⋅∇v  = −∇p + η∇ 2 v + (ζ + 13 η ) ∇ ( ∇ ⋅ v ) (1.13)
 ∂t 
onde η é a viscosidade dinâmica e ζ é a viscosidade volúmica.
A esta equação devemos acrescentar uma relação que expresse a conservação da
massa, dada pela equação de continuidade:
∂ρ
+ ∇ ⋅( ρv) =0 (1.14)
∂t
Se podermos considerar o fluido como incompressível, a densidade ρ é constante
e da equação de continuidade (1.14) vem ∇ ⋅ v = 0 . Logo, o último termo em (1.13) é
zero, e obtemos a equação do movimento de um fluido viscoso incompressível. É a esta
equação em particular que normalmente chamamos a equação de Navier-Stokes:
∂v 1 η
+ v ⋅∇v = − ∇p + ∇ 2 v (1.15)
∂t ρ ρ
Vemos pois que, no caso de um fluido incompressível, a viscosidade é
determinada por um único parâmetro, η, a viscosidade dinâmica. Ao quociente

3
As quantidades η e ζ são funções da pressão e da temperatura. Em geral p e T e portanto η e ζ não são
constantes em todo o fluido. Mas como em muitos casos os coeficientes de viscosidade não variam
apreciavelmente de ponto para ponto, podemos considerá-los constantes e passá-los para fora do operador
de gradiente.
η
ν= (1.16)
ρ
chamamos viscosidade cinemática. Como a maior parte dos fluidos podem ser
considerados praticamente incompressíveis, são estes os coeficientes de viscosidade que
geralmente nos interessam. Para o ar, a 20° C, temos=η 1.837 ×10−5 kg m -1s -1 e

=ν 1.526 ×10−5 m 2s -1 , já que para a mesma temperatura ρ = 1.204 kg m −3 .


Note-se que a solução da equação de Navier-Stokes é um campo vectorial de
velocidade, ou seja uma descrição da velocidade do fluido num dado ponto do espaço e
do tempo. Uma vez determinada a solução v(x, y, z, t), outras quantidades de interesse,
por exemplo a força de atrito de viscosidade (ou força de arrasto) podem ser obtidas a
partir dela.
A equação de Navier-Stokes tem um enorme leque de aplicações. Desde as mais
simples, como o estudo do escoamento do ar quando encontra um objecto sólido (um
projéctil, um automóvel, um avião), ou como a água escoa através de um cano ou canal;
até problemas bem mais complexos como os modelos de circulação atmosférica e
oceânica. Contudo, e algo surpreendentemente, os matemáticos ainda não conseguiram
provar a existência de soluções bem-comportadas (i.e. soluções que não tenham
descontinuidades e não conduzam a energias cinéticas infinitas) no espaço a três
dimensões. O Clay Mathematics Institute propôs este problema em 2000, como um dos
sete Millennium Prize Problems, oferecendo um prémio de um milhão de dólares (que
ainda se mantém) para a sua resolução 4.

3. FORÇA DE ARRASTO LINEAR NA VELOCIDADE


FORÇA DE ARRASTO QUADRÁTICA NA VELOCIDADE

Concentremo-nos agora na situação que aqui nos interessa, ou seja aquela em


que temos um objecto que se move num fluido incompressível, como é o caso de um
projéctil no ar. O único parâmetro que caracteriza a natureza do fluido e que está
presente na equação de Navier-Stokes (1.15) é a viscosidade cinemática ν = η ρ . As
funções desconhecidas e que devem ser determinadas resolvendo as equações são a
velocidade v e, digamos, a razão p ρ . Mais, o escoamento dependerá ainda, através

4
http://www.claymath.org/millennium/Navier-Stokes_Equations/navierstokes.pdf
das condições fronteira, da forma e dimensões do corpo que se desloca pelo fluido e da
sua velocidade. Sendo a forma do corpo conhecida, as suas propriedades geométricas
serão determinadas por uma única dimensão linear, que designaremos por l. Então o
escoamento fica especificado por três parâmetros: ν, u e l. Onde u e l são
respectivamente uma velocidade e uma dimensão típicas do corpo. (Landau & Lifshitz,
1959, p. 61).
A partir destas três quantidades, podemos construir uma única quantidade
adimensional, a saber ul ν . Esta quantidade, que tem um papel importante na
caracterização do tipo de escoamento, é chamada número de Reynolds:
ρ ul ul
=
R = (1.17)
η ν
Olhando novamente para a equação (1.15), vemos que o termo inercial v ⋅∇v , é da
ordem de grandeza de u 2 l , enquanto o termo viscoso (η ρ ) ∇ 2 v é da ordem de

grandeza de η u ρ l 2 . A razão entre os dois é justamente o número de Reynolds que,


portanto, pode ser interpretado como uma medida da importância relativa destes dois
efeitos no escoamento de um fluido.

