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Carlos Alberto Marques Soares

O saxofone na
música de câmara
de
Heitor Villa-Lobos

EM/UFRJ
2001

2
Soares, Carlos Alberto Marques.
O saxofone na música de câmara de Heitor Villa-Lobos.
Carlos Alberto Marques Soares. Rio de Janeiro: UFRJ/Escola Música, 2001.

168 p.: il.; 29 cm

(Dissertação) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,


Escola de Música, 2001. Orientador: Dra. Maria de Fátima
Granja Tacuchian

1. Villa-Lobos, Heitor, 1887 – 1959. 2. Saxofone. 3. Música


para saxofone. 4. Tese (Mestrado – UFRJ/Escola de Música). 5.
Tacuchian, Maria de Fátima Granja. I. título

3
O saxofone na música de câmara
de
Heitor Villa-Lobos

Carlos Alberto Marques Soares

Orientadora: Dra. Maria de Fátima Granja Tacuchian

Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós-graduação em


Música, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de
Mestre.

Escola de Música da UFRJ

Rio de Janeiro
2001

4
“Dedico este trabalho a meus filhos,

Lucas e Marcelo,

com muito amor e carinho”

5
Agradecimentos:

Em primeiro lugar à meus pais, José Soares e Maria Helena, assim como à meus
irmãos, Glorinha e suas respectivas famílias. Estes, sempre foram um fator incondicional
de incentivo e apoio para meu estudo.
Para minha orientadora, Professora Fátima Tacuchian, que com todos os méritos
foi incansável na supervisão deste trabalho.
Ao professor José Artur Rua em sua classe de saxofone bem como ao saxofonista
Dale Underwood. Para o professor Ricardo Tacuchian, que proporcionou grande apoio à
minha pesquisa. Aos amigos e professores Maria Célia, estudiosa na obra de Villa-Lobos,
Francisco Gonçalves, Marcelo Gelio, Cristina Nascimento, colegas que participaram na
apresentação do Sexteto Místico, durante minha dissertação da Tese. Assim como a
meus eternos mestres e amigos José Botelho, José Carlos e José Freitas.
Aos amigos Afonso Oliveira, Marcos Vela, Paulo Passos, Luis Medina, Leonardo
Fucks, Pedro Bittencourt, Araci Cardoso, Denise Cardoso e um especial agradecimento à
Danusa Pires. Todos foram uma grande força nessa trajetória.
Pela tradução do resumo, feita pela amiga Lucyana Bacellar e também a
Professora Elza Greif, colega e pesquisadora da cultura nacional que me forneceu
importante material de pesquisa.
Para Marcelo Rodolfo e Cristina Pinto, disponibilizando todo o material fonográfico
e musicográfico do compositor encontrado no Museu Villa-Lobos. Ainda aos mestres
Paulo Moura e Waldemar Spilman, relatando-me fatos fundamentais para o conteúdo de
meu trabalho.
Finalmente aos alunos e amigos Suzana Ramineli, Priscila Alves, Marco Túlio,
Luzimar Cruz, Rogério da Silva, José Maria Braga, também para minha querida Adriana
Antonaccio e todos aqueles que estiveram presentes nessa minha longa jornada.

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SOARES, Carlos Alberto Marques. O saxofone na música de câmara de Heitor Villa-

Lobos. Orientadora: Dra. Maria de Fátima Granja Tacuchian. Rio de Janeiro: EM/UFRJ,

2001. Dissertação (Mestrado em Música)

Resumo

Comenta-se o repertório villalobiano para grupos camerísticos nos quais o


saxofone aparece na instrumentação, abrangendo as seguintes peças compostas entre
1917 e 1925: Sexteto Místico (1917), Quatuor (Quarteto Simbólico, 1921), Noneto (1923),
Chôros nº7 (Settimino, 1924) e Choros nº3 (Pica-Pau,1925). Em seguida, compara-se
este conjunto com a Fantasia para saxofone soprano e orquestra de câmara (1948),
buscando-se estabelecer possíveis influências ou contrastes estilísticos e técnicos.
Partindo-se do conceito de “nacionalismo multifacetado e não excludente”,
proposto pôr Gerard Behague quando declara que em Villa-Lobos o tratamento e
preocupação nacionalista tendem a se integrar a diferentes experimentações estilísticas,
procura-se demonstrar que o repertório em questão reflete uma linguagem musical
variada e complexa.
Esta revela-se pelo tratamento não convencional de materiais sonoros, seja pela
incorporação de instrumentos até então não utilizados na música de câmara brasileira,
como saxofone, violão e celesta, ou pela exploração de novos timbres em instrumentos
convencionais, pela utilização de padrões rítmicos e soluções harmônicas inusuais,
recorrendo a recursos de polirritmia e politonalidade.
Neste repertório, Villa-Lobos explora as diferentes possibilidades do saxofone
como instrumento solista, complemento de harmonia ou recurso colorístico. Incorporando
elementos oriundos da música de Debussy, Milhaud e de Stravinsky ritmos populares
urbanos nacionais, o compositor cria uma textura sonora peculiar, na busca de algo novo
e incomum.
O texto desenvolve as questões acima, com uma revisão bibliográfica e análise do
repertório a partir das partituras manuscritas e impressas.

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SOARES, Carlos Alberto Marques. O saxofone na música de câmara de Heitor Villa-

Lobos. Orientadora: Dra. Maria de Fátima Granja Tacuchian. Rio de Janeiro: EM/UFRJ,

2001. Dissertation (Master in Music).

Asbtract

This paper discusses the Villa Lobos repertory to Chamber Music groups in which
the saxophone appears in the instrumentation, involving the following pieces composed
between 1917 and 1925: Sexteto Místico (1917), Quatuor (Quarteto Simbólico, 1921),
Noneto (1923), Chôros no7 (Settimino, 1924) e Chôros no3 (Pica-Pau,1925). Afterwards,
this group is compared to Fantasia for soprano saxophone and chamber orchestra (1948),
trying to establish possible influences or technical and style contrasts.
From the concept of multi-faceted and non-excluding nationalism proposed
by Gerard Behágue when he declares that in Villa-Lobos the treatment and nationalist
concerns tend to integrate themselves to different style experiments, the paper tries to
demonstrate that the repertory in question reflects a musical language varied and
complex.
This language is revealed by the non-conventional treatment of sound materials,
either by the incorporation of instruments not used until then such as saxophone,
acoustic guitar and celeste, or for the exploration of new tones in conventional
instruments by using rhythmical patterns and unusual harmony solutions, making use of
polyrhythmic polytonality resources.
In this repertory, Villa-Lobos explores the different possibilities of the saxophone as a
sole instrument, a harmony complement or colorful resource by incorporating elements
from Debussy, Mihaud and Stravinsky’s music as well as popular national and urban
rhythms. The composer creates a peculiar sonorous texture in the search for something
new and uncommon.
The text develops the above questions, with a biographic revision and a repertory
analysis from the handwritten and printed music.

8
Sumário

Introdução___________________________________________________________ 1

Capitulo I : O saxofone e sua trajetória____________________________________10


1.1-O saxofone no Brasil______________________________________ 16
1.2-O saxofone na obra de Villa-Lobos___________________________ 23

Capitulo II : Aspectos da linguagem musical de Villa-Lobos:


revisão bibliográfica_________________________________________ 30

Capitulo III : Análise das obras__________________________________________ 52


3.1 Sexteto Místico, 1917_____________________________________ 56
3.2 Quatuor (Quarteto Simbólico), 1921_________________________ 83
3.3 Noneto, 1923___________________________________________ 94
3.4 Choros n.º7, 1924_______________________________________ 108
3.5 Choros n.º3, 1925________________________________________121

Capitulo IV : Fantasia para saxofone soprano e orquestra de câmara, 1948 ___ 131
4.1 Animé________________________________________________ 134
4.2 Lent__________________________________________________140
4.3 Trés Animé____________________________________________ 143

Conclusão___________________________________________________________ 148

Bibliografia__________________________________________________________ 153

Musicografia_________________________________________________________ 158

Anexos_____________________________________________________________ 160
Anexo 1- Partitura manuscrita da Fantasia para saxofone e orquestra _____ 161
Anexo 2 – Arranjo para sopros somente do Choros n.3 _________________ 162
Anexo 3 – Foto autografada de Villa-Lobos e Mindinha _________________ 164
Anexo 4 – Programa e parte do solista na estréia da Fantasia ____________ 165
Anexo 5 – Foto da estréia da Fantasia _______________________________ 167
Anexo 6 – Waldemar Spilman com seu saxofone e o violino ______________ 168

9
Introdução

O objetivo deste trabalho é comentar o repertório villalobiano para grupos

camerísticos, nos quais participa o saxofone. As obras aqui abordadas abrangem o

período compreendido entre 1917 e 1925: Sexteto Místico (1917), Quatuor (Quarteto

Simbólico, 1921), Noneto (1923), Choros n.º7 (Settimino, 1924) e Choros n.º3 (Pica-

pau,1925).

O Sexteto Místico, foi escrito para flauta, oboé, saxofone alto, violão, celesta e

harpa. Aparentemente permaneceu inédito durante 45 anos, tendo sido estreado, no Rio

de Janeiro, em 16 de novembro de 19621. Portanto, levantamos aqui a possibilidade

desta obra ter sido um mero exercício ou experimentação e como tal abandonada pelo

compositor. A peça, possui uma atmosfera impressionista onde são utilizados

instrumentos até então inusuais para a música camerística brasileira, como saxofone

contralto, celesta, violão e harpa, junto a outros mais comuns como a flauta e o oboé.

O Quarteto Simbólico (Quatuor), com o subtítulo de “Impressões da vida mundana”

é datado de 1921 e foi estreado no mesmo ano, no Rio de Janeiro. Fez parte da

programação da Semana de Arte Moderna de S. Paulo, em 1922 e também apresenta

uma coloração impressionista. Nele, o compositor explora o potencial timbrístico do

saxofone alto, integrando-o na instrumentação de flauta, celesta, harpa e ainda com a

participação de vozes femininas.

Na peça seguinte, Noneto (1923), Villa-Lobos abandona a atmosfera impressionista

assumindo uma linguagem com tonalidades mais nacionalistas, incluindo uma seção de

1
Segundo o Catálogos de Obras do compositor (1989:121), a peça encontra-se apenas em manuscrito. Porém, existe
uma edição sem data, impressa pela Max-Eschig.

10
percussão e cordas. As duas próximas peças, Choros n.º7 (1924) e o n.º3 (1925), fazem

parte do grande ciclo dos Choros, considerado pela maioria dos autores como a obra

mais significativa do compositor. Após esse período, o compositor não mais utiliza o

instrumento em seu repertório camerístico, incorporando-o apenas nas orquestrações de

suas obras sinfônicas.

