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FACULDADE DE DIREITO
CONTRATOS INTERNACIONAIS DE
TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA:
UMA ABORDAGEM DIRECIONADA AO
DESENVOLVIMENTO
Uberlândia 2015
GABRIELA MARIA ARAÚJO SIQUIEROLI
CONTRATOS INTERNACIONAIS DE
TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA:
UMA ABORDAGEM DIRECIONADA AO
DESENVOLVIMENTO
Uberlândia 2015
GABRIELA MARIA ARAÚJO SIQUIEROLI
CONTRATOS INTERNACIONAIS DE
TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA: UMA
ABORDAGEM DIRECIONADA AO
DESENVOLVIMENTO
Banca examinadora
___________________________________________
Prof. Fernando Martins - FADIR/UFU
___________________________________________
Prof. João Víctor Longhi - FADIR/UFU
___________________________________________
Prof. Thiago Paluma- FADIR/UFU
À minha mãe Letícia e minha irmã Giovana
por todo carinho e paciência com que me
ajudaram na conclusão deste trabalho.
AGRADECIMENTOS
The global diffusion of technology is indispensable for countries in lag situation to develop.
Hence, international technology transfer agreements are an important tool to reduce inequality
between more and less developed countries. However, in many cases the technology recipient
countries cannot progress on their own from the imported technique, staying dependent of
new foreign investment. This work’s scope is to present the main premises of a successful
technology policy. Therefore, the restrictive clauses that prevent the effective transfer of
technology, usually imposed in these contractual species, shall be analysed, as well as the
national and international normative framework aimed at the control of such practices.
Noteworthy is the influence of the WTO TRIPS Agreement on Brazilian law, which caused
the reduction of state control over the contracts in question. The ensuing liberalization gave
more autonomy to the contracting parties and encouraged foreign investment. On the other
hand, the high levels of industrial property rights protection imposed by the Brazilian law,
after the approving of the TRIPS Agreement, has hampered the effective transfer of
technology. The approach here proposed draws from the lessons of economics and compared
law for the proper analysis of the national and international regulatory standards of the
contracts herein referred.
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 71
INTRODUÇÃO
1
TIMM, Luciano Benetti; COOTER, Robert D; SCHAEFER, B. O problema da desconfiança recíproca. The
Latin America and Carribbean Jornal Of Legal Studies, V. 1. Berkeley Eletronic Press. 2006. Disponível em:
<http://services.bepress.com/lacjls/vol1/iss1/> Acesso em: outubro de 2014
2
A teoria elaborada pela Cepal (Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina) em manifesto
original de 1949, relacionou o subdesenvolvimento com a lenta e desigual difusão do progresso técnico em
2
A teoria elaborada pela Cepal (Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina) em manifesto
original de 1949, relacionou o subdesenvolvimento com a lenta e desigual difusão do progresso técnico em
nível internacional. O cerne desta teoria está na separação da economia internacional em dois polos distintos:
os país do centro e os países da periferia. Os primeiros são considerados homogêneos e diversificados, por
possuírem alta produtividade em vários ramos industriais, enquanto os segundos são heterogêneos e
especializados, por terem poucos setores produtivos. Para mais detalhes vide: PORCILE, Gabriel; ESTEVES,
Luis Alberto; SCATOLIN. Tecnologia e Desenvolvimento Econômico. In: PELAEZ, Victor;
SZMRECSÁNYI, Tamás (Org.). Economia da Inovação Tecnológica. São Paulo: Editora Hucitec, 2006. p.
367.
9
A promoção do desenvolvimento dependerá portanto, da assimilação das tecnologias e
da garantia de seu acesso aos consumidores finais, conferindo melhoria de qualidade de vida.
Por isso, a adoção de políticas públicas de incentivo aos fluxos tecnológicos e a criação de
mecanismos jurídicos reguladores dos contratos internacionais de transferência, são
estratégias comuns dos governos dentro de um plano de desenvolvimento nacional.
Por um lado, o Estado já não pode mais querer regular a sociedade civil nacional por
meio de seus instrumentos jurídicos tradicionais, dada a crescente redução de seu
poder de intervenção, controle, direção e indução. Por outro lado, ele é obrigado a
compartilhar sua soberania com outras forças que transcendem o nível nacional. [Ao
promulgar as leis, portanto], os Estados nacionais acabam sendo obrigados a levar
em conta o contexto econômico-financeiro internacional, para saber o que podem
regular e quais de suas normas serão efetivamente respeitadas
3
FARIA, José Eduardo (Org.). Direito e globalização econômica: implicações e perspectivas. São Paulo:
Malheiros, 1994. p. 11.
4
A teoria de Posner se encontra sintetizada na seguinte obra: POSNER, Richard A., The economics of Justice.
Cambridge : Harvard University Press, 1983.
10
juízo de valor sobre as possibilidades normativas, extraindo-se sua finalidade, poderá ser
escolhida a mais eficiente. De acordo com Ferraro e Conselvan5:
6
Em português ADPIC (Acordo Relativo aos Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados com
o Comércio), porém a mesmo no Brasil utiliza-se geralmente a sigla TRIPS.
11
Numa sociedade capaz de gerar progresso técnico rápido, nenhuma inovação isolada
é indispensável. Contudo, a razão para isso não é que inovações individuais não têm
importância, mas sim que uma sociedade como essa pode gerar inovações
substitutas. É precisamente a capacidade de gerar várias inovações possíveis que
torna descartável qualquer inovação isolada.
A efetiva transferência de tecnologia pode ser considerada como fruto de dois fatores:
o bom andamento da operação em si e a capacidade tecnológica do país recebedor. Fatores
7
PORCILE, Gabriel; ESTEVES, Luis Alberto; SCATOLIN. Tecnologia e Desenvolvimento Econômico. In:
PELAEZ, Victor; SZMRECSÁNYI, Tamás (Org.). Economia da Inovação Tecnológica. São Paulo: Editora
Hucitec, 2006. p. 367.
8
ROSENBERG, Nathan. Por dentro da caixa-preta: tecnologia e economia. Tradução de José Emílio
Maiorino. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2006. p. 57.
12
estes que recebem influência direta do Direito, desde a regulação dos contratos celebrados à
criação de uma estrutura jurídica sólida, capaz de atrair investimentos estrangeiros ao mesmo
tempo em que possibilita a tutela dos interesses nacionais.9
É importante ainda destacar que o crescimento econômico de um país não pode ser
confundido com seu desenvolvimento. Este último pressupõe que o aumento do produto
nacional seja acompanhado por avanços políticos e sociais. 10 Assim, a transferência de
tecnologia precisa ser entendida como um meio para o desenvolvimento, e que ao difundir
novas técnicas, além de provocar um incremento do fluxo econômico, também crie novos
setores empregatícios, fomente investimentos em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) e
incentive a educação em níveis universitários e básicos.
Tecnologia foi definida de maneira bastante simples pela ONU, em documento inicial
da UNCTAD para o Código Internacional de Conduta em Transferência de Tecnologia (TOT
Code), como sendo “conhecimento sistemático para a produção de um produto, para a
aplicação de um processo ou para a prestação de um serviço.”11 Posteriormente, a própria
UNCTAD reconheceu a deficiência da definição e acrescentou:
9
Ibidem., 401.
10
“O desenvolvimento de um povo deve ser medido por uma comparação interna. O que é relevante para saber
se ele está se desenvolvendo é saber se o bem-estar desse povo hoje é maior do que o seu nível de qualidade de
vida no passado. A realidade de outro povo pode ser utilizada como referência para saber até onde se pode
chegar. CORRÊA, Daniel Rocha. Contratos de Transferência de Tecnologia: fundamentos para o controle
de práticas abusivas e cláusulas restritivas. Belo Horizonte: Movimento Editorial da Faculdade De Direito
da UFMG, 2005. p. 88.
11
Tradução livre de “systematic knowledge for the manufacture of a product, for the application of a process or
for the rendering of a service”. UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT
(UNCTAD). Transfer of Technology – UNCTAD Series on issues in internacional investment agreements.
Genebra, United Nations Publication, Sales nº E.01.II.D.33, 2001b. p. 05.
13
The latter two elements may often prove to be the essential competitive advantage
possessed by the technology owner.12
Daniel Rocha Corrêa, após analisar conceitos de tecnologia elaborados por diversos
autores, bem como o sentido etimológico da palavra13, sintetizou-os da seguinte forma: 14
Assim, para os fins deste trabalho, tecnologia pode ser considerada como todo tipo de
conhecimento aplicável ao processo produtivo. Constitui então um ativo intangível, que pode
ser considerado fator de produção, conjuntamente com o capital, insumos e força de
trabalho.15 Por isso difere-se da ciência, que não tendo finalidade específica, se desenvolve
como acervo de saber comum a toda a humanidade.
A tecnologia, por não se tratar de um bem concreto estático16, mas por estar em
constante modificação pela evolução do conhecimento, possui ainda algumas características
que, variando de grau, constituem fatores determinantes da sua relação com o
desenvolvimento econômico. Giovanni Dosi e Mario Cimoli destacam três características
essenciais: oportunidade, apropriabilidade e cumulatividade. 17
12
“Consequentemente, tecnologia inclui não apenas “conhecimentos ou métodos que são necessários para a
continuidade ou melhoramento da existente produção e distribuição de produtos e serviços” ou ainda para
desenvolver produtos ou processos totalmente novos, mas também “expertise empreendedora e know-how
profissional” (Santikarn, 1981, p. 4). Os últimos dois elementos podem frequentemente se provar como sendo
uma vantagem competitiva essencial possuída pelo dono da tecnologia.” (Tradução nossa). UNCTAD, op. cit.