Quando o escoamento é estacionário, ou seja quando a velocidade num qualquer


ponto do fluido não depende do tempo, a equação de Navier-Stokes toma a forma mais
simples:
1 η 2
v ⋅∇v = − ∇p + ∇ v (1.18)
ρ ρ
Se, além disso, o número de Reynolds é pequeno (R << 1), então o termo inercial v ⋅∇v
em (1.18) pode ser desprezado e obtemos a equação linear:
η∇ 2 v − ∇p = 0 (1.19)
que, juntamente com ∇ ⋅ v = 0 e as condições fronteira determinam completamente o
movimento. É este problema que em 1851 Stokes resolve para uma esfera 5. Cálculos
elaborados permitiram-lhe então chegar à expressão da força de arrasto devida à
viscosidade, para uma esfera que se move num fluido incompressível e estacionário,
quando o número de Reynolds é pequeno. É a famosa Lei de Stokes, com a força de
arrasto proporcional à velocidade e opondo-se a ela:

5
Para uma dedução moderna ver, por exemplo: Lamb, 1932, §337, pp. 597-602.
F = 6π rη u (1.20)
onde r é o raio da esfera e u a velocidade em relação ao fluido. Repare-se que, à parte da
constante de proporcionalidade, podemos chegar à forma da força de arrasto por simples
análise dimensional. Com efeito, tendo em conta (1.19) vemos que, neste caso, o
escoamento fica determinado por três parâmetros, η, u e l. A partir deles podemos
construir apenas uma quantidade com dimensões de força: η l u . Então, para R << 1,
teremos
F  η l u ou F  ν ρ l u (1.21)
Ou seja, para um fluido incompressível, escoamento estacionário e número de Reynolds
pequeno, a força de arrasto que se exerce sobre um corpo é linear na velocidade.
Contudo, no caso de um projéctil típico não é esta lei para a força de arrasto que
prevalece. Se considerarmos, por exemplo, uma esfera com a densidade da água,
movimentando-se no ar, para que o número de Reynolds seja inferior a 1 para
velocidades até à velocidade terminal, a esfera teria de ter um raio r < 4 ×10−5 m . Ora
projécteis deste tamanho não terão grande interesse prático. Na verdade, nem mesmo
para a famosa experiência da gota de óleo de Millikan a lei de Stokes é válida (Parker,
1977). Por outro lado, sabe-se que uma pedra com 1 cm de raio tem uma velocidade
terminal no ar de cerca de 30 m/s (Present, 1985, p. 162). Sendo 2r a dimensão típica
para a esfera, isto conduz a um número de Reynolds da ordem de 4 ×104 . Ora isto quer
dizer que, nos casos típicos de projécteis estamos, ao invés, no domínio dos números de
Reynolds grandes.

Existe um valor crítico do número de Reynolds, digamos de 10 a 100,


dependendo da forma do corpo, acima do qual se torna impossível o escoamento
estacionário em torno de corpos sólidos (Landau & Lifshitz, 1959, p. 103).
Para valores consideravelmente maiores que o valor crítico, digamos 2x104 para
uma esfera, forma-se na esteira atrás do corpo uma longa região de turbulência (Landau
& Lifshitz, 1959, p. 136). Este padrão de escoamento mantém-se quase independente da
viscosidade até valores do número de Reynolds da ordem de 2x105. Isto implica que a
força de arrasto deverá ser também independente da viscosidade para estes valores de R.
Algures para R entre 2x105 e 3x105 (para uma esfera) dá-se um novo fenómeno.
Para estes valores, a camada de escoamento laminar na fronteira do corpo torna-se ela
própria instável e portanto turbulenta (drag crisis). Este fenómeno altera
significativamente o padrão do escoamento, fazendo contrair a esteira turbulenta atrás
do corpo, e levando a uma redução da força de arrasto por um factor de 4 a 5. Devemos
no entanto notar que para as elevadas velocidades a que drag crisis ocorre, a
compressibilidade do fluido pode começar a revelar-se importante. Dados experimentais
mostram que a compressibilidade tem em geral um efeito estabilizador no escoamento
na camada laminar. Como consequência disso, para velocidades mais próximas da do
som (v s ) a drag crisis ocorrerá para números de Reynolds ainda mais elevados. Por
exemplo, para uma esfera com u = 0.7 v s a drag crisis ocorrerá apenas para R ~ 8x105
(Landau & Lifshitz, 1959, pp. 168-172).