Em 1948, período em que Villa-Lobos interessava-se em escrever concertos para

grandes solistas, o artista compôs a Fantasia para saxofone soprano e orquestra de

câmara. Tendo em vista que a mesma foi imaginada para ser executada por uma

orquestra de câmara, consideramos aqui a necessidade de estudá-la detalhadamente

para verificar se é possível encontrar pontos de ligação entre ela e as peças anteriores.

Segundo o Catálogo de Obras do compositor, são estas as obras para instrumento

solista e orquestra, escritas a partir de 1948, com os respectivos dados das primeiras

audições:

 Concerto n.º 2 para piano e orquestra (1948, RJ), sol. João de Souza Lima e reg. Villa Lobos
com a Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do RJ. Rio de Janeiro em 21/04/50, Teatro
Municipal.

 Fantasia para Saxofone e Orquestra (1948, NY), sol. Waldemar Spilman e reg. Villa-Lobos com
a Orquestra de Câmara do MEC. Rio de Janeiro em 17/11/51, Auditório do Palácio da Cultura-
MEC.

 Concerto para violão e orquestra (1951, RJ), sol. Andrés Segóvia e reg. Villa-Lobos, com a
Houston Symphony Orchestra. Houston em 6/02/56.

 Concerto n.º 3 para piano e orquestra (1952/5, RJ/NY), sol. Arnaldo Estrela e reg. Eleazar de
Carvalho, com a Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do RJ. Rio de Janeiro em 24/08/57,
Teatro Municipal.

 Concerto n.º 4 para piano e orquestra (1952, NY), sol. Bernardo Segall e reg. Villa-Lobos, com a
Pittsburgh Symphony Orchestra. Pittsburgh em 09/01/53.
 Concerto para harpa e orquestra (1953, Paris/NY), sol. Nicanor Zabaleta e reg. Villa-Lobos, com
Philadelphia Orchestra. Philadelphia em 14/01/55, Philadelphia Academy of Music.

 Concerto n.º 2 para violoncelo e orquestra (1953, RJ), sol. Aldo Parisot e reg. Walter Hendl, com
Philharmonic Society of New York. N. York em 05/02/55, Carnegie Hall.

 Concerto n.º 5 para piano e orquestra (1954, RJ), sol. Felicja Blumental e reg. Jean Martinon,
com a London Philarmonic Orchestra. Londres em 08/05/55, Royal Festival Hall.

11
 Concerto para harmônica e orquestra (1955/56, RJ), sol. John Sebastian e reg. Guilhermo
Espinosa, com Orquestra Sinfônica da Força Aérea dos EUA. Sem data e local de estréia.

Pretende-se neste estudo discutir de que forma o compositor recorreu à sonoridade

do saxofone para criar sua música camerística, seja do ponto de vista técnico-

interpretativo ou do composicional. Abordaremos como Villa-Lobos utilizou os recursos do

instrumento, tais como os de virtuosidade e preocupação colorística; o uso dos diferentes

tipos de saxofone, seja solísticamente ou em naipe; abrangências da tessitura

instrumental e incorporação de efeitos expressivos, como o de glissando e outros.

Além desses aspectos, comentamos como o compositor procura uma linguagem

própria, mesclando elementos nacionais de múltiplas origens, com técnicas inspiradas na

vanguarda européia (Debussy, Milhaud e Stravinsky). Villa-Lobos recorre a

instrumentações inusitadas, utilizando instrumentos não convencionais até então na

música camerística brasileira.

Os estudos a respeito de Villa-Lobos, em sua maioria, tem sido mais biográficos e

descritivos. Porém, recentemente estão aparecendo outros com uma preocupação mais

crítica. Aqui, pretendemos mostrar fatos pertinentes à pesquisa relacionados à utilização

do saxofone na música villalobiana e comentar, de modo mais abrangente, parte da obra

camerística do compositor.

A sistemática de pesquisa para este trabalho incluiu consulta a livros, periódicos,

teses, artigos e outras fontes encontradas em bibliotecas do Rio de Janeiro, além dos

arquivos do Museu Villa-Lobos2, onde pudemos obter partituras e gravações das obras

que serão analisadas. Ainda, por meio da Internet, pesquisamos acervos no exterior e

2
O arquivo da Banda de Música do Corpo de Bombeiros do RJ, também foi consultado para pesquisa do repertório de
Villa-Lobos e Anacleto de Medeiros.

12
adquirimos informações complementares, principalmente no que se refere à origem e

evolução do saxofone.

Fizemos entrevistas com o músico Waldemar Spilman, o primeiro intérprete da

Fantasia para saxofone. Este forneceu importantes dados a respeito de fatos ligados a

estréia da peça, assim como detalhes sobre a personalidade do compositor e o cenário

musical da época. Além deste, entrevistamos Paulo Moura, conceituado saxofonista e

clarinetista que além de opiniões sobre a Fantasia, relatou-nos importantes fatos a

respeito da origem, desenvolvimento do instrumento e informação sobre alguns dos

primeiros intérpretes do saxofone no Brasil.

Pretendíamos incluir em nosso estudo, uma discografia das peças aqui abordadas.

Porém, não conseguimos obter maiores informações além daquelas já encontradas por

Marcelo Rodolfo em seu trabalho, Villa-Lobos, uma discografia, publicado na revista

Brasiliana, n.3, set. 1999, p.26-37.

Foram também consideradas nesta pesquisa, as próprias experiências e visão do

autor em relação a obra villalobiana3.

O trabalho foi organizado em quatro capítulos. No primeiro, a partir da pesquisa

feita por Robert Faub, professor assistente da The Crane School of Music, em Potsdam –

N.York (Faub et alli, 1999), apresentamos cronologicamente a origem e evolução do

saxofone e por quem foi inicialmente utilizado. Outras fontes relevantes foram os textos

de Lee Patrick (1994) e Mark Gridley (1991).

Neste primeiro capítulo, citamos as primeiras composições criadas para o

instrumento, com suas respectivas datas e compositores, informações a respeito de

3
O autor deste trabalho, participou como saxofonista da execução de algumas das obras aqui comentadas, como o
Sexteto Místico, Choros nº7, Fantasia e Choros nº10. Ainda como componente da Banda Portugal, atuou como
clarinetista na apresentação do Canto do pajé. Como atual professor e mestre da Banda de Música Prof. Luiz Gonzaga
Pires do CETEP/Quintino, entre outras obras de Villa-Lobos, conduziu a peça para Coro e Banda Canção da Imprensa

13
grupos, classes de saxofone, concertos e estréias das obras. Observamos que o

instrumento, apesar de amplamente divulgado no universo da música popular,

principalmente jazzístico, teve sua primeira apresentação em um arranjo coral feito por

Hector Berlioz, em 1844. O saxofone foi inicialmente utilizado na música erudita,

principalmente na Europa e logo após, inserido no contexto das bandas de música.

Somente a partir de 1911, ele começou a se tornar mais popular nos EUA, sendo que

apenas nos anos de 1930, o instrumento apareceu com mais destaque nas formações

jazzísticas, época então conhecida como “era das big-bands” ou “era do swing”.

Ainda no mesmo capítulo levantamos hipóteses sobre a introdução do saxofone no

Brasil. A princípio, supomos que o instrumento tenha sido fixado no país através das

bandas de música. Assim, recorremos ao estudo de Vicente Salles, para esclarecer

aspectos ligados à história deste grupamento musical no Brasil.

Salles comenta que a vinda de D. João VI para o Brasil em 1807, juntamente com a

Banda de Música da Guarda Real, teve como conseqüência o desenvolvimento desse

tipo de grupo musical no país. O autor ainda se refere ao fato que no período colonial já

existiam corpos instrumentais nas milícias divididos em três naipes distintos, em geral

charamelas, pífanos ou gaitas e “pancadaria”, isto é percussão, conhecidos na época

como Ternos ou Terços (Salles,1985:19). Segundo o autor, estes poderiam ser

simplesmente a reunião de três músicos e diz ainda que esta formação persistiu até a

época do choro e das serenatas.

Terminamos o capítulo com uma análise sobre o uso do saxofone na obra de Villa-

Lobos, apresentando cronologicamente a relação de todas as peças do compositor

escritas para o instrumento e segundo seu Catálogo de Obras, observamos que a

(O Coro participante foi o do CETEP/Quintino, que tem o Prof. José d’Assunção como seu regente). Além disso, o autor
é também professor de saxofone e clarineta na Escola de Música Villa-Lobos e na Escola de Música da UFRJ.

14
primeira participação desse instrumento na sua obra, aconteceu através do dobrado Pró-

Pax, em 1912, coincidentemente escrito para Banda de Música. Apontamos ainda a

possibilidade do compositor ter utilizado em parte de suas peças camerísticas, a

concepção sonora desse estilo de grupamento musical.

No capítulo seguinte, realizamos uma revisão bibliográfica, tendo em vista discutir os

principais aspectos da linguagem musical do compositor, principalmente no que se refere

ao período das duas primeiras décadas do séc. XX. Abordamos alguns aspectos

relacionados à iniciação musical de Villa-Lobos, inicialmente no âmbito familiar, suas

afinidades com alguns compositores, especialmente os franceses e também seu interesse

pela música popular urbana e a convivência com músicos oriundos desta.

Não pretendemos aqui fazer uma revisão aprofundada, mas destacamos alguns

períodos do compositor, entre eles o evento da Semana de Arte Moderna de 1922, em S.

Paulo. A partir da opinião de alguns de seus biógrafos, iremos contextualizar a linguagem

nacionalista e inovadora de Villa-Lobos, assim definida por Gerard Béhague como

“multifacetada e não excludente”.

No terceiro capítulo, tratamos exclusivamente da análise a respeito da utilização do

saxofone nas cinco peças camerísticas, descritas no início desta introdução. Essa análise

foi feita a partir da própria experiência do autor deste trabalho e também de outros

estudiosos da obra villalobiana, que destacaram particularidades técnicas do instrumento,

além de aspectos composicionais. Entre as observações estão: o tipo de saxofone mais

freqüente neste conjunto de obras (no caso, o saxofone contralto); sua utilização na

instrumentação, realizando solos ou participando em naipes, atuando como

preenchimento harmônico e finalmente a variedade de articulações usadas no

instrumento.

15
O capítulo seguinte é dedicado à Fantasia para saxofone soprano e orquestra de

câmara, composta em 1948. O compositor, nesta peça, demonstra uma concepção

musical mais ampla do instrumento, em relação ao que foi feito nas obras camerísticas.

