Você está na página 1de 20

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

3º ano da Licenciatura em História da Arte

História da Arquitetura da Época Contemporânea I

Docente: Professor Hugo Barreira

O Palacete Forbes (ou dos Braguinhas)

Rui Jorge Silva Resende

Ano letivo 2019/2020

Porto
Imagem 1 e 2 – Aspecto geral da Escola Superior de Belas Artes, na avenida Rodrigues
de Freitas, atual Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, fotografias de
Teófilo Rego, Arquivo Histórico da Câmara Municipal do Porto, e do autor
(1961/2019), respectivamente. Disponível em: http://gisaweb.cm-porto.pt/units-of-
description/documents/338260/?q=escola+de+belas+artes;

Visconde de Bóbeda, vendo-se a fachada da Escola Superior de Belas Artes, fotografia de Foto
Guedes (negativo em vidro), Arquivo Histórico da Câmara Municipal do Porto, e print 2screen do
Google Maps (191?/2019). Disponível em: http://gisaweb.cm-porto.pt/units-of-
description/documents/302045/?q=escola+de+belas+artesdescription/documents/325534/?
q=escola+de+belas+artes; https://www.google.com/maps.
Imagens 5 e 6 – Perspetiva do primeiro andar e respectivo coroamento e pormenores da
frontaria da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, fotografia do autor
(04-10-2019) e de Teófilo Rego (19619, Arquivo Histórico da Câmara Municipal do
Porto, respectivamente. Disponível em: http://gisaweb.cm-porto.pt/units-of-
description/documents/325534/?q=escola+de+belas+artes

3
Imagens 7 e 8 – Digitalização de página com impressão (2013) dos projectos apresentados por

Maria do Carmo Forbes em 6 de Junho de 1866 e, depois, em 25 de Abril de 1867, publicado


em: PEIXOTO (2001). Palacetes de Brasileiros no Porto (1850-1930): do estereótipo à
realidade. Porto: Afrontamento.

4
Imagens 9 e 10 – Digitalização de páginas com impressão (2013) do frontão do Palacete
Forbes e de um pormenor da chave de um dos arcos de volta perfeita do primeiro andar do
corpo central, publicado em: PEIXOTO (2001). Palacetes de Brasileiros no Porto (1850-1930):
do estereótipo à realidade. Porto: Afrontamento.

5
Imagens 11 e 12 – Digitalização de páginas com impressão (2013) do projecto do portão do
Palacete Forbes e um pormenor de um portão de uma Vila Suburbaine de Première Classe à St.
Cloud, publicado em: PEIXOTO (2001). Palacetes de Brasileiros no Porto (1850-1930): do
estereótipo à realidade. Porto: Afrontamento.

6
Imagens 13 e 14 – Digitalização de páginas com impressão (2013) do portão do palacete e de
um pormenor de um dos pilares que ladeia o portão de ferro, publicado em: PEIXOTO (2001).
Palacetes de Brasileiros no Porto (1850-1930): do estereótipo à realidade. Porto:
Afrontamento.

Imagens 15 e 16 – Digitalização de páginas com impressão (2013) de um detalhe do corpo


central do rés-do-chão da fachada posterior do «Hôtel Privé», Rue de Valois du Roule, e uma
cartela do entablamento de um sobrado na Rua do Visconde de Rio Branco, nº 16 (Rio de
Janeiro), publicado em: PEIXOTO (2001). Palacetes de Brasileiros no Porto (1850-1930): do
estereótipo à realidade. Porto: Afrontamento.

7
Imagens 17 e 18 – Átrio e aspecto da escadaria do primeiro andar da Escola de Belas
Artes, fotografia do autor e de Teófilo Rego (1961), Arquivo Histórico da Câmara
Municipal do Porto, respectivamente. Disponível em: http://gisaweb.cm-porto.pt/units-
of-description/documents/325535/?q=escola+de+belas+artes

Introdução
Quando me foi proposto um trabalho de investigação acerca de um edifício,
dentro da cronologia da Unidade Curricular, com o próposito de analisá-lo através de
um conjunto de fotografias (da minha autoria e de outras fontes, documentação acerca
do edifício), os motivos para a minha escolha foram de ordem pessoal: o Palacete
Forbes, local que atualmente acolhe a Faculdade de Belas de Artes da Universidade do
Porto, sempre exerceu sobre mim uma enorme curiosidade/fascínio pelo variado
conjunto, nas opções arquitetónicas dos diversos pavilhões, e localização na cidade; por
outro lado, procurei dar continuidade ao estudo de uma tipologia específica de edifício,
em que me debruçei em outras unidades curriculares de História da Arquitetura: a
arquitetura civil, de habitação. Neste sentido, antes de me debruçar pelo edificado
enquanto palácio urbano são importantes alguns dados sobre as funções a que o espaço

8
responde desde, aproximadamente, 1928, «se a Aula Pública de Debuxo e Desenho se
instalara no Seminário dos Meninos Órfãos do Porto, a Academia Portuense de Belas
Artes conclui o seu tempo de existência no rés-do-chão do antigo convento de Sto.
António da Cidade, dos Capuchos, onde, a partir de 1842, se instalara a Biblioteca
Pública Municipal.
Com a extinção do Instituto Superior do Comércio em 1928, a Escola de Belas Artes do
Porto ocupa o palacete oitocentista. O Palacete Forbes serve a expansão da escola, no
entanto, rapidamente, a natural evolução da orientação do ensino, a progressiva
separação lectiva entre os cursos ali ministrados, e a clarificação de práticas
pedagógicas motivam outras exigências no uso dos espaços. A revisão das instalações
aponta para uma remodelação do edifício existente e para a construção de outros,
ocupando parte do jardim envolvente do primeiro» (AA. VV, 1987). Durante o século
XX, o espaço necessitou de adaptações às novas funções que passou a desempenhar
«em 1934, o arquiteto Manuel Marques é solicitado para a elaboração de um projeto
geral que sirvam as novas exigências do espaço da Escola Superior de Belas Artes.
Nesse mesmo ano o próprio mestre Marques da Silva executa um projeto de
remodelação e ampliação do “palacete Braguinha”. Todavia, só no fim da década de 40,
face à problemática degradação das instalações existentes, as contínuas diligências da
Direção e Conselho Escolar obtêm resultados positivos»; verificando-se grandes
alterações na preexistência arquitectónica «relativamente ao edifício do Palacete, do seu
projeto de remodelação se ocupará o arquiteto Octávio Lixa Filgueiras (na fase do
projeto de execução substituído por Eduardo Brito), concluindo a primeira fase de
estudos em junho de 1955. Nesta fase o programa de ampliação encastoava no alçado
nascente do edifício existente, um novo volume destinado a um anfiteatro, respeitando
quase integralmente o interior daquele. O projeto inicial evoluirá, levando mais longe o
sentido de neutralização dos espaços, pouco restando da organização primitiva» (AA.
VV, 1987).
Tendo em conta as problemáticas que o estado atual do edifício levanta, o
enfoque, deste percurso fotográfico por aquilo que foi esta habitação de excelência e
aparato, é direccionado para o confronto da bibliografia acerca das originais funções do
espaços, das formas e influências estilísticas/modelos, padrões construtivos europeus da
segunda metade do século XIX (datação da edificação do Palacete Forbes) –
relativamente à revisão biliográfica deste

9
O Palacete Forbes (ou dos Braguinhas)
Antes de mais, para se compreender o enquadramento socio-económico em que
arquitecturas como estas surgiram, é necessário saber quem foram os protagonistas
responsáveis pela sua edificação; no caso do Palacete Forbes, não o podemos dissociar
da figura do “brasileiro”: «a paisagem social do Norte de Portugal tem, na casa e na
personagem do brasileiro, os principais referentes do que foi o tempo dos novos
horizontes e das novas fronteiras. De facto, o país conhece, no século XIX e primeiras
décadas do XX, as transformações que lhe conferem sentidos de modernidade,
expressas nas reformas políticas, económicas, administrativas. Os seus efeitos tornaram-
se visíveis na expansão das cidades, na assunção das vilas como centros políticos e
administrativos e no reforço da função simbólica dos novos agentes de poder» (AA.
VV, 2000: 229) – são agentes, pelo seu poderio económico e pelas tendências/ares de
modernidade que traziam ao Portugal de oitocentos, «os novos identificadores de
hierarquia associados à instrução, ao vestuário, à arquitetura, à decoração das fachadas
dos imóveis e no mobiliário, reflecte-se o trânsito dos modelos e a interculturalidade
burguesa europeia, proprietária de diferentes imagens e símbolos. As novas classes
dirigentes locais surgem, assim, como senhores de outros sinais de distinção,
legitimadores de uma ordem político-administrativa, primeiro liberal e depois
republicana. Nelas se destaca a presença do brasileiro de torna-viagem, filho e herdeiro
dos pergaminhos da elite rural tradicional, fazendo-se representra, na casa e nas novas
expressões do seu quotidiano e tornando-se uma figura emblemática» (AA. VV, 2000:
229). Assim, o crescente papel social que o “brasileiro de torna viagem” ocupa na
sociedade oitocentista vai modificar a paisagem edificada nos núcleos urbanos, «a
projeção social do brasileiro, muitos recebem títulos nobiliárquicos, requer, na medida
do possível, habitações mais distintas. Mas as escassas disponibilidades destes edifícios
e a avalanche de retorno de brasileiros endinheirados vão impor a construção de casa
típicas, em que os arrabaldes da cidade antiga, ainda ruralizados e disponíveis para a
urbanização, são o espaço apropriado.
Aproveitam-se especialmente os lotes das zonas do Bonfim e próximas do cemitério do
Prado do Repouso para abrir novas ruas, num processo geral de urbanização que
corresponde ao rápido crescimento da cidade e no qual se destacará o palacete do
torna-viagem» (ALVES, 1994).

10
Um deste homens foi António Ribeiro Fernandes Forbes, um daqueles que, pelo
seu trabalho e afinco, ultrapassou as condicionantes em que o meio onde se nasce nos
“aprisiona” e subiu a pulso à conta seu trabalho, «foi um homem a quem a sorte sorriu,
não entrando, porém, no rol daqueles que obtiveram títulos nobiliárquicos. No seu
testamento afirma ser filho legítimo de Manuel Fernandes Baptista e Dona Josefa Maria
d’Oliveira. Por este documento sabemos também a sua naturalidade: «(...) sou natural da
freguesia de São Mamede de Sepaens termo de Fafe, comarca de Guimarães,
Arcebispado de Braga no reino de Portugal». Sabe-se ainda que foi casado com D.
Maria do Carmo Rodrigues Forbes, de quem teve cinco filhos: Maria José, Josefa
Carolina, António, Eugénia e Manoel. O brasileiro fez o seu testamento no Rio de
Janeiro, cidade onde residia, assinando-o com a data de 1 de Abril de 1857.
Desconhecem-se alguns dados sobre o início do seu percurso como emigrante. Não se
sabe qual a data da sua partida para o Brasil, quando lá terá chegado, nem a que tarefa
se dedicou desde logo. Pressupõe-se, porém, que terá enveredado pela via comercial, tal
como refere no testamento: «(...) declaro que tive sociedade nesta Cidade (refere-se ao
Rio de Janeiro) com José Antunes Ferreira da Silva em uma loja de fazendas...»
(PEIXOTO, 2013: 63), entre outras sociedades com emigrantes portugueses em “terras
de Vera Cruz” – «à medida que se vai lendo o testamento deste brasileiro vamo-nos
apercebendo do seu carácter generoso. De facto, António Forbes, parece ter sido uma
pessoa de trato afável, bondoso com o seu próximo. Desde as esmolas que deixou nas
missas que mandou dizer às apólices que legou a variadas instituições, pode entrever-se
a sua faceta filantrópica. Dessas instituições destacam-se: a Igreja Matriz da freguesia
do seu nascimento, a Irmandade do Santíssimo Sacramento da Matriz da Nossa Senhora
do Pilar de Ouro Preto, o Hospital da Misericórdia de Guimarães, Arcesbispado de
Braga, o Hospital da Misericórdia de Ouro Preto, em Minas Gerais. António Forbes não
se esqueceu também de contemplar famílias mais necessitadas, empregados, amigos e
familiares (...) acrescenta-se um dado curioso que reforça esta sua faceta: no testamento
concedia liberdade aos seus escravos, tendo o cuidade de mencionar os respectivos
nomes e a sua naturalidade, «(...) deixo livres os meus escravos José Crioulo Braz e
Matheus, estes Africanos...», não só lhes dava a liberdade como pretendia que a sua
roupa lhes fosse doada e que o seu testamenteiro entregasse a cada um o montante de
cem mil reis» (PEIXOTO, 2013: 64).
Regressado a Portugal, «António Forbes foi, no Porto, director da Nova
Companhia da Utilidade Pública e com os seus capitais coadjuvou diversos

11
estabelecimentos comerciais. Os seus bens no Brasil eram, como se pode constatar pela
leitura do testamento, avultados: «(...) os bens que possuo são oito moradas de casas (...)
as seis primeiras as mandei fazer e as outras as comprei...». Faleceu a 3 de maio de
1862 sendo a sua morte noticiada no jornais da época. Foi preocupação deste brasileiro
assegurar uma moradia eterna condizente com o seu desafogo económico. Assim,
embora tenha sido Maria do Carmo a requerer a construção do jazigo capela, cremos
que o jazigo onde foi sepultado (nº 172/34), no cemitério do Prado do Repouso, foi um
assunto pensado a dois, entre o brasileiro e a sua mulher (PEIXOTO, 2013: 65)».
No que toca às escolhas de residência destes homens é possível traçar um perfil
construtivo, «proponho que olhe com atenção particular os palácios, como solução
arquitetónica predominante nas décadas de cinquenta e sessenta do século XIX. Esta,
em muito se assemelha, nos seus elementos, aos palácios nobres, apresentando frontões,
em tímpano perfeito, truncado ou imperfeito, ou falsos frontões, incluídos na estrutura
do edifício e completando a linha das suas fachadas. A sua divisão faz-se, normalmente,
em três corpos: um central e dois laterais (sendo o central mais comprido ou curto e
saliente ou reentrante). Quando a divisão das fachadas não se fizer por corpos, a
separação é feita por pilastras de pequana sacada, que se correspondem nos diversos
andares, dando a ideia de robustez aos cunhais e à parede da frente. Observe como a
divisão vertical em partes iguais parece aumentar a importância do edifício» (AA. VV,
2000: 229) – imagens 1 e 2. Mas, especificamente no caso de António Forbes e deste
palácio urbano, levanta-se um questão pertinente: teria construido a casa de raiz ou
reedificado uma construção já existente? «De 11 de Novembro de 1859 data um
contrato para trocar uma propriedade com os números 213 e 214 na Rua Vinte e Nove
de Setembro [imagens 3 e 4]: «Contrato que fazem o Excelentíssimo Manoel Mendoça
Cardoso Figueira e mulher e o Ilustríssimo António Ribeiro Fernandes Forbes (...)
morador na Rua do Bonjardim (aventamos a hipótese de ele ter nesssa rua casa própria,
ou aí se ter alojado em casa de alguém, talvez do seu genro)». Pela troca que está na
base do contrato o primeiro outorgante entregava ao segundo outorgante «(...) huma
morada de casas apalaçadas com grande quintal, Jardim e água de poço sita na Rua de
Reimão, e hoje Vinte e Nove de Setembro, ao pé do Jardim de Sam Lázaro [local que
em pleno romantismo foi palco dos encontros sociais de fim de tarde da boa sociedade
tripeira, o palacete de S. Lázaro surge como uma construção que se impõe pelas
dimensões e concepção arquitetónica (PEIXOTO, 2013: 69)]». A vontade do brasileiro
em aumentar a área para a construção do palacete levou-o a adquirir em 12 de Janeiro

12
de 1860 «(...) huma morada de casas terreas e ainda a mesma hua Viella que se acha
tapada, sita na Rua do Reimão (...) quem tem o numero duzentos e quinze». Através de
vários documentos conhecem-se algumas benfeitorias que o brasileiro efectuou na sua
propriedade, como a compra e encanamento de água de bica e a construção de dois
mirantes, uma estufa envidraçada, dois tanques e uma pia de pedra» (PEIXOTO, 2013:
66). Ainda que a morte do “brasileiro”, em 1862, interrompa os avanços programáticos
da construção/ampliação, «aproximadamente um ano após a morte de António Forbes, a
sua viúva, Maria do Carmos R. Forbes, quer reedificar a sua casa na Rua de S. Lázaro e
pede licença à Câmara para colocar os materiais necessários no espaço compreendido
entre o Museu Portuense e a via pública [imagens 3 e 4]. Em 6 de Junho de 1866,
Maria do Carmo Forbes apresenta um documento com o alçado da casa que pretendia
reedificar, desconhecendo-se o autor do projecto, uma vez que o documento não se
encontra assinado. Em 25 de Abril de 1867, a viúva Forbes apresentou uma alteração ao
frontão que, ao contrário do anterior, nitidamente clássico, era muito mais fantasioso,
inserindo-se dentro de uma tendência eclética, mais ao gosto da época» (PEIXOTO,
2013: 67) – imagens 7 e 8.
«Este palacete independente, à face da rua, tem a sua fachada principal voltada a
Norte. No seu logradouro tinha existido até 1857 um local de diversões, um animado
Tivoli: «N’esta quinta se estabeleceu, pelos annos de 1840, uma espécie de pavilhão
Mabille, com uma montanha Russa e vários jogos. Denominava-se isto – o Tivoli
portuense». De facto em 1837, formava-se naquele espaço um local de divertimentos
fundado por José Lombardi. Posteriormente este Tivoli mudou-se para a Rua Formosa.
Uma torre quadrada com ameias, que mais tarde os brasileiros aproveitaram como
mirante, fez parte deste espaço lúdico: «(...) conserva-se no centro deste terreno huma
alta torre quadrada com ameias no cimo, destinada para mirante e d’ahi se gozão
extensas visitas...» (PEIXOTO, 2013: 69); analisando-o formalmente, «segundo a planta
topográfica de Telles Ferreira, de 1892, o logradouro desenvolve-se de forma irregular
predominantemente no sentido Norte-Sul. O jardim era de grande extensão e
desenvolvia-se em torno de um eixo central que o atravessava de um ao outro lado. Do
lado esquerdo, encontrava-se o palacete e um jardim formal com canteiros curvilíneos
de cariz romântico. Do lado direito do eixo central localizava-se outro jardim, também
definido por um eixo central, onde se situava o pomar, a horta e ainda um miradouro,
uma estufa e, provavelmente, alojamentos para serviçais. Do lado nascente da casa
existia mais um jardim, de dimensões mais pequenas, que pelo seu maior geometrismo

13
lembrava um jardim francês. Assim, o jardim na sua globalidade, tal como o palacete,
foi concebido segundo um chamamento eclético, numa híbrida composição»
(PEIXOTO, 2013: 70).
Imperativo salientar como a arquitetura se apoia em modelos internacionais,
«um caso evidente da influência beauxartiana não só a nível do conjunto como até de
alguns pormenores. O edifício é constituído por dois andares e águas-furtadas que se
encontram escondidas pela platibanda que coroa a fachada. A típica composição de dois
andares com a fachada principal dividida em três partes, sendo a do meio a que assume
maior protagonismo, com evidente realce para o balcão central, e ainda a presença de
uma elaborada e eclética decoração, leva-nos a recordar os modelos franceses
construídos na época de Napoleão III. O rés-do-chão e o primeiro andar são compostos
por sete vãos que se alinham nos dois andares. As ordens arquitectónicas visíveis na
fachada, e expressas neste caso através das pilastras, estabelecem a articulação entre os
dois andares, contribuindo para enobrecer o palacete e incutir-lhe uma maior dignidade.
No rés-do-chão, no corpo central em silharia fendida, rasgam-se três portas de madeira,
de duas folhas, com almofadas lavradas e com grandes óculos gradeados nas suas
bandeiras. Nos corpos laterais abrem-se janelas em arcos de volta perfeita com chave de
desenho neoclássico. Estes corpos são simétricos e têm um embasamento alto onde
assentam as janelas. No primeiro andar, encontramos nos corpos laterais janelas de
sacada, encimadas por cornijas com frontões rectos e com varandas que ostentam grades
em ferro trabalhado. Na parte central deste piso três janelas de sacada abrem para uma
varanda que acompanha toda a largura deste corpo com curvatura defronte do vão
central. As janelas são abertas em arco de volta perfeita, com chave decorada, ladeada
de duas grinaldas e encimada por uma concha. Esta chave forma uma espécie de cartela
preenchida com um ornato em forma de gradinha, ornato que surge ainda nas bandeiras
das portas do rés-do-chão e na parte superior das grades dos portões de ferro que
ladeiam o palacete» (imagem 9) (PEIXOTO, 2013: 70) – «podemos identificar grandes
similitudes com modelos franceses, podendo falar-se numa quase cópia directa e literal
das chaves que encontramos nos hôtels do II Império. Não podemos, ainda, deixar de
relevar a flagrante semelhança entre estas cartelas e as cartelas tão em uso no Brasil na
segunda metade do século XIX. Note-se que nas casas das elites brasileiras reflectiam-
se os padrões europeus da época, marcadamente de influência francesa. Revistas, álbuns
e tratados de arquitectura «habitavam-se as prateleiras» dos gabinetes dos arquitectos
brasileiros» (PEIXOTO, 2013: 98).

14
«O edifício, rematado ao centro por um frontão de fantasia recortado, é
encimado por uma urna e dos lados por uma platibanda com balaústres dispostos nos
eixos dos vãos. Para além da urna que encima o frontão, aparecem mais quatro com o
bojo em gomos que se distribuem pelos ângulos da fachada e na separação entre o corpo
central e os laterais (imagens 5, 6 e 10)», como já foi referido, Maria do Carmo
submeteu à Câmara um novo desenho para o frontão, «à simplicidade do primitivo
frontão nas suas linhas neoclássicos contrapõe-se um frontão eclético, onde é visível um
recorte e decoração mais fantasiosos e que recorda os motivos presentes quer em
frontões quer em chaves de arcos dos hôtels [imagens 15 e 16]. Foi neste desenho que
se baseou a construção, ainda que com algumas alterações. Assim, o ornato circular que
no projecto aparecia ao centro do frontão e que era despido de qualquer elemento
decorativo, a não ser uma ramagem que o enfeitava na sua parte inferior, apresenta-se
na construção com ornatos rococó. Ainda no projecto, a encimar o frontão figurava um
ornato oval, coroado por um pináculo e ladeado de ramagem e de duas volutas que se
repetiam de um e de outro lado do frontão. Na edificação, embora as volutas apareçam a
encimar o frontão, as laterais desapareceram e o ornato oval e o pináculo que o coroava
foram substituídos por uma urna» (imagens 7 e 8) (PEIXOTO, 2013: 98) – novamente a
influência em motivos ornamentais franceses, «nos modelos franceses também é usual
aparecerem volutas ou aletas a ladear os frontões, é ainda mais flagrante a influência
dos álbuns franceses no projecto dos portões que ladeiam o palacete Forbes. É, de facto,
um projecto que se apresenta como uma cópia de uma estampa de César Daly. No
entanto, o facto de o coroamento dos pilares ter sido alterado aquando da sua construção
– duas esferas de pedra substituíram as projectadas urnas –, demonstra a vontade em
continuar um determinado tipo de programa que já vinha do século XVI. De facto, a
utilização destes conjuntos de volutas e bolas é típico do século XVI português
[imagens 11, 12, 13 e 14]; também as grades de ferro que no projecto eram trabalhadas
na sua parte superior foram substituídas por outras mais simples na sua decoração»
(PEIXOTO, 2013: 99).
Deste modo, a forma que a viúva Forbes deu à fachada da casa dos Forbes é o
aspecto que ainda hoje conseguimos observar. «Teria sido este gosto do brasileiro? Não
se sabe. No entanto, Maria do Carmo Forbes era sua mulher, sendo provável que a obra
reflectisse a visão do marido. Numa linha evolutiva, seguindo as transformações
verificadas na época, este palacete dava continuidade ao esquema traçado por Machado
Pereira, apresentando porém um maior apuramento da influência Beaux-Arts. A

15
construção deste palacete reveste-se do grande importância na medida em que cremos
que irá influenciar posteriormente outras construções» (PEIXOTO, 2013: 67).
Relativamente ao interior, podemos apenas enverdar por especulações ao nível
do funcionamento de certas áreas/”tipos” na distribuição funcional dos espaços: «no seu
interior será recebido em átrios de pedra, que o século XVIII conheceu no exterior de
outros imóveis. Dê-se conta da iluminação natural feita por largas clarabóias decoradas
em finos estuques e olhe os tectos de caixotões barrocos, de castanho, geralmente
decorados com pinturas ornamentais ou estuques decorados e as paredes forradas a
tecidos aveludados (AA. VV, 2000: 229); a entrada principal no rés-do-chão [imagens
17 e 18], formada por uma galeria em forma de pórtico, permite o acesso à escadaria de
pedra para o andar nobre e constitui a antecâmara, onde se encontra o vestiário com
cabides para colocar chapéus, casacosc capas, bengalas, guarda-chuvas. No andar
nobre, o salão e a casa de estar, com acesso a uma varanda que ladeia a rua, são
espaços amplos, iluminados e decorados. Aí se reunia a família, se recebiam as pessoas
íntimas e onde se faziam as leituras (AA. VV, 2000: 230); a casa de jantar, situada no
mesmo andar, no lado oposta da rua, próximo da cozinha, com a qual comunica a partir
de espaço de serviço. Subindo ao andar superior, o quarto de cama, quarto de vestir,
casa de banho, constituíam os lugares mais íntimos e reservados da família. Nos sótãos
encontram-se a arrecadação e o alojamento da criadagem. A meio do edifício, uma
escadaria iluminada pela clarabóia, liga os diversos andares (AA. VV, 2000: 232).
O palácio saiu da posse da família Forbes no último quartel do século XIX, para
a posse de outro brasileiro, José Teixeira da Silva Braga – «natural de Travanca,
concelho de Amarante, onde nasceu a 14 de Dezembro de 1811; muito novo, ainda não
tinha onze anos, embarcou para terras de Santa Cruz (...) o seu percurso de emigrantes
constitui um paradigma que alimentava o imaginário popular: partir pobre e regressar
rico dos «Brasis»: filho de gente humilde, facto de que se orgulthava, conseguiu, apesar
das grandes adversidades que teve de enfrentar, amealhar uma avultada fortuna. No dia
8 de Março de 1875, Maria do Carmo Forbes e seu filho António faziam a venda do
palacete, bem como os seus jardins e bouça, ao novo proprietário. O prestígio deste
brasileiro alargou-se à vida política, tendo desempenhado cargos importantes no partido
conservador, onde militou após a independência do Brasil. Em 1863, com 52 anos,
permanece durante três anos na Europa acompanhado da sua família, regressando a
Portugal em 1875, altura em que comprou o palacete à viúva Forbes onde residiu até
morrer, em 19 de Fevereiro de 1890» – Terá este brasileiro modificado a casa que

16
comprou? «Os únicos documentos que existem dizem respeito aos pedidos de licença e
respectivos deferimentos para rebaixar os portais da casa, em consequência das obras
que a Câmara tinha efectuado na via pública; não há, portanto, nenhum documento
comprovativo de modificações relevantes no palácio (além disso, a imagem actual do
exterior da casa corresponde basicamente à que Maria do Carmo Forbes apresentou à
Câmara em 1866)» (PEIXOTO, 2013: 99).
«O jardim do palacete sofreu alterações significativas na altura em que a casa
passou a ser residência do filho do brasileiro, também ele de nome José Teixeira da
Silva Braga (...) Vice-cônsul do Brasil no Porto, este homem foi um grande apaixonado
pela flora. Tratou assim de reformular o jardim do Palacete. Criou estufas onde se
desenvolveram variadas plantas tropicais que constituíram uma colecção, das melhoras
da Europa. Para esta tarefa chamou uma paisagista belga da Companhia de Horticultura
Internacional da Bélgica, com sede em Gand. Ao serviço da Casa Linden e a pedido do
«Braguinha» esteve no Porto, em 1890/91, Mr. Florent Claes, natural de Gand. A sua
presença aqui na cidade foi aproveitada para se fazerem alguns melhoramentos tanto no
parque da Cordoaria como no Palácio de Cristal, onde riscou e dirigiu a construção do
lago nos jardins deste edifício» (PEIXOTO, 2013: 99).

Considerações finais
A fachada principal, que impressiona e seduz pelo seu apuro arquitectónico e
atraente decoração, não tem paralelo nas outras fachadas, que se apresentam bem mais
insignificantes e muito modificadas, «a fachada posterior foi muito alterada, não sendo
possível fazer uma reconstituição. As fachadas laterais são idênticas entre si, com
cunhais em granito e oito vãos abertos em cada um dos dois andares. Um friso divide o
piso térreo do piso superior. No rés-do-chão, todos os vãos, à excepção da porta, têm
molduras que assentam num embasamento. Nestas fachadas laterais as águas-furtadas
não se escondem, ao contrário da fachada principal que, como referimos, se encontram
dissimuladas atrás da platibanda» (PEIXOTO, 2013: 99).
A grande indefinição de como podemos perspetivar estes edifícios, num todo,
num conjunto que não chegou até nós, dá azo a interpreteações mais ou menos “livres”,
onde se salientam a “poética” dos materias e das formas e, sobretudo, o comportamento
moderno e eclético destas elites ricas e urbanas, «aqueles imóveis, que hoje apresentam

17
sinais de degradação do seu antigo esplendor e evidenciam a mesma trajectória nos
ignorados descendentes, aparecem-lhe quase sempre de frente, como um postal ilustrado
do passado, nos limites oitocentistas das cidades. As fachadas, uma vezes lisas outras
revestidas a azulejo, ajustam-se aos limites das vias (...) a fachada principal dá
directamente para via pública e, as laterais e posteriores para um jardim, onde se podem
ver os sinais do exotismo no pátio, parque ou quinta adjacente, nas centenárias
palmeiras, símbolo da vivência no Brasil. Veja como, em certos casos, procuram uma
certa proporcionalidade entre o comprimento e a altuta, procurando alguma harmonia,
marcada pelos eixos das portas, janelas, eixos das pilastras divisórias, divisão horizontal
em andares, nem sempre conseguida, tornando-se, por isso, monótonas à vista, pelo que,
algumas vezes, as varandas procuram aumentar a largura aparente e outras vezes as
pilastras procuram acentuar a verticalidade. Noutros casos ainda, os terraços decorados
interrompem a sua verticalidade. Desobedecendo às normas que definiam a tipologia
clássica para a marcação das simetrias das fachadas, o palacete apresenta-se com quatro
fachadas, num exercício extremo de simetria, dando ao edifício uma forma quase
cúbica. Outras vezes, marcado numa base de assentamento quadrado, a assimetria das
fachadas é acentuada por torres e minaretes que lhe dão verticalidade estrutural gótica
no que foi a imagem de uma «casa de campo». A estrutura, os materiais utilizados, as
dimensões e a decoração destes imóveis, descritos na época como «belo palacete com
portões de ferro ao lado, mirante, platibanda de granito», ou «uma casa grande, de
cantaria e azulejo, com três andares e varandas» ou, ainda, configuradas com um
«cubo de alvenaria com enfeites de ripa e latão» compõem a descrição de uma
arquitetura ecléctica própria de um tempo feito de homens cosmopolitas» (AA. VV,
2000: 230).
Deste modo, e recorrendo à literatura da época (mais ou menos mordaz/caústica
para com o “novo-riquismo” do brasileiro), conseguimos ter uma imagem destes
modelos arquitetónicos oitocentistas: «invente novos olhares e sentidos para a
compreensão do tempo, dos homens e dos símbolos da modernidade perante o espanto e
a surpresa que então provocaram: «Vão-se os olhos naquilo! Esta maravilha
arquitectónica devem-na as artes ao gosto e génio pinturesco de um rico mercador que
veio das luxuriantes selvas do Amazonas, com todas as cores que lá viu de memória e
todas aqui fez reproduzir sob o inspirado pincel de trolha». No conteúdo das descrições
da época, encontre os sentidos críticos que então se davam às casas e, já distanciado no
tempo, venha descobrir os proprietários e o gosto de uma época (...) e, particularmente,

18
nos elementos decorativos então desconhecidos na paisagem rural, tais como: as
sacadas, as vidraças com bandeiras divididas em variadas figuras geométricas, e a Arte
Nova, tida na época, como «arte de fantasia farfalhuda» - este olhar minucioso dar-lhe-á
a conhecer a arquitectura e a elegância decorativa de um tempo recente, que foi objecto
da atenção dos clássicos da nossa literatura e exercício de descrições do contexto
narrativo, em que a «casa do brasileiro» atingiu a sua expressão mais caricatural: «cor
de gema de ovo, com terraço no tecto para quatro estátuas simbólicas das estações do
ano, e dois cães de bronze, sobre as ombreiras do portão de ferro, com as armas
fundidas, de saliências arrogantes, entre dois molossos de dentaduras anavalhadas,
minazes, como todos os bichos da heráldica». Demore-se na busca de pormenores dos
portões e depois nos beirais de faiança, nos desenhos das varandas estreitas com guardas
de ferro forjado ou fundido, nas platibandas de granito decoradas, nos lanternins e
descobrirá um quadro de encantos coloridos de gente majestosa e elegante. Conheça na
estatuária os sentidos de mitologia clássica, ou então as figuras das estações do ano de
importação francesa, testemunhos de homens viajados e cultos» (AA. VV, 2000: 231).

19
Referências bibliográficas

AA.VV. (org. Universidade do Porto) (1987). Edifícios da Universidade do Porto:


projectos. Porto: Universidade do Porto.
ALVES, J. F. (1994). "Os Brasileiros: emigração e retono no Porto oitocentista"
Dissertação de Doutoramento em História Moderna e Contemporânea
apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Porto: Gráficos
Reunidos.

AA.VV. (2000). Os Brasileiros de Torna-Viagem no Noroeste de Portugal. Lisboa:


Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses.

PEIXOTO, P. T. (2013). Palacetes de Brasileiros no Porto (1850-1930): do estereótipo


à realidade. Porto: Afrontamento.

20

Você também pode gostar