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CAPÍTULO

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Direito e economia
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Fernando Muniz Santos

São inúmeras as possibilidades de diálogo entre Direito e economia. Afinal, ambos


tratam do fenômeno da escassez, embora cada qual à sua maneira: a economia, como foi
observado, estuda as escolhas que as pessoas fazem em face da escassez; o direito, por
sua vez, visa a prevenir ou remediar conflitos que, na grande maioria das vezes, ocorrem
exatamente em consequência da escassez de bens aptos a suprir as necessidades das
pessoas.
Como bem apontam Cooter e Ulen (1998), p. 13), a economia pode auxiliar os
operadores do direito (advogados, juízes, promotores, legisladores, administradores
públicos) em sua busca por respostas a questionamentos acerca de como determinada
pena irá ou não efetivamente coibir a prática de um delito, de como a responsabilização de
uma empresa por um produto ou serviço defeituoso terá ou não reflexos duradouros no
preço final do produto (ou na garantia de sua qualidade para o consumo) ou, ainda, de como
determinado incentivo contribui para reduzir a sonegação fiscal (ou se a promove), entre
vários outros aspectos que se manifestam no cotidiano das atividades dos tribunais, da
estruturação de negócios jurídicos, da elaboração de leis e da promoção de políticas
públicas.
Entre vários pontos de contato possíveis, é fato que a partir do momento em que se
considera a sanção legal como um preço a ser pago pelo indivíduo pela prática de ato ilícito,
ou mesmo uma recompensa pela prática de ato incentivado por meio de leis, o binômio
sanção = preço aproxima a economia do direito, e vice-versa, tornando possível o diálogo
entre esses campos do conhecimento.
Cooter e Ulen (1998, p. 13) expõem que a economia conta com teoria matematicamente
precisas (teoria dos preços e teoria dos jogos), bem como com métodos empiricamente
razoáveis (estatística e econometria), para analisar os efeitos dos preços sobre o
comportamento.
O fato de um indivíduo optar pela prática de uma conduta ilícita em detrimento de outra,
considerada lícita, está relacionado, muitas vezes, às vantagens que ele obterá em face do
comportamento alternativo. Ora, uma vez que o indivíduo aceite o risco de sofrer a

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1. Este capítulo foi escrito pelo professor Fernando Muniz Santos, doutor em direito pela
UFPR e professor da FAE Business School, de Curitiba.
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sanção pelo ato ilícito, permite-se toda espécie de análises, não só a respeito da
aplicabilidade de dispositivos legais à conduta submetida a julgamento, mas também
a respeito de quais foram os fundamentos para o indivíduo realizar a escolha.
A economia, nesse caso, encontra fácil recepção, visto que oferece ao operador
do direito uma teoria do comportamento humano apta a prognosticar (ou
compreender) como os indivíduos respondem ante o preço ou, em outras palavras,
ante a expectativa de sanção ou de recompensa. Assim, diversos conceitos como
valor, custo, oferta, demanda, utilidade, maximização, eficiência, entre muitos outros
fornecidos pelas teorias econômicas, servem como ferramentas analíticas que
conferem alto rigor à investigação dos fatos sujeitos aos dispositivos legais.
Direito e economia ainda dialogam cotidianamente em situações como as que
envolvem a elaboração e execução de contratos. A celebração do um contrato sem
prévia investigação dos riscos a que se submetem as partes, dos custos decorrentes
da adversidade esperada e das garantias que podem ser licitamente exigidas para
mitigar ou afastar os identificados é fato mais do que usual na rotina de trabalho dos
operadores jurídicos, como os advogados. O que tais operadores aprendem, muitas
vezes, por meio da experiência (e de reveses que podem significar a ruína de seus
clientes) encontraria maior respaldo, caso fosse utilizado com maior frequência o
arsenal teórico das denominadas análises de custos ou análises de risco, por
exemplo.
Os raciocínios econômicos, aliás, auxiliam não só a aplicação da lei, mas
também sua elaboração. Uma vez que a análise econômica centraliza suas
atenções nos comportamentos antes de eles ocorrerem, as consequências possíveis
da aplicação de sanções podem ser avaliadas no momento em que se está
debatendo a respeito da viabilidade (ou não) da promulgação de determinada lei. Os
debates legislativos, portanto, teriam muito a ganhar, caso os projetos de lei em
tramitação nos parlamentos fossem submetidos com frequência a uma avaliação
dos potenciais efeitos das sanções nele previstas sobre os comportamentos que se
pretende normatizar por meio das leis.
Mas as possibilidades de diálogo entre direito e economia não se resumem ao
que foi exposto. O acentuado apuro terminológico das construções teórico-jurídicas
pode auxiliar a atividade cotidiana do economista, de diversas maneiras. É plausível
afirmar que as palavras, a matéria-prima dos operadores do direito, recebem destes
um tratamento rigoroso. Isso porque as palavras comportam distintos significados
possíveis, e a incerteza quanto ao significado de termos pode potencializar, muito
mais do que diminuir, os conflitos sociais.
Assim, as elaborações teóricas do direito a respeito de institutos como
propriedade, família, empresa, contrato, responsabilidade, dano, vício, entre muitos
outros, além de auxiliar os operadores do direito a resolverem conflitos, são de
grande valia ao economista, que, muitas vezes, não se preocupa com a precisão
terminológica desses conceitos. O emprego de termos como contrato, por exemplo,
de modo pouco técnico pode prejudicar a construção de modelos e cenários
econômicos, distanciando-os da realidade (Cooter e Ulen, 1998, p. 19).
Apesar de tais possibilidades, até o início da década de 60, a utilização da
economia pelos operadores do direito estava circunscrita à compreensão do
funcionamento dos mercados e da formação de monopólios e oligopólios, no âmbito
do direito antitruste (Posner, 1999, p. 25). Os casos levados a julgamento pelas
cortes norte-americanas serviam como uma fonte valiosa de informações para os
economistas compreenderem as razões e consequências legais das práticas
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monopolísticas, e, uma vez compreendidas, as conclusões dos economistas