Enquanto nestas, Villa-Lobos recorreu ao saxofone de uma maneira simples e pouco

destacada, na Fantasia o compositor explora variados recursos técnicos e expressivos do

instrumento, principalmente no que refere-se ao seu potencial virtuosístico. Além disso

apontamos aspectos composicionais, como acentos implícitos, compassos alternados e a

utilização de elementos rítmicos oriundos de gêneros da música popular brasileira urbana

como o da modinha.

A partir do final dos anos vinte, apareceram muitas composições eruditas para

saxofone solo e/ou com acompanhamento, principalmente na comunidade européia,

divulgando assim cada vez mais o instrumento. Alguns compositores se destacaram como

Darius Milhaud4, Jacques Ibert5 e Alexander Glazounov6, escrevendo algumas das obras

mais significativas do repertório saxofonístico. Supomos que nesse período, que coincidiu

com as experiências adquiridas nas viagens para a Europa e EUA, Villa-Lobos tenha

tomado contacto com este repertório saxofonístico e também utilizado sua experiência

como referência para a composição da Fantasia.

Neste estudo, procuramos discutir a trajetória e evolução do saxofone, apresentando

possíveis justificativas sobre a utilização deste na obra villalobiana. Acrescenta-se

também que, até os dias de hoje, nenhum outro compositor erudito brasileiro recorreu

quantitativamente ao saxofone como fez Villa-Lobos em sua obra. Acreditamos que a

partir da concepção composicional dada às peças aqui abordadas, existisse uma

4
Scharamouche, suite para saxofone alto e orquestra (1939).
5
Concertino de câmera para saxofone alto e onze instrumentos (1935).
4
Concerto em Mib para saxofone alto e orquestra (1937).

16
identificação desse artista com o timbre do saxofone. O que de certa forma, coincide com

uma de suas características nas primeiras décadas do séc. XX, voltadas para a

experimentação e construção de uma nova linguagem musical.

Capitulo I

O saxofone e sua trajetória


No séc. XIX, a busca por novas sonoridades mobilizou alguns compositores, fato que possivelmente explique a

razão pela qual, em junho de 1842, o compositor e crítico musical Hector Berlioz apresentou ao mundo, através de

artigo para a revista parisiense Journal des Debats, a mais nova invenção instrumental, o saxofone (Faub et alli,1995:1).

O instrumento foi criado em 1840 pelo belga, músico e construtor de instrumentos musicais, Adolph Sax (1814-

1894) e resultou assim de uma combinação de instrumentos como o oboé, a flauta e a clarineta. Para tanto, Sax utilizou

um corpo cônico de metal conectado a um conjunto de boquilha e palheta simples, similar ao da clarineta. O saxofone

está mantido até hoje no seu desenho básico inicial, embora ao longo do tempo venham ocorrendo pequenas

modificações e aperfeiçoamentos no seu mecanismo, para proporcionar um melhor desempenho e conforto ao

instrumentista.

No ano de 1844, o instrumento foi apresentado pela primeira vez numa exibição

industrial parisiense. Após alguns meses, Berlioz regeu um concerto naquela cidade,

apresentando um arranjo coral de sua peça, Chant Sacre, em cuja instrumentação

aparece o saxofone7. Em dezembro, no Conservatório de Paris, o instrumento foi

introduzido pela primeira vez na ópera O Último Rei dos Judeus de George Kastner

7
O saxofone é classificado como aerofone do grupo de instrumentos de palheta, este constituído por oboé, corne
inglês, fagote e clarineta. (Henrique,1988:267,294-296)

17
(1819-1867)8. Foi também de sua autoria, a primeira composição feita para um grupo

exclusivo de saxofones. A peça, publicada nesse mesmo ano 9, foi escrita originalmente

para dois sopranos em Dó, um alto em Fá, dois baixos em Dó e um contrabaixo em Fá.

Para que fosse possível a execução dessa obra, utilizando a família dos saxofones com

suas afinações atuais, Sigurd Rascher (1907-2001) lançou uma nova edição, escrita para

instrumentos modernizados10. Kastner, em 1845, compôs ainda Variações Fáceis para

Saxofone Solo (Faub et alli, 1995:1).

Outro importante nome para a evolução da família dos saxofones foi Gustav

Bumcke (1876-1963), a quem é creditado o fato de ser o primeiro músico alemão a

abordar mais profundamente aspectos da performance, ensino e da composição para o

instrumento. Infelizmente suas atividades foram interrompidas, com a ascensão do

nazismo na década de 30 (Patrick, 1994: 65;66).

Adolph Sax, no ano de 1846, obteve em Paris a patente para o saxofone. No ano

seguinte, criou-se o ensino do saxofone em uma banda escolar parisiense, Gymnase

Musical. Porém, apenas em 1873, o bandleader americano Patrick Gilmore, em New

York, utilizou o saxofone pela primeira vez nesse tipo de formação instrumental (Faub,

1995:2).

Adolph Sax em 1858, tornou-se professor de saxofone no Conservatório de Paris e

ainda no mesmo período, Jean Baptiste Singelee (1812-1875) escreveu para aquela

instituição, os dois primeiros solos para o repertório de concursos de saxofone: Concerto

(soprano/tenor) e Fantaisie (barítono) (Idem:1).

8
Apesar da composição não ser particularmente e musicalmente significante, ela é de importante consideração histórica
pois quando foi publicada, não havia evidência de que Adolph Sax houvesse construído todos os instrumentos incluídos
na partitura. Kastner estava trabalhando em cooperação com Sax e consciente de suas futuras intenções (Patrick, 1994:
65).
9
Não conseguimos encontrar a data exata de edição.
10
A peça foi escrita para a formação dois saxofones sopranos em Bb, um alto em Eb, um tenor em Bb, um barítono em
Eb e um baixo em Bb (Patrick, 1994:65)

18
Entre 1877 e 1881, o francês Hyacinthe Klosé (1808-1880)11 lançou o método

completo para saxofone (alto/tenor-1877, barítono-1879 e soprano-1881), escrito

anteriormente para clarineta. Podemos destacar também Marcel Mule 12 por toda a sua

contribuição saxofonística, não só como intérprete mas também como professor. Grande

parte do material didático, revisão de repertório e adaptações para o saxofone, foram

feitos pelo próprio Klosé, Périer, Jeanjean e Mule, entre outros.

Richard Wagner, em 1861, utilizou o instrumento na ópera Tannhauser, na

apresentação da peça em Paris. Atravessando a fronteira parisiense, trinta e cinco anos

mais tarde, Eugene Coffin fez a primeira gravação com saxofone pela Columbia e no ano

de 1903, Richard Strauss incluiu a família dos saxofones (soprano, alto, barítono e baixo)

na partitura da sua Sinfonia Doméstica.

Somente em 1911 o instrumento se torna popular nos EUA, através do conjunto

musical The Brown Brothers Saxophone Sextet, que realizou gravações de canções

populares da época. Finalmente, em 1914, o instrumento surgiu nas bandas de jazz.

(Idem:3)

A partir do final dos anos 20, com as graduais modificações na linguagem jazzística

e nas respectivas formações instrumentais, o saxofone torna-se mais presente naqueles

grupos13. Esse período foi conhecido como swing era ou big band era. As big bands

eram formadas por dez ou mais músicos e divididas em três categorias: metais,

saxofones e seção rítmica.

11
H. Klosé, foi também um grande inovador na história da clarineta e adaptou a este instrumento, o mecanismo de
dedilhado conhecido como “sistema Boehm” (Brymer, J. 1976:45-46).
12
Marcel Mule (1901-2001), considerado até os dias de hoje, como tendo sido um dos maiores intérpretes e didatas do
saxofone, nasceu dia 24 de junho de 1901, em Aube, pequena cidade a 80 milhas de Paris. Com apenas 8 anos foi
admitido na banda de seu pai e um ano depois, recebeu seu primeiro saxofone. Iniciou seus estudos também no violino
a
aos 9 anos e no piano aos 12 anos. Na adolescência, com os exames escolares e a 1 Grande Guerra Mundial, teve
a
seus estudos musicais interrompidos. Mas em 1921, sendo chamado para servir na 5 infantaria, decidiu se mudar para
Paris e assim realizar sua verdadeira vocação (McMillan:1996)

19
Apesar de construído com material metálico, o saxofone ficou sendo considerado

um instrumento da família das madeiras, pela sua proximidade com outros instrumentos

como a clarineta, o oboé e a flauta (Gridley, 1991:86). A seção dos saxofones, as vezes

era também chamada de seção de palhetas, pelo fato de que na época, a maioria dos

saxofonistas também tocavam clarineta. Além disso, ambos os instrumentos utilizam para

a produção do som, uma palheta de cana simples presa a uma boquilha, embora de

tamanhos proporcionais diferentes. (Idem: 86-87)

O sax alto e o tenor, foram os mais utilizados da família e somente no final dos

anos 30 a maioria das bandas adotou o saxofone barítono. O saxofone soprano e o baixo,

não eram comuns na época. (Idem: 88)

Em 1922, Charles Ives utilizou o saxofone na sua 4 a sinfonia e Ravel14, incluiu o

sax alto na versão orquestral da peça Quadros de uma exposição, de Mussorgsky.

George Gershwin empregou os saxofones tenor, alto e barítono nas peças Rhapsodie in

Blue (1923) e An American in Paris (1928). Darius Milhaud, que entre seus trabalhos

possui uma significativa suite escrita para saxofone e orquestra, Scaramouche (1939),

recorreu ao instrumento já em 1923 na peça La Creation du Monde. Puccini também

utilizou o instrumento em Turandot, no ano de 1926, assim como Aaron Copland em

1928, na sua primeira sinfonia (Idem:3).

13
Em sua maioria, esses saxofonistas também eram clarinetistas e somente no final dos anos 30, década áurea das
big-bands, o saxofone alcança um respeito maior nas formações instrumentais. (Paulo Moura em entrevista ao autor no
dia 3 de agosto de 2001)

20
1.1- O Saxofone no Brasil

Insuficientes estudos musicológicos nos impedem de estabelecer exatamente

quando o saxofone foi introduzido no Brasil. Sugerimos que o instrumento tenha

inicialmente surgido, entre músicos de bandas e também de outros grupos da música

popular urbana, notadamente os chorões, considerando-se que esses artistas atuavam

em ambas formações15.

Até final do séc. XVIII, existiam no Brasil colonial formações não regulares de

pífanos, charamelas, trombetas, cornetas, tambores e tímbales. A banda de música, tal

como hoje se apresenta, é produto do séc. XIX. O processo de modernização desse tipo

de grupamento musical, iniciou-se quando D. João VI embarcou para o Brasil em 27 de

novembro de 1807. Com ele, em sua comitiva, veio a Banda da Brigada Real que embora

modelada à maneira antiga não deixava de constituir grande exemplo para as

organizações similares no Brasil. (Salles,1985:18-19)

Porém, essa Banda que chegava aqui em 1808 ainda era arcaica. Assim, em 1810,

através de um decreto D. João VI estabeleceu que no Rio de Janeiro, houvesse em cada

regimento um corpo de música composto de 12 a 16 executantes. Em Portugal, esse tipo

de formação instrumental começou a se modernizar a partir de 1814, quando soldados

regressavam da guerra peninsular trazendo brilhantes bandas de música com

predominância de músicos espanhóis e alemães. (Idem:19)

14
Em sua famosa composição, Bolero (1927), o compositor utiliza os saxofones sopranino, soprano e tenor.
15
Segundo Cazes (Cazes, 1998:24), o flautista e saxofonista Viriato Figueira da Silva, viria a ser o pioneiro no país
como solista de saxofone. Porém, o autor não apresenta informações suficientes, para determinar tal pioneirismo.

21
A música militar, organizada em bases orgânicas na metrópole, em 1814,

forneceria o modelo para a formação de bandas civis e ainda, começaria a espalhar-se

nos quartéis de quase todo o Brasil o ensino e a prática de instrumentos mais atualizados.

Salles cita o dicionário de Ernesto Vieira (Vieira apud Salles, 1985:20), que alude a um

outro decreto de 29 de outubro de 1814, este determinando que houvesse em cada

regimento de infantaria uma banda composta de mestre e oito músicos. O modelo

português, que vigoraria no Brasil, está indicado na portaria de 16 de dezembro de 1815,

que recomendou a composição da banda de música, para cada regimento de infantaria e

batalhão de caçadores, com os seguintes indivíduos: um mestre, primeiro clarinete; um

primeiro requinta; um segundo primeiro; um segundo clarinete; um primeiro trompa; um

segundo trompa; um primeiro clarim; um primeiro fagote; um trombão ou serpentão; um

bombo e uma caixa de rufo. Que houvesse além disso, quatro aprendizes escolhidos

entre soldados, podendo por esta forma, chegar a dezesseis o número de executantes,

mas não mais que isto. (Idem:19-20)

Outro aspecto relevante ao estudo, decorre do fato de que nesse mesmo período,

haviam outros corpos instrumentais nas milícias e, por vezes, nos estabelecimentos rurais

de senhores, já abandonados. Estes grupos eram chamados de ternos ou terços,

agrupando três instrumentos (flauta, violão e cavaquinho) ou três naipes (madeiras,

metais e percussão), que tocavam estilos musicais populares na forma de serenatas.

Segundo Salles (Idem:19):

“No século XIX, o terno se transformou em banda de música. E isso não constitui
apenas um fenômeno de atualização histórica diante do modelo europeu. A própria
banda de música só alcançou o padrão moderno na Europa na primeira metade do
século XIX, quando aperfeiçoamentos substanciais foram introduzidos nas flautas e
clarinetas. O principal responsável por esses aperfeiçoamentos foi o francês de origem
belga, Adolfo Sax, criador do saxofone, em 1840”

22
O termo Banda, designava, primitivamente, conjuntos instrumentais aristocráticos.

Esse nome generalizou-se, não se sabe exatamente quando, passando também a

designar os conjuntos instrumentais milicianos e igualmente civis. Estes, constituídos

daqueles primitivos ternos, que por terem funções específicas e poderem ser executados

durante desfiles e marchas, acabaram se distinguindo das orquestras. (Idem:20)

Sugerimos aqui, que com a evolução dessas bandas militares e a modernização de

seus instrumentais, estes oriundos da Europa, o saxofone tenha sido introduzido no Brasil

a partir de meados do séc. XIX , uma vez que esse instrumento, provavelmente, já estava

sendo incluído entre aqueles enviados ao país na época.

Ao falarmos em Banda de Música no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro, é

importante que citemos Anacleto de Medeiros (1866-1907), clarinetista16, compositor,

professor, regente e fundador, em 1896, da Banda de Música do Corpo de Bombeiros do

RJ. Por ordem do Tenente Coronel Eugênio Rodrigues Jardim, Anacleto selecionou 45

músicos entre integrantes da Sociedade Recreio Musical Paquetaense, do Arsenal de

Guerra e dos grupos de choro que participaram da formação inicial do conjunto. A banda

fez sua primeira apresentação pública, sob a regência de Anacleto, no dia 15 de

novembro de 1896, durante a inauguração da Estação de Bombeiros do Humaitá, atual

sede do Primeiro Grupamento de Incêndio (Viana, 2.000:16-17).

Anacleto, que durante sua vida esteve à frente de diversas bandas de música17, foi

também um exímio saxofonista (Pinto,1978:60). Participou de grupos de seresta e choro,

16
Segundo a Gazeta de Notícias, de 1906, no livro de atas do Conservatório de Música, 1881 a 1889, destinado às
“juntas de professores” encontra-se à página 29 verso, a confirmação da notícia da conclusão do curso de Anacleto, em
14 de dezembro de 1886. Este, foi aluno de clarineta na classe de Antônio Luiz Moura e colega, portanto, de Francisco
Braga. (Siqueira, 1969:161)
17
Entre as bandas que Anacleto dirigiu, citamos: a Sociedade Musical Progresso de Bangu, fundada em 1892, e que
atingiu seu apogeu sob sua direção, a da Fábrica de Tecidos de Paracambi, Banda da cidade de Magé e Sociedade
Recreio Musical Paquetaense (Casino Bangu, 1892 a 1992- Revista do clube- editada pela Síntese Propaganda).

23
aos quais Villa-Lobos veio a se integrar18. Na época, o instrumento melódico de sopro

mais utilizado na música popular era a flauta. Mas, alguns flautistas também passaram à

utilizar o saxofone, entre eles Alberto Martins, Coelho Grey e Antonio Maria (Pinto, 1978:

40,74-76,164-165).

Em seu estudo a respeito do Choro, Henrique Cazes dedica um capítulo a respeito

de Anacleto, os chorões e as bandas. Aqui o autor comenta que apesar de Anacleto ter

tido uma predileção especial pelo saxofone soprano, seus instrumentos iniciais foram a

flauta e o flautim.

“...Desde os nove anos de idade, Anacleto tocou flauta e flautim em bandas,


tendo como seu primeiro mestre o compositor e regente Antônio dos Santos Bocot na
Campanhia de Menores do Arsenal de Guerra. Seu mestre era autor de polcas
conhecidas na época como “Os Bombeiros de Recife” e “Sofia” e, como se vê, a
iniciação musical de Anacleto já foi feita por um Chorão.” (Cazes, 1998:29)

Além desse fato, Cazes cita também a importância de Anacleto como compositor,

que entre as várias peças criadas, compôs uma obra prima conhecida como Iara e que

viria ser utilizada por Villa-Lobos como tema central do Choros n.º10. (Idem:29)

Segundo Baptista Siqueira, a importância de Anacleto não se restringe a seus

feitos como músico, regente ou compositor. O autor identifica nele outros aspectos

fundamentais e entre esses, o papel de educador de massas e criador de uma linguagem

nacionalista, para assim situá-lo dentro da história da música brasileira:

“Quando atribuímos um valor todo especial às composições de Anacleto de


Medeiros, não estamos exagerando, nem falando levianamente. Verificamos, ao
contrário, que nelas existem mensagens que, como brasileiros, identificamos
imediatamente, através dos traços de acabado nacionalismo essencial. Suas idéias são,
na verdade, simples, nítidas, até transparentes, mas é nessas qualidades que se define
a pureza do elemento virgem que vive escondido na natureza à espera de que chegue o
momento de divulgação. Anacleto é, sob este aspecto, um liame perfeito entre a
expressão musical, em estado latente, e a fonte misteriosa de onde promanam as idéias
particularmente brasileiras. Seus cantos soam, na sua singularidade, como toques de

18
É conhecida a atuação de Villa-Lobos entre os grupos de seresteiros e chorões, dos quais Anacleto de Medeiros
também participava (Mariz, 1983:32). Ainda, segundo Cazes (1998:30), Anacleto foi um exímio melodista, excelente
harmonizador e sabia orquestrar de forma bastante evoluída para um “músico de banda” da época.

24
um hino ouvidos distante e que a gente deseja perceber os sons com nitidez, mas que a
brisa os carrega brincando com as vibrações.
Erraríamos se conceituássemos Anacleto apenas como um melodista de primeira
categoria. É, não somente isto, faltaríamos a um dever que nos impõe a ética: Anacleto
era um educador de massas. Essa atividade salutar ficou marcada na tradição que
deixou em sua vocação para criar e dirigir bandas musicais. Aí está um movimento que
poucos perceberam, mas que tem imensa valorização cultural para o Brasil”. (Siqueira,
1969:167)

Aqui no Brasil, o instrumento teve uma maior divulgação entre essas duas

formações instrumentais, banda de música e grupo de chorões. Observa-se também que

principalmente a partir dos anos 20, paralelamente ao gradual aproveitamento do

instrumento nas formações jazzísticas nos EUA, o saxofone começa a encontrar um

maior espaço entre os grupos da música popular urbana e principalmente através de

músicos próximos a Pixinguinha19, que em 1919 fundou o famoso conjunto Os Oito

Batutas.

Com a ida desse grupo para Paris, em 1922, iniciativa financiada por Arnaldo

Guinle e o qual durante a excursão deu à Pixinguinha um saxofone tenor, podemos

também relacionar esse fato com a divulgação posterior do instrumento no Brasil. Em seu

trabalho Cazes diz:

“A estruturação da linguagem musical jazzística ainda engatinhava em 1922 e,


portanto, a tão decantada influência jazzística recebida pelos Batutas teve mesmo de se
restringir ao instrumental e à indumentária.
Quanto ao instrumental, creio que a assimilação do saxofone, do banjo-violão e
do banjo-cavaquinho, instrumentos de maior volume sonoro, foi uma solução encontrada
para enfrentar o borburinho dos salões de dança.” (Cazes, 1998:61)

Cazes observa que de 1928 a 1932, foi o período de grande desenvolvimento de

Pixinguinha como arranjador e que o artista, tinha como objetivo principal encontrar uma

linguagem de orquestra tipicamente nacional. Nessa época acontecem as gravações

19
Segundo Cazes (1998:66;74), alguns desses músicos foram: Luís Americano, nascido em Aracaju, que veio para o
Rio de Janeiro em 1921 e nas duas décadas seguintes tornaria-se o principal clarinetista e saxofonista de choro e
Severino Rangel de Carvalho (Ratinho), natural de Itabaiana, que embora não tenha sido o primeiro a solar choros com
o sax soprano, foi o principal divulgador desse instrumento em nossa música popular.

25
como a da Orquestra Típica Oito Batutas, Orquestra Típica Pixinguinha-Donga e

Orquestra de J. Thomás. (Cazes, 1998:71)

Paulo Moura enfatiza a importância da Rádio Nacional na década de 30 e diz que a

instrumentação inicial na orquestra popular, incluía no máximo três saxofones, geralmente

dois altos e um tenor e que somente no final da década de 30 os grupos tornaram-se

maiores, incluindo outros saxofones. Além disso, Moura informa que a identificação

sonora do saxofone no jazz, foi atingida em 1939, com a música de Thelonious Monk,

Body and Soul, gravada pelo saxofonista americano Coleman Hawkins (1904-1969) e que

o saxofone na música clássica ainda não alcançara sua linguagem própria, ficando à

margem das sonoridades do violoncelo e dos violinos20.

Em relação a instrumentistas importantes para a divulgação do instrumento no

Brasil, Paulo Moura também cita Luís Americano como um dos principais saxofonistas da

época e aponta Ledário Teixeira, cego e originário de Alagoas, como um dos melhores

saxofonistas clássicos surgidos naquela época. Observou ainda que Teixeira utilizava o

saxofone tenor melody, instrumento afinado em Dó, e que este realizou várias gravações

com Radamés Gnatalli21.

20
Entrevista ao autor no dia 3 de agosto de 2001.

26
1.2- O saxofone na obra de Villa-Lobos

Pro-pax, escrita em 1912, RJ (Catálogo de Obras, 1989:98), é uma marcha solene

em forma de dobrado, sendo esta a primeira peça em que Villa-Lobos utiliza o saxofone

na instrumentação22. As próximas obras registradas, que incluem o instrumento são o

bailado Uirapuru (1917, RJ)23 e o Sexteto Místico24 (1917, RJ), que consideramos até a

presente data o primeiro exemplar da música de câmara brasileira com participação do

saxofone.

Segundo seu Catálogo de Obras, o compositor entre 1909 e 1910, compôs para

violão um conjunto de peças indicados como dobrados e todas, com partituras não

localizadas25. Consideramos que, embora escritas para um instrumento de cordas, fica

visível uma certa inspiração nas sonoridades das bandas de música.

De 1917 a 1939, existem registradas trinta e nove obras. De 1940 à 1958, foram

apenas quinze as peças que tiveram a participação desse instrumento. Sendo que, em

21
Segundo Paulo, existem gravações desse saxofonista em discos de 78 rpm, pertencendo a um pesquisador,
chamado Nireis e que mora no Ceará. Infelizmente não foi possível obtermos contato com ele até então. (entrevista ao
autor no dia 3 de agosto de 2001).
22
No Catálogo de Obras não existe referência de intérprete, data e local de estréia. A instrumentação é constituída de:
pic (Db), fl(Db), ob, cl(Eb), cl(Bb), sax sop, sax alto, sax tenor, sax barítono, clavicornes, saxhornes(Eb), cor(Eb),
pistões(Bb), bug, 3trb, 2barítonos, 2 bombardinos, contrabaixos(Eb) e (Bb), tambor, caixa clara, triângulo, pratos e
tímpano . Em outro catálogo, publicado por Luiz Paulo Horta, Heitor Villa-Lobos, 1986, a obra está registrada como Pró-
Max, o que constitui possivelmente um erro de digitação. Observa-se também que na partitura editada, inicialmente as
o
quatro vozes de saxofones executam a mesma linha melódica em uníssono. Somente a partir do 18 compasso cada
saxofone (soprano, alto, tenor e barítono) executa uma voz distinta.
23
Foi estreada em 25 de maio de 1935, Buenos Aires, com regência do autor (em função de gala em honra à visita do
a
Presidente Getúlio Vargas à Argentina). No Brasil teve sua 1 audição dia 6 de novembro de 1935 no Teatro Municipal
do RJ e apresentada no último concerto do compositor dia 12 de julho de 1959 em N. York. Na instrumentação temos:
pic, 2fl, 2ob, c.ing, 2cl, cl baixo, 2fg, cfg, sax sop, 4cor, 3trp, 3trb, tuba, tímp, tam-tam, sinos, reco-reco, coco, surdo,
tamborim, pratos, bombo, violinofone, xil, cel, glock, 2hp, pf, e cordas. Editora AMP (Catálogo de obras, 1989:60)
24
A formação instrumental é para flauta, oboé, sax alto, harpa, celesta e violão. Foi estreado somente em 16 de
novembro de 1962, no auditório da ABI durante o Festival Villa-Lobos. (Catálogo de Obras, 1989:121).
25
As oito peças escritas no período de 1909 a 1912, aparecem no Catálogo de Obras do compositor com os seguintes
nomes: Paraguaio; Brasil; Chorão; Saudade; Paranaguá; Cabeçudo; Rio de Janeiro e Padre Pedro. Além desses, está
registrado o Dobrado Pitoresco de 1910, também para violão solo. Além dessas, Encontra-se registrado no Catálogo de
Obras do compositor, o Choros nº13 (1929) escrito para duas orquestras e banda e o Choro nº14 (1928), para orquestra

27
1948, o compositor compôs a peça mais significativa do repertório brasileiro de saxofone,

a Fantasia para Saxofone Soprano e Orquestra de Câmara (1948).

James Butler (1994:283-284), relata a dificuldade em se definir quantitativamente e

cronologicamente, como o saxofone se integra ao acervo villalobiano. Entre outras

razões, estão os fatos de existirem grande número de obras perdidas26 e também da

prática freqüente do compositor em abandonar peças incompletas e iniciar outras.

A partir do Catálogo de Obras do compositor e confrontando com o texto de Butler


(1994: 286-324), estabelecemos a seguinte relação de repertório aonde o saxofone
aparece inserido:
1912-Pro-pax (banda de música).
1917-Sexteto Místico (música de câmara) e Uirapuru (orquestra).
1919-Sinfonia nº4 (Orquestra, fanfarra e conjunto interno); Canções típicas brasileiras
(orquestra) e Folia de um bloco infantil (piano e orquestra).
1921 a 1929- Ciclo dos Choros: Choros nº3 (1925, para Coro e grupo camerístico),
Choros nº6 (1926, para orquestra), Choros nº7 (1924, para grupo camerístico), Choros
nº8 (1925, orquestra), Introdução aos Choros (1929, para violão e cordas), Choros nº10
(1926, para orquestra e coro), Choros nº11 (1928, para piano e orquestra); Serestas
(orquestra); Brasil Novo (banda e coro); Coleção brasileira (orquestra); Memoprecoce
(piano e orquestra); Quatuor (1921, para grupo camerístico e vozes femininas); Noneto
(1923, para grupo camerístico e percussão); Malazarte (solistas, coro e orquestra) e
Epigramas irônicos e sentimentais (orquestra).
1930-Bachiana nº2 (orquestra);
1932- Rudepoema (orquestra); A canoa virou (banda); Ciranda, ó cirandinha banda);
Entrei na roda (banda); Constância (banda); Lá na ponte da vizinhança (banda); Nesta rua
(banda); Terezinha de Jesus (banda); Vem cá, siriri (banda).
1933 a 1935- Sertanejo do Brasil (coro e banda); O canto do pajé (banda); O pião (banda)
e a Roseira (quinteto de saxofones: dois sopranos; alto; tenor e barítono)

e banda. Ambas partituras encontram-se perdidas, supomos que a partir de suas formações instrumentais, nestas
também estivesse incluído o saxofone. (Catálago de obras, 1989:50)
26
Como exemplo, temos a peça A Roseira (1932), escrita originalmente para quinteto de saxofones e que segundo o
Catálogo do compositor (1989), encontra-se com sua partitura perdida.

28
1936 a 1939- Canção do operário brasileiro (coro e banda); Descobrimento do Brasil (coro
e orquestra); Desfile aos heróis do Brasil (banda); New York sky-line melody (orquestra) e
Álbum nº1 (orquestra).
1940-Canção da Imprensa (coro e banda) e Saudade da juventude (orquestra).
1944-Bachiana nº8 (orquestra).
1945-Canções de cordialidade (canto e orquestra).
1947-Sinfonieta nº2 (orquestra) e Magdalena (coro e orquestra).
1948-Fantasia p/sax e orq. (sax soprano e orquestra de câmara).
1951-Rudá (orquestra).
1955/56-Yerma (solistas, coro e orquestra).
1957/58-Veleiro (canto e orquestra); Floresta do Amazonas (voz soprano, coro masculino
e orquestra); Cair da tarde (canto e orquestra); A menina das nuvens (solistas, coro e
orquestra); Canção do amor (canto e orquestra) e Melodia sentimental (orquestra).

O período em que o compositor utilizou mais o saxofone, compreende os anos de

1912 a 1932. Aqui, Villa-Lobos recorreu ao instrumento em trinta e uma obras. Mas,

observamos que foi de 1917 a 1929, incluindo-se alguns Choros27, onde o compositor

utilizou seguidamente o instrumento, justamente o período considerado por alguns

autores como a sua “fase modernista”28.

De 1933 até o ano de 1939, foram apenas nove peças e de 1940 a 1958,

constatam-se alguns períodos nos quais Villa-Lobos deixou de utilizar o instrumento em

sua obra.

Nos próximos capítulos, abordaremos a linguagem musical de Villa-Lobos. Entre

outros aspectos, inicialmente mostramos um pouco da trajetória do compositor e citamos

sua vocação pelo novo e pela experimentação, o que justifica também a incorporação em

sua obra de elementos sonoros oriundos da cultura urbana brasileira e da cultura

27
Choros: Nº7 (1924) – Sax Alto. Nº3 (1925) – Sax Alto. Nº8 (1925) – Sax Alto. Nº10 (1926,RJ) – Sax alto. Nº6
(1926) – Sax Soprano. Nº11 (1928,RJ) – Sax soprano e alto. Nº12 (1929, RJ) – 2 sax alto. Introdução aos Choros
(1929,RJ) – Sax alto.

29
européia. Posteriormente, faremos uma análise do conjunto de suas obras camerísticas,

em que o saxofone encontra-se incluído na instrumentação, além de um estudo exclusivo

da Fantasia para saxofone e orquestra de câmara ( !948).

Capítulo II

Aspectos da linguagem musical de


Villa-Lobos: revisão bibliográfica.
Na visão de vários estudiosos, Villa-Lobos foi uma figura polêmica e alvo de diferentes interpretações. Porém,

foi considerado pela maioria como um nacionalista e também responsável direto por uma nova linguagem musical.

Além disso, na qualidade de artista e educador o compositor deixou uma enorme contribuição cultural para o país.

Seria possível iniciar uma análise de sua obra a partir dos aspectos puramente musicais, mas existem fatos que

devem ser considerados na avaliação de sua produção artística. São esses: a iniciação musical com o próprio pai e o

ambiente musical em sua casa; a admiração por sua tia Zizinha 29, estudiosa da obra de Bach; a afinidade com a música

popular urbana e seus principais intérpretes; a personalidade inquieta que buscava encontrar novos caminhos; a sedução

exercida por compositores eruditos contemporâneos, como por exemplo Stravinsky e Varèse, assim como por artistas

oriundos da música popular tais como Eduardo das Neves, Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros, Pixinguinha, entre

outros. Considera-se ainda a polêmica sobre as diferentes viagens feitas pelo compositor em regiões brasileiras e

consequentemente, suas questionáveis incursões na floresta amazônica; o recolhimento de materiais sonoros ligados às

culturas regionais e finalmente, sua forte personalidade.

Vasco Mariz destaca o pioneirismo do compositor na construção do nacionalismo musical, quando refere-se à

“brasilidade sonora” da sua obra:

“...o compositor carioca foi o desbravador, aquele que aplainou o caminho espinhoso da
brasilidade para as novas gerações. Sua obra atravessou, do modo mais brilhante, os dois primeiros

28
Neves (1977); Wisnik (1977); Mariz (1982); Kiefer (1986); Kater (1990); Béhague (1994).
29
Segundo Béhague (1994:4), seu nome era Leopoldina do Amaral. Para Adhemar Nóbrega, ela chamava-se Maria
Carolina, casada com José Jorge Rangel, o padrinho Zoza. (Nóbrega, 1971:12)
No Catálogo de Obras do compositor, consta o apelido de sua tia como Fifinha (Catálogo de Obras, 1989:17)

30
estágios do movimento e penetrou no mare tenebrosum do nacionalismo puro, exteriorizando, de
quando em vez e sem recorrer diretamente ao folclore, uma brasilidade espontânea e imaculada.
No Noneto, em alguns Choros, na sua música de câmara do período final, numa ou noutra
Bachiana, conseguiu a expressão musical do Brasil.
Villa-Lobos criou a música nacionalista no Brasil, despertou o entusiasmo de sua geração
para o opulento folclore pátrio, traçou, com linhas vigorosas, a brasilidade sonora. A obra de Villa-
Lobos representa o sólido alicerce sobre o qual os jovens compositores brasileiros estão
construindo um edifício sólido”. (Mariz, 1982:16)

O autor aponta a importância de Raul Villa-Lobos30 na formação musical de Tuhú31. Com o pai o compositor

aprendeu a tocar violoncelo e clarineta, além de freqüentar concertos e óperas. Esse hábito que durou alguns anos,

influiu decisivamente na formação da mentalidade musical de Villa-Lobos. Mas em determinado momento, a

formalidade daquela música começou a desagradá-lo e assim o compositor procurou agarrar-se à algo diferente. (Mariz,

1982:23)

Verificamos que vários biógrafos mencionam o papel de sua tia Zizinha, boa pianista e entusiasta da obra

Cravo Bem Temperado que despertou a curiosidade e paixão do jovem Villa para a linguagem musical bachiana 32.

Segundo Gerard Béhague, esta fascinação transformou-se numa forma de conceber a linguagem de Bach como fonte

folclórica e universal acessível a toda humanidade. Villa-Lobos percebia afinidades entre a música de Bach e a música

folclórica e/ou popular brasileira, principalmente no que concerne à textura contrapontística e procedimentos rítmicos.

(Béhague, 1994: 105-106)

O próprio Villa-lobos definiu a música do compositor alemão:

“A música de Bach vem do infinito astral para infiltrar-se na terra como música
folclórica e o fenômeno cósmico se reproduz nos solos, subdividindo-se nas várias
partes do globo terrestre, com tendência a universalizar-se”. (Nóbrega, 1971: 12)

Por outro lado, Villa-Lobos também demonstrava interesse pela música popular urbana. Apesar de seus pais

resistirem em aceitar tal interesse, principalmente sua mãe que o desejava ver à caminho do curso de medicina, o

compositor estudou violão e saxofone, instrumentos utilizados pelos grupos que executavam variados gêneros musicais

populares. Segundo Mariz, essa afinidade manifestou-se a partir da aproximação do compositor com conjuntos de

chorões33. (Mariz, 1982: 26-28)

30
Raul Villa-Lobos, pai de Heitor Villa-Lobos, era funcionário da Biblioteca Nacional e promovia assiduamente
verdadeiros concertos camerísticos em sua casa (Mariz, 1982:25).
31
Apelido dado à Villa-Lobos em sua infância (Mariz,1982:23)
32
Segundo Mariz, esse interesse data de 1895, quando Villa-Lobos tinha 8 anos de idade. (Mariz, 1982: 25)
33
Villa-Lobos pertenceu a um grupo de seresteiros de escol. Seu quartel-general era o Cavaquinho de Ouro, na atual
Rua da Carioca, onde recebiam convites de toda a espécie para tocar nos lugares mais diversos. Faziam parte do

31
O autor define assim o processo de incorporação na música villalobiana das idéias

oriundas dessa música urbana:

“Villa-Lobos tirou dos chorões ambiente para criar uma atmosfera nova de música.
Naquele meio, formou uma faceta da sua personalidade, aproveitando o que havia de
original. Entre os chorões, Villa-Lobos era o violão clássico e chegou mesmo a
influenciá-los, pois, à sua sugestão, Nazaré escreveu batuques, fantasias e estudos.
Reminiscências dessa época são encontradas na fuga da Bachiana Brasileira n.º1,
composta à maneira da música de Sátiro Bilhar” (Mariz, 1982:32).

A opinião de Mariz baseou-se principalmente, a partir de depoimentos de membros

da própria comunidade de chorões, como foi o caso de Alexandre Gonçalves Pinto:

“Conheci Villa-Lobos quando ele era um exímio chorão. Tocando em seu violão tudo
o que é muito nosso, com perfeição e gosto de um exímio artista, em companhia do
grande cantor e poeta Catulo, de quem ele é dedicado amigo” (Pinto apud Mariz,
1982:32)

Confirmando o interesse do compositor por essa música urbana, especialmente

pelo choro, segundo Cazes, Villa-Lobos foi um admirador confesso dos violonistas Sátiro

(1860-1927) e Quincas Laranjeira (Joaquim Francisco dos Santos, 1873-1935) 34, com os

quais o compositor conviveu nas habituais rodas de choro e assim pôde recolher

importante material para utilizar em sua obra. O autor cita ainda João Pernambuco, com

quem “Villa-Lobos tirou os elementos de base para sua obra violonística, considerada a

mais importante para o instrumento no século XX.” (Cazes, 1998:49)

Em 1903, não podendo manter o interesse no curso de medicina, como sua mãe

desejava, foi morar com sua tia Zizinha. Naquele momento, o compositor tocando seu

principal instrumento que na época era o violoncelo, apresentava-se em shows populares,

no Teatro Recreio, em hotéis e no cinema Odeon. Desta forma, o compositor pôde

grupo, cujo chefe era Quincas Laranjeira, os seguintes chorões: Luiz de Souza e Luiz Gonzaga da Hora (pistão-baixo),
Anacleto de Medeiros (saxofone), Macário e Irineu de Almeida (oficlide), Zé do Cavaquinho (cavaquinho), Juca Kalu,
Spíndola e Felisberto Marques (flauta). O repertório abrangia peças de Callado, Nazaré, Luiz de Souza e Viriato, entre
outros. (Mariz, 1982:32).
34
Cazes cita uma publicação da revista O violão, de 1929 ... “Quincas Laranjeira foi o avô do violão moderno. A ele se
deve mais do que a qualquer outro os primeiros passos no estudo do violão”. (Cazes, 1998:48)

32
conhecer pessoalmente artistas como Ernesto Nazareth, Eduardo das Neves e Anacleto

de Medeiros, assimilando das obras desses músicos, novos elementos que seriam

utilizados no futuro em sua própria linguagem composicional. (Béhague, 1994:4)

Não existem fidedignos relatos sobre a adolescência de Villa-Lobos, mas é certo

que sua interação com a música urbana, assim como sua vontade de aprofundar

conhecimentos de harmonia e instrumentação, foram pontos decisivos em sua produção

como compositor. Mariz destacou a vocação de Villa-Lobos em absorver novas

informações, quer seja através de procedimentos intuitivos, quer seja através de seu

aprendizado teórico. Esses estudos incluíam autores clássicos e românticos, entre eles

Wagner (Tristão e Isolda) e Puccini (La Bohème), como também a leitura do método de

composição Cours de Composition Musicale de Vicent d'Indy (Mariz, 1982:34-38).

Nas primeiras edições de sua biografia (até 1982), Mariz afirma que o compositor

esteve matriculado no Instituto Nacional de Música, na classe de Harmonia de Frederico


35
Nascimento. Porém em 1999, no artigo para a Revista Brasiliana , ele apresenta nova

informação a respeito do fato:

“Escolarização: ficou comprovado que Villa-lobos jamais esteve matriculado no


antigo Instituto Nacional de Música, apesar de ele me haver afirmado ter sido aluno de
Benno Niedenberger, Frederico Nascimento e Agnelo França naquela instituição. Não se
pode excluir, entretanto, que ele tenha tomado aulas particulares na residência daqueles
professores, ou sido apenas aluno ouvinte. Após pesquisa feita, nada consta nos
arquivos da Escola de Música da UFRJ (vide certificado fornecido pela acadêmica Sônia
Maria Vieira, então diretora da Escola). Tampouco foi possível apurar a versão de que
Heitor teria cursado o primeiro ano da Escola Nacional de Medicina, como me relatou o
próprio compositor, em 1946.” (Mariz, 1999: 4)

Na historiografia dedicada ao compositor, encontram-se inúmeras referências de

viagens feitas por diversas regiões brasileiras. Porém, são poucas as evidências sobre as

35
Revista Brasiliana , 1999, n.3 (set.), p.4.

33
razões de suas viagens, ocorridas entre os anos de 1905 e 191336. Ao longo de seu

trabalho37, Gerard Béhague argumenta que não houve um “guia” ou um “tratado” em

relação a juventude do compositor, tal como estudante ou a respeito de personalidades

artísticas que pudessem influenciá-lo e predispô-lo aos interesses pelo Brasil. Sua

personalidade e própria identificação artística e cultural com o país, parecem ter se

desenvolvido espontaneamente. Villa-Lobos nunca discutiu a motivação por trás de suas

viagens, mas enfatizou em diversas ocasiões seu especial ganho de liberdade, seu afeto

pelas novas descobertas e sua própria identificação como um brasileiro”. (Béhague,

1994:5)

Béhague aponta a linguagem “multifacetada, não excludente e sem preconceitos” de Villa-Lobos, o que

significa dizer que o compositor tinha por temperamento captar e utilizar o que estava a sua volta, independente das

origens e de possíveis críticas. O autor ainda comenta, a partir de uma curta biografia sobre Villa-Lobos, escrita em

1929 por Suzanne Demarques para a La Revue Musicale, como vários biógrafos alimentam uma certa mítica em relação

a imagem do artista. Segundo ele, apesar disso, este fato não invalida no compositor a sua total identificação, percepção

e reação com as várias expressões culturais oriundas das terras brasileiras. Todo o material recolhido ou não por Villa-

Lobos, serviu-lhe através da vida para ser experimentado em sua obra, além de sua habilidade para convencer outros de

seu próprio destino como um porta-voz musical de seu país. (Béhague,1994:7)

Sobre algumas das suas viagens, o próprio Villa-Lobos declarou:

"Tanto quanto eu tentei moldar minha cultura, guiada pelo meu instinto e apreciação,
achei que só poderia alcançar uma conclusão consciente de conhecimento, através de
uma pesquisa, estudando trabalhos, que inicialmente não eram relacionados com
música. Então meu primeiro livro foi o mapa do Brasil, o Brasil em que eu marchei,
cidades e cidades, florestas, pesquisando a alma da terra. Então o caráter do povo e sua
terra. Por fim, a natural admiração por esta terra” . (Béhague, 1994:7)

Em relação às possíveis influências européias na música villalobiana, Bruno Kiefer, destaca a importância de

compositores como Ravel, Debussy, Saint-Saëns, Florent Schmitt, Paul Dukas, Vicent d’Indy e Darius Milhaud.

36
Mariz lembra que provavelmente essas incursões não ultrapassaram as cercanias das cidades de Belém e Manaus
(Mariz apud Béhague, 1994:7)
37
“Heitor Villa-Lobos: The Search for Brazil’s Musical Soul “ (Béhague, 1994).

34
Lembra ainda, a ambientação cultural oriunda da França, que tomava conta da cidade do Rio de Janeiro no início do

séc. XX. Além de outros aspectos, isso também justifica a atmosfera francesa e principalmente impressionista,

empregada por Villa-Lobos em obras compostas até o início da década de vinte, incluindo-se dois de seus trabalhos

camerísticos que fazem parte desta pesquisa, o Sexteto Místico (1917) e o Quatuor (1921).

Sobre esse aspecto, o autor declara:

“Confirma-se também na música (deixando de lado a ópera italiana) que, culturalmente,


a França era uma segunda pátria para todos quantos aqui escreviam, compunham, pintavam – ou
simplesmente, tinham dinheiro...Vem a calhar o que escreveu o musicólogo Adhemar Nóbrega: “A
admiração basbaque por Paris (era a belle époque , não nos esqueçamos), que então exercia um
fascínio tirânico sobre o Brasil, chegava às raias do entreguismo (embora o termo só tenha sido
cunhado modernamente, a coisa designada já existia).” (Kiefer, 1986:16)

Mais adiante, Kiefer comenta que essa influência francesa em Villa-Lobos se deu a partir de duas raízes: a do
pós-romantismo e a do impressionismo, principalmente de Debussy.

“Se Villa-Lobos podia, ao sentir outras influências, livrar-se delas com maior ou menor
esforço, de acordo com o que ele mesmo dizia: “Logo que sinto a influência de alguém, me sacudo
todo e salto fora”, já no caso da música francesa – manifestação de uma cultura da qual fomos
satélite durante muito tempo – o processo de libertação devia ser muito mais difícil, mais lento,
pois o que era francês impregnava o inconsciente das camadas cultas e, por conseguinte, também
de Villa-Lobos. Apesar de lutar constantemente no sentido de encontrar a sua própria
personalidade, apesar de todo seu esforço para aprofundar a auto-afirmação nacional, Villa-Lobos
iria pagar o tributo à música francesa ainda em 1921.” (Kiefer, 1986:34)

Dono de uma forte e intuitiva personalidade, Villa-Lobos manteve-se atento para

tudo que estava à sua volta, no que diz respeito à cultura popular ou as novidades da

época. O compositor com sua característica ávida e curiosa, assimilava espontaneamente

suas experiências e ao mesmo tempo relutava em aceitar influências em sua obra. Mas, a

afinidade pela música francesa contemporânea ficou evidente, particularmente no que diz

respeito à técnica impressionista de Debussy, o que fez com que Villa-Lobos incorporasse

mais este elemento distinto e renovador em sua linguagem musical 38.

No ano de 1917, chega ao Rio de Janeiro o compositor francês Darius Milhaud,

artista que já impressionava as platéias parisienses com as suas experiências politonais.

35
Milhaud esteve no país, pelo período de dois anos, como secretário de Paul Claudel,

poeta, dramaturgo francês e naquele momento embaixador no Brasil. Logo depois,

Milhaud foi apresentado a Villa-Lobos, iniciando assim uma amizade entre ambos39 o que

segundo Kiefer, proporcionou uma influência direta sobre Villa-Lobos. (Kiefer, 1986:21)

O compositor francês tinha grande curiosidade pela música popular da cidade,

especialmente pela música para piano composta por Ernesto Nazareth o que resultou

mais tarde na composição da suite Saudades do Brasil. Além disso, em suas memórias,

Milhaud menciona o contato de Villa-Lobos com o pianista Arthur Rubinstein que, em

1918, veio pela 1a vez ao Brasil para uma série de concertos. Nesse encontro, o intérprete

expressa toda sua admiração pela obra do compositor brasileiro, divulgando-a

posteriormente entre os artistas e platéias da Europa e EUA40. Vale também destacar que

no repertório do pianista, estavam incluídas também duas peças de Stravinsky 41, fato que

talvez tenha chamado à atenção de Villa-Lobos para a linguagem stravinskiana.

Assim, a influência da música francesa nas peças Sexteto Místico e Quatuor, não

seria apenas um produto de afinidade do compositor com a música européia, mas

também uma captação da atmosfera cultural francesa, vivida por todos na cidade do Rio

de Janeiro e consequentemente também por Villa-Lobos.

Segundo Béhague, a aderência às ideologias artísticas do século XX, com suas

técnicas modernas correspondentes, foi estabelecida aqui no Brasil nos anos vinte.

Porém, já nos anos dez, alguns artistas visuais e poetas, buscavam seus próprios

38 a
É suposto que Villa tenha ouvido a música de Debussy pela 1 vez numa de suas viagens ao Nordeste,
especificamente na Bahia em 1907 ou 1908 (Béhague, 1994:9). A peça teria sido Cake Walk da suite Children’s
corners, que pareceu-lhe muito “popularesca” . (Mariz, 1982:36).
39
Segundo Kiefer, Villa-Lobos levou Milhaud a pontos de macumba e encontros com chorões e carnavalescos. (Kiefer,
1986:21)
40
(Béhague, 1994:10) Em entrevista para um jornal, Rubinstein declarou: “Villa-Lobos é um eminente artista, em nada
inferior aos grandes e modernos compositores da Europa. Ele tem todas as características de um gênio musical”.
(Guimarães et al. apud Béhague, 1994:10)
41
Uma das peças era Le Sacre du Printemps (Milhaud 1949:92)

36
caminhos, incorporando essas tendências modernas em suas produções

(Béhague,1994:11). Entre esses, Anita Malfatti42 nas artes visuais e Villa-Lobos na

música, que iriam estar participando com alguns de seus trabalhos no evento da Semana

de Arte Moderna de 1922, em São Paulo.

Segundo Kiefer, o compositor instaurou o modernismo na música brasileira. Para

ele, esse evento... “foi apenas o instante de eclosão de um movimento renovador nas

artes e nas letras iniciado alguns anos antes”. Villa-Lobos, o único compositor brasileiro a

figurar nos programas da Semana, já tinha uma extensa obra escrita e por esta razão,

teria sido convidado para participar do referido acontecimento. O autor cita ainda que

nenhuma das composições villalobianas foram exclusivamente escritas para esse evento.

Estas, já haviam sido estreadas anteriormente, em sua maioria no Rio de Janeiro. (Kiefer,

1986:11).

Constata-se assim, que a produção de Villa-Lobos nas duas primeiras décadas do

séc. XX, atingiram um reconhecimento significativo entre a comunidade de artistas

brasileiros. Até então, nenhum outro compositor brasileiro tinha ousado e tentado instituir

uma nova linguagem nacional como fez Villa-Lobos, através de suas experimentações e

ensinamentos obtidos desde sua infância.

Segundo Wisnick, várias figuras literárias do movimento modernista, consideraram Villa-Lobos como o

principal porta-voz de um Brasil de contrastes culturais e identificaram os vários componentes de sua música, como

uma representação simbólica do próprio país. (Wisnik apud Béhague, 1994:14).

Graça Aranha, em conferência de abertura na Semana de Arte Moderna de 22, "A emoção estética na arte

moderna", destacou Villa-Lobos como:

42
Mário de Andrade deu um significante relato histórico, em 1942, em uma leitura sobre a experiência e
desenvolvimento do movimento modernista nas artes brasileiras. Ele viu, em dezembro de 1917, a exibição da pintora
cubista Anita Malfatti (1896-1964), como o verdadeiro começo do “período histórico” do “modernismo” que culminou na
“festividade” da Semana de Arte Moderna de São Paulo, em 1922, ano da comemoração do centenário da
independência do Brasil ( Béhague, 1994:11-12).

37
“um artista de remarcáveis habilidades, de um excepcional
temperamento e com sua extravagante música irá chocar aqueles
que reagem dirigidos pela força do passado... (Aranha apud
Béhague 1994:14)
Consideramos assim, que a identificação de Villa-Lobos com a Semana de Arte

moderna foi relevante porque esta ter sido um marco de modernização na arte brasileira.

Em 1923, Mário de Andrade descreveu o compositor como, “um feiticeiro incansável

de efeitos instrumentais”, efeitos cuja motivação não seria no entanto, “a preocupação de

excentricidade ou exotismo”... (Andrade apud Winisk, 1977:144-145). No entanto, a

admiração do autor por Villa-Lobos, não o impediu de questionar a forma como o artista

utilizara determinados elementos da cultura brasileira. Como por exemplo, a presença de

uma pseudo-música indígena em alguns dos primeiros trabalhos do compositor, recurso

este identificado como um “indesejado elemento desse exotismo” (Béhague, 1994:14-15).