2001, p. 06.
13
Tecnologia deriva do grego Tekne (técnica) e Logos (palavra, proposição, discurso), sendo então o estudo do
saber fazer. SOBERANIS, Jaime Álvares. La regulación de las invenciones y marcas y de la transferencia
tecnológica, 1979. apud CORRÊA, Daniel Rocha. Op. cit., 2005. p. 25.
14
CORRÊA, Daniel Rocha. Op., cit., 2005. p.31.
15
FURTADO, Gustavo Guedes. Transferência de Tecnologia no Brasil: Uma análise de Condições
Contratuais Restritivas. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2012. p. 27.
16
Insta destacar que a tecnologia constitui bem imaterial, protegido por direito de propriedade industrial, seja
pela concessão de título de patente sobre invenção ou modelo de utilidade, seja pela proteção conferida aos
segredos de empresa. DINIZ, Davi Monteiro. Propriedade industrial e segredo em comércio. Belo
Horizonte: Del Rey. 2003. p.81.
17
CIMOLI, Mario; DOSI, Giovanni. The Characteristics of Technology and the Development Process: Some
Introductory Notes. In: CHATTERJI, Manas (Ed.). Technology Transfer in the Developing Countries.
London: Macmillan Press, 1994. p.53.
14
Oportunidade significa o potencial de inovação oferecido por uma tecnologia, tanto na
sua capacidade de acrescentar qualidade e eficiência ao produto ou à produção, quanto na
facilidade com que a nova técnica tende se aperfeiçoar, se tornando mais avançada a cada
esforço inovativo.
Por fim, a cumulatividade indica o quanto a nova tecnologia permite que a empresa ou
o país continue progredindo tecnicamente, somando conhecimentos e realizando outras
inovações.
18
A tecnologia altamente apropriável não pode ser ensinada ou imitada com facilidade, pois é indissociável do
processo produtivo na qual foi concebida. Para melhor compreensão vide: ALBUQUERQUE, Eduardo Motta.
A apropriabilidade dos frutos do progresso técnico. In: PELAEZ, Victor; SZMRECSÁNYI, Tamás (Org.).
Economia da Inovação Tecnológica. São Paulo: Editora Hucitec, 2006. p. 232. Et. seq.
15
desenvolvida externamente, em seu estado inicial ou maduro, por meio de imitação ou
transferência.19
No entanto, estes conceitos não podem ser vistos de forma separada, por serem
interdependentes. Ao longo do século XX foi travado um grande debate entre economistas
neoclássicos a respeito da interação entre ciência e o desenvolvimento tecnológico. Durante a
Segunda Revolução Industrial, prevalecia o entendimento de que as pesquisas científicas
avançavam de forma autônoma, motivadas pela busca do conhecimento, e eram
posteriormente aplicadas aos processos produtivos (science-pull). Esta teoria foi negada no
Pós-Guerra, por teóricos que argumentavam que as demandas de mercado impulsionavam o
processo inovativo, de modo que a ciência apenas respondia às novas necessidades (demand-
pull). No entanto, as teorias modernas apostam em uma combinação de ambos os sentidos, de
forma que, sendo as pesquisas motivadas pelas demandas atuais, também os avanços
científicos influenciam na configuração do mercado, direcionando o desenvolvimento
tecnológico.20
Nas palavras de Dosi, paradigma tecnológico pode ser entendido como “um modelo e
um padrão de solução de problemas tecnológicos selecionados, baseados em princípios
selecionados das ciências naturais e em selecionadas tecnologias materiais.”25
22
SCHUMPETER, Joseph Alois. Fundamentos do pensamento econômico. Tradução de Edmond Jorge. Rio
de Janeiro: Zahar, 1968.
23
Para saber mais vide ROSENBERG, Nathan. op. cit., 2006. p. 20 a 25.
24
ROSENBERG, Nathan. op. cit. 2006. p.23, 54 e 56.
25
DOSI, Giovanni. Technological paradigms and technological trajectories. Research Policy 11, North-
Holland Publishing Company, 1982. p. 152.
26
CIMOLI, Mario; DOSI, Giovanni. op. cit., 1994. p. 52.
17
Na mesma linha de Dosi, Rosenberg destaca as características de complementariedade
e cumulatividade de pequenas melhorias do decorrer da trajetória tecnológica como essenciais
para compreensão da relação entre tecnologia e desenvolvimento econômico. Uma inovação
dificilmente se desenvolve de forma isolada, necessitando de diversos inventos adicionais
para que possa ser colocada em funcionamento, a exemplo da máquina a vapor que precisou
esperar pelo desenvolvimento de um tipo de aço mais barato para que pudesse ser
implantada.27 As complementariedades geram conexões entre diversos paradigmas, de modo
que, caso durante uma trajetória tecnológica descubra-se que um certo equipamento X precise
ser produzido para a continuidade do pregresso, um novo paradigma surgirá. Já a
cumulatividade ocorre em decorrência dos pequenos melhoramentos acrescidos
constantemente ao processo produtivo, constituindo progresso economicamente significativo,
mesmo sem a presença de grandes inovações revolucionárias.
27
ROSENBERG, Nathan. op. cit., 2006. p. 104.
28
FURTADO, Gustavo Guedes. Transferência de Tecnologia no Brasil: Uma análise de Condições
Contratuais Restritivas. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2012. p. 24.
18
1.2 Transferência de tecnologia como forma de redução da dependência
Quando uma tecnologia reúne estas características em suas nuances mais positivas, a
firma ou país que a controla obtém vantagens em relação aos seus concorrentes que podem ser
de duas naturezas: técnicas de produção mais eficientes ou produtos melhores, por serem mais
novos ou de maior qualidade do que os já existentes.30
29
NELSON and WINTER, 1982. apud CIMOLI, Mario; DOSI, Giovanni. op. cit., 1994. p.55.
30
CIMOLI, Mario; DOSI, Giovanni. op. cit., 1994. p.55.
19
por imitação, que ocorre velozmente, impossibilitando que o detentor originário crie uma
vantagem significativa em relação aos concorrentes.31
Neste diapasão, se encaixa a teoria elaborada pela Cepal (Comissão Econômica das
Nações Unidas para a América Latina) em manifesto original de 1949, que relaciona
desenvolvimento com a lenta e desigual difusão do progresso técnico em nível internacional.
O cerne desta teoria está na separação da economia internacional em dois polos distintos: os
país do centro e os países da periferia. Os primeiros são considerados homogêneos e
diversificados, por possuírem alta produtividade em vários ramos industriais, enquanto os
segundos são heterogêneos e especializados, por terem poucos setores produtivos.33
Esta separação esta diretamente relacionada com a tecnologia e sua difusão. Os países
de centro, por estarem na vanguarda da industrialização, prosseguiram avançando
tecnologicamente, melhorando a eficiência da produção, diversificando seus setores e
exportando produtos altamente competitivos no mercado internacional. Por outro lado, os
países da periferia, atrasados no processo industrial, se especializaram em bens primários. Isto
demonstra que o processo de difusão da tecnologia para a periferia ocorre de forma mais lenta
do que a inovação nos grandes centros, intensificando a lacuna.
Além disso, pode-se afirmar que a difusão também ocorre de forma lenta no interior
das economias dos países da periferia, causando a heterogeneidade entre os diferentes setores.
31
Daí a importância da proteção dos direitos de propriedade industrial conferidos por patentes. A concessão de
um direito exclusivo de exploração impede a difusão da tecnologia por imitação, mantendo do desenvolvedor
da tecnologia em vantagem competitiva.
32
CIMOLI, Mario; DOSI, Giovanni. op. cit., 1994. p.55.
33
PORCILE, Gabriel; ESTEVES, Luis Alberto; SCATOLIN. Tecnologia e Desenvolvimento Econômico. In:
PELAEZ, Victor; SZMRECSÁNYI, Tamás (Org). Op. cit., 2006. p. 367.
20
Enquanto alguns conseguem avançar tecnologicamente, outros permanecem rudimentares e a
demanda interna por produtos industrializados não é suprida. Por este motivo, mesmo em
tempos de crescimento econômico e com alta distribuição de renda, observa-se nestes países
um aumento das importações mais significativo do que o aumento das exportações. 34
A difusão, como mencionado anteriormente, pode ocorrer por diferentes vias, como a
imitação ou a transferência de tecnologia. Enquanto a primeira forma só é possível quanto a
tecnologias pouco apropriáveis e de fácil acesso através de conhecimentos formais, a segunda
34
Idem.
35
ROSENBERG, Nathan. op, cit, 2006. p. 366 e 367.
36
No caso do Brasil, a exportação de soja continua sendo realizada em grande maioria com o produto in natura.
De acordo com estatísticas apresentadas pela Abiove (Associação brasileira das industrias de óleos vegetais),
no período de 2003 a 2014, apesar da produção dos grãos ter crescido significativamente, o mesmo não ocorreu
com os produtos de valor agregado, como o farelo e o óleo, cuja produção cresceu a níveis bem mais modestos.
Isto indica que o país ainda não conseguiu industrializar uns de seus principais bens de exportação. ABIOVE,
Estatística Mensal do Complexo Soja. Novembro de 2014. Disponível em:
<http://www.abiove.org.br/site/index.php?page=estatistica&area=NC0yLTE=> Acesso em: dezembro 2014.
21
permite a difusão de tecnologias protegidas por direitos de propriedade intelectual ou por
segredos de empresa, o chamado know-how.
A transferência de tecnologia, por sua vez, ocorre por cinco mecanismos principais,
conforme enumerado por Raphael Kaplinsky: parcerias constituindo subsidiárias ou joint
ventures, contratos de licenciamento, compra de equipamentos, compra de know-how, e
circulação de recursos humanos.37
37
KAPLINSKY, Raphael. Technology Transfer, Adaptation and Generation. In: CHATTERJI, Manas (Ed.).
Technology Transfer in the Developing Countries. London: Macmillan Press, 1994. p. 20.
38
FREEMAN, Chris; SOETE, Luc. op. cit, ps. 612 e 613.
39
Ibidem, p. 615 et. seq.
22
seriam necessários para que a trajetória tecnológica prosseguisse, mantendo a competitividade
internacional.
Para que a independência seja alcançada, não basta que o país recebedor realize apenas
o uso da tecnologia estrangeira, é preciso que esta seja efetivamente adotada e assimilada,
com vistas a dominá-la e aperfeiçoá-la. 40 O uso é a etapa inicial de um processo de
transferência, mas só haverá real difusão da tecnologia a partir do momento em que a empresa
ou país tiver total domínio da técnica obtida, sendo capaz de prosseguir na trajetória
tecnológica por conta própria e desfrutando dos benefícios de acumulação de melhoramentos
e desenvolvimento de complementos ou componentes. Caso contrário, a tecnologia obtida se
tornará rapidamente obsoleta e o país permanecerá eternamente dependente de novas
transferências.
40
Ibidem, p. 614.
41
Tradução livre de: “the importante factor is that the recipient acquires the capability to manufacture a product
whose quality is comparable to that manufactured by the technology supplier.” HAYDEN, apud HAUG, David
M. The international transfer of technology: lessons that east Europe can learn from the failed third
world experience. Harvard Journal of Law & Technology, V. 5, Spring Issue, 1992. p. 212.
23
investimentos em tecnologia, garantindo circunstâncias ainda mais vantajosas para
investimentos futuros.42
42
CIMOLI, Mario; DOSI, Giovanni. op. cit., 1994. p.58
43
CHANTRAMONKLASRI, Nit. The Devvelopment of Technological anda Managerial Capability in The
Developing Countries. In: CHATTERJI, Manas (Ed.). Technology Transfer in the Developing Countries.
London: Macmillan Press, 1994. p. 37.
44
Ibidem, p. 49.
45
HAUG, David. op. cit, 1992. p. 225.
24
desenvolvimento encontram-se em uma posição frágil, possuindo baixo poder de barganha,
não apenas como decorrência da desvantagem econômica, mas principalmente pela falta de
técnica negocial e administração empresarial adequada.
49
ROCHA, Thiago Gonçalves Paluma. O Nível de Proteção da Propriedade Intelectual Definido Pelo
Acordo TRIPS/OMC e o Direito ao Desenvolvimento. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia,
2011. p. 61.
50
ROCHA, Thiago Gonçalves Paluma. op. cit. 2011. p. 53 – 55.
26
opulência global, o mundo atual nega liberdades elementares a um grande número
de pessoas. 51
Sen considera que o progresso tecnológico pode contribuir de forma contundente para
o incremento das liberdades, porém não de forma isolada, sendo necessários mecanismos que
o complementem. As riquezas geradas são importantes na medida das liberdades que ajudam
a obter, e ainda:
51
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 18
52
Ibidem, p.10.
53
NORTH, apud. AREAS, Patrícia de Oliveira. Medidas Tecnológicas de proteção e desenvolvimento. In:
BARRAL, Welber; PIMENTEL, Luiz Otávio (Org). Propriedade Intelectual e Desenvolvimento,
Florianópolis: Editora Fundação Boiteux, 2007. p. 109.
54
AREAS, Patrícia. op. cit., 2007. p. 111.
27
privados. Finalmente, porque sistemas judiciais ineficientes provocam
consequências econômicas negativas, derivadas da incerteza jurídica e da
incapacidade de garantir o cumprimento de obrigações sociais e privadas.55
Assim, para este autor, a ordem jurídica precisa conjugar certos elementos para que
não constituía um empasse ao desenvolvimento. São eles: “regras claras e previsíveis;
tratamento equitativo dos cidadãos; necessidade de participação democrática; eficiência do
judiciário”. 56
Cabe destacar, que a posição das instituições jurídicas quanto à regulamentação das
atividades econômicas no contexto da globalização é diversa daquela apresentada no período
do Estado de bem-estar social. Pertinente é a crítica feita por José Eduardo Faria às
instituições regulamentadoras atuais:57
O progresso tecnológico por sua vez, conforme indicado por Barral, também possui
papel fundamental para o desenvolvimento dos povos. A melhoria da eficiência da produção e
dos produtos, promove a ampliação dos mercados e a diversificação dos setores internamente,
o que por sua vez contribui para a distribuição de renda. Além disso, o conjunto de políticas
destinadas à promoção do progresso tecnológico, como investimentos em educação e
pesquisa, incrementam a qualificação da mão-de-obra. Especialmente, a construção de
capacidade tecnológica em um país, para possibilitar transferências de tecnologia bem
sucedidas, necessariamente implica em investimentos em diversos setores econômicos e
sociais.
58
PEREIRA DOS SANTOS, Manoel. apud CORRÊA, op. cit. p. 87.
29
59
STRENGER, Irineu. Contratos Internacionais do Comércio. 4ª ed., São Paulo: LRT, 2003., p. 43.
30
execução do contrato. Assim, são levadas em consideração questões políticas, econômicas, de
ciências sociais, comércio exterior e relações internacionais.60
Além disso, quanto aos contratos internacionais, a relação entre Estado e empresas é
muito estreita, de modo que os negócios jurídicos firmados têm repercussões políticas. Este
aspecto político tem relevância fundamental, conforme destaca César Flores62:
Mas um dos fatores mais relevantes não está explícito neste negócio jurídico
internacional – que consiste no interesse político numa relação comercial
internacional – cada vez mais integrada. O Estado soberano, que acolhe as
transnacionais está cada dia mais vinculado a esta estrutura macroeconômica e a
estes instrumentos jurídicos comerciais e de natureza privada.
Notoriamente nos casos dos contratos internacionais, tendo como objeto uma compra e
venda ou transferência de tecnologia, é evidente o interesse do Estado na sua regulação, por
razões de ordem política e econômica, muitas vezes opostas aos interesses das transnacionais,
gerando conflitos.
60
Idem.
61
FLORES, César. Contratos Internacionais De Transferência De Tecnologia: Influência Econômica. Rio
de Janeiro: Lumen Juris., 2003., p. 28 e 29.
62
Ibidem, p. 38.
31
legislativo é notoriamente lento. Como o fator econômico é inerente aos contratos
internacionais, a ausência de normas específicas não pode entravar as relações contratuais,
sob pena de impedir operações comerciais importantes para o país.
63
ARAÚJO, Nádia. Contratos Internacionais: Atonomia da Vontade, Mercosul e Convenções
Internacionais. 4ª ed., Rio de Janeiro: Renovar., 2009., p. 24.
64
FLORES, César. Op. cit., 2003., p. 54.
65
“Artigo 13. Regulará, salvo disposição em contrário, quanto à substância e aos efeitos das obrigações, a lei do
lugar onde foram contraídas.”
66
“Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituirem.”
32
favoráveis à autonomia, como Irineu Strenger, Luís Olavo Baptista e Jacob Dolinger67,
afirmam que a omissão da Lei de Introdução não significa a proibição do princípio como
regra de conexão, e que sendo uma prática amplamente utilizada internacionalmente,
configuraria um sério atraso rejeitá-la.
Assim, embora não haja no país uma aplicação ampla do princípio da autonomia da
vontade, a força econômica dos contratos e as pressões internacionais, fazem com que
inevitavelmente seja concedida cada vez mais liberdade às partes. Notoriamente em relação
aos contratos de transferência de tecnologia, nos quais exige-se que o recebedor ofereça
facilidade e agilidade para contratar como atrativo aos investidores, mecanismos
superprotetivos devem ser evitados. Apesar da herança protecionista brasileira, avanços
importantes foram feitos, como a Lei de Arbitragem de 1996, que permite às partes a opção
pela lei aplicável, e o deslocamento da função reguladora, na seara do Direito Econômico, dos
contratos de transferência de tecnologia do INPI para o CADE, como será abordado no
capítulo seguinte.
67
ARAÚJO, Nádia. Op. cit., 2009., p. 112 et seq.
33
No entanto, justamente em atenção ao sistema econômico, a regulamentação deve ser
moderada, no sentido de garantir o equilíbrio contratual ao mesmo tempo em que não
constitui entrave aos investimentos, evitando ir em desencontro às práticas internacionais.
Neste sentido, o reconhecimento da autonomia da vontade não constitui ameaça aos interesses
nacionais, visto que constitui essencial mecanismo internacional de conexão de ordenamentos
jurídicos que aperfeiçoa os contratos internacionais, e que os filtros estabelecidos pela ordem
pública continuarão a ser aplicados.
Por fim, cabe frisar que pela experiência dos países mais desenvolvidos, especialmente
os Estados Unidos e os da União Europeia, existe uma tendência à valorização da autonomia
da vontade, mesmo em detrimento de preceitos de ordem pública, à medida que o país
intensifica suas relações contratuais internacionais, pois os efeitos observados foram
benéficos.68
68
Sobre o princípio da autonomia da vontade no direito comparado, vide ARAÚJO, Nádia. Op. cit., 2009., p. 55
et seq.
69
FLORES, César. Op. cit., 2003., p. 75.
34
tecnologia, embora seja identificável a existência de comutatividade, esta se encontra
comprometida, devido ao paradigma da informação. Ou seja, geralmente a parte recebedora
não é ciente dos requerimentos necessários para a implantação e desenvolvimento de uma
tecnologia, de modo que permanece parcialmente ignorante sobre as dimensões e as
implicações das obrigações que contraiu e que lhe são devidas.
Ainda, estes contratos são geralmente onerosos, porém não obrigatoriamente. Existem
Organizações Internacionais comprometidas com o desenvolvimento por meio da difusão de
tecnologia, que promovem contratos de transferência gratuitos. Ainda, é possível a ocorrência
de gratuidade por cláusula expressa em caso de contratos entre matrizes e filiais.
A tecnologia a ser transferida deverá ter valor de mercado, se comportando como uma
mercadoria. No entanto, não se pode afirmar que exista um comércio de tecnologia, pois não
70
CORRÊA, Daniel. Op. cit., 2005., p. 99.
35
ocorre modificação na propriedade do bem, apenas uma comunicação. O contratante
fornecedor continua detendo os conhecimentos compartilhados, no caso de transferência de
know-how, e continua titular da técnica patenteada, no caso dos licenciamentos.
César Flores enumera algumas disposições que devem estar inseridas nos contratos de
transferência de tecnologia71:
71
FLORES, César. Op. cit., 2003., p. 83.
72
Ibidem, p. 85.
36
O contrato de transferência de know-how tem como objeto um conhecimento aplicável
“que não é do saber geral”74 não constituído em título de patente. Assim, não há titularidade
de um direito de propriedade industrial, mas sim a posse de um conhecimento secreto que
constitui bem imaterial passível de ser transmitido. O pagamento neste caso geralmente ocorre
mediante valor fixo ou percentual, sendo semelhante à cessão de direitos, pois o cedente se
compromete a não mais utilizar o know-how em competição com a outra parte. Além desta
hipótese de cessão de bem móvel, um contrato de know-how também pode ter natureza
jurídica de contrato de empreitada, no caso de fornecimento de assistência técnica.
73
BARBOSA, Denis Borges. Tipos de Contratos de propriedade industrial e transferência de tecnologia.
Disponível em: <http://www.denisbarbosa.addr.com/paginas/200/propriedade.html>., 2002. Acesso em:
novembro de 2014.
74
FLORES, Nilton Cesar da Silva. Da cláusula de sigilo nos contratos internacionais de transferência de
tecnologia – know-how. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas,
Curso de Pós-Graduação em Direito., 2006., p.57.
75
Ibidem., p. 59.
76
Conforme César Flores: “Logo, a opção pelo segredo de fábrica só se torna atrativo quando a patente do
conhecimento é duvidosa. Também nas invenções patenteáveis que poderão ser facilmente violadas e
dificilmente comprovadas ou nas invenções que apresentam tecnologia de dupla finalidade – militar e pacífica
– cuja ameaça à paz seja significativamente relevante que compense medidas de segurança máxima para a
manutenção de tal segredo.” FLORES, César. Op., cit., 2003., p. 83.
37
Importante ressaltar que os contratos de transferência de tecnologia podem apresentar
formas mistas, tendo como objeto patentes e know-how e combinações de cessões e
licenciamentos. Sendo ainda possível a ocorrência de licenças recíprocas, em caso de
cooperação entre empresas.
77
“Dos vários métodos de transferir tecnologia internacionalmente, licenciamento é o mais versátil. Ele oferece
flexibilidade na escolha da tecnologia e uma oportunidade para a fonte e a instituição recebedora de
negociarem. Acordos de licença de tecnologia também permitem ao licenciante estrangeiro tolher lucros da
transferência de tecnologia sem arriscar o capital em um mercado estrangeiro algumas vezes volátil.”
(Tradução livre para o português) HAUG, David. Op. cit., 1992., p. 214.
78
Idem.
38
assegurando sua compra. 79 Estas particularidades foram inseridas como tentativa de
minimizar a dependência tecnológica muitas vezes derivada de um contrato turn-key
convencional.
79
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Internacional Econômico. Rio de Janeiro: Renovar, 1993., p.
183.
80
FLORES, Nilton César da Silva. Op. cit., 2006., p. 82.
81
Ibidem., p. 83.
39
qualidade da marca. Assim, estarão envolvidos licenciamentos de know-how, serviços de
assistência técnica, cooperação, dentre outros. Mesmo se tratando da mesma sociedade
empresária, com produtos e técnicas idênticas em vários países, existe independência
administrativa e sempre são preservadas características locais para a inserção no mercado, daí
a relevância desta forma de difusão de tecnologia internacionalmente.
Por fim, tem-se os contratos de informática com tecnologia agregada, regidos pela Lei
9609/98 que confere proteção específica ao software. Nestes contratos, além dos componentes
imateriais, como softwares, programas e arquivos, podem estar incluídos componentes
materiais, como as partes de um computador, ou componentes intermediários que também,
agregam tecnologia, como os chips.
82
STRENGER, Irineu. Op. cit., 2003., p. 430.
83
Ato Normativo nº 15, de 11 de setembro de 1975 - Os contratos de transferências de tecnologia e correlatos
são classificados basicamente, quantos ao seu objetivo e para fins de averbação, em cinco categorias: a) de
licença para exploração de patente; b) de licença para uso de marca; c) de fornecimento de tecnologia
industrial; d) de cooperação técnico-industrial e e) de serviços técnicos especializados; (...).
84
Ato normativo nº 135 de 1997: 2. O INPI averbará ou registrará, conforme o caso, os contratos que impliquem
transferência de tecnologia, assim entendidos os de licença de direitos (exploração de patentes ou de uso de
marcas) e os de aquisição de conhecimentos tecnológicos (fornecimento de tecnologia e prestação de serviços
de assistência técnica e científica), e os contratos de franquia.
85
O rol de contratos de transferência de tecnologia estabelecido pelo Ato Normativo 15/1975 foi posteriormente
reduzido, como parte das medidas liberalizantes adotadas no contexto político para estimular a economia
nacional. Porém na prática, as espécies continuaram as mesmas, de modo que atualmente o INPI promove o
registro dos seguintes contratos: cessão ou exploração de patentes; cessão ou uso de marca; fornecimento de
tecnologia; prestação de serviços de assistência técnica; e franquia (embora este último não seja expressamente
classificado como te transferência de tecnologia).
40
Os contratos de transferência de tecnologia podem ser classificados em verticais e
horizontais. Os primeiros envolvem cessões ou licenciamentos que são realizados para que o
recebedor, geralmente não concorrente, utilize a técnica para a produção e comercialização de
um produto. Já os contratos horizontais são resultado de cooperação entre concorrentes,
estabelecendo uma união de forças, como é o caso das joint-ventures.
Finalmente, importa ressaltar mais uma vez que, devido as inúmeras possibilidades
encontradas na prática comercial e empresarial internacional, as espécies contratuais não são
rígidas, existindo grande margem para negociação. Porém, esta negociação deve sempre estar
em consonância com o equilíbrio contratual e com as suas finalidades, qual seja, a
transferência de tecnologia. Por este motivo, práticas abusivas e cláusulas restritivas que
obstam a efetiva transferência devem ser coibidas, sendo necessária a regulamentação estatal
e internacional.
86
Gustavo Guedes cita como exemplo que “detentores de patente frequentemente impõem em licenças
voluntárias restrições às exportações do produto licenciado, e que isto limita a possibilidade do licenciado de
auferir ganhos econômicos provenientes de economia de escala em suas instalações produtivas.” FURTADO,
Gustavo Guedes. Op. cit., 2012., p. 68.
41
abuso, nas palavras de Remiche e Cassier: “C’est l’abus d’une autre liberté, la liberté de
contracter, au détriment de la liberté de concurrence, qui sera combattu.” 87
Uma patente possui limites determinados pela descrição da invenção contida no título,
assim o alcance da proteção está circunscrito ao detalhamento da técnica patenteada,
conforme as exigências da lei. Como consequência disso, algumas práticas podem ser
consideradas ilegais por sua própria natureza, já que visam agregar elementos externos à
patente dentro da esfera do monopólio.
94
FURTADO, Gustavo Guedes. Op. cit., 2012., p. 37 et seq.
44
As cláusulas de exclusividade e pacotes de licença obrigatórias forçam o adquirente a
obter a licença de muitas patentes relativas à mesma tecnologia, normalmente quanto a
componentes e complementos. Muitas vezes contribuem para a imposição de preço abusivo e
ainda levam à aquisição de tecnologias desnecessárias ou inadequadas.
95
TIMM, Luciano Benetti. Op. cit., 2008., p. 38 – 40.
45
mercado relevante da relação contratual e no poder de mercado e poder econômico das
partes.96
Todas estas práticas restritivas e parâmetros de análise apontados pela doutrina norte-
americana serviram como base para a elaboração de documentos internacionais que visavam
assegurar aos estados signatários maior equilíbrio contratual ao estabelecer normas
regulamentadoras para os contratos de transferência de tecnologia, em atenção ao diferente
poder de barganha dos países. É o caso do Código de Conduta de Transferência de Tecnologia
(TOT Code) elaborado pela UNCTAD na década de 1980 e do atual Acordo ADPIC (TRIPS),
cujas disposições serão explanadas mais adiante.
96
O resultado do debate foi a simples reinterpretação da Seção I do Sherman Act, que dispõe: “Todo contrato,
combinação sob a forma de triste ou qualquer outra forma ou conspiração em restrição do intercâmbio ou
comércio entre os Estados, ou com nações estrangeiras, é declarado ilícito pela presente lei.” (Tradução livre
de: “Every contract, combination in the form of trust or otherwise, or conspiracy in restrain of trade or
commerce among several States or with foreing nations, is hereby declared to be illegal.”). Tal dispositivo
poderia levar a interpretação demasiadamente ampla, no entanto, sob a regra da razão entendeu-se
jurisprudencialmente que: “os termos do Sherman Act foram interpretados judicialmente no sentido de, tão
somente, avarcar as restrições previstas que, desarrazoadamente, restringissem os negócios” (Tradução livre de:
“ the words of Sherman Act were judicially interpreted to cover only those restrains which unreasonable
restrain trade.”). In: TIMM, Luciano Benetti. Op., cit., 2008., p. 39.
46
dispõe que: “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos
mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.”
97
WADA, Ricardo Morishita. A defesa da concorrência e sua relação com a defesa do consumidor –
algumas proposições reflexivas. Revista de Direito Econômico, nº 30, Brasília, 1999.
98
A função social, ao tempo de sua inserção no ordenamento brasileiro, foi inicialmente concebida pela doutrina
e jurisprudência segundo um modelo solidarista. Conforme Luciano Timm: “Nesse modelo “solidarista”,
portanto, a função social do contrato significaria corrigir o desequilíbrio de poder no espaço do contrato e
distribuir o resultado econômico do relacionamento entre as partes para corrigir a desigualdade social, não
importando, genericamente falando, os reflexos no sistema econômicoEm uma análise econômica, esse
raciocínio não faz sentido, especialmente se se tiver em conta que o Direito e especificamente o contrato tem
como ambiente um sistema econômico de mercado”. TIMM, Luciano Benetti. Direito, economia e a função
social do contrato: em busca dos verdadeiros interesses coletivos protegíveis no mercado de crédito. Revista de
Direito Bancário e do Mercado de Capitais. , v.33, p.15 - 31, 2006.
47
99
Vide item 2.2.
100
Sobre capacidade tecnológica vide item 2.2.
101
A UCTAD, em relatório de 1991, destacou a importância do avanço tecnológico para o desenvolvimento e
indicou os caminhos a serem seguidos pelos países no contexto econômico da época para que se beneficiassem
efetivamente de transferências de tecnologia: “Some broad conclusions emerge from this analysis. In some
applications, the new technologies could, with adequate diffusion and adaptation, help countries to leapfrog
certain stages of the industrial development process. They can contribute significantly to improving
productivity and sustainability of resources in such areas as agricultural production, manufacturing,
renewable energy generation and pollution control. More generally they should assist in translating into
purposeful action the growing concern with environmentally sound and sustainable development. To take
advantage of these possibilities, developing countries would have to give greater attention to human resource
development, and to policies fostering the development, adoption and adaptation of technology. Such efforts
would call for increased external assistance in research and development and in the strengthening of scientific
and technological institutions. They would also call for increased technology flows, through foreign direct
investment, imports of machinery and equipment, and licensing of patents. Improved access to technology on
concessional terms, including new and advanced technology of critical importance to development, is vital.”
“Algumas amplas conclusões emergem desta análise. Em algumas aplicações, as novas tecnologias poderiam,
com adequada difusão e adaptação, ajudar países a superar alguns estágios do processo de desenvolvimento
industrial. Ela podem contribuir significativamente para melhorar a produtividade e a sustentabilidade de
recursos em áreas como a produção agrícola, manufatura, geração de energia renovável e controle de poluição.
Mais genericamente, elas podem assistir na tradução da crescente preocupação com o desenvolvimento
sustentável e ambientalmente saudável em ações propositais. Para se beneficiarem destas possibilidades, os
países em desenvolvimento teriam de dar maior atenção ao desenvolvimento de recursos humanos e a políticas
48
No entanto, principalmente a partir da década de 1950, a falta de desenvolvimento
tecnológico dos países menos desenvolvidos encontrava-se a níveis críticos, de modo que as
desigualdades entre centro e periferia limitavam a economia destes países à produção de bens
primários, impossibilitando a diversificação dos setores.102 Isto levou muitos governos à
suspenderem medidas protecionistas, estimulando investimentos estrangeiros, como forma de
obterem tecnologia rapidamente e se modernizarem. Mas devido à falta de capacidade
tecnológica e ao baixo poder de barganha apresentados pelos recebedores, a maioria dos
contratos de transferência continham cláusulas restritivas e desvantajosas. Além disso, as
transacionais exportavam técnicas defasadas ou inapropriadas à realidade dos mercados dos
países da periferia, o que, aliado à falta de informação dos negociantes, acabou provocando
uma espécie de “colonialismo tecnológico”.103
fomentando o desenvolvimento, adoção e adaptação de tecnologia. Tais esforços requisitariam crescente
assistência externa em pesquisa e desenvolvimento e no fortalecimento de instituições científicas e
tecnológicas. Também demandariam fluxos de tecnologia crescentes, através de investimentos estrangeiros
direitos, importações de maquinário e equipamento, e licenciamento de patentes. A melhoria do acesso à
tecnologia em termos concessionais, incluindo tecnologias novas e avançadas e de importância crítica para o
desenvolvimento, é vital.” (Tradução nossa). UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND
DEVELOPMENT., Accelerating the Development Process: Challenges for national and international policies
in the 1990’s. Eighth session of the Conference. New York: UNITED NATIONS, 1991., p. 6.
102
De acordo com a teoria da Cepal de 1949. In: PORCILE, Gabriel; ESTEVES, Luis Alberto; SCATOLIN.
Tecnologia e Desenvolvimento Econômico. In: PELAEZ, Victor; SZMRECSÁNYI, Tamás (Org) Op. cit., p.
367.
103
HAUG, David. Op. cit., 1992., p. 218.
104
O estudo do desenvolvimento como um direito surgiu após a Segunda Guerra Mundial, baseado na Teoria da
Modernização de Walt Whitman Rostow, pela qual os países de Terceiro Mundo deveriam seguir o exemplo do
Primeiro Mundo, copiando suas instituições e modelos de desenvolvimento. In: DAVIS, Kevin
E. and TREBILCOCK, Michael J.. A relação entre direito e desenvolvimento: otimistas versus céticos.
Rev. direito GV [online]. 2009, vol.5, n.1, pp. 222..
49
3.1 A regulamentação internacional: Acordo TRIPS
105
Dentre os objetivos do documento estão: “b – A mais ampla cooperação de todos os Estados membros da
comunidade internacional, baseada na equidade, por meio da qual as disparidades prevalentes no mundo
possam ser banidas e a prosperidade assegurada a todos; [...] p – Dar aos países em desenvolvimento acesso aos
avanços da ciência moderna e tecnologia para o benefício dos países em desenvolvimento, nas formas e em
consonância com os procedimentos que são adequados às suas economias; [...]. ( Tradução livre de: “b - The
broadest co-operation of all the States members of the international community, based on equity, whereby the
prevailing disparities in the world may be banished and prosperity secured for all; [...] p - Giving to the
developing countries access to the achievements of modern science and technology, and promoting the transfer
of technology and the creation of indigenous technology for the benefit of the developing countries in forms
and in accordance with procedures which are suited to their economies [...].”). In: UNITED NATIONS. 3201
(S-VI). Declaration on the Establishment of a New International Economic Order. General Assembly,
1974.
106
HAUG, David. Op., cit., 1992., p. 219.
107
Ibidem., p. 220.
50
elaboração do Código Internacional de Conduta em Transferência de Tecnologia (TOT Code).
A ideia embrionária para a criação de um código de conduta surgiu ainda no âmbito da NOEI,
porém com um alvo mais específico. O objetivo central era a identificação de cláusulas
restritivas a serem combatidas, tendo como inspiração os “Nine No-No’s”108 do direito norte-
americano.109
108
A Divisão Antitruste do Departamento de Justiça dos Estados Unidos identificou na década de 1970 nove
práticas a serem vedadas em contratos de licenciamento de propriedade industrial, por serem consideradas
abusivas e anticoncorrenciais. Estas disposições contratuais ficaram conhecidas como “Nine No-No’s”. Vide
item 2.3.
109
ZUIJDWIJK, Tom J. M. The UNCTAD Code of Conduct on the Transfer of Technology. McGill Law
Journal. Vol. 24:4, 1978., p. 564 et. seq.
110
BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris., 2ª ed.,
2003., p. 139 et. seq.
111
Um exemplo disto seria a hipótese de “uma matriz ordenar a extração da matéria prima de determinado país,
remunerando-a a preços antieconômicos, para processá-la e vendê-la com imensos lucros em outro país (...)”.
BARBOSA, Denis. TRIPs e as Cláusulas abusivas em Contratos de tecnologia e Propriedade industrial.
Disponível em: <http://www.denisbarbosa.addr.com/paginas/200/propriedade.html>., 2002., p. 3. Acesso em:
novembro de 2014.
51
cujos sistemas jurídicos são em maioria amparados na soberania do interesse público sobre o
privado, tais práticas são abusivas, constituindo abuso de poder de controle.
112
HAUG, David. Op. cit., 1992., p. 222
52
tecnologias antiquadas ou inadequadas ao mercado local, pois o processo de adaptação às
particularidades locais apresentavam baixo custo-benefício.113
113
Ibidem., p. 223 – 224.
114
UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT., Accelerating the
Development Process: Challenges for national and international policies in the 1990’s. Eighth session of the
Conference. New York: UNITED NATIONS, 1991., p. 21 – 23.