Então, no domínio dos números de Reynolds grandes, mais precisamente para o


intervalo de valores onde a força de arrasto se pode considerar independente da
viscosidade, a força dependerá de três quantidades: a velocidade do corpo em relação ao
fluido u, a densidade do fluido ρ, e a dimensão l do corpo. A partir delas podemos
construir apenas uma quantidade com as dimensões de força, a saber ρ u 2 l 2 . Se, como
é prática usual, introduzirmos em lugar da dimensão linear ao quadrado l2, a quantidade
proporcional S, a área da secção recta do corpo perpendicular à direcção do escoamento,
a força de arrasto pode escrever-se:
F= k × ρ S u 2 (1.22)
onde a constante k é um número que dependerá apenas da forma do corpo. Ou seja, para
um fluido incompressível e um escoamento turbulento (enquanto a camada fronteira se
mantiver laminar) a força de arrasto é quadrática na velocidade.
Introduzindo, como é costume, a quantidade adimensional definida por
C=F 1
2 ρ S u 2 , o chamado coeficiente de arrasto, vemos de (1.22) que C = 2k e que,
portanto, nestas condições o coeficiente de arrasto depende apenas da forma do corpo.
Em função de C, a força de arrasto (1.22) pode então escrever-se como
1
F = C ρ S u2 (1.23)
2
que é a lei com interesse prático no caso de projécteis.
Aquilo que foi dito acima sobre o efeito da compressibilidade do fluido no
adiamento da drag crisis para velocidades comparáveis à do som, sugere que a lei da
força de arrasto no quadrado da velocidade poderá mesmo continuar a dar resultados
razoáveis no caso de projécteis supersónicos.
4. O CASO DO PROJÉCTIL DE G3

Retomando agora a equação (1.1), que é a segunda lei de Newton para um


projéctil, quando a força de arrasto é no quadrado da velocidade, vemos que a constante
k que aí figura é, segundo (1.23), dada por
1
k = CρS (1.24)
2
Podemos pois resolver numericamente o sistema de equações diferenciais ordinárias de
primeira ordem (1.10). A munição de G3 é a conhecida 7.62x51mm NATO. Usaremos
os seguintes dados relativos ao projéctil 6:
m = 9.50 g
r = 3.81 mm
v0 = 800 m s −1
onde m, r e v 0 são respectivamente a massa, o raio e a velocidade inicial.
O coeficiente de arrasto dependerá, como dissemos, da forma exacta do projéctil. Uma
gama de valores razoável para balas é 0.27 ≤ C ≤ 0.39 7. Usaremos aqui o valor mais
usualmente citado:
C = 0.295
Utilizaremos o valor da densidade do ar à temperatura de 20° C:
ρ = 1.204 Kg m −3
e tomaremos S como a secção recta de um cilindro de raio r, ou seja
S = π r2
e o valor da aceleração da gravidade g = 9.80 ms-2.
Para efeitos de comparação notemos que, não considerando a resistência do ar,
para um projéctil com a velocidade inicial de 800 m/s e lançado a 45° com a horizontal,
que como se sabe dá o alcance horizontal máximo, temos respectivamente para o tempo
de voo, altura máxima e alcance horizontal:
= =
tvoo 115.4 =
s, hMax 16326 m, xMax 65306 m

6
http://en.wikipedia.org/wiki/7.62x51mm_NATO [15/03/2010].
http://en.wikipedia.org/wiki/H%26K_G3 [15/03/2010].
7
http://www.slinging.org/wiki/index.php?title=Form_Drag [15/03/2010].
http://www.grc.nasa.gov/WWW/K-12/airplane/shaped.html [15/03/2010].
A Fig. 1 mostra a trajectória do projéctil para três diferentes valores do
coeficiente de arrasto, sempre com um ângulo de disparo α = 45°. Podemos observar,
desde logo, que a trajectória deixa de ser parabólica (como seria na ausência de
resistência do ar), tornando-se assimétrica – digamos, achatada na parte frontal. Ou seja,
o espaço percorrido pelo projéctil na horizontal até ao pico é maior que aquele que
percorrerá daí até atingir o solo. Esta assimetria será tanto maior, para um dado ângulo
de disparo, quanto maior for a velocidade inicial. Vemos também, que para o caso do
nosso projéctil (i.e. C = 0.295) obtemos uma altura máxima que é cerca de 1/10 do que
seria sem considerar a resistência do ar e um alcance horizontal de menos de 1/20. Mais
exactamente, para um lançamento a 45°, obtemos os seguintes valores para o tempo de
voo, altura máxima e alcance horizontal: t voo = 33.8 s, h Max = 1469 m e x Max = 2740 m.

