Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O saxofone na
música de câmara
de
Heitor Villa-Lobos
EM/UFRJ
2001
2
Soares, Carlos Alberto Marques.
O saxofone na música de câmara de Heitor Villa-Lobos.
Carlos Alberto Marques Soares. Rio de Janeiro: UFRJ/Escola Música, 2001.
3
O saxofone na música de câmara
de
Heitor Villa-Lobos
Rio de Janeiro
2001
4
“Dedico este trabalho a meus filhos,
Lucas e Marcelo,
5
Agradecimentos:
Em primeiro lugar à meus pais, José Soares e Maria Helena, assim como à meus
irmãos, Glorinha e suas respectivas famílias. Estes, sempre foram um fator incondicional
de incentivo e apoio para meu estudo.
Para minha orientadora, Professora Fátima Tacuchian, que com todos os méritos
foi incansável na supervisão deste trabalho.
Ao professor José Artur Rua em sua classe de saxofone bem como ao saxofonista
Dale Underwood. Para o professor Ricardo Tacuchian, que proporcionou grande apoio à
minha pesquisa. Aos amigos e professores Maria Célia, estudiosa na obra de Villa-Lobos,
Francisco Gonçalves, Marcelo Gelio, Cristina Nascimento, colegas que participaram na
apresentação do Sexteto Místico, durante minha dissertação da Tese. Assim como a
meus eternos mestres e amigos José Botelho, José Carlos e José Freitas.
Aos amigos Afonso Oliveira, Marcos Vela, Paulo Passos, Luis Medina, Leonardo
Fucks, Pedro Bittencourt, Araci Cardoso, Denise Cardoso e um especial agradecimento à
Danusa Pires. Todos foram uma grande força nessa trajetória.
Pela tradução do resumo, feita pela amiga Lucyana Bacellar e também a
Professora Elza Greif, colega e pesquisadora da cultura nacional que me forneceu
importante material de pesquisa.
Para Marcelo Rodolfo e Cristina Pinto, disponibilizando todo o material fonográfico
e musicográfico do compositor encontrado no Museu Villa-Lobos. Ainda aos mestres
Paulo Moura e Waldemar Spilman, relatando-me fatos fundamentais para o conteúdo de
meu trabalho.
Finalmente aos alunos e amigos Suzana Ramineli, Priscila Alves, Marco Túlio,
Luzimar Cruz, Rogério da Silva, José Maria Braga, também para minha querida Adriana
Antonaccio e todos aqueles que estiveram presentes nessa minha longa jornada.
6
SOARES, Carlos Alberto Marques. O saxofone na música de câmara de Heitor Villa-
Lobos. Orientadora: Dra. Maria de Fátima Granja Tacuchian. Rio de Janeiro: EM/UFRJ,
Resumo
7
SOARES, Carlos Alberto Marques. O saxofone na música de câmara de Heitor Villa-
Lobos. Orientadora: Dra. Maria de Fátima Granja Tacuchian. Rio de Janeiro: EM/UFRJ,
Asbtract
This paper discusses the Villa Lobos repertory to Chamber Music groups in which
the saxophone appears in the instrumentation, involving the following pieces composed
between 1917 and 1925: Sexteto Místico (1917), Quatuor (Quarteto Simbólico, 1921),
Noneto (1923), Chôros no7 (Settimino, 1924) e Chôros no3 (Pica-Pau,1925). Afterwards,
this group is compared to Fantasia for soprano saxophone and chamber orchestra (1948),
trying to establish possible influences or technical and style contrasts.
From the concept of multi-faceted and non-excluding nationalism proposed
by Gerard Behágue when he declares that in Villa-Lobos the treatment and nationalist
concerns tend to integrate themselves to different style experiments, the paper tries to
demonstrate that the repertory in question reflects a musical language varied and
complex.
This language is revealed by the non-conventional treatment of sound materials,
either by the incorporation of instruments not used until then such as saxophone,
acoustic guitar and celeste, or for the exploration of new tones in conventional
instruments by using rhythmical patterns and unusual harmony solutions, making use of
polyrhythmic polytonality resources.
In this repertory, Villa-Lobos explores the different possibilities of the saxophone as a
sole instrument, a harmony complement or colorful resource by incorporating elements
from Debussy, Mihaud and Stravinsky’s music as well as popular national and urban
rhythms. The composer creates a peculiar sonorous texture in the search for something
new and uncommon.
The text develops the above questions, with a biographic revision and a repertory
analysis from the handwritten and printed music.
8
Sumário
Introdução___________________________________________________________ 1
Capitulo IV : Fantasia para saxofone soprano e orquestra de câmara, 1948 ___ 131
4.1 Animé________________________________________________ 134
4.2 Lent__________________________________________________140
4.3 Trés Animé____________________________________________ 143
Conclusão___________________________________________________________ 148
Bibliografia__________________________________________________________ 153
Musicografia_________________________________________________________ 158
Anexos_____________________________________________________________ 160
Anexo 1- Partitura manuscrita da Fantasia para saxofone e orquestra _____ 161
Anexo 2 – Arranjo para sopros somente do Choros n.3 _________________ 162
Anexo 3 – Foto autografada de Villa-Lobos e Mindinha _________________ 164
Anexo 4 – Programa e parte do solista na estréia da Fantasia ____________ 165
Anexo 5 – Foto da estréia da Fantasia _______________________________ 167
Anexo 6 – Waldemar Spilman com seu saxofone e o violino ______________ 168
9
Introdução
período compreendido entre 1917 e 1925: Sexteto Místico (1917), Quatuor (Quarteto
Simbólico, 1921), Noneto (1923), Choros n.º7 (Settimino, 1924) e Choros n.º3 (Pica-
pau,1925).
O Sexteto Místico, foi escrito para flauta, oboé, saxofone alto, violão, celesta e
harpa. Aparentemente permaneceu inédito durante 45 anos, tendo sido estreado, no Rio
desta obra ter sido um mero exercício ou experimentação e como tal abandonada pelo
instrumentos até então inusuais para a música camerística brasileira, como saxofone
contralto, celesta, violão e harpa, junto a outros mais comuns como a flauta e o oboé.
é datado de 1921 e foi estreado no mesmo ano, no Rio de Janeiro. Fez parte da
assumindo uma linguagem com tonalidades mais nacionalistas, incluindo uma seção de
1
Segundo o Catálogos de Obras do compositor (1989:121), a peça encontra-se apenas em manuscrito. Porém, existe
uma edição sem data, impressa pela Max-Eschig.
10
percussão e cordas. As duas próximas peças, Choros n.º7 (1924) e o n.º3 (1925), fazem
parte do grande ciclo dos Choros, considerado pela maioria dos autores como a obra
mais significativa do compositor. Após esse período, o compositor não mais utiliza o
câmara. Tendo em vista que a mesma foi imaginada para ser executada por uma
para verificar se é possível encontrar pontos de ligação entre ela e as peças anteriores.
solista e orquestra, escritas a partir de 1948, com os respectivos dados das primeiras
audições:
Concerto n.º 2 para piano e orquestra (1948, RJ), sol. João de Souza Lima e reg. Villa Lobos
com a Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do RJ. Rio de Janeiro em 21/04/50, Teatro
Municipal.
Fantasia para Saxofone e Orquestra (1948, NY), sol. Waldemar Spilman e reg. Villa-Lobos com
a Orquestra de Câmara do MEC. Rio de Janeiro em 17/11/51, Auditório do Palácio da Cultura-
MEC.
Concerto para violão e orquestra (1951, RJ), sol. Andrés Segóvia e reg. Villa-Lobos, com a
Houston Symphony Orchestra. Houston em 6/02/56.
Concerto n.º 3 para piano e orquestra (1952/5, RJ/NY), sol. Arnaldo Estrela e reg. Eleazar de
Carvalho, com a Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do RJ. Rio de Janeiro em 24/08/57,
Teatro Municipal.
Concerto n.º 4 para piano e orquestra (1952, NY), sol. Bernardo Segall e reg. Villa-Lobos, com a
Pittsburgh Symphony Orchestra. Pittsburgh em 09/01/53.
Concerto para harpa e orquestra (1953, Paris/NY), sol. Nicanor Zabaleta e reg. Villa-Lobos, com
Philadelphia Orchestra. Philadelphia em 14/01/55, Philadelphia Academy of Music.
Concerto n.º 2 para violoncelo e orquestra (1953, RJ), sol. Aldo Parisot e reg. Walter Hendl, com
Philharmonic Society of New York. N. York em 05/02/55, Carnegie Hall.
Concerto n.º 5 para piano e orquestra (1954, RJ), sol. Felicja Blumental e reg. Jean Martinon,
com a London Philarmonic Orchestra. Londres em 08/05/55, Royal Festival Hall.
11
Concerto para harmônica e orquestra (1955/56, RJ), sol. John Sebastian e reg. Guilhermo
Espinosa, com Orquestra Sinfônica da Força Aérea dos EUA. Sem data e local de estréia.
do saxofone para criar sua música camerística, seja do ponto de vista técnico-
descritivos. Porém, recentemente estão aparecendo outros com uma preocupação mais
camerística do compositor.
teses, artigos e outras fontes encontradas em bibliotecas do Rio de Janeiro, além dos
arquivos do Museu Villa-Lobos2, onde pudemos obter partituras e gravações das obras
que serão analisadas. Ainda, por meio da Internet, pesquisamos acervos no exterior e
2
O arquivo da Banda de Música do Corpo de Bombeiros do RJ, também foi consultado para pesquisa do repertório de
Villa-Lobos e Anacleto de Medeiros.
12
adquirimos informações complementares, principalmente no que se refere à origem e
evolução do saxofone.
Fantasia para saxofone. Este forneceu importantes dados a respeito de fatos ligados a
Pretendíamos incluir em nosso estudo, uma discografia das peças aqui abordadas.
Porém, não conseguimos obter maiores informações além daquelas já encontradas por
feita por Robert Faub, professor assistente da The Crane School of Music, em Potsdam –
saxofone e por quem foi inicialmente utilizado. Outras fontes relevantes foram os textos
3
O autor deste trabalho, participou como saxofonista da execução de algumas das obras aqui comentadas, como o
Sexteto Místico, Choros nº7, Fantasia e Choros nº10. Ainda como componente da Banda Portugal, atuou como
clarinetista na apresentação do Canto do pajé. Como atual professor e mestre da Banda de Música Prof. Luiz Gonzaga
Pires do CETEP/Quintino, entre outras obras de Villa-Lobos, conduziu a peça para Coro e Banda Canção da Imprensa
13
grupos, classes de saxofone, concertos e estréias das obras. Observamos que o
principalmente jazzístico, teve sua primeira apresentação em um arranjo coral feito por
Somente a partir de 1911, ele começou a se tornar mais popular nos EUA, sendo que
apenas nos anos de 1930, o instrumento apareceu com mais destaque nas formações
jazzísticas, época então conhecida como “era das big-bands” ou “era do swing”.
Brasil. A princípio, supomos que o instrumento tenha sido fixado no país através das
Salles comenta que a vinda de D. João VI para o Brasil em 1807, juntamente com a
tipo de grupo musical no país. O autor ainda se refere ao fato que no período colonial já
existiam corpos instrumentais nas milícias divididos em três naipes distintos, em geral
simplesmente a reunião de três músicos e diz ainda que esta formação persistiu até a
Terminamos o capítulo com uma análise sobre o uso do saxofone na obra de Villa-
(O Coro participante foi o do CETEP/Quintino, que tem o Prof. José d’Assunção como seu regente). Além disso, o autor
é também professor de saxofone e clarineta na Escola de Música Villa-Lobos e na Escola de Música da UFRJ.
