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12/12/2020 TRT3 - Consulta Acórdãos

Detalhamento de Acórdão:

PJe: 4. 0010890-61.2017.5.03.0141 (AP)


Órgão Julgador: Oitava Turma
Redator: Antonio Carlos R.Filho

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DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. TRABALHO INFANTIL. O Brasil ratificou a Convenção n. 182


da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata das piores formas de trabalho
infantil, em que não se pode trabalhar antes dos 18 anos. Ao regulamentar a Convenção, pelo
Decreto n. 6.481/2008 o trabalho doméstico foi incluído como uma das piores formas. A
gravidade da situação enseja na necessidade de reparar o dano.

PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO

PROCESSO nº 0010890-61.2017.5.03.0141 (RO)


RECORRENTES: JARINALDO CARDOSO SIMÕES, LORENA LOPES DOS SANTOS, L.
LOPES DOS SANTOS - ME
RECORRIDO: RAISSA DA COSTA SOARES
RELATOR: ANTÔNIO CARLOS RODRIGUES FILHO

EMENTA: DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. TRABALHO


INFANTIL. O Brasil ratificou a Convenção n. 182 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), que trata das piores formas de
trabalho infantil, em que não se pode trabalhar antes dos 18 anos.
Ao regulamentar a Convenção, pelo Decreto n. 6.481/2008 o
trabalho doméstico foi incluído como uma das piores formas. A
gravidade da situação enseja na necessidade de reparar o dano.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário


interposto contra a decisão proferida pelo douto Juízo da Vara do Trabalho de Araçuaí, em que
figuram, como recorrentes, JARINALDO CARDOSO GOMES, LORENA LOPES DOS SANTOS
e L. LOPES DOS SANTOS - ME e, como recorrida,RAISSA DA COSTA SOARES.

RELATÓRIO

A MM. Juíza do Trabalho, Dra. Júnia Marcia Marra Turra, por


intermédio da r. sentença de ID. 014971e, julgou procedentes, em parte, os pedidos deduzidos

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na inicial.

Inconformados com a decisão proferida, os reclamados interpuseram


recurso ordinário em ID. f57fa3a, insurgindo-se quanto à declaração do vínculo, pagamento de
horas extras e de indenização por danos morais.

Preparo recursal dispensado tendo em vista que os recorrentes são


beneficiários da justiça gratuita (ID. 85ae378)

Apresentadas contrarrazões pela reclamante em ID. 9c45701.

Dispensada a manifestação da d. Procuradoria, tendo em vista o


disposto no art. 82 do Regimento Interno deste Egrégio Tribunal.

É o relatório.

VOTO

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Presentes os requisitos intrínsecos (cabimento, legitimação,


interesse e inexistência de fato impeditivo ou extintivo ao poder de recorrer) e extrínsecos
(tempestividade e regularidade formal), conheço do recurso dos recorrentes exceto quanto ao
tema relativo às horas extras, por falta de interesse de agir, vez que não houve condenação
nesse sentido.

JUÍZO DE MÉRITO

VÍNCULO EMPREGATÍCIO.

Insistem os reclamados na inexistência de relação de emprego com


a reclamante, alegando que ela nunca lhes prestou serviços na qualidade de doméstica.

Analiso.

Na inicial (ID. 23c5ea0), a reclamante relatou que foi levada pelos


reclamados, de Araçuai/MG, onde morava, para a cidade de Salgueiro/PE, quando tinha 12 anos
de idade, no intuito de passar férias mas, na realidade, exercia a função de doméstica na
residência deles. Afirmou que laborou para os reclamados no período de janeiro/2011 a
dezembro/2014.

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Em contestação (ID. 30c5c44), os reclamados negaram a prestação


de serviços e afirmaram que a reclamante morou com eles apenas no período de janeiro a
dezembro de 2011, não como doméstica mas como filha. Sustentam, ainda, que a reclamante foi
para Salgueiro para receber ajuda dos reclamados que lhe forneciam moradia, alimentos e
educação, "já que era muito pobre e tinha vários irmãos vivendo em estado de extrema miséria!"
(ID. 30c5c44 - Pág. 3).