1600
C = 0.295
1400

1200

1000
y (m)

C = 0.5
800

600
C = 1.0
400

200

0
0 500 1000 1500 2000 2500 3000
x (m)

Fig. 1 – Trajectórias (α = 45°) para C = 1, C = 0.5 e C = 0.295.

Por outro lado, o alcance horizontal máximo, para uma dada velocidade inicial,
ocorrerá para um valor inferior a 45°, e quanto maior a velocidade inicial, menor será o
ângulo de disparo necessário. A Fig. 2 representa o alcance horizontal em função do
ângulo de disparo para o projéctil de G3. Vemos que o crescimento do alcance é muito
rápido para, digamos os primeiros 10°, cresce depois lentamente até ao seu máximo, e
depois decresce mais ou menos lentamente até aos 90°.
3500

3000

2500
Alcance (m) 2000

1500

1000

500

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Ângulo (graus)

Fig. 2 – Alcance horizontal em função do ângulo de disparo.

A Fig. 3 representa a trajectória do projéctil para um ângulo α = 26.8°, que é o


ângulo de disparo que produz um alcance horizontal máximo. Para este ângulo óptimo
obtemos os seguintes valores dos parâmetros balísticos:
Ângulo Óptimo 26.8°
Tempo de Voo 24.3 s
Altura Máxima 807 m
Alcance Máximo 3041 m
Velocidade Horizontal (no solo) 33.3 m/s
Velocidade Vertical (no solo) – 88.7 m/s
Módulo da Velocidade (no solo) 94.8 m/s

1000

800

600
y (m)

400

200

0
0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500
x (m)

Fig. 3 – Trajectória do projéctil de G3 para α = 26.8°. Alcance horizontal máximo.


Outra das características da solução do movimento do projéctil com força de
arrasto quadrática na velocidade (à semelhança do que acontece para o caso linear) é a
existência de uma velocidade limite, V L . Para o caso do projéctil em consideração, a
Fig. 4 mostra a componente vertical da velocidade em função do tempo, aproximando-
se da velocidade limite V L ~ 107.2 m/s.

100

50

0
Vy (m/s)

-50

-100

-150
0 20 40 60 80
t (s)

Fig. 4 – Componente vertical em função do tempo (α = 5°).

Em tudo o que fizemos, não considerámos o facto de o projéctil de G3 sair da


boca da arma a uma velocidade supersónica. Para velocidades superiores à do som o
padrão de escoamento sofre alterações radicais, sendo a mais notável a formação de
uma onda de choque que emana do nariz do projéctil (Fig. 5).

Fig. 5 – Fotografia-sombra de uma bala supersónica. 8

8
http://www.aerospaceweb.org/question/aerodynamics/q0074.shtml [15/03/2010]
Neste regime, a força de arrasto dependerá também do número de Mach, a razão
entre a velocidade do projéctil e a velocidade do som no fluido. Contudo, e como já
sugerimos atrás, os resultados a que chegámos não deverão ser grandemente alterados.
Isto será tanto mais verdade quanto o projéctil não permaneça a velocidades
supersónicas em parte apreciável do seu trajecto. Ora, é isso que se passa. Olhando para
o gráfico da velocidade em função do tempo (Fig. 6), vemos que o nosso projéctil passa
rapidamente (após t ~ 1.9 s) a subsónico.

800

700

600

500
v (m/s)

400

300

200

100

0
0 10 20 30 40 50 60
t (s)

Fig. 6 – Velocidade em função do tempo (α = 45°).

BIBLIOGRAFIA

LAMB, H. (1932). Hydrodynamics. 6th edition, reprint 1975. Cambridge University


Press, Cambridge.
LANDAU, L. D. & LIFSHITZ, E. M. (1959). Fluid Mechanics. Pergamon Press.
PARKER, G. W. (1977). “Projectile motion with air resistance quadratic in the speed”.
American Journal of Physics, Vol. 45, No. 7, pp. 606-610.
PRESENT, R. D. (1958). Kinetic Theory of Gases. McGraw-Hill, New York.
YABUSHITA, K., YAMASHITA, M. & TSUBOI, K. (2007). “An analytic solution of
projectile motion with the quadratic resistance law using the homotopy analysis
method”. Journal of Physics A: Mathematical and Theoretical, Vol. 40, pp. 8403–
8416.

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