frequentemente influenciavam a elaboração de leis ou mesmo a elaboração teórica,
pelos juristas, do direito antitruste.
O turning point no que se refere às especulações econômicas no campo do
direito se deu a partir de um trabalho de Ronald Coase (Prêmio Nobel de economia
em 1991), o qual, no texto The problem of social cost (O problema do custo social),
de 1960, discutiu as implicações econômicas da condenação de uma fábrica
poluidora a ressarcir os seus vizinhos dos danos que causou. Suas conclusões
nesse trabalho acabaram por se tornar conhecidas como o teorema de Coase,
objeto de intensas discussões desde então.
A partir do trabalho de Couse (1998), o estudo de institutos jurídicos à luz da
economia estendeu-se para a prática de delitos, discriminação racial, casamento e
divórcio, falências e concordatas etc., tornando-se disciplina comum nas faculdades
norte-americanas, sobe o nome de “Direito e Economia” ou “Análise Econômica do
Direito”.
Aliás, o sucesso dessa especulação multidisciplinar nos Estados Unidos deve-
se precisamente à qualidade “prognosticadora” da economia no tocante às
consequências da aplicação do direito, que faz todo sentido em um sistema do
direito como o norte-americano, com base em precedentes judiciais, sentenças que
servem como diretrizes para a tomada de decisões judiciais futuras.
Uma vez que o juiz deve considerar muito seriamente o provável impacto de
decisões judiciais no comportamento das pessoas – pois uma sentença leviana
pode, às vezes, servir como incentivadora, muito mais que repressora, de
comportamentos lesivos - , a economia e o rigor de suas construções teóricas
auxiliam quem vai decidir o caso concreto a optar por uma decisão com a menor
probabilidade de gerar efeitos negativos, especialmente em casos altamente
complexos (Posner, 1999, p. 28).
Mas isso não significa que o diálogo entre direito e economia não seja possível
em países filiados ao sistema de direito romano-germânico (como o Brasil), que se
baseia na lei como fonte primordial do direito. Tendo em vista que os diplomas legais
são elaborados com palavras, não com fórmulas matemáticas, as distintas
interpretações dadas ao texto legal e construídas por juízes, advogados ou
promotores podem ou não acarretar consequências desastrosas, comprováveis em
termos econômicos.
Uma vez que, a economia trata de estudar a escassez e o modo pelo qual os
indivíduos se comportam ante seu espectro, é extremamente profícuo o diálogo
entre direito e economia, especialmente no momento em que, a pretexto de se
solucionar determinado conflito, diversas interpretações possíveis podem ser dadas
aos dispositivos legais aplicáveis ao caso. A economia e seu instrumental teórico
transcendem o papel de investigar a sanção enquanto preço e permitem ao
operador do direito vislumbrar as consequências da adoção de determinada
interpretação em detrimento das outras, o que amplifica o papel do operador do
direito de mero aplicador das leis para alguém que opta, consciente e
consistentemente, por uma solução em vista dos resultados esperados.
Assim, a análise econômica pode servir como baliza, parâmetro e auxílio na
tarefa de formação dos argumentos jurídicos, mesmo em um sistema jurídico com
base na lei, não no precedente judicial, como o brasileiro. Todavia, apesar do rigor
teórico ofertado pela economia, não se pode esquecer de que o direito está
construído sob premissas distintas das que animam a economia.
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O operador do direito, ao elaborar seus argumentos em face de um caso


concreto, muitas vezes efetua considerações valorativas, de cunho ético e moral,
frequentemente sob o manto da justiça ou equidade, as quais encontram respaldos
em leis e na própria Constituição do país, mas que podem se afastar de premissas
como utilidade ou eficiência, invocadas em geral pelos economistas para justificar
seus raciocínios (Salomão F., 2001, p. 11-12).
Em outras palavras, para o juiz, nem sempre é eticamente justificável (ou
mesmo justo) o que é eficiente ou útil para o economista, levando-se em
consideração o caso concreto. Tal peculiaridade do pensamento jurídico não pode
ser suprida, sob pena de se submeter, literalmente, o raciocínio jurídico a premissas
divorciadas da própria função social que o direito cumpre. Premissas essas que,
muitas vezes, significam proteger determinado agente econômico mesmo à custa da
maximização geral da riqueza. Afinal, a satisfação da escassez não se despede (e
não é justificável que se despeça) da investigação ética a respeito de como essa
escassez é satisfeita.
Em última análise, a relação entre direito e economia se torna frutífera caso seja
complementar, com um campo do conhecimento suprindo o outro em suas eventuais
limitações, sem reduzir uma disciplina em benefício da outra.

Adaptado de:
MENDES, Judas Tadeu Grassi. Economia: fundamentos e aplicações. São Paulo:
Prentice Hall, 2004.

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