1) As lutas sociais foram decisivas para a aceleração da passagem do Estado
Liberal para o Estado Social, como bem destaca Boaventura de Sousa Santos (1995, p.165):a "igualdade dos cidadãos perante a lei passou a ser confrontada com a desigualdade da lei perante os cidadãos", forçando o delineamento de um Estado: "ativamente envolvido na gestão dos conflitos e concertações entre classes e grupos sociais ,e aposta do na minimização possível das desigualdades sociais”. Neste contexto, a lei passa a ser a possibilidade concreta de intervenção estatal, o que levou à uma modificação do equilíbrio na correlação de forças dos poderes estatais. Se, no período anterior, o Poder Legislativo assumia uma certa preponderância sobre os demais, no Estado Social está preponderância será assumida pelo Poder Executivo. O Estado Social passou a exercer o papel de fomentador das garantias sociais, assumindo assim, "a gestão da tensão que ele próprio cria, entre justiça social e igualdade formal; dessa gestão são incumbidos, ainda que de modo diferente, todos os órgãos e poderes do Estado", conforme afirma Boaventura de Sousa Santos (1996, p.35- 44). Nesse aspecto, o Poder Judiciário que, após a consagração dos direitos sociais (de segunda dimensão) no texto constitucional, passa a exercer uma prestação positiva, ou seja, um papel mais interventivo junto às necessidades sociais. Diferentemente do que ocorria no Estado Liberal, que cumpria o papel de garantido dos direitos civis (de primeira dimensão), por intermédio da sua não-intervenção junto à sociedade. Nos anos de 1970, o Estado Social passa a ser alvo de diversas crises, inicialmente pautadas pelas discussões acerca da questão do financiamento do Estado- incapacidade de arrecadação dos impostos, por parte do Estado, para a realização das demandas sociais crescentes e pungentes, com a estagnação das economias mundiais, gerando uma crise econômica de produção por um lado e, por outro, o consequente aumento das despesas sociais, desequilibrando a relação de despesas e receitas das contas públicas. Em continuidade, já nos anos 80, torna-se clara a complexidade da crise, que passa a atingir outros dois aspectos do Estado Social: o ideológico e o filosófico. A crise ideológica pode ser entendida como a crise da legitimação do Estado Social, na medida em que a relação existente entre Estado e sociedade civil é tão distante que esta não participa na execução das atividades daquele, criando uma situação de oposição entre as duas esferas. A sociedade espera a resolução de seus problemas, por meio de políticas do Estado, mas ao mesmo tempo, não reconhece as medidas governamentais suficientemente legítimas para suas necessidades. A busca de possíveis soluções à crise, ganha destaque, nos mesmos anos 80, o projeto neoliberal, que diante da incapacidade de reformulação do Estado Social, propõe um retorno à não intervenção estatal. Uma das mais severas consequências desta crise no âmbito dos poderes estatais é a perda do monopólio de suas funções: o monopólio de produção do Direito é quebrado pelo surgimento de outros focos de elaboração legislativa (surgimento da lex mercatoria, por exemplo), que desembocam numa espécie de caos normativo ou perda de unidade do sistema. No âmbito do Judiciário, a crise do monopólio estatal da resolução dos conflitos é sentida, em parte, pelo excesso de litígios judiciais, pois o aumento da litigância engendra uma queda do desempenho jurisdicional, como apontado por Boaventura de Sousa Santos (1996, p.38): "a massificação da litigação desse origem a uma judicialização rotinizada, com os juízes a evitar sistematicamente os processos e os domínios jurídicos que obrigassem a estudo ou decisões mais complexas, inovadoras ou controversas". Se, no início do Estado Social os tribunais tiveram que decidir entre uma política de maior intervenção junto à sociedade, opondo-se muitas vezes aos outros poderes, ou uma postura mais de neutralidade, como no Estado Liberal; na crise do Estado Social, o dilema vivido pelos tribunais é muito mais profundo. Isto porque, da sua interferência junto aos casos mais complexos depende a sobrevivência da confiança no Judiciário, e não mais apenas um debate sobre as definições das políticas sociais a serem adotada.