O juízo de origem julgou o pedido da reclamante parcialmente


procedente, declarando a existência do vínculo de emprego entre as partes, no período de
01/01/2011 a 24/12/2012, sob o argumento que a autora foi contratada para ser cuidadora dos
filhos do reclamado.

Ao exame.

O juízo primevo, reconhecendo a rescisão indireta, declarou o


"vínculo doméstico entre a reclamante e os 1º e 2º réus: admissão em 01/01/2011, função
domestica/babá, jornada de 44h por semana, salário mínimo legal, rescisão indireta em
24/12/2012", sob os seguintes fundamentos:

"São incontroversos os fatos de que a reclamante não é parente do réu e de que


ela residiu na casa do reclamado por determinado período. Tais situações são
fortes indícios de que a relação havida entre as partes era de vínculo doméstico,
com atribuições de babá (cuidadora de crianças).

Por isso, o ônus de provar que a autora não exercia as atribuições de doméstica
era do reclamado, ônus do qual ele não se desincumbiu, nos termos do artigo 818
da CLT.

Não considerei os depoimentos das testemunhas Antônia Silva e Francisco de


Assis (fl. 212), porquanto elas trouxeram fatos inverídicos e inverossímeis, que
extrapolam a esfera do razoável, de que a autora era tratada como filha e de que a
reclamante foi de Araçuaí/MG para Salgueiro/PE somente para brincar com as
filhas do réu.

Data máxima vênia, o réu não levaria uma pessoa estranha, sem laços de
parentesco, residente em Araçuaí/MG, para morar na sua casa (Salgueiro/PE)
somente para brincar com suas filhas, porque a autora era muito amiga da sua
filha de apenas 07 anos. Essa tese argumentativa manejada pelo réu é um
disparate.

Saliento ainda que a distância entre as cidades é de 1.197 km. Situação que
corrobora com a existência de vínculo doméstico, pois, repito, nenhuma pessoa
estranha, com 12/13 anos, deslocaria-se 1.197 km para somente brincar com
crianças de 07 anos de idade. Mesmo que fosse na mesma cidade, a diferença de
idade entre a autora (adolescência) e as filhas do réu (crianças)
impediria/dificultaria uma amistosa e recíproca relação interpessoal entre a
reclamante e as crianças.

Até mesmo parentes teriam dificuldades em aceitar tal proposta (viver 1.197 Km
distante da sua residência para brincar com crianças), que dirá uma pessoa
estranha, como a autora.

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A par disso, restou comprovado que a autora não tinha o mesmo tratamento das
filhas do réu, já que ela estudava em colégio público (estadual) e as filhas do
reclamado em colégio particular, conforme confissão do réu (fl. 227).

Na verdade, pelo desencadeamento natural e lógico dos fatos, a reclamante foi


contratada para ser cuidadora de crianças, auxiliando a família do réu a cuidar das
suas filhas no período da tarde em diante, horário em que a autora não estudava, e
considerando ainda que o réu viajava para a Colômbia de 02 em 02 meses,
segundo sua própria confissão de fl. 227.

Relevo ainda que restou demonstrado que a autora não estudou no ano de 2012,
quando ainda residia em Salgueiro/PE, conforme provou o histórico escolar de fl.
99 expedido em janeiro/2018." (ID. 014971e).

Tal como o juízo sentenciante, tenho que a prova oral produzida


pelos reclamados não se prestou para comprovar as alegações da defesa. Os depoimentos das
testemunhas ouvidas a rogo dos réus revelam a nítida intenção de favorecer os reclamados,
sugerindo a ocorrência de "depoimento ensaiado". Vejamos:

A testemunha Antonia Silva de Oliveira das Neves declarou:

"que o depoente foi convidado pelo Reclamado Jarinaldo para


administrar uma lavanderia em Salgueiro, nos idos de 2011; que o depoente permaneceu nessa
função até fevereiro de 2012, quando, então, retornou para sua cidade de origem; que nos
primeiros quinze dias, em Salgueiro, o depoente ficou na residência do Reclamado Jarinaldo;
que, posteriormente, foi arrumado um outro local para o depoente; que quando chegou à
residência do Reclamado Jarinaldo, a Autora já estava no local; que residiam na casa de
Jarinaldo os Reclamados, as duas filhas, uma Empregada Doméstica (cujo nome não se recorda)
e a testemunha anterior; que a Autora foi apresentada ao depoente como se fosse uma filha dos
Reclamados; que nunca presenciou a Autora exercendo atividade profissional de doméstica; que
o depoente acredita que a Autora possui a mesma idade da filha mais velha do Reclamado
Jarinaldo; que a Autora possuía de dez a doze anos, em 2011; que sabe que a Autora estudava,
acreditando que era no turno matutino; que sabe que a Autora dormia no mesmo quarto que as
filhas do Reclamado (...)" (ID. 842048b; grifos acrescidos).

Observa-se que, coincidentemente, nenhuma das testemunhas


consegue lembrar do nome da pessoa que dizem ter trabalho naquela residência, como
doméstica, enquanto a autora e as testemunhas lá residiam. Não é razoável valorizar a
declaração, desprovida de certeza, da testemunha Francisco de Assis quando diz que "Autora
estudava, acreditando que era no turno matutino". Ainda, "acredita que a Autora possui a
mesma idade da filha mais velha do Reclamado", quando gritante a diferença de idades: uma
tem 12 anos e a outra, 7. As incertezas demonstradas pelas testemunhas chancelam a valoração
do juízo de origem acerca da fragilidade da prova oral.

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Vale observar que, quando a autora foi morar com os reclamados, a


filha mais velha deles tinha 7 anos (ID. c0f3aa6) e a mais nova, 1 ano (ID. ab8fbc6), não sendo
crível que a autora, então entrando na adolescência (12 anos), tenha saído de sua cidade para
morar a 1.197 Km de distância, apenas para brincar com as filhas dos réus.

Não é plausível que a mãe da reclamante tenha permitido que a sua


filha fosse morar na casa de desconhecidos, simplesmente pelo fato dela ter feito amizade com
uma criança de 7 anos e um bebê de 1 ano, a não ser para exercer a função de babá dessas
crianças, em troca, no mínimo, de alimentação. A falta de escolaridade das mães colabora para a
existência de trabalho infantil porquanto uma mãe prefere entregar sua filha para trabalhar em
casa de terceiros a vê-la passar por necessidades. Infelizmente, é a dura realidade.

Em que pesem as argumentações dos reclamados, não se vislumbra


tenha a reclamante sido tratada efetivamente nas mesmas condições de suas filhas. A exemplo,
restou incontroverso nos autos a diferença das escolas onde estudavam a autora e as filhas dos
reclamados: enquanto a primeira estudava em escola pública, as filhas estudavam em colégio
particular. Ainda, a reclamante frequentou a escola apenas no primeiro ano (2011) em que residiu
com os reclamados, conforme se depreende do histórico escolar colacionado em ID. 19c481f -
Pág. 2. Tal fato também joga por terra a declaração da testemunha Antonia Silva de Oliveira no
sentido de que "após o almoço na residência, ia confeccionar as suas tarefas escolares". Se não
frequentava escola, não tinha tarefas escolares.

Ora, é fato notório que, em certas regiões pobres como a do


nordeste brasileiro e norte de Minas Gerais, onde a autora residia (Araçuaí), meninas em
condições de extrema pobreza são levadas por outras famílias para trabalharem como
domésticas, babás e até mesmo na agricultura. O trabalho infantil doméstico é fortemente
enraizado nas práticas sociais brasileiras e se confunde com solidariedade e relacionamento
familiar em lares brasileiros. As crianças e adolescentes que realizam atividades domésticas são
trabalhadores invisíveis, pois seu trabalho é realizado no interior de casas que não são as suas,
sem nenhum sistema de controle e longe de suas famílias.

Posto isto, coaduno com o juízo sentenciante, quando bem observou


que "pelo desencadeamento natural e lógico dos fatos, a reclamante foi contratada para ser
cuidadora de crianças, auxiliando a família do réu a cuidar das suas filhas no período da tarde
em diante, horário em que a autora não estudava"

Nego provimento.
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DANOS MORAIS.

A r. sentença condenou os reclamados ao pagamento de


indenização por danos morais, no valor de R$10.000,00, classíficando a conduta dos réus como
"gravíssimo ato ilícito", em razão da "sujeição da reclamante, com 12 anos de idade, a atividades
domésticas, que é proibida até mesmo aos menores de 18 anos, nos termos da Convenção n°
132 da OIT (ratificada pelo Brasil)" (ID. 014971e - Pág. 4).

Inconformados, pugnam os reclamados pela exclusão da


condenação. Alegam que o sentimento entre as partes sempre foi de amor e cordialidade,
entendendo que demonstrado nos autos por meios de conversas no facebook.

Analiso.

O dano moral tem previsão constitucional, especificamente no artigo


5º, incisos V e X, da Constituição, que assegura reparação resultante de violação da intimidade,
da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Decorre da ofensa a direitos da
personalidade. Na verdade, trata-se de violação da cláusula geral de tutela da pessoa humana,
seja causando-lhe prejuízo material ou violando direito da personalidade, seja, enfim, lesando a
sua dignidade, com qualquer mal evidente.

No caso, o ilícito é a submissão de criança, de 12/13 anos, aos


trabalhos domésticos, ainda que de babá. Não está em questão a forma com que os reclamados
alegam que a reclamante era tratada (com amor e cordialidade). Estão presentes os requisitos
caracterizadores do dano moral diante da gravidade de sujeitar-se uma menina de 12 anos a sair
de sua casa e morar com desconhecidos, com o intuito de servir de babá de seus filhos,
comprometendo e prejudicando a sua formação e valores. O trabalho infantil rouba a infância
das crianças, impede o acesso e o bom desempenho nas escolas, principalmente aquelas que
moram na casa dos patrões, porque estão cansadas demais no final do dia para obter sucesso
escolar. Ainda, priva as crianças das brincadeiras com outras pessoas de sua idade,
comprometendo e prejudicando a sua formação e valores.

O Brasil ratificou a Convenção n. 182 da Organização Internacional


do Trabalho (OIT), que trata das piores formas de trabalho infantil, em que não se pode
trabalhar antes dos 18 anos. Ao regulamentar a Convenção, pelo Decreto n. 6.481/2008 o
trabalho doméstico foi incluído como uma das piores formas. A gravidade da situação enseja na
necessidade de reparar o dano.

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No que tange ao arbitramento da indenização por danos morais,


além dos supostos acima explicitados, é certo, ainda, que também devem ser consideradas pelo
juízo a extensão do dano e a natureza pedagógica que deve ter a reparação em comento, bem
assim as circunstâncias de que seja proporcional à dor suportada pela vítima, à gravidade da
conduta do ofensor, ao seu grau de culpa e situação econômica, não se olvidando, por
conseguinte, de que a condenação não há de ser meio de enriquecimento do ofendido.

Desse modo, consideradas as particularidades do caso concreto e


levando em consideração, ainda, que a autora ficou um ano sem frequentar escola, entendo que
o valor fixado pelo juízo de origem encontra-se consentâneo a uma justa reparação em hipóteses
tais.

Nego provimento.

CONCLUSÃO

Conheço do recurso ordinário, exceto quanto ao tema relativo às


horas extras, por falta de interesse recursal e, no mérito, nego-lhe provimento.

Acórdão

Fundamentos pelos quais,

O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em sessão


ordinária da sua Oitava Turma, hoje realizada, sob a Presidência do Exmo. Desembargador
Márcio Ribeiro do Valle, presente o Exmo. Procurador Genderson Silveira Lisboa, representante
do Ministério Público do Trabalho e, computados os votos dos Exmos. Desembargadores José
Marlon de Freitas e Márcio Ribeiro do Valle; JULGOU o presente processo e, preliminarmente, à
unanimidade, conheceu do recurso ordinário, exceto quanto ao tema relativo às horas extras, por
falta de interesse recursal e, no mérito, sem divergência, negou-lhe provimento.

Belo Horizonte, 10 de abril de 2019

ANTÔNIO CARLOS RODRIGUES FILHO


Relator
ACRF/al/te

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