14
primeira participação desse instrumento na sua obra, aconteceu através do dobrado Pró-
ao período das duas primeiras décadas do séc. XX. Abordamos alguns aspectos
Não pretendemos aqui fazer uma revisão aprofundada, mas destacamos alguns
saxofone nas cinco peças camerísticas, descritas no início desta introdução. Essa análise
foi feita a partir da própria experiência do autor deste trabalho e também de outros
freqüente neste conjunto de obras (no caso, o saxofone contralto); sua utilização na
instrumento.
15
O capítulo seguinte é dedicado à Fantasia para saxofone soprano e orquestra de
musical mais ampla do instrumento, em relação ao que foi feito nas obras camerísticas.
como o da modinha.
A partir do final dos anos vinte, apareceram muitas composições eruditas para
divulgando assim cada vez mais o instrumento. Alguns compositores se destacaram como
Darius Milhaud4, Jacques Ibert5 e Alexander Glazounov6, escrevendo algumas das obras
mais significativas do repertório saxofonístico. Supomos que nesse período, que coincidiu
com as experiências adquiridas nas viagens para a Europa e EUA, Villa-Lobos tenha
tomado contacto com este repertório saxofonístico e também utilizado sua experiência
também que, até os dias de hoje, nenhum outro compositor erudito brasileiro recorreu
4
Scharamouche, suite para saxofone alto e orquestra (1939).
5
Concertino de câmera para saxofone alto e onze instrumentos (1935).
4
Concerto em Mib para saxofone alto e orquestra (1937).
16
identificação desse artista com o timbre do saxofone. O que de certa forma, coincide com
uma de suas características nas primeiras décadas do séc. XX, voltadas para a
Capitulo I
razão pela qual, em junho de 1842, o compositor e crítico musical Hector Berlioz apresentou ao mundo, através de
artigo para a revista parisiense Journal des Debats, a mais nova invenção instrumental, o saxofone (Faub et alli,1995:1).
O instrumento foi criado em 1840 pelo belga, músico e construtor de instrumentos musicais, Adolph Sax (1814-
1894) e resultou assim de uma combinação de instrumentos como o oboé, a flauta e a clarineta. Para tanto, Sax utilizou
um corpo cônico de metal conectado a um conjunto de boquilha e palheta simples, similar ao da clarineta. O saxofone
está mantido até hoje no seu desenho básico inicial, embora ao longo do tempo venham ocorrendo pequenas
instrumentista.
No ano de 1844, o instrumento foi apresentado pela primeira vez numa exibição
industrial parisiense. Após alguns meses, Berlioz regeu um concerto naquela cidade,
introduzido pela primeira vez na ópera O Último Rei dos Judeus de George Kastner
7
O saxofone é classificado como aerofone do grupo de instrumentos de palheta, este constituído por oboé, corne
inglês, fagote e clarineta. (Henrique,1988:267,294-296)
17
(1819-1867)8. Foi também de sua autoria, a primeira composição feita para um grupo
exclusivo de saxofones. A peça, publicada nesse mesmo ano 9, foi escrita originalmente
para dois sopranos em Dó, um alto em Fá, dois baixos em Dó e um contrabaixo em Fá.
Para que fosse possível a execução dessa obra, utilizando a família dos saxofones com
suas afinações atuais, Sigurd Rascher (1907-2001) lançou uma nova edição, escrita para
Outro importante nome para a evolução da família dos saxofones foi Gustav
Adolph Sax, no ano de 1846, obteve em Paris a patente para o saxofone. No ano
York, utilizou o saxofone pela primeira vez nesse tipo de formação instrumental (Faub,
1995:2).
ainda no mesmo período, Jean Baptiste Singelee (1812-1875) escreveu para aquela
8
Apesar da composição não ser particularmente e musicalmente significante, ela é de importante consideração histórica
pois quando foi publicada, não havia evidência de que Adolph Sax houvesse construído todos os instrumentos incluídos
na partitura. Kastner estava trabalhando em cooperação com Sax e consciente de suas futuras intenções (Patrick, 1994:
65).
9
Não conseguimos encontrar a data exata de edição.
10
A peça foi escrita para a formação dois saxofones sopranos em Bb, um alto em Eb, um tenor em Bb, um barítono em
Eb e um baixo em Bb (Patrick, 1994:65)
18
Entre 1877 e 1881, o francês Hyacinthe Klosé (1808-1880)11 lançou o método
anteriormente para clarineta. Podemos destacar também Marcel Mule 12 por toda a sua
contribuição saxofonística, não só como intérprete mas também como professor. Grande
mais tarde, Eugene Coffin fez a primeira gravação com saxofone pela Columbia e no ano
de 1903, Richard Strauss incluiu a família dos saxofones (soprano, alto, barítono e baixo)
musical The Brown Brothers Saxophone Sextet, que realizou gravações de canções
(Idem:3)
A partir do final dos anos 20, com as graduais modificações na linguagem jazzística
grupos13. Esse período foi conhecido como swing era ou big band era. As big bands
eram formadas por dez ou mais músicos e divididas em três categorias: metais,
11
H. Klosé, foi também um grande inovador na história da clarineta e adaptou a este instrumento, o mecanismo de
dedilhado conhecido como “sistema Boehm” (Brymer, J. 1976:45-46).
12
Marcel Mule (1901-2001), considerado até os dias de hoje, como tendo sido um dos maiores intérpretes e didatas do
saxofone, nasceu dia 24 de junho de 1901, em Aube, pequena cidade a 80 milhas de Paris. Com apenas 8 anos foi
admitido na banda de seu pai e um ano depois, recebeu seu primeiro saxofone. Iniciou seus estudos também no violino
a
aos 9 anos e no piano aos 12 anos. Na adolescência, com os exames escolares e a 1 Grande Guerra Mundial, teve
a
seus estudos musicais interrompidos. Mas em 1921, sendo chamado para servir na 5 infantaria, decidiu se mudar para
Paris e assim realizar sua verdadeira vocação (McMillan:1996)
19
Apesar de construído com material metálico, o saxofone ficou sendo considerado
um instrumento da família das madeiras, pela sua proximidade com outros instrumentos
como a clarineta, o oboé e a flauta (Gridley, 1991:86). A seção dos saxofones, as vezes
era também chamada de seção de palhetas, pelo fato de que na época, a maioria dos
saxofonistas também tocavam clarineta. Além disso, ambos os instrumentos utilizam para
a produção do som, uma palheta de cana simples presa a uma boquilha, embora de
O sax alto e o tenor, foram os mais utilizados da família e somente no final dos
anos 30 a maioria das bandas adotou o saxofone barítono. O saxofone soprano e o baixo,
George Gershwin empregou os saxofones tenor, alto e barítono nas peças Rhapsodie in
Blue (1923) e An American in Paris (1928). Darius Milhaud, que entre seus trabalhos
possui uma significativa suite escrita para saxofone e orquestra, Scaramouche (1939),
13
Em sua maioria, esses saxofonistas também eram clarinetistas e somente no final dos anos 30, década áurea das
big-bands, o saxofone alcança um respeito maior nas formações instrumentais. (Paulo Moura em entrevista ao autor no
dia 3 de agosto de 2001)
20
1.1- O Saxofone no Brasil
em ambas formações15.
Até final do séc. XVIII, existiam no Brasil colonial formações não regulares de
como hoje se apresenta, é produto do séc. XIX. O processo de modernização desse tipo
novembro de 1807. Com ele, em sua comitiva, veio a Banda da Brigada Real que embora
Porém, essa Banda que chegava aqui em 1808 ainda era arcaica. Assim, em 1810,
14
Em sua famosa composição, Bolero (1927), o compositor utiliza os saxofones sopranino, soprano e tenor.
15
Segundo Cazes (Cazes, 1998:24), o flautista e saxofonista Viriato Figueira da Silva, viria a ser o pioneiro no país
como solista de saxofone. Porém, o autor não apresenta informações suficientes, para determinar tal pioneirismo.
21
A música militar, organizada em bases orgânicas na metrópole, em 1814,
nos quartéis de quase todo o Brasil o ensino e a prática de instrumentos mais atualizados.
Salles cita o dicionário de Ernesto Vieira (Vieira apud Salles, 1985:20), que alude a um
bombo e uma caixa de rufo. Que houvesse além disso, quatro aprendizes escolhidos
entre soldados, podendo por esta forma, chegar a dezesseis o número de executantes,
Outro aspecto relevante ao estudo, decorre do fato de que nesse mesmo período,
haviam outros corpos instrumentais nas milícias e, por vezes, nos estabelecimentos rurais
“No século XIX, o terno se transformou em banda de música. E isso não constitui
apenas um fenômeno de atualização histórica diante do modelo europeu. A própria
banda de música só alcançou o padrão moderno na Europa na primeira metade do
século XIX, quando aperfeiçoamentos substanciais foram introduzidos nas flautas e
clarinetas. O principal responsável por esses aperfeiçoamentos foi o francês de origem
belga, Adolfo Sax, criador do saxofone, em 1840”
22
O termo Banda, designava, primitivamente, conjuntos instrumentais aristocráticos.
daqueles primitivos ternos, que por terem funções específicas e poderem ser executados
seus instrumentais, estes oriundos da Europa, o saxofone tenha sido introduzido no Brasil
a partir de meados do séc. XIX , uma vez que esse instrumento, provavelmente, já estava
RJ. Por ordem do Tenente Coronel Eugênio Rodrigues Jardim, Anacleto selecionou 45
Guerra e dos grupos de choro que participaram da formação inicial do conjunto. A banda
Anacleto, que durante sua vida esteve à frente de diversas bandas de música17, foi
16
Segundo a Gazeta de Notícias, de 1906, no livro de atas do Conservatório de Música, 1881 a 1889, destinado às
“juntas de professores” encontra-se à página 29 verso, a confirmação da notícia da conclusão do curso de Anacleto, em
14 de dezembro de 1886. Este, foi aluno de clarineta na classe de Antônio Luiz Moura e colega, portanto, de Francisco
Braga. (Siqueira, 1969:161)
17
Entre as bandas que Anacleto dirigiu, citamos: a Sociedade Musical Progresso de Bangu, fundada em 1892, e que
atingiu seu apogeu sob sua direção, a da Fábrica de Tecidos de Paracambi, Banda da cidade de Magé e Sociedade
Recreio Musical Paquetaense (Casino Bangu, 1892 a 1992- Revista do clube- editada pela Síntese Propaganda).
23
aos quais Villa-Lobos veio a se integrar18. Na época, o instrumento melódico de sopro
mais utilizado na música popular era a flauta. Mas, alguns flautistas também passaram à
utilizar o saxofone, entre eles Alberto Martins, Coelho Grey e Antonio Maria (Pinto, 1978:
40,74-76,164-165).
de Anacleto, os chorões e as bandas. Aqui o autor comenta que apesar de Anacleto ter
tido uma predileção especial pelo saxofone soprano, seus instrumentos iniciais foram a
flauta e o flautim.
Além desse fato, Cazes cita também a importância de Anacleto como compositor,
que entre as várias peças criadas, compôs uma obra prima conhecida como Iara e que
viria ser utilizada por Villa-Lobos como tema central do Choros n.º10. (Idem:29)
feitos como músico, regente ou compositor. O autor identifica nele outros aspectos
18
É conhecida a atuação de Villa-Lobos entre os grupos de seresteiros e chorões, dos quais Anacleto de Medeiros
também participava (Mariz, 1983:32). Ainda, segundo Cazes (1998:30), Anacleto foi um exímio melodista, excelente
harmonizador e sabia orquestrar de forma bastante evoluída para um “músico de banda” da época.
24
um hino ouvidos distante e que a gente deseja perceber os sons com nitidez, mas que a
brisa os carrega brincando com as vibrações.
Erraríamos se conceituássemos Anacleto apenas como um melodista de primeira
categoria. É, não somente isto, faltaríamos a um dever que nos impõe a ética: Anacleto
era um educador de massas. Essa atividade salutar ficou marcada na tradição que
deixou em sua vocação para criar e dirigir bandas musicais. Aí está um movimento que
poucos perceberam, mas que tem imensa valorização cultural para o Brasil”. (Siqueira,
1969:167)
Aqui no Brasil, o instrumento teve uma maior divulgação entre essas duas
Batutas.
Com a ida desse grupo para Paris, em 1922, iniciativa financiada por Arnaldo
também relacionar esse fato com a divulgação posterior do instrumento no Brasil. Em seu
Pixinguinha como arranjador e que o artista, tinha como objetivo principal encontrar uma
19
Segundo Cazes (1998:66;74), alguns desses músicos foram: Luís Americano, nascido em Aracaju, que veio para o
Rio de Janeiro em 1921 e nas duas décadas seguintes tornaria-se o principal clarinetista e saxofonista de choro e
Severino Rangel de Carvalho (Ratinho), natural de Itabaiana, que embora não tenha sido o primeiro a solar choros com
o sax soprano, foi o principal divulgador desse instrumento em nossa música popular.
25
como a da Orquestra Típica Oito Batutas, Orquestra Típica Pixinguinha-Donga e
maiores, incluindo outros saxofones. Além disso, Moura informa que a identificação
sonora do saxofone no jazz, foi atingida em 1939, com a música de Thelonious Monk,
Body and Soul, gravada pelo saxofonista americano Coleman Hawkins (1904-1969) e que
o saxofone na música clássica ainda não alcançara sua linguagem própria, ficando à
Brasil, Paulo Moura também cita Luís Americano como um dos principais saxofonistas da
época e aponta Ledário Teixeira, cego e originário de Alagoas, como um dos melhores
saxofonistas clássicos surgidos naquela época. Observou ainda que Teixeira utilizava o
saxofone tenor melody, instrumento afinado em Dó, e que este realizou várias gravações
20
Entrevista ao autor no dia 3 de agosto de 2001.
26
1.2- O saxofone na obra de Villa-Lobos
em forma de dobrado, sendo esta a primeira peça em que Villa-Lobos utiliza o saxofone
bailado Uirapuru (1917, RJ)23 e o Sexteto Místico24 (1917, RJ), que consideramos até a
saxofone.
Segundo seu Catálogo de Obras, o compositor entre 1909 e 1910, compôs para
violão um conjunto de peças indicados como dobrados e todas, com partituras não
De 1917 a 1939, existem registradas trinta e nove obras. De 1940 à 1958, foram
apenas quinze as peças que tiveram a participação desse instrumento. Sendo que, em
21
Segundo Paulo, existem gravações desse saxofonista em discos de 78 rpm, pertencendo a um pesquisador,
chamado Nireis e que mora no Ceará. Infelizmente não foi possível obtermos contato com ele até então. (entrevista ao
autor no dia 3 de agosto de 2001).
22
No Catálogo de Obras não existe referência de intérprete, data e local de estréia. A instrumentação é constituída de:
pic (Db), fl(Db), ob, cl(Eb), cl(Bb), sax sop, sax alto, sax tenor, sax barítono, clavicornes, saxhornes(Eb), cor(Eb),
pistões(Bb), bug, 3trb, 2barítonos, 2 bombardinos, contrabaixos(Eb) e (Bb), tambor, caixa clara, triângulo, pratos e
tímpano . Em outro catálogo, publicado por Luiz Paulo Horta, Heitor Villa-Lobos, 1986, a obra está registrada como Pró-
Max, o que constitui possivelmente um erro de digitação. Observa-se também que na partitura editada, inicialmente as
o
quatro vozes de saxofones executam a mesma linha melódica em uníssono. Somente a partir do 18 compasso cada
saxofone (soprano, alto, tenor e barítono) executa uma voz distinta.
23
Foi estreada em 25 de maio de 1935, Buenos Aires, com regência do autor (em função de gala em honra à visita do
a
Presidente Getúlio Vargas à Argentina). No Brasil teve sua 1 audição dia 6 de novembro de 1935 no Teatro Municipal
do RJ e apresentada no último concerto do compositor dia 12 de julho de 1959 em N. York. Na instrumentação temos:
pic, 2fl, 2ob, c.ing, 2cl, cl baixo, 2fg, cfg, sax sop, 4cor, 3trp, 3trb, tuba, tímp, tam-tam, sinos, reco-reco, coco, surdo,
tamborim, pratos, bombo, violinofone, xil, cel, glock, 2hp, pf, e cordas. Editora AMP (Catálogo de obras, 1989:60)
24
A formação instrumental é para flauta, oboé, sax alto, harpa, celesta e violão. Foi estreado somente em 16 de
novembro de 1962, no auditório da ABI durante o Festival Villa-Lobos. (Catálogo de Obras, 1989:121).
25
As oito peças escritas no período de 1909 a 1912, aparecem no Catálogo de Obras do compositor com os seguintes
nomes: Paraguaio; Brasil; Chorão; Saudade; Paranaguá; Cabeçudo; Rio de Janeiro e Padre Pedro. Além desses, está
registrado o Dobrado Pitoresco de 1910, também para violão solo. Além dessas, Encontra-se registrado no Catálogo de
Obras do compositor, o Choros nº13 (1929) escrito para duas orquestras e banda e o Choro nº14 (1928), para orquestra
27
1948, o compositor compôs a peça mais significativa do repertório brasileiro de saxofone,
e banda. Ambas partituras encontram-se perdidas, supomos que a partir de suas formações instrumentais, nestas
também estivesse incluído o saxofone. (Catálago de obras, 1989:50)
26
Como exemplo, temos a peça A Roseira (1932), escrita originalmente para quinteto de saxofones e que segundo o
Catálogo do compositor (1989), encontra-se com sua partitura perdida.
28
1936 a 1939- Canção do operário brasileiro (coro e banda); Descobrimento do Brasil (coro
e orquestra); Desfile aos heróis do Brasil (banda); New York sky-line melody (orquestra) e
Álbum nº1 (orquestra).
1940-Canção da Imprensa (coro e banda) e Saudade da juventude (orquestra).
1944-Bachiana nº8 (orquestra).
1945-Canções de cordialidade (canto e orquestra).
1947-Sinfonieta nº2 (orquestra) e Magdalena (coro e orquestra).
1948-Fantasia p/sax e orq. (sax soprano e orquestra de câmara).
1951-Rudá (orquestra).
1955/56-Yerma (solistas, coro e orquestra).
1957/58-Veleiro (canto e orquestra); Floresta do Amazonas (voz soprano, coro masculino
e orquestra); Cair da tarde (canto e orquestra); A menina das nuvens (solistas, coro e
orquestra); Canção do amor (canto e orquestra) e Melodia sentimental (orquestra).
1912 a 1932. Aqui, Villa-Lobos recorreu ao instrumento em trinta e uma obras. Mas,
observamos que foi de 1917 a 1929, incluindo-se alguns Choros27, onde o compositor
De 1933 até o ano de 1939, foram apenas nove peças e de 1940 a 1958,
sua obra.
sua vocação pelo novo e pela experimentação, o que justifica também a incorporação em
27
Choros: Nº7 (1924) – Sax Alto. Nº3 (1925) – Sax Alto. Nº8 (1925) – Sax Alto. Nº10 (1926,RJ) – Sax alto. Nº6
(1926) – Sax Soprano. Nº11 (1928,RJ) – Sax soprano e alto. Nº12 (1929, RJ) – 2 sax alto. Introdução aos Choros
(1929,RJ) – Sax alto.
29
européia. Posteriormente, faremos uma análise do conjunto de suas obras camerísticas,
Capítulo II
foi considerado pela maioria como um nacionalista e também responsável direto por uma nova linguagem musical.
Além disso, na qualidade de artista e educador o compositor deixou uma enorme contribuição cultural para o país.
Seria possível iniciar uma análise de sua obra a partir dos aspectos puramente musicais, mas existem fatos que
devem ser considerados na avaliação de sua produção artística. São esses: a iniciação musical com o próprio pai e o
ambiente musical em sua casa; a admiração por sua tia Zizinha 29, estudiosa da obra de Bach; a afinidade com a música
popular urbana e seus principais intérpretes; a personalidade inquieta que buscava encontrar novos caminhos; a sedução
exercida por compositores eruditos contemporâneos, como por exemplo Stravinsky e Varèse, assim como por artistas
oriundos da música popular tais como Eduardo das Neves, Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros, Pixinguinha, entre
outros. Considera-se ainda a polêmica sobre as diferentes viagens feitas pelo compositor em regiões brasileiras e
consequentemente, suas questionáveis incursões na floresta amazônica; o recolhimento de materiais sonoros ligados às
Vasco Mariz destaca o pioneirismo do compositor na construção do nacionalismo musical, quando refere-se à
“...o compositor carioca foi o desbravador, aquele que aplainou o caminho espinhoso da
brasilidade para as novas gerações. Sua obra atravessou, do modo mais brilhante, os dois primeiros
28
Neves (1977); Wisnik (1977); Mariz (1982); Kiefer (1986); Kater (1990); Béhague (1994).
29
Segundo Béhague (1994:4), seu nome era Leopoldina do Amaral. Para Adhemar Nóbrega, ela chamava-se Maria
Carolina, casada com José Jorge Rangel, o padrinho Zoza. (Nóbrega, 1971:12)
No Catálogo de Obras do compositor, consta o apelido de sua tia como Fifinha (Catálogo de Obras, 1989:17)
30
estágios do movimento e penetrou no mare tenebrosum do nacionalismo puro, exteriorizando, de
quando em vez e sem recorrer diretamente ao folclore, uma brasilidade espontânea e imaculada.
No Noneto, em alguns Choros, na sua música de câmara do período final, numa ou noutra
Bachiana, conseguiu a expressão musical do Brasil.
Villa-Lobos criou a música nacionalista no Brasil, despertou o entusiasmo de sua geração
para o opulento folclore pátrio, traçou, com linhas vigorosas, a brasilidade sonora. A obra de Villa-
Lobos representa o sólido alicerce sobre o qual os jovens compositores brasileiros estão
construindo um edifício sólido”. (Mariz, 1982:16)
O autor aponta a importância de Raul Villa-Lobos30 na formação musical de Tuhú31. Com o pai o compositor
aprendeu a tocar violoncelo e clarineta, além de freqüentar concertos e óperas. Esse hábito que durou alguns anos,
formalidade daquela música começou a desagradá-lo e assim o compositor procurou agarrar-se à algo diferente. (Mariz,
1982:23)
Verificamos que vários biógrafos mencionam o papel de sua tia Zizinha, boa pianista e entusiasta da obra
Cravo Bem Temperado que despertou a curiosidade e paixão do jovem Villa para a linguagem musical bachiana 32.
Segundo Gerard Béhague, esta fascinação transformou-se numa forma de conceber a linguagem de Bach como fonte
folclórica e universal acessível a toda humanidade. Villa-Lobos percebia afinidades entre a música de Bach e a música
folclórica e/ou popular brasileira, principalmente no que concerne à textura contrapontística e procedimentos rítmicos.
“A música de Bach vem do infinito astral para infiltrar-se na terra como música
folclórica e o fenômeno cósmico se reproduz nos solos, subdividindo-se nas várias
partes do globo terrestre, com tendência a universalizar-se”. (Nóbrega, 1971: 12)
Por outro lado, Villa-Lobos também demonstrava interesse pela música popular urbana. Apesar de seus pais
resistirem em aceitar tal interesse, principalmente sua mãe que o desejava ver à caminho do curso de medicina, o
compositor estudou violão e saxofone, instrumentos utilizados pelos grupos que executavam variados gêneros musicais
populares. Segundo Mariz, essa afinidade manifestou-se a partir da aproximação do compositor com conjuntos de
30
Raul Villa-Lobos, pai de Heitor Villa-Lobos, era funcionário da Biblioteca Nacional e promovia assiduamente
verdadeiros concertos camerísticos em sua casa (Mariz, 1982:25).
31
Apelido dado à Villa-Lobos em sua infância (Mariz,1982:23)
32
Segundo Mariz, esse interesse data de 1895, quando Villa-Lobos tinha 8 anos de idade. (Mariz, 1982: 25)
33
Villa-Lobos pertenceu a um grupo de seresteiros de escol. Seu quartel-general era o Cavaquinho de Ouro, na atual
Rua da Carioca, onde recebiam convites de toda a espécie para tocar nos lugares mais diversos. Faziam parte do
31
O autor define assim o processo de incorporação na música villalobiana das idéias
“Villa-Lobos tirou dos chorões ambiente para criar uma atmosfera nova de música.
Naquele meio, formou uma faceta da sua personalidade, aproveitando o que havia de
original. Entre os chorões, Villa-Lobos era o violão clássico e chegou mesmo a
influenciá-los, pois, à sua sugestão, Nazaré escreveu batuques, fantasias e estudos.
Reminiscências dessa época são encontradas na fuga da Bachiana Brasileira n.º1,
composta à maneira da música de Sátiro Bilhar” (Mariz, 1982:32).
“Conheci Villa-Lobos quando ele era um exímio chorão. Tocando em seu violão tudo
o que é muito nosso, com perfeição e gosto de um exímio artista, em companhia do
grande cantor e poeta Catulo, de quem ele é dedicado amigo” (Pinto apud Mariz,
1982:32)
pelo choro, segundo Cazes, Villa-Lobos foi um admirador confesso dos violonistas Sátiro
(1860-1927) e Quincas Laranjeira (Joaquim Francisco dos Santos, 1873-1935) 34, com os
quais o compositor conviveu nas habituais rodas de choro e assim pôde recolher
importante material para utilizar em sua obra. O autor cita ainda João Pernambuco, com
quem “Villa-Lobos tirou os elementos de base para sua obra violonística, considerada a
Em 1903, não podendo manter o interesse no curso de medicina, como sua mãe
desejava, foi morar com sua tia Zizinha. Naquele momento, o compositor tocando seu
grupo, cujo chefe era Quincas Laranjeira, os seguintes chorões: Luiz de Souza e Luiz Gonzaga da Hora (pistão-baixo),
Anacleto de Medeiros (saxofone), Macário e Irineu de Almeida (oficlide), Zé do Cavaquinho (cavaquinho), Juca Kalu,
Spíndola e Felisberto Marques (flauta). O repertório abrangia peças de Callado, Nazaré, Luiz de Souza e Viriato, entre
outros. (Mariz, 1982:32).
34
Cazes cita uma publicação da revista O violão, de 1929 ... “Quincas Laranjeira foi o avô do violão moderno. A ele se
deve mais do que a qualquer outro os primeiros passos no estudo do violão”. (Cazes, 1998:48)
32
conhecer pessoalmente artistas como Ernesto Nazareth, Eduardo das Neves e Anacleto
de Medeiros, assimilando das obras desses músicos, novos elementos que seriam
que sua interação com a música urbana, assim como sua vontade de aprofundar
informações, quer seja através de procedimentos intuitivos, quer seja através de seu
aprendizado teórico. Esses estudos incluíam autores clássicos e românticos, entre eles
Wagner (Tristão e Isolda) e Puccini (La Bohème), como também a leitura do método de
Nas primeiras edições de sua biografia (até 1982), Mariz afirma que o compositor
viagens feitas por diversas regiões brasileiras. Porém, são poucas as evidências sobre as
35
Revista Brasiliana , 1999, n.3 (set.), p.4.
33
razões de suas viagens, ocorridas entre os anos de 1905 e 191336. Ao longo de seu
artísticas que pudessem influenciá-lo e predispô-lo aos interesses pelo Brasil. Sua
viagens, mas enfatizou em diversas ocasiões seu especial ganho de liberdade, seu afeto
1994:5)
Béhague aponta a linguagem “multifacetada, não excludente e sem preconceitos” de Villa-Lobos, o que
significa dizer que o compositor tinha por temperamento captar e utilizar o que estava a sua volta, independente das
origens e de possíveis críticas. O autor ainda comenta, a partir de uma curta biografia sobre Villa-Lobos, escrita em
1929 por Suzanne Demarques para a La Revue Musicale, como vários biógrafos alimentam uma certa mítica em relação
a imagem do artista. Segundo ele, apesar disso, este fato não invalida no compositor a sua total identificação, percepção
e reação com as várias expressões culturais oriundas das terras brasileiras. Todo o material recolhido ou não por Villa-
Lobos, serviu-lhe através da vida para ser experimentado em sua obra, além de sua habilidade para convencer outros de
"Tanto quanto eu tentei moldar minha cultura, guiada pelo meu instinto e apreciação,
achei que só poderia alcançar uma conclusão consciente de conhecimento, através de
uma pesquisa, estudando trabalhos, que inicialmente não eram relacionados com
música. Então meu primeiro livro foi o mapa do Brasil, o Brasil em que eu marchei,
cidades e cidades, florestas, pesquisando a alma da terra. Então o caráter do povo e sua
terra. Por fim, a natural admiração por esta terra” . (Béhague, 1994:7)
Em relação às possíveis influências européias na música villalobiana, Bruno Kiefer, destaca a importância de
compositores como Ravel, Debussy, Saint-Saëns, Florent Schmitt, Paul Dukas, Vicent d’Indy e Darius Milhaud.
36
Mariz lembra que provavelmente essas incursões não ultrapassaram as cercanias das cidades de Belém e Manaus
(Mariz apud Béhague, 1994:7)
37
“Heitor Villa-Lobos: The Search for Brazil’s Musical Soul “ (Béhague, 1994).
34
Lembra ainda, a ambientação cultural oriunda da França, que tomava conta da cidade do Rio de Janeiro no início do
séc. XX. Além de outros aspectos, isso também justifica a atmosfera francesa e principalmente impressionista,
empregada por Villa-Lobos em obras compostas até o início da década de vinte, incluindo-se dois de seus trabalhos
camerísticos que fazem parte desta pesquisa, o Sexteto Místico (1917) e o Quatuor (1921).
Mais adiante, Kiefer comenta que essa influência francesa em Villa-Lobos se deu a partir de duas raízes: a do
pós-romantismo e a do impressionismo, principalmente de Debussy.
“Se Villa-Lobos podia, ao sentir outras influências, livrar-se delas com maior ou menor
esforço, de acordo com o que ele mesmo dizia: “Logo que sinto a influência de alguém, me sacudo
todo e salto fora”, já no caso da música francesa – manifestação de uma cultura da qual fomos
satélite durante muito tempo – o processo de libertação devia ser muito mais difícil, mais lento,
pois o que era francês impregnava o inconsciente das camadas cultas e, por conseguinte, também
de Villa-Lobos. Apesar de lutar constantemente no sentido de encontrar a sua própria
personalidade, apesar de todo seu esforço para aprofundar a auto-afirmação nacional, Villa-Lobos
iria pagar o tributo à música francesa ainda em 1921.” (Kiefer, 1986:34)
tudo que estava à sua volta, no que diz respeito à cultura popular ou as novidades da
suas experiências e ao mesmo tempo relutava em aceitar influências em sua obra. Mas, a
afinidade pela música francesa contemporânea ficou evidente, particularmente no que diz
respeito à técnica impressionista de Debussy, o que fez com que Villa-Lobos incorporasse
35
Milhaud esteve no país, pelo período de dois anos, como secretário de Paul Claudel,
Milhaud foi apresentado a Villa-Lobos, iniciando assim uma amizade entre ambos39 o que
segundo Kiefer, proporcionou uma influência direta sobre Villa-Lobos. (Kiefer, 1986:21)
especialmente pela música para piano composta por Ernesto Nazareth o que resultou
mais tarde na composição da suite Saudades do Brasil. Além disso, em suas memórias,
1918, veio pela 1a vez ao Brasil para uma série de concertos. Nesse encontro, o intérprete
posteriormente entre os artistas e platéias da Europa e EUA40. Vale também destacar que
no repertório do pianista, estavam incluídas também duas peças de Stravinsky 41, fato que
Assim, a influência da música francesa nas peças Sexteto Místico e Quatuor, não
também uma captação da atmosfera cultural francesa, vivida por todos na cidade do Rio
técnicas modernas correspondentes, foi estabelecida aqui no Brasil nos anos vinte.
Porém, já nos anos dez, alguns artistas visuais e poetas, buscavam seus próprios
38 a
É suposto que Villa tenha ouvido a música de Debussy pela 1 vez numa de suas viagens ao Nordeste,
especificamente na Bahia em 1907 ou 1908 (Béhague, 1994:9). A peça teria sido Cake Walk da suite Children’s
corners, que pareceu-lhe muito “popularesca” . (Mariz, 1982:36).
39
Segundo Kiefer, Villa-Lobos levou Milhaud a pontos de macumba e encontros com chorões e carnavalescos. (Kiefer,
1986:21)
40
(Béhague, 1994:10) Em entrevista para um jornal, Rubinstein declarou: “Villa-Lobos é um eminente artista, em nada
inferior aos grandes e modernos compositores da Europa. Ele tem todas as características de um gênio musical”.
(Guimarães et al. apud Béhague, 1994:10)
41
Uma das peças era Le Sacre du Printemps (Milhaud 1949:92)
36
caminhos, incorporando essas tendências modernas em suas produções
música, que iriam estar participando com alguns de seus trabalhos no evento da Semana
ele, esse evento... “foi apenas o instante de eclosão de um movimento renovador nas
artes e nas letras iniciado alguns anos antes”. Villa-Lobos, o único compositor brasileiro a
figurar nos programas da Semana, já tinha uma extensa obra escrita e por esta razão,
teria sido convidado para participar do referido acontecimento. O autor cita ainda que
nenhuma das composições villalobianas foram exclusivamente escritas para esse evento.
Estas, já haviam sido estreadas anteriormente, em sua maioria no Rio de Janeiro. (Kiefer,
1986:11).
brasileiros. Até então, nenhum outro compositor brasileiro tinha ousado e tentado instituir
uma nova linguagem nacional como fez Villa-Lobos, através de suas experimentações e
Segundo Wisnick, várias figuras literárias do movimento modernista, consideraram Villa-Lobos como o
principal porta-voz de um Brasil de contrastes culturais e identificaram os vários componentes de sua música, como
Graça Aranha, em conferência de abertura na Semana de Arte Moderna de 22, "A emoção estética na arte
42
Mário de Andrade deu um significante relato histórico, em 1942, em uma leitura sobre a experiência e
desenvolvimento do movimento modernista nas artes brasileiras. Ele viu, em dezembro de 1917, a exibição da pintora
cubista Anita Malfatti (1896-1964), como o verdadeiro começo do “período histórico” do “modernismo” que culminou na
“festividade” da Semana de Arte Moderna de São Paulo, em 1922, ano da comemoração do centenário da
independência do Brasil ( Béhague, 1994:11-12).
37
“um artista de remarcáveis habilidades, de um excepcional
temperamento e com sua extravagante música irá chocar aqueles
que reagem dirigidos pela força do passado... (Aranha apud
Béhague 1994:14)
Consideramos assim, que a identificação de Villa-Lobos com a Semana de Arte
moderna foi relevante porque esta ter sido um marco de modernização na arte brasileira.
admiração do autor por Villa-Lobos, não o impediu de questionar a forma como o artista
“(VL) Está criado por isso nesta fase de agora uma música tão
contundente, tão extra-sonora pela sua predominância de ritmo, pelo
valor absolutamente imprescindível de timbres, que em certas obras
/.../ cria um compromisso imediato entre o som e plástica. Não é à toa
que ele fala constantemente em “blocos sonoros” e anda
impressionado com as tentativas do franco-americano Edgar Varèse.
Na verdade não são os “blocos sonoros” que o impressionam tanto
assim, mas é que descobriu nessa expressão o verdadeiro sentido de
muita coisa que ele mesmo inventa, nessa quasi-música que tanto o
43
apaixona agoramente” (Andrade apud kater, 1990:53)
43
Andrade, Mário de. Villa-Lobos, manuscrito pertencente ao Acervo Mário de Andrade, Instituto de Estudos
Brasileiros/USP. (Kater, 1990:65)
38
“a música de Villa-Lobos é uma das mais perfeitas expressões
44
da nossa cultura”. (Ronald apud Kater, 1990:53)
Nos anos vinte, Villa-Lobos inicia sua carreira internacional e em 1923, com ajuda
artistas importantes da época, entre esses estavam: Roussel, Dukas, Schmitt, Honegger,
d’Indy, Ravel, de Falla, Stravinsky, Prokofiev, Casella, Varèse, Segovia, Tomás Terán,
Joaquín Nin e também críticos musicais parisienses como Henry Prunières, Paul Le Flem
e Tristan Klingsor. Durante essa sua primeira estada em Paris, as obras de Villa-Lobos
por sociedades como por exemplo a Embaixada Brasileira, que promoveu o concerto do
dia 30 de abril de 1924, onde entre várias peças, o compositor mostrou ao público pela
primeira vez o Noneto, peça esta, considerada pelos autores como uma das mais
44
Carvalho, Ronald. A música de Villa-Lobos, in: O Estado de São Paulo, 17/02/1922.(Kater, 1990:65)
39
Carlos Kater, em artigo para a revista Em Pauta (1990)45, aponta paralelismos entre o Noneto e a Sagração da
Primavera de Igor Stravinsky. Aqui, entre outros exemplos, o autor destaca a introdução de ambas as peças, uma feita
45
Aspectos da modernidade de Villa-Lobos
40
(Fig.2, Noneto, Saxofone solo)
41
A respeito do conhecimento de Villa-Lobos pela obra stravinskiana, não se sabe exatamente quando este
iniciou-se. No acervo de Vera Janacopoulos, na biblioteca da UNIRIO-RJ, encontra-se uma cópia manuscrita da peça de
Stravinsky, Pribaoutki, assinada por Villa-Lobos e datada de 1920 (Lago,1999:12). Isso contradiz a afirmação de Luiz
Heitor, de que o compositor só conheceu a música de Stravinsky no ano de 1923, em Paris. (Heitor apud Kiefer,
1986:21).
estada inicial na Europa, Villa-Lobos pode realmente mostrar sua criativa obra,
sedimentar ainda mais seus contatos com outros importantes artistas e definitivamente,
deixar seu nome entre os mais novos e expressivos modernistas daquele momento.
apresenta-se também como regente e dirige três orquestras de festivais em Buenos Aires.
concerto os Choros n.º3 e n.º10. Em 1927, juntamente com sua esposa Lucilia
Guimarães, Villa-Lobos volta à Paris para mais um período de 3 anos, contando com o
apoio de amigos como Arthur Rubinstein e Carlos Guinle 46 que intercederam nas
negociações com a editora Max Eschig, para a realização da edição de suas obras.
46
Guinle cedeu à Villa-Lobos seu apartamento em Paris, onde passou a ser encontro de diversos artistas da Europa e
América do Sul (Béhague, 1994:18)
42
Em artigo para o jornal Le Monde Musical, L. Chavalier declara:
Segundo Neves, a obra de Villa-Lobos até por volta de 1917, não atinge ainda um
exteriores, oriundas das obras de Puccini, de Liszt e de Debussy. Mas ainda segundo o
autor:
Neves aponta ainda os elementos que, em sua opinião, fundamentaram a linguagem musical de Villa-Lobos.
Entre esses, estaria principalmente o ritmo como um dos traços característicos da sua produção. Para ele, o compositor
sintetizou de modo admirável toda a constância da rítmica brasileira, em sua multiplicidade e com todo o seu vigor. A
organização harmônica, que revela sempre uma grande liberdade tonal que o levaria, com o correr dos anos e da
experimentação constante, à bitonalidade e à politonalidade, atingindo mesmo em certas obras a total atonalidade. Isso,
não pela influência de novas teorias harmônicas que o compositor conheceu já em sua maturidade artística, mas pela
exploração do material que lhe era oferecido pela criação popular de seu país e por um simples imperativo étnico-social.
Por fim, a concepção orquestral, que parece ser um dos pontos de maior relevo em sua criação, garantindo posição de
destaque para Villa-Lobos, pelo conhecimento profundo das possibilidades de cada instrumento e pela maneira como
43
“... Este compositor, dotado de prodigiosa vitalidade e poder criador,
foi sempre incapaz de se deter para aperfeiçoar e desenvolver processos,
seguindo sem reagir o fluxo poderoso que lhe brotava da mente”. (Neves,
1977: 10-11)
concertos no Rio de Janeiro e S. Paulo e logo após, volta à Europa. Nesse momento seu
alicerce para que ele, Villa-Lobos, pudesse obter um significativo número de elementos
Um dos trabalhos mais completos sobre o assunto, foi realizado por James Butler
que inclui o saxofone, quer seja orquestral e/ou camerístico, quer seja solístico, uma vez
44
completas. Partindo dessa constatação, o autor relaciona e analisa algumas das que
foram encontradas, tendo como critério de escolha, aquelas que a princípio tem mais
aspectos da música popular urbana brasileira e aponta influências desse material na obra
irá se deter inicialmente no estudo de gêneros populares como o Choro, Lundu, Modinha,
parte da obra villalobiana. Butler explica as origens dos gêneros e aponta alguns aspectos
comum e característico nos vários estilos dessa música popular. Butler deu especial
nossa preocupação, referente aos motivos pela qual o compositor incluiu o saxofone em
sua obra. Segundo David Appleby (Appleby apud Butler, 1994:89-90), até o presente
alternativas:
47
Heitor Villa-Lobos: The compositional use of the saxophone in orquestral, chamber, and solo repertorie (Butler, 1994)
45
Esses não parecem ser argumentos suficientes, mas de alguma forma procedem
interesse do compositor pela coloração timbrística, além do fato do saxofone, estar sendo
Assim como Butler, nós reconhecemos a importância e o possível alicerce que a música
popular urbana tenha dado ao compositor, para que ele inserisse o instrumento em sua
obra. Mas, fica claro que ainda não temos informações precisas para afirmar essa
questão.
Em seu trabalho, o autor faz uma análise mais abrangente apenas de três obras,
daquelas que estão incluídas em nosso trabalho. São essas, o Noneto, o Quatuor e a
Fantasia (anexo 1), todas essas editadas pela Max Eschig. Nas outras, Butler apenas
obtivemos algumas fontes que nos serviram para examinar o repertório aqui abordado.
Observamos também, que nos estudos que procuram identificar influências na obra
46
Capítulo III
Simbólico, 1921), Noneto (1923), Choros n.º7 (Settimino, 1924) e Choros n.º3 (Pica-
Em relação aos trechos mais movidos, são estes poucos e não apresentam
Místico, onde encontramos algumas escalas e arpejos, o Choros n.º7, com pequenos
assim, nenhum deles é de difícil execução para um saxofonista que tenha alguma
O Sexteto Místico e Quatuor, datados de 1917 e 1921, são duas peças compostas
Entre outros, esse aspecto é pertinente para justificar a ambientação impressionista dada
47
novos timbres. Nesta peça, o saxofone, o violão, a harpa e a celesta, estão sendo
A obra foi escrita para flauta, oboé, saxofone alto, violão, celesta e harpa. O
saxofone está inserido numa ampla polifonia, através de imitações melódicas, pequeno
pelo violão e o “sentido universalista”, que coloca a peça à parte na música de câmara
expressivas, algumas em intervalos de 3as, 6as e uníssono com a flauta, além destas
impressionista e assume uma linguagem mais nacionalista. Aqui, Villa-Lobos inclui uma
com mais vigor nos ataques e articulações melódicas. O que significa uma maior
48
facilidade para o saxofonista, devido ao potencial sonoro do instrumento. Excetuando-se
na introdução, o saxofone não tem uma participação mais destacada na peça. Apenas
Nos Choros n.º7 (1924) e n.º3 (1925), a inserção do saxofone acontece de forma ainda mais discreta. Nas
peças anteriores, Villa-Lobos parece procurar novas sonoridades obtidas de diferentes fontes, mas nestas últimas o
As duas peças tem caráter distintos e optamos por analisar apenas o Choros n.º7,
uma vez que nos Choros n.º3, tanto o saxofone como os outros instrumentos de sopro,
acentos em notas curtas, além de uma rápida participação melódica. Aqui, o instrumento
repete uma frase em forma de ostinato, com o motivo rítmico brasileiro sincopado, que
Uma outra questão, está no fato pelo qual um dos tipos de saxofone da família, o
Saxofone Alto, ser o mais utilizado nesse conjunto de peças. Apenas no Noneto, o
Porém, o saxofone utilizado no restante desses trabalhos, foi o contralto. Talvez pelo fato
49
flauta, oboé, clarineta, violino e a dos médios e graves como a do fagote, violoncelo e
trompa.
(Allegro non troppo, Piu mosso, Adágio e Quasi allegro), com diversos climas e
Fig.4 b: c.51-53 e Fig.4 c: c.54-56), movimento melódico cromático (Fig.5: c.120-121; 163-
164), escalas inteiras (Fig.6 a: c.13-14; c.23; Fig.6 b: c.31-32; Fig. 6 c: c.42-44; c.75),
escalas articuladas por diferentes intervalos (Fig.7 a: c.38-40; Fig.7 b: c.97), alternância
50
Fig.3 a
51
Fig. 3 b
52
Fig. 4 a
53
Fig. 4 b
54
Fig. 4 c
55
Fig. 5
56
Fig. 6 a
57
Fig. 6 b
58
Fig. 6 c
59
Fig. 7 a
60
Fig. 7 b
61
Fig. 8 a
62
Fig. 8 b
63
Fig. 9 a
64
Fig. 9 b
65
Fig. 9 c
66
As idéias brotam, os diálogos fluem, variações e imitações acontecem. A harpa, o
linhas melódicas (Fig10 a: c.3 e 7; Fig.10 b: c.38-39), fazendo transição entre elementos
acompanhando em ostinato um solo de oboé (Fig. 13: c.97-99), executando notas pedais
(Fig. 14: c.138-148), realizando polifonias (Fig. 15: c.13-19), compartilhando melodias em
oitava com o oboé (Fig. 16 a: c.41-44 e Fig. 16 b: c. 45-48) e com a flauta (Fig. 17: c.112-
115).
67
Fig. 10 a
68
Fig. 10 b
69
Fig. 11
70
Fig. 12
71
Fig. 13
72
Fig. 14
73
Fig. 15
74
Fig. 16 a
75
Fig. 16 b
76
Fig. 17
77
O saxofone está escrito em um registro confortável para a execução, seja nos solos
instrumento.
Janeiro, aliado à chegada de Darius Milhaud na cidade, foram alguns dos fatos
contemporânea. (Béhague,1994:9-10)
78
3.2- Quatuor (Quarteto Simbólico), 1921
da vida mundana”, foi composto no Rio de Janeiro e editado pela Max Eschig. Divide-se
em três movimentos: Allegro com moto, Andantino (calmo) e Allegro deciso. Seguindo a
mesma tendência experimental, o compositor utiliza quatro dos seis instrumentos da obra
anterior: harpa, celesta, flauta e saxofone alto, acrescentando vozes femininas 48. Villa-
Lobos assim definiu sua obra: “projeção de luzes e cenário adequado para suprir uma
aqui emprega o saxofone com maior destaque, utilizando efeitos percussivos (Fig.18: c.4
48
As vozes femininas são dois sopranos e dois contraltos, que alternam momentos percussivos e melódicos, através da
utilização de recursos de boca chiusa e efeitos onomatopaicos.
79
e 8), melodia em oitava com a flauta (Fig. 19: c.33-43), frase transitiva em ostinato (Fig.
Fig. 18
80
Fig. 19
81
Fig. 20
82
Fig. 21
83
No 2º movimento, a entrada das vozes femininas a partir do 16º compasso,
Entre os compassos 140 e 146 (Fig.22), o saxofone realiza uma expressiva linha
Fig.22
84
No 3º movimento, mais ritmado em algumas seções, o saxofone trabalha com
Fig. 23 a
85
Fig. 23 b
86
Fig. 24 a
87
Fig. 24 b
88
Dos compassos 162 ao 172 (Fig.42), com ornamentações oitavadas, notas
Fig.42.
89
3.3- Noneto, 1923
parece indicar uma certa retomada do caráter da peça anterior, tendo em vista a
O Noneto está datado de 1923, Rio de Janeiro. Aqui também existe dúvida quanto
compositor russo em Paris. Estudos recentes revelam que antes daquela viagem, Villa-
14).
90
com efeitos peculiares (Machado, 1999;50). Além desse recurso, o compositor utiliza
juntamente com o fato de, nesse período, a música do compositor russo Stravinsky
rítmica.
Fig.25
91
92
Na seqüência, o compositor o utiliza fazendo pequenos solos (Fig. 26: c.56-60),
Fig.26
93
Fig.27
94
Nos c.76-80 (Fig. 28), o saxofone faz uma linha melódica de movimento cromático
celesta e piano.
Fig. 28
95
No c.98 (Fig. 29), o compositor substitui o saxofone alto pelo barítono,
Fig. 29
96
O saxofone barítono realiza um solo entre os c.102-111 (Fig. 30), blocos
Fig. 30
97
Fig. 31a
98
Fig. 31 b
99
No c.147 (Fig. 32), o saxofone alto retorna em blocos harmônicos. Frases curtas,
rápidas e de afirmação motívica entre os c. 175-177; 186-191 (Fig. 33) e um pequeno solo
Fig. 32
100
Fig. 33
101
Fig. 34
102
Entre os c.213-215 (Fig.35), animato, surge pela primeira vez um efeito de
glissando, sugerindo um caráter jazzístico para aquele momento da peça. Esse efeito
retorna no c.221 e 223 (Fig.36). A partir daí, excetuando alguns pequenos solos, o
Fig.35
Fig. 36
Nas duas peças anteriores nota-se uma preocupação experimental nos níveis de
103
linguagem musical da música de câmara brasileira. A partir do Noneto, nota-se, além das
integram o grande ciclo dos Choros, considerado por vários musicólogos como o ponto
Villa-Lobos:
“... ao se dedicar à composição, lhe vinha uma idéia por demais avançada.
Construía então a sua obra, mas lhe dava um número elevado na série, esperando mais
tarde algo de intermediário”.
104
O Choros n.º7, escrito para flauta, oboé, clarineta saxofone alto, fagote, violino e
violoncelo, mostra uma textura densa, quase orquestral, com solos curtos e blocos
harmônicos.
apresenta um ostinato de violino, com uma melodia de 3as paralelas feita pela clarineta
com cello e uma rápida intervenção da flauta (Fig.37 - c.3). A peça, gradativamente,
(Fig.38).
Fig.37
105
Fig.38
106
Do c.40 ao c.151 (Fig.39: c.40-47 e Fig.40: c.48-56), ele integra-se à textura
107
Fig.39
Fig.40
108
Do c.152 ao c.168 (Fig.41: c.152-162 e Fig.42: c.163-168), o saxofone e a flauta
109
Fig.41
Fig.42
110
Depois, até o final da peça, o saxofone segue fazendo curtas intervenções (Fig.43:
111
c.211-217 e Fig.45 b: c.218-228) e frases que irão ser sistematicamente repetidas em
Fig.43
Fig.44
112
Fig.45 a
113
Fig.45 b
114
Fig.46 a
115
Fig.46 b
116
Na peça prevalecem características da música popular brasileira urbana, através
117
3.5- Choros n.º3 (Pica-Pau),1925.
O Choros n.º 3 (Pica-pau), escrito para coro masculino (tenor I e II, barítono e
baixo) e sete instrumentos de sopro (clarineta, saxofone alto, fagote, três trompas e
118
trombone) é dedicado a Tarcila e Oswald de Andrade e esta baseado no tema Nozani-na,
recolhido por Roquete Pinto. Segundo Béhague (1994:77), é uma peça curta que aparece
coro, Villa-Lobos aplica um tratamento quase orquestral à peça. A obra é curta, com uma
polifonia coral despojada. Elementos da música popular urbana criam uma ambientação
de caráter nacional.
coro, como no trecho entre os c.36 e c.49 (Fig.47 a: c.36-46 e Fig.47 b: c.46-50),
Fig.47 a
119
Fig.47 b
120
Apesar da ampla utilização de ostinatos, há recorrência de acentos súbitos de
dinâmica, fortalecendo assim o sentimento popular da peça. Outros efeitos são: recursos
b: 31-32).
121
Fig.48 a
122
Fig.48 b
123
124
Fig.49 a
125
Fig.49 b
126
Fig.50 a
127
Fig.50 b
128
Neste repertório, Villa-Lobos utiliza o saxofone pela primeira vez na
instrumental.
nacionais, criando uma textura sonora peculiar, na busca de algo novo e com
não excludente”.
A partir deste estudo, tentaremos no próximo capítulo estabelecer possíveis relações entre este
conjunto de obras aqui tratado e a Fantasia para saxofone soprano e orquestra de câmara, composta em
1948, obra de destaque no repertório brasileiro de saxofone. Considerando que a Fantasia apresenta um
Capítulo IV
129
A Fantasia para Saxofone Soprano e
Orquestra de Câmara (1948)
O manuscrito autógrafo, nos indica que a Fantasia foi iniciada em Nova York e
Spilman, nascido em 1911 na Polônia, veio para o Brasil com dezessete anos e foi
durante quase três décadas, o spalla dos segundos violinos na Orquestra Sinfônica
convidou Spilman para interpretar sua Fantasia, uma vez que Marcel Mule a quem fora
soprano, a peça foi executada inicialmente com o saxofone tenor, já que Spilman não
49
Spilman foi também o primeiro músico aqui no Rio de Janeiro, a executar a parte de saxofone tenor do
Bolero de Ravel em concerto realizado também pela OSB. Ele relata que naquela época, quando
necessário, a direção da OSB recorria a ele para a execução de partes de saxofone tenor. (Entrevista ao
autor, 27 de dezembro de 1999)
50
Esses instrumentistas eram também oriundos da OSB e além dos bailes, tocavam nos cassinos.
(Entrevista ao autor dia 15 de fevereiro de 2001)
51
O compositor, mostrou-se favorável à utilização do saxofone tenor e deixou com Spilman uma versão
para saxofone e piano. Após quinze dias, esta foi apresentada à Villa-Lobos com a participação do
pianista Vieira Brandão. (Entrevista ao autor, 27 de julho de 1999)
130
É curioso o desinteresse de Mule52, uma vez que a Fantasia lhe foi dedicada e
tornou-se também uma das mais importantes obras já escritas para saxofone soprano.
Hoje, esta é a peça brasileira mais executada e gravada para aquele instrumento.
original, em Sol Maior, tenha levado Mule a não se interessar pela peça. Argumento
justificável, uma vez que algumas frases musicais apresentam notas que se
também que os saxofones daquela época, não tinham tantos recursos mecânicos
A versão escrita em Fá maior utilizada por Spilman na estréia da peça, parece não
mais seguro e maduro quanto à exploração dos recursos técnicos do instrumento. Nas
entre 1925 e 1948, ele não deixou de lado sua afinidade por esse instrumento,
utilizando-o em obras significativas com os Choros n.º6 (1926) e n.º11 (1928), entre
outras.
52
Como foi dito no capítulo II deste trabalho, Mule já naquela época e até o presente momento, é
mundialmente o mais reconhecido intérprete do saxofone erudito
131
A análise a seguir, tem como objetivo contribuir para que o intérprete tenha
uma visão mais abrangente do conteúdo da peça. Nesta, partindo-se da análise feita
consultamos as duas versões da partitura, mas aquele autor teve acesso apenas à
manuscrito.
(v.anexo 1, p.5), com um caráter introdutório; a segunda do c.37 ao c.68 (p.8), seção
denominada pelo autor como Moins, sobre um motivo temático sincopado oriundo de
gêneros da música popular brasileira urbana; a terceira do c.69 ao c.96 (p.12), com
n.º 5, de 1945; finalmente do c.97 ao c.116 (p.15), voltando ao tema do Moins; ainda
do c.116 até o final temos uma codeta, com o saxofone apresentando uma seqüência
de acordes arpejados.
Lobos. Porém, não podemos aqui afirmar se houve alguma influência do compositor
Inicialmente, a viola faz a introdução onde apresenta a frase que irá ser repetida, logo
em seguida uma 4a justa acima, pelo saxofone. Observamos aqui, que podemos
53
Sexteto Místico (1917), Quatuor (1921), Noneto (1923), Choros nº7 (1924) e Choros nº3 (1925).
54
Heitor Villa-Lobos: The compositional use of the saxophone in orchestral, chamber and solo repertoire
(Butler, 1994: 339 p.)
55
Os movimentos dessa suite são Vif, Modéré e Brazileira.
132
encontrar uma certa similaridade na concepção deste movimento com o Sexteto
Místico, de 1917. Lá, temos uma seção Adágio, em que o solo é apresentado na voz
denominada por ele como Db (re bemol) lídio-mixolídio com o 6o grau abaixado.
Acreditamos porém, que isso possa ter sido apenas fruto de uma “intuição”, onde o
desafio para o intérprete. Mais uma vez, observa-se aqui a utilização de elementos
133
4.1- 1o Mov.: Animé
Neste movimento destacamos aspectos e formas rítmicas empregadas pelo compositor, como o
contraste a partir da alternância dos compassos 3/2 e 2/2, além da utilização de “polirritmia implícita”,
resultante da simultaneidade dos compassos 3/2 e 12/8 entre as vozes do solista e da orquestra, mas não
Para descrever esse recurso rítmico expressivo, Butler recorreu ao conceito de polirritmia
implícita já expresso por diferentes autores, como Stefan Kostka, Joel lester e Oliver Messiaen. Para
estes, a utilização desse recurso viria resolver dificuldades de execução em estruturas polirritmicas.
(Butler, 1994:241-242)
em forma de arpejo. No c.5 (v. anexo 1,p.1), instala-se uma ambigüidade rítmica, uma vez que o
compasso está grafado em 3/2, mas o impulso rítmico sugere o compasso 12/8. O primeiro violino
executa uma seqüência com três grupos de quatro colcheias, enquanto a viola, cello e contrabaixo, em
ritmo de colcheias intercaladas por pausas, pontuam aquelas que seriam as primeiras de cada um desses
grupos. Este recurso expressivo, amplia-se pela alternância constante dos compassos 3/2 e 2/2, em uma
periodicidade de dois em dois compassos, até o início da nova seção no c.37, Moins (p.5).
A partir do c.13 (p.2), o saxofone irá executar essa mesma célula rítmica feita no c.5, pelos
primeiros violinos. De acordo com nossa experiência e a de outro intérprete 56, consideramos que também
na voz principal a acentuação implícita no compasso de 12/8, é natural e facilita a execução do intérprete.
Esta seção inicial ritmicamente marcada, tem um caráter introdutório. O solista inicia sua
participação no c.6 (p.1), executando três diferentes oitavas da nota dó, em movimento descendente e a
partir da região aguda, acrescidas com acento de sfforzando em cada uma delas, formando uma passagem
que exige determinação, segurança e preocupação com a afinação. Até o c.37, Moins (p.5), o compositor
explora a região média e aguda do instrumento, utilizando arpejos, articulações diferenciadas de stacattos
e/ou ligaduras. Estas não são de extrema dificuldade técnica, mas exigem precisão de embocadura e
56
Na mesma entrevista feita com Paulo Moura, o mesmo confirmou essa questão.
134
No c.37, Moins (p.5), inicia-se uma nova seção em andamento mais lento, onde o saxofone
apresenta uma expressiva linha melódica com frases sincopadas e de caráter modinheiro57 (fig.51). Aqui,
instrumento, com articulações de ligaduras, facilitando uma interpretação dolce e expressiva da linha
melódica.
Fig.51
57
Este termo refere-se ao gênero brasileiro, denominado de modinha.
135
Até o c.49 (p.6), paralelamente a essa frase do saxofone, a orquestra executa apenas um
acompanhamento, com efeitos em notas longas, ligadas, antecipadas e também com larga utilização de
cromatismos entre as vozes. Esse trecho não apresenta maiores dificuldades técnicas para o saxofonista,
embora o intérprete deva manter uma maior preocupação na pulsação do ritmo, sem perder a liberdade de
sua interpretação.
seqüência de compassos de 3/2. Aqui, discordamos dessa interpretação, sob o argumento de que não
tenha havido essa preocupação. Acreditamos sim, que Villa-Lobos apenas complementou suas idéias
fraseológicas, independente daquela regularidade sugerida por Butler. Assim, observamos que a frase está
dividida em dois membros e que o segundo seja menor, caracterizando assim uma frase irregular no
número de compassos.
A partir do c.50 (p.6), os violinos executam a melodia principal no intervalo de quinta justa
abaixo, apresentada pelo saxofone no c.37 (p.5). Enquanto isso, as outras cordas seguem fazendo um
acompanhamento de menor complexidade, com notas longas para preencher a harmonia da obra. O
saxofone aqui, faz um acompanhamento com diferentes desenhos melódicos, ascendentes e descendentes
e as trompas, a partir do c.53 (p.7) executam acordes cerrados como reforço harmônico.
quiálteras, onde levantamos aqui a possibilidade deste ser similar aquele encontrado em determinados
fig.52 a
136
fig. 52 b
137
Entre os c.60-64 (p.8), acontece um pequeno repouso no movimento rítmico, onde o saxofone
executa a mesma linha das trompas, mais precisamente em oitava com a terceira trompa. Do c.65 ao c.68
(p.8), o saxofone executa uma nova seqüência de notas arpejadas, em movimento ascendente,
descendente e vice-versa, enquanto as trompas terminam a frase anterior em forma de diluição rítmica.
Do c.69 ao c.76 (p.9), o saxofone mantém-se na região aguda, estabelecendo com os violinos um
diálogo de pequenos motivos. Do c.77 ao c.96 (p.10 -12), volta a fazer aquelas seqüências de escalas com
intervalos e quiálteras, enquanto a orquestra se mantém com pequenas incursões, eventualmente como
acontece no c.86 (p.11), com o violino executando a pequena idéia motívica já ouvida nos c.71 e c.72
(p.9). Durante quase todo esse trecho, o saxofone está mantido em seu registro mais agudo, dando assim
No c.97 (p.13), temos a rexposição da seção Moins, com uma pequena variação a partir do c.113
(p.14). Enquanto na primeira seção, c.53 e c.54 (p.7), tínhamos um Si bemol maior, com o saxofone
realizando um re natural na melodia, aqui no c.113 e c.114 (p.14), temos um Sib menor na harmonia e um
138
re bemol na melodia do saxofone. Da mesma forma, aparecem modificações no acompanhamento
orquestral.
A partir do c.115 (p.15) aparece uma codeta. O saxofone até o c.117 (p.15), realiza notas
arpejadas no primeiro grau e do c.118 ao c.120 (p.15), uma pequena seqüência descendente do registro
agudo para o médio, em notas arpejadas, passando pelos 3 o, 7o graus e voltando ao 1o grau do tom
principal. Do c.121 ao c.123 (p.16), executa uma nota longa, enquanto a orquestra apresenta uma frase
curta aludindo ao tema sincopado do Moins. O movimento termina em um Tutti na tônica do tom
principal.
Nota-se neste primeiro movimento, uma ênfase em diferentes estruturas rítmicas e tendo a
orquestra com uma textura polifônica. Na seção central, o Moins, com um caráter rítmico oriundo da
música popular urbana é explorado, tanto pelo solista como por parte da orquestra. Observamos também
que a mudança de tonalidade para de Sol Maior para Fá Maior, feita pelo compositor, foi fundamental
para uma execução mais confortável. Na tonalidade original, a execução das passagens de maior
139
que essa estrutura tenha sido mais um fruto de processo intuitivo, do que de
peça, este relatou sua sensação por uma atmosfera oriunda da música
justificassem a afirmativa58.
também a última nota feita pela viola no solo. Esta frase ocorre mais duas
vezes durante o movimento, a partir dos c.16 (p.19) e c.23 (p.21) com
saxofone realiza uma curta ponte cromática chegando ao início de uma codeta,
Aqui, Villa-Lobos explorou o lirismo do saxofone com frases em variadas articulações e arpejos,
assim como fez no movimento anterior. Inicialmente, o compositor explorou a região mais aguda e menos
140
confortável para o executante, principalmente na versão para o saxofone soprano. Fato este, que de certa
forma constitui-se em um desafio para o instrumentista, pela dificuldade da afinação desse registro do
instrumento. Mas ao longo do movimento, com a realização das variações rítmicas, o instrumento
envereda por outros registros e também observa-se, que a concepção rítmica das frases solísticas, seriam
uma longa frase se estende por toda uma seção em adágio, à maneira de um
recitativo.
58
Entrevista ao autor feita no dia 3 de agosto de 2001.
141
fig. 53 b (Solo de Sax soprano no 2º Mov. da Fantasia).
142
4.3- 3o mov.: Trés animé
Esse movimento está escrito no compasso de 7/4 (3/4 + 4/4) e por isso, Butler (1994:262)
considerou-o de caráter assimétrico, constituindo um desafio para os executantes que não estão
acostumados com esse tipo de compasso. Acrescenta-se a utilização irregular de grupos com “divisão
143
rítmica implícita” dentro do compasso o que a princípio, significa um fator de maior dificuldade para o
saxofonista (1994:262). Porém, discordamos dessa afirmação, pois consideramos que a dificuldade maior
uma linguagem mais universal e em alguns momentos, mais uma vez alude às idéias utilizadas em seu
Em ambas as partituras, tanto a manuscrita como a editada, o compasso está grafado em 7/4 (3/4
+ 4/4), sugerindo alternância de ritmo ternário e quaternário, assim como ocorre nos c.13 nas vozes
O grupamento de tempos na voz do saxofone, muitas vezes contrasta verticalmente com outros
que estão simultaneamente em um ou mais instrumentos da orquestra. Isso, cria uma vitalidade rítmica na
peça. Mas, em alguns trechos, esses grupamentos coincidem entre todos os instrumentos. (Butler,
1994:262)
Dividimos esse movimento em quatro seções distintas, a primeira uma introdução até o c.8
(pág.24), que apresenta a frase inicial do primeiro tema. A segunda, o A, tema e desenvolvimento indo do
c.9-34 (p.25-31). Esta estará subdividida em três partes do c.9-14 (p.25-26); c.15-34 (p.26-31); c.35-54
(p.31-34). A terceira, A’, rexposição indo do c.55-64 (p.34-37) e finalmente a última seção, o Presto do
O movimento inicia com uma entrada sucessiva das cordas, onde os contrabaixos executam a
melodia principal, dividida no grupamento de 3+4. Essa melodia irá ser repetida por outros instrumentos
até a primeira entrada do saxofone no c.9 (p.25), o qual irá apresentar inicialmente a mesma frase ouvida
anteriormente pelas cordas, porém com uma variação no final da mesma. (Butler, 1994:262)
Esse motivo rítmico inicial, é similar com aquele apresentado no início do Sexteto Místico (fig.
54. A e 54 b).
144
fig. 54 b (Fantasia)
145
Na Fantasia, a articulação inicial predominante na exposição do tema, será a de stacatto. No c.9
(p.25), o saxofone apresenta com as mesmas articulações e notas, a frase utilizada pelos contrabaixos no
início do movimento. A partir do c12 (p.25), apresenta-se um trecho em arpejos e ornamentos, com uma
virtuosística frase do solista. O grupamento implícito até então, é de 3+4 tempos em toda a orquestra.
Porém, no c.13 (p.26) ocorre uma ambigüidade quando os contrabaixos e violoncelos fazem 3+4 tempos,
enquanto o restante da orquestra faz 4+3 tempos. No c.14 (p.26), volta a divisão implícita de 3+4 para
A partir do c.15 (p.26), a voz solista apresenta o início de uma seção expressiva e transitiva,
com menos movimento rítmico. Ao longo desta, o saxofone estará mantido na sua região aguda e de
rítmico da voz solista. Especificamente dos c.17 (p.27) a 22 (p.28), ocorre uma inversão da divisão
interna do compasso, mostrando implicitamente uma divisão de 4+3 tempos. No c.23 (p.28), a voz solista
inicia a preparação de uma nova parte desta seção, com movimentos rítmicos na forma de variados
intervalos, arpejos ascendentes e descendentes, além da utilização de quiálteras. Do c.24 (p.28) ao c.33,
retorno ao virtuosismo na voz do saxofone. No c.25 (p.29), o instrumento executa uma seqüência de
No c.34 (p.31), temos uma nota longa escrita para o saxofone, sugerindo um pequeno repouso,
enquanto a orquestra realiza uma seqüência de seminimas, preparando a entrada de uma nova parte do
desenvolvimento, no compasso de 4/4. Do c.35 (p.31) até o c.43 (p.32), o compositor utiliza uma idéia
motívica simples de dois compassos, realizada na forma imitativa entre as vozes de toda a orquestra. A
partir do c.44 (p.33), inicia-se um pequeno período transitivo para a reexposição. Aqui, vemos nas vozes
dos violinos e do saxofone, um outro motivo rítmico em colcheias articuladas com acentos deslocados em
diferentes tempos. No c.49 (pág.33), as trompas fazem uma tríade em semibreves, enquanto na voz dos
violinos e violas, aparecem células rítmicas derivadas do tema A. Estas, vão se diluindo a partir do c.51
146
A partir do c.55 (p.34), ocorre uma seção A’, variada da primeira seção A. Aqui, ela apresenta-
se modulada um tom acima e ainda, mais virtuosística do que a anterior, especialmente no trecho
compreendido entre os c.56 e c.59 (P.35), onde a dificuldade técnica para o saxofonista atinge seu
apogeu.
No c.63 (p.36) e c.64 (p.37), a orquestra faz apenas acordes 59 com notas longas em Tutti,
apoiando o saxofone que realiza uma ponte cadencial em forma de escala e depois de quiálteras, até a
entrada do Presto no c.65 (p.37), que será de apenas três compassos, com a voz solista utilizando
fragmentos rítmicos do tema principal da seção A e finalizando a peça com notas longas na tônica da tom.
Neste movimento, a parte solística é tecnicamente a mais virtuosística da obra. Assim como nos
intervalos, quiálteras e trinados, criando estruturas rítmicas e melódicas variadas. Aqui, nota-se a
Apesar de compassos de dificuldade técnica para o intérprete, Villa-Lobos soube explorar com
propriedade os diferentes registros do instrumento. Além disso, assim como demonstrou nos movimentos
59
Sugere-se a seguinte harmonia: c.61, G7(b9), escala alterada ; c.62 e c.63, A-7+ (escala de la menor
melódica com o sexta no baixo) ou F#-7 e no segundo acorde G7(b9), escala alterada.
147
Conclusão
chorões. Mas, a partir de nossas pesquisas, observamos que uma grande parte
bandas de música militares e civis no país. Além disso, com esse apoio, as
Europa.
148
Essas formações bandisticas foram se aperfeiçoando e entre as
do saxofone aqui no país. Mas, foi a partir dos anos vinte que ele começou a
ter uma divulgação maior, tendo como expoentes músicos como Luís
nas formações jazzísticas apenas em meados dos anos dez e somente no final
dos anos vinte, ele começou a se tornar mais popular em conjuntos maiores
(Gridley, 1991:86). Porém, foi no final dos anos trinta que o saxofone alcançará
urbana.
60
Instrumento de sopro mais recente na formação instrumental da orquestra sinfônica.
61
Paulo Moura em entrevista ao autor. (3 de agosto de 2001)
149
A partir de uma revisão bibliográfica, procuramos estabelecer os
timbre.
podemos afirmar que tenha sido esta. Uma vez que, consta em seu Catálogo
instrumento.
compôs apenas uma peça para saxofone solo e orquestra. Na obra orquestral,
com exceção de algumas mais significativas como os Choros n.º6 e n.º11, Villa
outro compositor brasileiro até então utilizou o saxofone, como fez Villa-Lobos.
Além disso, vale ressaltar que o compositor utilizou-o dentro de sua melhor
expressão idiomática.
150
das influências européias, como de Debussy e Stravinsky, e outros da música
justificam a utilização do saxofone em sua obra, uma vez que muitos dos
Quatuor, onde são feitas uma análise mais aprofundada, outras como Noneto,
151
Em nosso trabalho, a preocupação foi o interesse de Villa-Lobos pelo
obra camerística. As fontes para essa questão, infelizmente não são vastas e
Béhague. Nesse aspecto, o saxofone pode ser visto como uma das referências
que foi estreada. Ainda apontamos esse instrumento, como um dos elementos
Concluímos que são muitos os aspectos, que possam ter levado Villa-
152
Bibliografia
Béhague, Gerard.
1994 Heitor Villa-Lobos: The search for Brazil’s musical soul. Austin:
Institute of latin american studies, The University of Texas. 202 p.
Brymer, Jack.
1976 Clarinet. New York: Yehudi Menuhin Music Guides. 267 p.
Catálogo de Obras.
1989 Villa-Lobos sua obra. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. 324 p.
Cazes, Henrique
1998 Choro do quintal ao Municipal. São Paulo: editora 34. 206 p.
Claret, Martin.
1987 O pensamento vivo de Heitor Villa-Lobos. São Paulo: Martin Claret.
110 p.
Carvalho, Piedade.
1987 Villa-Lobos: do crepúsculo à alvorada. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro.151 p.
Cohen, Paul.
1991 Vintage Saxophones Revisited . Medfield: Saxopnone Journal, v.16,
n.3 (Nov./Dez), p.8-22.
153
Duarte, Roberto
1989 Revisão das obras orquestrais de Villa-Lobos, v.1. Niterói: EDUFF,
148 p.
Faub, Robert et alli.
1999 Saxophone History Timeline 1814-1995. Postdam : The Crane
School of Music. Disponível em:
http://www2.potsdam.edu/CRANE/mcallitp/timeline, Acesso em:
27 de nov. de1999.
Filho, Caldeira.
1982 O nacionalismo de Villa-Lobos. In Presença de Villa-Lobos, v.2,
Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos, p.31-33.
Gridley, Mark C.
1991 Jazz Styles history and analysis . New Jersey: Englewood Cliffs.
442 p.
Guarnieri, Camargo.
1982 Villa-Lobos. In Presença de Villa-Lobos, v.2. Rio de
Janeiro: Museu Villa-Lobos, p. 35-36.
Henrique, Luís.
1987 Instrumentos Musicais. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
474 p.
Kater, Carlos.
1990 Aspectos da modernidade de Villa-Lobos. Porto Alegre: Em
Pauta, UFRGS, v.1, n.2 ( jun), p.52-65.
Kiefer, Bruno.
1977 A modinha e o lundu. Porto Alegre: editora Movimento. 49 p.
_______
1986 Villa-Lobos e o modernismo na música brasileira. Porto Alegre:
editora Movimento. 179 p.
_______
1990 Música e Dança Popular sua influência na música erudita. Porto
Alegre: editora Movimento. 62 p.
Kliass, José.
1982 O grande mestre Villa-Lobos. In Presença de Villa-Lobos, v. 2. Rio
de Janeiro: Museu Villa-Lobos, p.113-114.
154
1999 A música do século XX no acervo Janacopoulos/Uni-Rio. Rio de
Janeiro: Revista Brasiliana, n.2 (maio), p.2-17.
Lys, Edmundo.
1982 Heitor Villa-Lobos – o que se passa na América Latina – entre duas
partidas de bilhar um autêntico carioca deu suas cartas de nobreza
ao folclore brasileiro. In Presença de Villa-Lobos, v.2. Rio de Janeiro:
Museu Villa-Lobos, p.57-60.
Mariz, Vasco.
1982 Heitor Villa-Lobos - Compositor brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Zahar
154 p.
_______
1999 O Projeto Memória de Villa-Lobos. Rio de Janeiro: Revista
Brasiliana, n.3 (set.), p.2-5.
McMillan, Malcolm.
1996 Marcel Mule “Le Patron” of Saxophone. Germany: encarte de CD
(Clarinet Classics CC 0013 Historical Recordings).
Milhaud, Darius
1920 Brésil. In La Revue Musicale. Paris, n.1 (Nov.), p.60-61.
Muricy, Andrade .
1961 Villa-Lobos – uma interpretação. Rio de Janeiro: Ministério de Educação e Cultura -
Serviço de documentação. 259 p.
Nóbrega, Adhemar.
1971 As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos. Rio de Janeiro: Museu
Villa- Lobos. 125 p.
_______
1973 Os choros de Villa-Lobos . Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. 138 p.
Patrick, Lee.
1994 Saxophone Ensembles: Musings from the back row. Medfield:
Saxophone Journal, v. 19, n.2 (Set./0ut), p.65-70.
155
40.
Rodolfo, Marcelo
1999 Villa-Lobos – Uma Discografia. Rio de Janeiro: Revista Brasiliana,
n.3 (set.), p.26-37.
Salles, Vicente.
1984 Sociedades de Euterpe. Brasília: Edição do Autor. 230 p.
Siqueira, Baptista.
1969 Vultos históricos da música brasileira. Rio de Janeiro: Ministério da
Educação e Cultura-D.E.E. 251 p.
Viana, Luiz.
1999 Banda Maravilhosa 100 Anos de Sucesso. Rio de Janeiro: Caixa dos
Oficiais do CBERJ. 101 p.
Villa-Lobos, Heitor.
1982 A música e a medicina. In Presença de Villa-Lobos, v. 2. Rio de
156
Janeiro: Museu Villa-Lobos, p. 83-84
_______
1982 Dois problemas da arte brasileira, Dois pontos de vista. In Presença
de Villa-Lobos, vol.2. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos, p.89-90.
_______
1982 O gosto artístico e a sensibilidade estética na vida escolar. In
Presença de Villa-Lobos, v. 2. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos,
p.91-92.
_______
1982 Música de papel, que nasce no papel e morre no papel. In Presença
de Villa-Lobos, v. 2. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos, p. 93-94.
_______
1982 Sobreviverá a música ?. In Presença de Villa-Lobos, vol 2. Rio de
Janeiro: Museu Villa-Lobos, p. 99-103.
Musicografia
Strawinsky, Igor.
1908/1913 Le Sacre du Printemps. Partitura de orquestra.
Ed. Russe de Musique
157
___________
1924 Choros nº 7 (Settimino). Paris: Max Eschig.
___________
1925 Choros nº3 (Pica-páo) para Côro masculino arranjado para
clarinetta, saxophonio (alto mib), fagotte, 3 cornos e trombone
(de vara), partitura, m.s.
São Paulo: Sobre um thema indigena colhido por Rochette
Pinto.
____________
1925 Choros nº 3 (Pica-Páo) pour choeur masculin et sept
instruments à vent Sur une chanson des Indiens Paricis.
Paris: Max Eschig.
____________
1948 Fantasia para Saxofone Soprano (em Sib) e Orquestra.
Partitura, m.s. New York : assinado pelo compositor.
____________
1948 Fantasia for Saxophone, 3 F Horns and String Orchestra.
New York: Southern Music Publishing co.inc.
________________
1938 Bachianas Brasileiras n.º5 para canto e orquestra de cellos,
partitura ms. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional
Anexos
158
Anexo 1
Partitura manuscrita da Fantasia para saxofone e orquestra de câmara, 1948.
(Tonalidade original, em Fa maior)
159
Anexo 2
Leo Van Oostrom’s personal collection
160
Anexo 3
Banda de Música do Cassino Bangu, uma das bandas de Música regidas por
Anacleto de medeiros
161
Anexo 4
Partitura do dobrado Pro-Pax (primeiros vinte e seis compassos da obra)
162
163
164
Anexo 5
Choros n.º3, arranjo para sete sopros apenas (primeiros dezesseis compassos da peça)
165
166
Anexo 6
Villa-Lobos e Mindinha, foto de recordação para Waldemar Spilman
Anexo 7
Programa do concerto e parte do saxofonista, que foi utilizada na estréia
da Fantasia.
167
Anexo 7
Foto de Waldemar Spilman, com a rêgencia de Villa-Lobos na estréia da Fantasia.
168
Anexo 8
A parte da Fantasia autografada por Villa-Lobos, utilizada por Waldemar Spilman na 1a audição da obra.
169
Anexo 9
170