115
“Proteção reforçada dos direitos de propriedade intelectual foi exigida dos países em desenvolvimento por
seus parceiros comerciais como um maior incentivo aos investimentos estrangeiros e, mais genericamente, para
a transferência de tecnologia. Tal proteção pode ser condição necessária para a transferência de tecnologia
associada com produtos e processos patenteados. Ainda a maioria das patentes registradas em países em
desenvolvimento são inexploradas em termos de direcionamento à produção doméstica. Além do mais,
proteção intelectual reforçada não irá por si só compensar a falta de pessoal treinado, de equipamento e de
infraestrutura geral, e da proximidade a países protagonistas em pesquisa, que são fatores chaves para a
alocação de recursos em P & D. Tampouco irá realmente ocorrer transferência de tecnologia, a menos que
outras condições sejam atendidas, incluindo, por exemplo, tamanho adequado do mercado e expectativa de
crescimento e habilidade competitiva de licenças potenciais. Essas considerações sugerem que o reforço dos
direitos de propriedade intelectual de forma isolada, improvavelmente será suficiente para induzir
transferências adicionais de tecnologia para países em desenvolvimento; pelo contrário, poderia levar a custos
mais elevados em produtos importados e a um uso mais frequente de cláusulas restritivas em contratos de
tecnologia cobertos por tal proteção.” (Tradução nossa). UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE
AND DEVELOPMENT., Accelerating the Development Process: Challenges for national and international
policies in the 1990’s. Eighth session of the Conference. New York: UNITED NATIONS, 1991., p. 66.
53
infrastructure, and of proximity to major research countries that are key factors in
the location of R & D facilities. Nor will technology transfer actually occur, unless
other conditions are met, including for example adequate market size and expected
growth and the competitive ability of potential licensees. These considerations
suggest that the reinforcement of intellectual property rights protection alone is
unlikely to be sufficient to induce additional transfer of technology to developing
countries; rather it could lead to higher costs of imported products and a more
frequent use of restrictive clauses in technology contracts covered by such
protection.
116
“A OMPI (Organização Mundial de Propriedade Intelectual) foi criada em 1970 e integra o quadro da ONU
desde 1974, sendo considerada por esta como instituição especializada. Sua missão básica é promover a
proteção da propriedade intelectual mundialmente, através da cooperação entre Estados, inclusiva
administrativa, como com outras organizações internacionais”. KEMMELMEIER, Carolina Spack e
SAKAMOTO, Priscila. Transferência de tecnologia e as organizações multilaterais. In: BARRAL, Welber;
PIMENTEL, Luiz Otávio. Propriedade Intelectual e Desenvolvimento, Florianópolis: Editora Fundação
Boiteux, 2007. p. 138. Por ser uma organização de caráter técnico, não existem mecanismos de verificação do
adimplemento dos deveres impostos aos Estados ou de solução de controvérsias. Deficiências essas que
tornaram a regulamentação proposta insuficiente. Para saber mais vide: BASSO, Maristela. O Direito
Internacional da Propriedade Intelectual. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2000., p. 129 et seq.
117
BASSO, Maristela. Op. cit., 2000., p. 164 e 165.
118
Idem.
54
atendendo às suas demandas econômicas e sociais, mais importantes do que o incentivo
representado pelo reforço dos direitos de propriedade intelectual.
Por sua vez, o artigo 8º dispõe sobre os princípios do Acordo. É fixado que os Estados,
sempre dentro dos limites do TRIPS, podem adotar as medidas que considerarem necessárias
ao atendimento de seu interesse nacional, no sentindo da promoção do desenvolvimento
socioeconômico. Assim sendo, é encorajada a regulamentação interna dos contratos de
119
Em português ADPIC (Acordo Relativo aos Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados
com o Comércio), porém a mesmo no Brasil utiliza-se geralmente a sigla TRIPS.
120
BARBOSA, Denis. TRIPs e as Cláusulas abusivas em Contratos de tecnologia e Propriedade industrial.
Op., cit. 2002. p. 5.
121
Documento oficial disponível em: < http://www.wto.int/english/docs_e/legal_e/legal_e.htm#TRIPs >.
55
transferência de tecnologia para coibir práticas restritivas e abuso dos direitos de propriedade
intelectual.122
Art. 40
122
BASTO, Maristela. Op., cit., 2000., p. 168.
123
Ibidem., p. 176.
124
“Ainda sobre as disposições doas arts. 65 e 66 do TRIPS cumpre ressaltar que o prazo para adequação das
legislações dos países em desenvolvimento terminou em 31 de dezembro de 1999. Já para os países com menor
desenvolvimento relativo o prazo terminaria em 31 de dezembro de 1995. No entanto, para estes membros
houve uma prorrogação para 1º de Julho de 2013, existindo a possibilidade de nova extensão. Além disso, no
que se refere às patentes de medicamentos, estes países têm 1º de janeiro de 2016 como data inicial para
conferir proteção jurídica.” ROCHA, Thiago Gonçalves Paluma. Op. cit. 2011. p. 22 et 39.
56
Analisando-se tal norma, é possível concluir que os critérios regulamentadores eleitos
pelo TRIPS para os contratos envolvendo transferência de tecnologia, são compatíveis com
aqueles apontados pela doutrina norte-americana, ou seja, será condenável a cláusula que
efetivamente causar prejuízo à livre concorrência. Inclusive, o parâmetro de razoabilidade
escolhido é a regra da razão, por meio da observação do poder econômico das partes e da
influência da cláusula sobre o mercado relevante.
A referida autora ainda ressalta que não há definição de mercado relevante, deste
modo sua delimitação fica a critério dos Estados. Esta é uma importante abertura do TRIPS,
pois permite que a lesão à livre concorrência seja medida em relação a um grupo maior ou
menor de produtos e consumidores.126
125
BASSO, Maristela. Op., cit. 2000., p. 249.
126
Nos Estados Unidos: “mercado relevante inclui os produtos aos quais o consumidor recorreria, se o preço do
produto patenteado fosse anormalmente elevado.” Idem.
127
“Art. 8º: 1- Os Membros, ao formular ou emendar suas leis e regulamentos, podem adotar medidas
necessárias para proteger a saúde e nutrição públicas e para promover o interesse público em setores de
importância vital para o seu desenvolvimento socioeconômico e tecnológico, desde que estas medidas sejam
compatíveis com o disposto neste Acordo. 2 – Desde que compatíveis com o disposto neste Acordo, poderão
ser necessárias medidas apropriadas para evitar abuso dos direitos de propriedade intelectual por seus titulares
ou para evitar o recurso a práticas que limitem de maneira injustificável o comércio ou que afetem
adversamente a transferência internacional de tecnologia.” (Grifos nossos).
57
as legislações internas dos países menos desenvolvidos adotem padrões próprios mais
detalhados em defesa do interesse público.128
128
BARBOSA, Denis. TRIPs e as Cláusulas abusivas em Contratos de tecnologia e Propriedade industrial.
Op., cit. 2002. p. 8.
129
“40.3 — Cada Membro aceitará participar de consultas quando solicitado por qualquer outro Membro que
tenha motivo para acreditar que um titular de direitos de propriedade intelectual, que seja nacional ou
domiciliado no Membro ao qual o pedido de consultas tenha sido dirigido, esteja adotando práticas relativas à
matéria da presente Seção, em violação às leis e regulamentos do Membro que solicitou as consultas e que
deseja assegurar o cumprimento dessa legislação, sem prejuízo de qualquer ação legal e da plena liberdade de
uma decisão final por um ou outro Membro. O Membro ao qual tenha sido dirigida a solicitação dispensará
consideração plena e receptiva às consultas com o Membro solicitante, propiciará adequada oportunidade para
sua realização e cooperará mediante o fornecimento de informações não confidenciais, publicamente
disponíveis, que sejam de relevância para o assunto em questão, e de outras informações de que disponha o
Membro, sujeito à sua legislação interna e à conclusão de acordos mutuamente satisfatórios relativos à
salvaguarda do seu caráter confidencial pelo Membro solicitante.
40.4 — Um membro, cujos nacionais ou pessoas nele domiciliadas estejam sujeitas a ações judiciais em outro
Membro, relativas a alegada violação de leis e regulamentos desse outro Membro em matéria objeto desta
Seção, terá oportunidade, caso assim o solicite, para efetuar consulta nas mesmas condições previstas no
parágrafo 3.”
130
BASSO, Maristela. Op. cit., 2000., p. 251.
131
“66.2 — Os países desenvolvidos Membros concederão incentivos a empresas e instituições de seus
territórios com o objetivo de promover e estimular a transferência de tecnologia aos países de menor
desenvolvimento relativo Membros, a fim de habilitá-los a estabelecer uma base tecnológica sólida e viável.”
58
necessários para a assimilação da tecnologia, além das condições contratuais e da capacidade
tecnológica. Conforme exposto no item 2.2 do presente trabalho, uma tecnologia poderá ser
transferida em diferentes estágios de sua trajetória, desde a concepção da primeira inovação
(início do paradigma tecnológico) até o produto final da acumulação de melhoramentos
(technological frontier).132 Foi ainda demonstrado que, a obtenção de uma tecnologia recém
concebida, além de custos mais baixos, estimula a pesquisa, produção científica e a
construção de capacidade tecnológica no interior das firmas, sendo mais vantajosa para o
desenvolvimento de tecnologia de forma autônoma no futuro. Apesar do compromisso
firmado com a transferência de tecnologia, ainda em estágios de pesquisa, e não apenas o
produto final, infelizmente a norma não possui aplicabilidade.133
Assim, preocupados com a aplicação das flexibilidades previstas pelo Acordo, estes
países levaram a discussão à Rodada Doha, que em novembro de 2001 adotou a Declaração
de Doha sobre o Acordo TRIPS e a Saúde Pública. Esta declaração reconheceu a validade de
132
Sobre a evolução de um paradigma tecnológico vide: DOSI, Giovanni. Op., cit. 1982., p. 152. Para saber mais
sobre as fases percorridas por um produto tecnológico no mercado vide: FREEMAN, Chris; SOETE, Luc. op.
cit, ps. 612 e 613
133
ROCHA, Thiago Gonçalves Paluma. Op. cit. 2011. p. 74.
134
DINIZ, Davi Monteiro. Propriedade industrial e segredo em comércio. Belo Horizonte: Del Rey.
2003.,p.79.
135
ROCHA, Thiago Gonçalves Paluma. Op. cit. 2011. p. 38.
59
políticas destinadas ao atendimento da saúde pública por meio do acesso generalizado a
medicamentos. Foi reforçada a autorização do TRIPS às licenças compulsórias, à
possibilidade de ampliação dos requisitos de patenteabilidade e à mecanismos de importação
paralela de medicamentos.136
136
OLIVEIRA, Daniela Rodrigues. As flexibilidades do Acordo TRIPS na nova dinâmica comercial
internacional. Brasília: Boletim Científico ESMPU, a. 11. 2011. p. 11-33.
137
Ibidem., p. 41.
138
“Para um negociador internacional, o que importa é o impacto de um regime proposto sobre seu país. O
negociador valoriza a renda nacional obtida por meio de propriedade intelectual e não se preocupa com os
efeitos de nenhuma política sobre os consumidores estrangeiros. Deste modo, o objetivo é capturar lucro fora
do país enquanto os pagamentos dos consumidores locais aos inovadores estrangeiros são minimizados. Em
contraste, negociadores de países importadores de conhecimento desejam minimizar pagamentos por
propriedade intelectual e não tem consideração com os interesses dos produtores estrangeiros de produtos
tecnológicos.” (Tradução livre). GERHART, Peter M. The Tragedy of TRIPS. Faculty Publications. 2007,
Paper 157, p. 155. Disponível em: < http://scholarlycommons.law.case.edu/faculty_publications/157> Acesso
em: novembro 2014.
60
O principal argumento dos países desenvolvidos, baseado na doutrina norte-
americana, para os altos níveis de proteção da propriedade intelectual é a concessão de
incentivos aos inovadores. Sem remuneração adequada as empresas comprometidas com P&D
são desestimuladas, e além de reduzirem os investimentos internos com produção de
tecnologia, também desistem de transferi-las a outros países.
É possível concluir que apesar das críticas, o Acordo TRIPS alcançou um nível
razoável de proteção da propriedade intelectual e forneceu bases interessantes para a
regulamentação da transferência de tecnologia, em se considerando o atual cenário da
globalização e da divisão internacional do comércio. A preocupação expressa com políticas
139
PIMENTEL, Luiz Otávio; BARRAL, Welber. Direito de Propriedade Intelectual e Desenvolvimento. In:
BARRAL, Welber; PIMENTEL, Luiz Otávio (Org). Op., cit., 2007. p. 26.
140
No século XIX a concessão de direitos elevados em títulos de patentes às recentes gerações de inventores
desencorajou as taxas de inovação nos EUA. Como a evidência do caso de Elias Howe, que possuindo ampla
proteção em virtude de melhoramentos sobre máquinas de costura, preferiu utilizar seus direitos para processar
competidores, ao invés de comercializar seu produto. Para saber mais: MOSER, Petra. Patents and
Innovation: evidence from economic history. Stanford Law and Economics Olin Working Paper No. 437.
2012. Disponível em SSRN:< http://ssrn.com/abstract=2180847 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2180847>
Acesso em: outubro de 2014.
141
Para melhor compreensão da relação entre estes conceitos vide item 2.1.
142
MOSER, Petra. Op. cit., 2012. p. 19.
61
concorrenciais, permitindo e incentivando medidas como as licenças compulsórias em casos
de abusos, confere uma importante limitação ao poder de mercado alcançado por meio dos
direitos de propriedade industrial.
143
HOLMES, Peter. Trade and competition policy at the WTO: issues for developing countries. In: COOK, Paul
et. al. (Ed.) Leading Issues inCompettion Regulation and Development. Cheltenham UK: Edward Elgar.
2004. p. 121.
62
Estrangeiros Diretos (IED)144 e licenças de patentes concedidas por multinacionais, de suas
matrizes às suas subsidiárias integrais. 145
Para promover o controle sobre a propriedade intelectual, com vistas à sua importância
econômica e social, foi criado o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual por força da Lei
nº. 5.648 de 11 de dezembro de 1970. Dentre suas atividades, a autarquia deveria exercer
controle sobre os contratos envolvendo transferência de tecnologia, apreciando e avaliando as
transações, inclusive com poderes para modificar ou vedar cláusulas contratuais.147
144
São os investimentos realizados pelas transnacionais através da instalação de subsidiárias integralmente
controladas no estrangeiro. HAUG, David. Op. cit.1992 p. 213.
145
TIMM, Luciano Benetti. OP., cit., 2008. p. 14.
146
Ibidem. p. 15.
147
Lei nº. 5.648 de 11 de dezembro de 1970, art 2º: O Instituto tem por finalidade principal executar, no âmbito
nacional, as normas que regulam a propriedade industrial tendo em vista a sua função social, econômica,
jurídica e técnica. Parágrafo único: Sem prejuízo de outras atribuições que lhe forem cometidas, o Instituto
adotará, com vistas ao desenvolvimento econômico do País, medidas capazes de acelerar e regular a
transferência de técnologia e de estabelecer melhores condições de negociação e utilização de patentes,
cabendo-lhe ainda pronunciar-se quanto à conveniência da assinatura ratificação ou denúncia de convenções,
tratados, convênio e acôrdos sôbre propriedade industrial.
148
Lei nº 5772/71, art. 126. Ficam sujeitos à averbação no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, para os
efeitos do artigo 2º, parágrafo único, da Lei n. 5.648, de 11 de dezembro de 1970, os atos ou contratos que
impliquem em transferência de tecnologia.
149
Decreto nº 68.104/71, art 3º Ao INPI, sem prejuízo de outras atribuições que lhe forem cometidas, tendo em
vista o desenvolvimento econômico do pais, compete: I - Adotar medidas capazes de acelerar e regular a
transferência de ciência e de tecnologia bem como estabelecer melhores condições de negociação e utilização
de patentes; II - Pronunciar-se quanto à conveniência de assinatura, ratificação ou denúncia de convenções,
tratados, convênios e acôrdos sôbre propriedade industrial; III - Criar melhores condições de absorção,
adaptação ou desenvolvimento de ciência ou tecnologia, através do pleno aproveitamento das informações
acumuladas e de ampla divulgação nos setores industriais ou de pesquisa.
63
inclusive classificando suas espécies e enumerando as cláusulas e as cláusulas restritivas a
serem vedadas. Estas últimas eram sustentadas pela teoria do abuso de poder econômico e de
modo geral, eram proibidas as cláusulas que limitassem preço, venda, produção,
comercialização ou implicassem em controle de mercado.150
Ainda por força do Ato Normativo nº 15, o INPI estava legitimado a realizar uma
análise econômica dos contratos, determinando a viabilidade da importação de uma
tecnologia. Também poderia proibir a transferência, caso julgasse que o receber seria capaz de
produzir a mesma técnica nacionalmente.151
150
BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução... Op. cit., 2003. p. 979 – 980.
151
TIMM, Luciano Benetti. OP., cit., 2008. p. 27.
152
KINGSTONE, Peter R. Sobering Up and Going Global: Brazil’s Progress from Populism and Protectionism.
Law & Business Review of the Americas. 15, 2009. p. 105-126.
153
METCALFE, J. S.; ROMLOGAN, R.; e UYARRA, E., Competiton, Innovation and Economic Development:
The Institued Connection. In: COOK, Paul et. al. (Ed.). Op., cit., 2004. p. 85.
154
(Tradução livre de: “The concern among these BNDES economists was that the Brazilian economy was
falling behind the rest of the world technologically. In their view, the economy was divided between competitive
and modern sectors on the one hand and backwards and uncompetitive sectors on the other. The competitive
and modern sectors were losing ground in the global economy because of the state’s disorder and the resulting
loss of investment capacity. The uncompetitive sectors, while not aware of their backwardness, were important
because this group’s noncompetitiveness was a drag on economic growth. The solution, in the economists’
64
A preocupação dos economistas do BNDES era que a economia brasileira estava
ficando para trás do restante do mundo tecnologicamente. Na visão deles, a
economia estava divida entre setores modernos e competitivos de um lado, e setores
defasados não competitivos do outro. Os setores modernos e competitivos estavam
perdendo espaço na economia global, devido à desordem do estado e à resultante
perda de capacidade de investimentos. Os setores não competitivos, ainda que
inconscientes de sua defasagem, possuíam importância, pois sua falta de
competitividade representava um entrave ao crescimento econômico. A solução, na
visão dos economistas, era o afastamento do modelo de substituição de importação e
a busca por maior integração com a economia global. O objetivo desta estratégia de
“integração competitiva” era fechar a lacuna entre setores modernos e defasados e
aumentar a competitividade geral da economia brasileira.
Para adequar-se aos padrões previstos pelo Acordo, foi necessária a revisão da
legislação de propriedade intelectual, bem como a aprovação de novas leis sobre a matéria
que, de modo geral, atenderam aos standards mínimos exigidos.156
view, was to turn away from import-substitution-industrialization and instead seek greater integration with the
global economy—but on Brazil’s terms. The strategic objective of this “competitive integration” was to close
the gap between the modern and backwards sectors and increase the overall competitiveness of the Brazilian
economy.”). KINGSTONE, Peter R. Op. cit. p. 108.
155
Ato Normativo 120/93, art. 4: “No processo de averbação de que trata este Ato Normativo, o INPI limitará
sua análise à verificação da situação das marcas e patentes licenciadas, para cumprimento dos dispositivos dos
artigos 30 e 90 (e seus parágrafos) do Código da Propriedade Industrial, bem como à informação quanto aos
limites aplicáveis - de acordo com a legislação fiscal e cambial vigente - de dedutibilidade fiscal para fins de
apuração de Imposto de Renda, e de remissibilidade em moeda estrangeira, dos pagamentos contratuais.”
156
BASSO, Maristela. Op. cit., 2000. p. 285.
65
Com a nova legislação, o controle das cláusulas restritivas passou a ser fundamentado
pela defesa da livre concorrência, em conformidade com os padrões estabelecidos pelo artigo
40 do TRIPS. Por este motivo, os parâmetros de análise foram inseridos na Lei Antitruste, e a
regulamentação dos contratos de transferência de tecnologia deslocou-se do INPI para o
CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), conforme o artigo. 54 da referida
lei.
Vale destacar que a Lei 8.884/94 foi revogada pela atual Lei 12.529/2011. No diploma
contemporâneo os atos que implicam em dominação de mercado e que devem ser notificados
ao CADE estão definidos no artigo 88 , §5º, e os critérios de razoabilidade para a autorização
157
“Art. 54. Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a
livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser
submetidos à apreciação do CADE.
§ 1º O CADE poderá autorizar os atos a que se refere o caput, desde que atendam as seguintes condições:
I - tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente:
a) aumentar a produtividade;
b) melhorar a qualidade de bens ou serviço; ou
c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico;
II - os benefícios decorrentes sejam distribuídos eqüitativamente entre os seus participantes, de um lado, e
os consumidores ou usuários finais, de outro;
III - não impliquem eliminação da concorrência de parte substancial de mercado relevante de bens e
serviços;
IV - sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os objetivos visados.
§ 2º Também poderão ser considerados legítimos os atos previstos neste artigo, desde que atendidas pelo
menos três das condições previstas nos incisos do parágrafo anterior, quando necessários por motivo
preponderantes da economia nacional e do bem comum, e desde que não impliquem prejuízo ao consumidor ou
usuário final.”
158
Este critério de razoabilidade também é compatível com ordenamento brasileiro conforme a teoria do abuso
de direito. Não haveria abuso de direito caso a prática conferisse benefícios econômicos e sociais, em
atendimento ao interesse público.
66
destas práticas estão previstos do §6º.159 De modo geral os padrões para os contratos de
transferência de tecnologia permaneceram os mesmos, restando dúvidas apenas em relação ao
disposto no artigo 90. Este dispositivo enumera de forma objetiva os atos que per si implicam
em concentração de poder de mercado e que devem obrigatoriamente ser notificados ao
CADE. O inciso IV determina que há concentração quando “2 (duas) ou mais empresas
celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture”. Assim, transferências de
tecnologia em contratos horizontais destas espécies obrigatoriamente devem ser submetidos a
avaliação. Porém doutrina e jurisprudência não entraram em consenso a respeito do que
significaria “contratos associativos”, e se abrangeriam qualquer forma de contrato de
transferência de tecnologia.160
Além disso, o Brasil também abriu mão do prazo de carência especial concedido pelo
Acordo aos países em desenvolvimento. Pelo artigo 65.2 o Brasil teria direito a quatro anos
para se adequar aos novos padrões, mas a legislação brasileira foi alterada apenas um ano e
meio após a entrada em vigor do TRIPS.
159 o
§ 5 Serão proibidos os atos de concentração que impliquem eliminação da concorrência em parte substancial
de mercado relevante, que possam criar ou reforçar uma posição dominante ou que possam resultar na
dominação de mercado relevante de bens ou serviços, ressalvado o disposto no § 6o deste artigo.
§ 6o Os atos a que se refere o § 5o deste artigo poderão ser autorizados, desde que sejam observados os limites
estritamente necessários para atingir os seguintes objetivos:
I - cumulada ou alternativamente:
a) aumentar a produtividade ou a competitividade;
b) melhorar a qualidade de bens ou serviços; ou
c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico; e
II - sejam repassados aos consumidores parte relevante dos benefícios decorrentes.
160
Para saber mais sobre as implicações da nova lei, vide: RAMOS, André Luiz Santa Cruz Ramos. A nova lei
antitruste brasileira: uma agressão à livre concorrência. Disponível em:
<http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1319> Acesso em: dezembro 2014. BARRIOS, Lucas. O contrato
internacional de transferência de tecnologia e o Direito da Concorrência no Brasil: análise à luz da
recente jurisprudência do Cade. Revista de Defesa da Concorrência., 2004, 4. p. 117-143.
161
BARBOSA, Denis Borges. Trips e a Experiência Brasileira. Disponível em
<http://www.denisbarbosa.addr.com/trips2004.doc>. Acesso em: novembro de 2014.
67
Isto demonstra que o país não se aproveitou das brechas concedidas pelo Acordo. As
disposições que conferiam flexibilidade possuíam o objetivo de viabilizar a ordem
internacional visada pela OMC sem comprometer o desenvolvimento dos países. Estes
mecanismos de adequação foram inseridos justamente a partir da compreensão de que padrões
elevados de proteção da propriedade intelectual podem diminuir a competitividade de países
menos desenvolvidos tecnologicamente, mesmo diante de um aumento dos investimentos
estrangeiros. O Brasil acabou cedendo às pressões norte-americanas e restou evidenciada a
falta de planejamento político e econômico.162
162
ROCHA, Thiago Gonçalves Paluma. op. cit. 2011. p. 81.
163
Para saber mais: SOON, Thiam Tan e HUAT, Tan Chwee. Role of Transational Corporations in Transfer of
Technology to Singapore. In: CHATTERJI, Manas (Ed.). Op. cit., 1994. p. 335-344.
164
(Tradução livre de: “This view is reinforced by more recent research which also identifies the failures to
intensify R&D activity in the private sector in the context of rapid trade and market liberalisation, and the
withdrawal of the state from productive activity in the 1990’s.”). METCALFE, J. S.; ROMLOGAN, R.; e
UYARRA, E., Competiton, Innovation and Economic Development: The Institued Connection. In: COOK, Paul
et. al. (Ed.). Op., cit., 2004. p. 85
68
desalinhamento com os interesses nacionais. Por um lado, o deslocamento do controle das
cláusulas restritivas em contratos de transferência de tecnologia do INPI para o CADE,
adotando os critérios de proteção da livre concorrência eleitos pelo TRIPS, significou uma
facilitação para a aquisição de tecnologia. Por outro lado, sem altos investimentos em
infraestrutura, P&D e em recursos humanos, tal esforço terá sido em vão, pois não haverá
possibilidade de emparelhamento tecnológico diante dos altos níveis de proteção da
propriedade industrial conferidos pela Lei Lei 9.279/96 que inviabilizam a difusão de
tecnologia por imitação.
69
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No entanto, para que estes contratos signifiquem benefícios reais para o país, é
necessário que ocorra a efetiva absorção e assimilação da tecnologia recebida. Para isso, é
preciso haver equilíbrio contratual, evitando a utilização de cláusulas abusivas ou restritivas
por parte das empresas estrangeiras, e os setores público e privado devem apresentar
capacidade tecnológica.
Para isso, o Estado deve disponibilizar instituições capazes de contribuir com esse
processo de absorção de tecnologia, incentivo à pesquisa, promoção de parceria em P&D
entre setores públicos e privados, inserção de tecnologia a exportações antes realizadas in
natura, dentre outras medidas. Ou seja, é importante que haja um constante diálogo entre o
Estado e o mercado, de forma cooperativista, de tal sorte que instrumentos contratuais, como
a função social do contrato, por exemplo, não seja encarada pelos contratantes como um ônus,
mas como uma característica de benefício coletivo e social do contrato, que extrapola o
privado e produz efeitos sobre o público.
A partir disto, podem ser feitas algumas recomendações para que o Brasil obtenha
sucesso com uma política tecnológica com vistas ao desenvolvimento.
Porém não se pode permitir que o desenvolvimento nacional fique totalmente a mercê
dos investidores estrangeiros. A implementação de uma política tecnológica coesa é
indispensável para a ocorrência de transferência de tecnologia de maneira efetiva. Além da
regulação dos contratos por meio do CADE, é necessária a ampla utilização de mecanismos
70
que confiram poder de barganha às empresas domésticas, através do fornecimento de auxílio
técnico.
REFERÊNCIAS
COOK, Paul et. al. (Ed.) Leading Issues inCompettion Regulation and Development.
Cheltenham UK: Edward Elgar. 2004.
FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros. 2002.
GERHART, Peter M. The Tragedy of TRIPS. Faculty Publications. 2007, Paper 157, p.
155. Disponível em: <http://scholarlycommons.law.case.edu/faculty_publications/157>
Acesso em: novembro 2014.
HAUG, David M. The international transfer of technology: lessons that east Europe can
learn from the failed third world experience. Harvard Journal of Law & Technology, V. 5,
Spring Issue, 1992.
KINGSTONE, Peter R. Sobering Up and Going Global: Brazil’s Progress from Populism
and Protectionism. Law & Business Review of the Americas. 15, 2009. p. 105-126.
MOSER, Petra. Patents and Innovation: evidence from economic history. Stanford Law
and Economics Olin Working Paper No. 437. 2012. Disponível em
SSRN:< http://ssrn.com/abstract=2180847> Acesso em: outubro de 2014.
RAMOS, André Luiz Santa Cruz Ramos. A nova lei antitruste brasileira: uma agressão à
livre concorrência. Disponível em: <http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1319> Acesso
em: dezembro 2014.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
STRENGER, Irineu. Contratos Internacionais do Comércio. 4ª ed., São Paulo: LRT, 2003.