2) A expressão “tripartição de poderes” é considerada imprópria pela doutrina, já
que o poder, que emana do povo, é um só, indivisível e indelegável. Ele apenas se manifesta por meio de órgãos estatais exercendo suas funções. Essas funções são, portanto, a forma como o Estado manifesta sua vontade, e os órgão são instrumentos que ele utiliza para o seu exercício. Porém, todos os atos do Estado, em suas diversas formas, decorrem de um poder único. A correspondência entre a função e o órgão que a exerce é decorrência de uma separação orgânica do poder, estabelecida pela Constituição. É o que se observa, por exemplo, nos artigos 44 (poder legislativo), 76 (pode executivo) e 92 (poder judiciário) da Constituição de 1988. Dessa forma, a expressão “tripartição de poderes” carece de rigor técnico. Porém, é bastante utilizada, inclusive no próprio texto constitucional, a exemplo do art. 2º, que utiliza o termo “poderes”, que, neste caso, deve ser compreendido como “órgãos”. A teoria de tripartição de poderes de Montesquieu foi adotada pela maioria dos Estados modernos, porém de forma atenuada, dada suas realidades sociais e históricas. Há neles uma interpenetração entre os poderes, o que abranda a separação absoluta estabelecida originalmente pela teoria. Dessa forma, cada órgão exerce tanto funções típicas, inerentes à sua natureza, como funções atípicas, ou seja, da natureza dos demais órgãos. Porém, não há ofensa ao princípio constitucional da separação dos poderes, uma vez que todas as competências desses órgãos, típicas ou não, são conferidas expressamente pela Constituição. Em relação ao poder legislativo brasileiro, por exemplo, são suas funções típicas a edição de regras gerais e abstratas que inovam a ordem jurídica, bem como a fiscalização contábil, financeira, orçamentária e patrimonial do poder executivo. Porém, esse poder exerce funções atípicas quando dispõe sobre a sua organização, cargos e servidores (função típica do executivo) e quando o Senado julga o Presidente da República em crimes de responsabilidade (função típica do judiciário). O poder executivo, em sua função típica, mais do que executar as leis, exerce atos de administração e chefia do Estado e do governo. Atipicamente, por exemplo, o Presidente da República edita Medidas Provisórias, com força de lei (função típica do legislativo), e julga recursos administrativos (função típica do judiciário). Finalmente, o poder judiciário, como funções típicas, aplica as regras legais aos casos concretos e resolve conflitos de interesse. Porém, exerce funções atípicas quando edita o regimento interno de Tribunais (função típica do legislativo) e concede licença a servidores e magistrados (função típica do executivo).
3) É muito comum que os operadores do Direito façam confusão quanto à definição
e aplicação destes institutos. Abaixo apresentarei resumidamente acerca de suas diferenças: Coisa julgada formal tem relação com a impossibilidade de reforma da sentença, seja de mérito ou não, num determinado processo (instrumento). Exemplo: Uma sentença que julgou extinto o feito, sem resolução de mérito, por ausência do autor à audiência, num processo que tramitou nos Juizados Especiais Cíveis, e tenha transitado em julgado, faz identificar a coisa julgada formal. Por sua vez, quando a sentença de mérito, de procedência ou improcedência, transita em julgado, além de fazer coisa julgada formal [não pode ser modificada naquele processo, vez que tornou-se irrecorrível] também faz coisa julgada material, pois a matéria ou o direito material já foi objeto da prestação jurisdicional, e esta não pode ser julgada novamente. A coisa julgada material difere da coisa julgada formal pela sua amplitude, ou seja, enquanto nesta não houve resolução de mérito – a matéria poderá ser objeto de nova demanda -, naquela há resolução de mérito, sem possibilidade de nova apreciação da matéria discutida. Portanto, podemos resumir da seguinte forma: Coisa julgada formal é fenômeno jurídico que reconhece a irrecorribilidade de uma sentença, de mérito ou não, num determinado processo. Coisa julgada material é o fenômeno jurídico que torna imutável uma sentença de mérito naquele ou em qualquer outro processo (com exceção do uso da Ação Rescisória).
4) No âmbito do Direito Administrativo, existem dois tipos de sistemas básicos de
controle da Administração Pública: o inglês e o francês. José dos Santos Carvalho Filho ensina que sistema de controle é um conjunto de instrumentos contemplados pelo ordenamento jurídico que tem por fim fiscalizar a legalidade dos atos da Administração. No Brasil, além do controle jurisdicional, a Administração Pública controla os próprios atos, podendo revogá-los ou modificá-los. O sistema francês, também denominado sistema do contencioso administrativo e sistema da dualidade de jurisdição, possui como principal característica a existência de uma Justiça Administrativa, cujo funcionamento independe da atividade da Justiça do Poder Judiciário. Além disso, a competência da Justiça Administrativa incide sobre litígios onde em um dos polos figura necessariamente a Administração Pública. Na França, em caso de conflito de competência, o impasse é resolvido pelo Tribunal de Conflitos, criado justamente com este escopo. Destarte, as causas julgadas pela Justiça Administrativa não podem ser revistas pela Justiça Judiciária, exatamente porque as competências são distintas e porque as decisões proferidas por ambas as Justiças constituem coisa julgada. Por fim, vale dizer que este é o sistema adotado na França, na Itália e em alguns outros países europeus. Em contrapartida, o sistema inglês, também chamado de sistema do monopólio de jurisdição e sistema da unidade de jurisdição, tem como principal característica o fato de que todos os litígios são sujeitos à apreciação e à decisão do Poder Judiciário, titular da função jurisdicional. Portanto, decisões tomadas no âmbito administrativo podem ser levadas às vistas do Poder Judiciário. Com efeito, este é o sistema adotado por Estados Unidos, Inglaterra, México, Brasil e alguns outros países. Inclusive, nosso ordenamento pátrio expressamente optou por este sistema, pois prevê que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (CF, art. 5º, XXXV). Além disso, em consonância com a jurisprudência do STF e do STJ, em regra, não é necessário o esgotamento das instâncias administrativas para que se leve a questão para a tutela fornecida pelo Poder Judiciário. REFERÊNCIAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27ª ed., 2014.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 2ª ed., 2015.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas. In:
Revista Brasileira de Ciências Sociais, n.30, ano11, fev, 1996, p.35-44.
______. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: