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ARTIGO ARTICLE
The anti-asylum movement in Brazil
Abstract This study reviews the history of the Resumo O presente trabalho visa resgatar a tra-
national anti-asylum struggle in Brazil. It analyzes jetória histórica do movimento nacional da luta
some of the movement’s difficulties, achievements antimanicomial no Brasil, bem como analisar al-
and challenges. The theory of social movements is gumas de suas dificuldades, realizações e desafi-
used here as an important analytical tool to os. A teoria dos movimentos sociais é aqui consi-
understand this collective action, to the degree in derada como importante chave analítica para se
which theory allows an appraisal of this type of compreender esta ação coletiva, na medida em que
social action rooted in its many configurations, possibilita a avaliação deste tipo de ação social a
evidencing the complexity of the contemporary partir de suas múltiplas configurações, atestando
world. The anti-asylum movement is composed o grau de complexidade do mundo contemporâ-
of many stakeholders whose struggles and conflicts neo. O movimento antimanicomial constitui-se
have been developed through different social- como um conjunto (plural) de atores, cujas lutas
political-institutional dimensions. It encompasses e conflitos vêm sendo travadas a partir de dife-
at different moments and to different degrees, a rentes dimensões sócio-político-institucionais.
movement which articulates solidarity and conflict Trata-se de um movimento que articula, em dife-
relations and social denunciations in an attempt rentes momentos e graus, relações de solidarieda-
to transform relations and conceptions that are de, conflito e de denúncias sociais tendo em vista
discriminatory and which are intended to control as transformações das relações e concepções pau-
the “insane” and “insanity” in our country. tadas na discriminação e no controle do “louco” e
Key words Social movements, Madness, Anti- da “loucura” em nosso país.
asylum movement Palavras-chave Movimentos sociais, Loucura,
Movimento anti-manicomial
1
Centro de Filosofia e
Ciências Humanas,
Departamento de
Sociologia e Ciência
Política, Universidade
Federal de Santa Catarina.
Campus Universitário
Trindade, Trindade.
88040-900 Florianopolis SC.
ligia@cfh.ufsc.br
1
Universidade Federal de
Santa Catarina.
400
Lüchmann, L.H.H. & Rodrigues, J.
mensão23; dimensão jurídico-politico – ênfase nos cada Estado, o espaçamento dos encontros de dois
direitos24; e dimensão sociocultural - modificar a para três anos, a continuidade dos encontros de
concepção e o estereótipo que se mantém sobre usuários e familiares, também para três anos, e a
o louco e a loucura. realização de feiras culturais, nos espaços vagos,
para pessoas a fim de conhecer e participar das
atividades do movimento - o encontro terminou
Atores, dificuldades e limites sem que se conseguissem deliberar a composição
do movimento da luta antimanicomial da próxima Secretaria Executiva Nacional e os
representantes para a Comissão Intersetorial de
Os atores sociais da reforma psiquiátrica nas dé- Saúde Mental. Após este V encontro, e devido a
cadas de 1970 e 1980 vêm constituindo um cam- sua inconclusão, houve duas plenárias nacionais26,
po de ações e lutas sociais, a partir de um con- sendo que da participação da I plenária nacional
junto de sujeitos e setores11, quais sejam: o Movi- para a II, houve uma ruptura, ou um desmem-
mento dos Trabalhadores em Saúde Mental, hoje bramento de algumas lideranças do MLA, resul-
MLA, por se constituírem em um sujeito político tando na configuração de uma outra forma or-
privilegiado na conceituação, divulgação, mobi- ganizativa em virtude dos conflitos acerca das
lização e implantação de práticas transformado- formas organizativas e estruturantes do MLA. “O
ras, na fundação de uma reflexão profunda e crí- comparecimento à plenária de São Paulo, em
tica ao modelo da psiquiatria, fazendo surgir, des- 2002, foi nosso derradeiro esforço no sentido de
ta forma, uma nova política de saúde mental; a solucionar tais problemas: lamentavelmente, se-
Associação Brasileira de Psiquiatria, por esta en- quer conseguimos pautar sua discussão. A partir
tidade estar preocupada com aspectos de aprimo- daí, decidimos não comparecer ao último Encon-
ramento científico no campo da psiquiatria; o tro de Usuários e Familiares, ocorrido em Xerém,
setor privado, representado pela Federação Bra- em setembro deste ano” (este trecho faz parte do
sileira de Hospitais, que disputa verbas da previ- manifesto intitulado: Fundação da Rede Nacio-
dência social; a indústria farmacêutica, que di- nal Internúcleos da Luta Antimanicomial – Ma-
vulga a ideologia do medicamento como recurso nifesto pela luta antimanicomial em boa compa-
fundamental, senão único, no tratamento dos nhia, enviado ao Conselho Nacional de Saúde em
transtornos mentais; as associações de usuários e março de 2003). Segue ainda: “Não permanece-
familiares, que deixam de ser objeto de interven- remos como reféns em nosso próprio campo,
ção psiquiátrica para tornarem-se agentes de imobilizados em nome de uma unidade suposta,
transformação da realidade. Assim, são estes ato- ou de uma falsa aparência: retiramo-nos, pois, de
res que, com suas ideologias, perspectivas e prá- um espaço organizativo que já rompeu há mui-
ticas diferentes constituem um cenário conflitan- to, a nosso ver, com o pacto de Fundação do Mo-
te, de enfrentamento e que conferem o principal vimento Nacional da Luta Antimanicomial, em
campo das tensões na área da saúde mental e psi- Salvador”.
quiátrica no Brasil. Constituiu-se, a partir de março de 2003, a
Em um plano geral, os conflitos referentes à Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimani-
questão do louco e da loucura se tornam mais comial, que realizou o seu primeiro encontro
evidentes entre os setores que estão localizados nacional em dezembro de 2004 no estado do Ce-
em campos antagônicos: os antimanicomialistas ará (CE). Este novo movimento no campo anti-
versus os manicomialistas. manicomial reúne lideranças expressivas de pro-
Além desses conflitos, percebe-se importantes fissionais, usuários e familiares organizados em
diferenças e disputas no interior do próprio mo- vários estados do país através de associações que
vimento de luta antimanicomial. Exemplo disso reúnem estes segmentos. Possuem espaços e fó-
foram os desgastes que ocorreram no V Encontro runs organizados que visam discutir a clinica an-
Nacional. Para Lobosque25, o limite do insuportá- timanicomial, a Reforma Psiquiátrica e a militân-
vel atingiu sua extremidade no V encontro do cia política, entre outros.
MLA, já que o crescimento numérico de partici- O mais antigo destes atores, o Movimento
pantes torna-se inversamente proporcional a sua Nacional da Luta Antimanicomial realizou sua
preparação e formação política que emana pobre- segunda plenária em Outubro de 2002 em São
za de debates e propostas sem reflexão. Paulo e teve como pautas: avaliação da conjun-
Tendo em vista os conflitos e impasses – en- tura nacional e sua relação com o Movimento da
tre os impasses, destaca-se: a constituição de um Luta Antimanicomial; formato da Secretaria Exe-
colegiado nacional com dois representantes de cutiva Nacional colegiada gestão 2002/2004; VI
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3. Além da luta institucional (no interior das criam, possibilitam e marcam a presença da lou-
instituições de saúde, a ocupação de espaços con- cura na cidade”.
selhistas, a articulação com a política partidária O MLA constitui-se como um importante
e com os atores governamentais, etc.) e da ação movimento social na sociedade brasileira, na me-
sociocultural (tendo em vista transformar as re- dida em que se organiza e se articula tendo em
presentações sociais), há que se preocupar com a vista transformar as condições, relações e repre-
formação política dos militantes e com a amplia- sentações acerca da loucura em nossa sociedade.
ção de seus quadros. A articulação em forma de Suas ações e lutas estão direcionadas e vêm im-
redes, a utilização da mídia, a realização de cur- pactando as diferentes dimensões da vida social.
sos e projetos de qualificação são, entre outros, Como vimos, os movimentos sociais não se
importantes medidas neste sentido. Além disso, constituem como fenômenos coletivos homogê-
problema também recorrente nos movimentos neos ou como personagens dotados de vontades,
sociais de maneira geral, a questão do financia- projetos e sentidos independentes dos impulsos,
mento requer a discussão de como captar recur- pressões e restrições do contexto societal – como
sos para campanhas, encontros e realização de puras subjetividades. Muito menos constituem-
projetos, entre outros. E, por último, a necessida- se como reflexos ou efeitos automáticos e neces-
de de estabelecer um processo de avaliação da sários da realidade objetiva. Antes de mais nada,
ação coletiva, já que os rumos do movimento os movimentos sociais são ações coletivas de ca-
necessitam ser mais discutidos entre si, suas pers- ráter fragmentário e heterogêneo que destinam
pectivas e suas responsabilidades. boa parte de suas energias e recursos para o ge-
renciamento de sua complexidade.
Resgatando análise de Melucci7, pode-se di-
Considerações finais zer que o [Movimento de Luta Antimanicomial]
é uma ação coletiva cuja orientação comporta
Para Lobosque15, o movimento nacional da luta solidariedade, manifesta conflitos e implica a rup-
antimanicomial é uma instância política inscrita tura dos limites de compatibilidade do sistema
num processo mais amplo de transformações so- de saúde mental no país. A configuração dos ato-
ciais, cujo front consiste no combate às formas de res e instituições (trabalhadores, profissionais,
exclusão que tomam a loucura como objeto – políticos, empresários, usuários e familiares) con-
front radical, na medida em que estas formas de forma um quadro multipolar deste campo que,
exclusão relativas à loucura resumem formas embora atravessado por diversos conflitos e am-
muito poderosas de exclusão operantes em nosso bigüidades, vem promovendo alterações signifi-
cultura. Para Soalheiro16, o movimento antima- cativas nas quatro dimensões apontadas, quais
nicomial é “um conjunto de estratégias que exi- sejam: epistemológica, técnico-assistencial, polí-
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