Em 1941, Andrade reconhece que na “selvagem” experiência da Semana de Arte

Moderna de São Paulo, Villa-Lobos abandona conscientemente e sistematicamente seu

internacionalismo francês para tornar-se o iniciador e figura máxima da fase nacionalista

na qual nós nos encontramos” (Andrade, 1965:32).

Em outro texto, o autor refere-se explicitamente à forte impressão que a vanguarda

européia provoca no compositor. No caso as experiências realizadas por Edgar Varèse.

“(VL) Está criado por isso nesta fase de agora uma música tão
contundente, tão extra-sonora pela sua predominância de ritmo, pelo
valor absolutamente imprescindível de timbres, que em certas obras
/.../ cria um compromisso imediato entre o som e plástica. Não é à toa
que ele fala constantemente em “blocos sonoros” e anda
impressionado com as tentativas do franco-americano Edgar Varèse.
Na verdade não são os “blocos sonoros” que o impressionam tanto
assim, mas é que descobriu nessa expressão o verdadeiro sentido de
muita coisa que ele mesmo inventa, nessa quasi-música que tanto o
43
apaixona agoramente” (Andrade apud kater, 1990:53)

Já Ronald de Carvalho diz que:

43
Andrade, Mário de. Villa-Lobos, manuscrito pertencente ao Acervo Mário de Andrade, Instituto de Estudos
Brasileiros/USP. (Kater, 1990:65)

38
“a música de Villa-Lobos é uma das mais perfeitas expressões
44
da nossa cultura”. (Ronald apud Kater, 1990:53)

O próprio Villa-Lobos, em 1956, reafirmando sua convicção modernista, declarou a

Menotti del Picchia :

“...não foi a semana de 22 que me lançou, uma vez que,


anteriormente, eu já era um revolucionário” (Béhague, 1994: p.16).

Nos anos vinte, Villa-Lobos inicia sua carreira internacional e em 1923, com ajuda

financeira do governo brasileiro e da família Guinle, desembarca em Paris com a intenção

de mostrar sua obra à sociedade européia.

Nessa ocasião e posteriormente em 1927, o compositor teve apoio de vários

artistas importantes da época, entre esses estavam: Roussel, Dukas, Schmitt, Honegger,

d’Indy, Ravel, de Falla, Stravinsky, Prokofiev, Casella, Varèse, Segovia, Tomás Terán,

Joaquín Nin e também críticos musicais parisienses como Henry Prunières, Paul Le Flem

e Tristan Klingsor. Durante essa sua primeira estada em Paris, as obras de Villa-Lobos

foram apresentadas em eventos organizados pelos próprios amigos artistas ou também

por sociedades como por exemplo a Embaixada Brasileira, que promoveu o concerto do

dia 30 de abril de 1924, onde entre várias peças, o compositor mostrou ao público pela

primeira vez o Noneto, peça esta, considerada pelos autores como uma das mais

importantes no repertório camerístico villalobiano. (Béhague, 1994:16)

A reação do público foi variada, mas a crítica exaltou as qualidades do compositor

brasileiro e em 23 de junho de 1924, o jornal Liberté classificou sua obra como um

“grande avanço modernista”. (in Guimarães et al. apud Béhague 1994:17).

44
Carvalho, Ronald. A música de Villa-Lobos, in: O Estado de São Paulo, 17/02/1922.(Kater, 1990:65)

39
Carlos Kater, em artigo para a revista Em Pauta (1990)45, aponta paralelismos entre o Noneto e a Sagração da

Primavera de Igor Stravinsky. Aqui, entre outros exemplos, o autor destaca a introdução de ambas as peças, uma feita

com cadência de fagote (fig.1-Sagração) e a outra com a de saxofone alto (fig.2-Noneto).

(Fig. 1, Sagração da Primavera, fagote solo)

45
Aspectos da modernidade de Villa-Lobos

40
(Fig.2, Noneto, Saxofone solo)

41
A respeito do conhecimento de Villa-Lobos pela obra stravinskiana, não se sabe exatamente quando este

iniciou-se. No acervo de Vera Janacopoulos, na biblioteca da UNIRIO-RJ, encontra-se uma cópia manuscrita da peça de

Stravinsky, Pribaoutki, assinada por Villa-Lobos e datada de 1920 (Lago,1999:12). Isso contradiz a afirmação de Luiz

Heitor, de que o compositor só conheceu a música de Stravinsky no ano de 1923, em Paris. (Heitor apud Kiefer,

1986:21).

Apesar da aceitação de sua obra pela comunidade de artistas de vanguarda

concentrada em Paris, o compositor necessitou retornar ao Brasil. Mas durante sua

estada inicial na Europa, Villa-Lobos pode realmente mostrar sua criativa obra,

sedimentar ainda mais seus contatos com outros importantes artistas e definitivamente,

deixar seu nome entre os mais novos e expressivos modernistas daquele momento.

Manuel bandeira em 1924, assim escreveu:

“ Se a atmosfera artística parisiense não afeta a essência de


sua arte, ela influencia, por outro lado com incalculável benefício nos
efeitos morais e sociais” (Mariz apud Béhague, 1994:18).

Em 1925, após vários concertos no Rio de Janeiro e em São Paulo, o compositor

apresenta-se também como regente e dirige três orquestras de festivais em Buenos Aires.

Em 1926, o compositor faz enorme sucesso entre o público, tendo no programa do

concerto os Choros n.º3 e n.º10. Em 1927, juntamente com sua esposa Lucilia

Guimarães, Villa-Lobos volta à Paris para mais um período de 3 anos, contando com o

apoio de amigos como Arthur Rubinstein e Carlos Guinle 46 que intercederam nas

negociações com a editora Max Eschig, para a realização da edição de suas obras.

46
Guinle cedeu à Villa-Lobos seu apartamento em Paris, onde passou a ser encontro de diversos artistas da Europa e
América do Sul (Béhague, 1994:18)

42
Em artigo para o jornal Le Monde Musical, L. Chavalier declara:

“Mister Villa-Lobos é um puro brasileiro do Rio de Janeiro. Ele


dedica seu trabalho composicional à importante produção folclórica
de seu país, e este irá ser chamado de “Alma do Brasil”...vocês tem
que entender que Villa-Lobos é um compositor racial (étnico). A alma
brasileira domina-o inteiramente...mas sua alma é freqüentemente
selvagem, áspera, tumultuada, as vezes incoerente. Ele lança mais
ruídos e barulhos, do que normalmente a música concebe. De alguma
forma isso não deveria ser uma surpresa se em Villa-Lobos, nas
características de seus trabalhos, vem com uma sistemática
exploração de barulhos. Testemunho disso é seu Noneto ou os
Choros n.º 10, onde a percussão torna-se essencial e é
resplandecente com instrumentos indígenas e na maioria das vezes
com efeitos inesperados”.(Guimarães et al. apud Béhague,1994:20).

Segundo Neves, a obra de Villa-Lobos até por volta de 1917, não atinge ainda um

nacionalismo essencial. O compositor estaria recorrendo as variadas influências

exteriores, oriundas das obras de Puccini, de Liszt e de Debussy. Mas ainda segundo o

autor:

...“ele deveria logo libertar-se e partir para o aprofundamento das características


de sua linguagem musical, desenvolvendo-se de maneira pouco sistemática, mas sem
nunca voltar atrás...ele buscava sempre novos caminhos, novas soluções para os
problemas que se punham, em sua sede de encontrar as mais estranhas sensações
musicais, das graciosas canções infantis à violência das forças brutas da natureza,
passando pelas mais diversas manifestações da criação popular...” (Neves, 1977:8)

Neves aponta ainda os elementos que, em sua opinião, fundamentaram a linguagem musical de Villa-Lobos.

Entre esses, estaria principalmente o ritmo como um dos traços característicos da sua produção. Para ele, o compositor

sintetizou de modo admirável toda a constância da rítmica brasileira, em sua multiplicidade e com todo o seu vigor. A

organização harmônica, que revela sempre uma grande liberdade tonal que o levaria, com o correr dos anos e da

experimentação constante, à bitonalidade e à politonalidade, atingindo mesmo em certas obras a total atonalidade. Isso,

não pela influência de novas teorias harmônicas que o compositor conheceu já em sua maturidade artística, mas pela

exploração do material que lhe era oferecido pela criação popular de seu país e por um simples imperativo étnico-social.

Por fim, a concepção orquestral, que parece ser um dos pontos de maior relevo em sua criação, garantindo posição de

destaque para Villa-Lobos, pelo conhecimento profundo das possibilidades de cada instrumento e pela maneira como

ele os combinou entre si.

Neves ainda refere-se ao acabamento de suas obras, dizendo:

43
“... Este compositor, dotado de prodigiosa vitalidade e poder criador,
foi sempre incapaz de se deter para aperfeiçoar e desenvolver processos,
seguindo sem reagir o fluxo poderoso que lhe brotava da mente”. (Neves,
1977: 10-11)

O autor assim sintetiza sua opinião:

“ Sua construção melódica e harmônica, sua orquestração e


sua organização formal são aquelas de um compositor que não se
perde nos detalhes, dando muito maior atenção ao aspecto global da
obra”. (Neves, 1977: 10)

Villa-Lobos retorna ao Brasil em meados de 1929, rege e organiza alguns

concertos no Rio de Janeiro e S. Paulo e logo após, volta à Europa. Nesse momento seu

nome já estava estabelecido internacionalmente, mais precisamente em Paris, onde

nenhum outro compositor latino-americano havia chegado a esse estado de

reconhecimento. Essa aclamação foi resultado do frescor de sua criação, cultivada no

folclore e na música popular brasileira, juntamente com procedimentos técnicos modernos

e radicalmente nova para os ouvintes europeus (Béhague,1994:p.20).

Expressando-se de forma menos objetiva, Piedade Carvalho levantou a questão da

Beleza-inconsciente do criador e sua paixão pela cultura nacional, que serviram de

alicerce para que ele, Villa-Lobos, pudesse obter um significativo número de elementos

composicionais para a construção de sua obra. (Carvalho, 1987:18)

Tendo em vista que nosso objetivo principal é examinar o repertório em que o

compositor utiliza o saxofone, passaremos a comentar a bibliografia referente a temática.

Um dos trabalhos mais completos sobre o assunto, foi realizado por James Butler

(1994)47, em sua dissertação voltada para o repertório saxofonístico na obra villalobiana.

Este aponta as dificuldades de se obter uma completa listagem do material do compositor

que inclui o saxofone, quer seja orquestral e/ou camerístico, quer seja solístico, uma vez

que algumas obras do compositor encontram-se perdidas e outras sem informações

44
completas. Partindo dessa constatação, o autor relaciona e analisa algumas das que

foram encontradas, tendo como critério de escolha, aquelas que a princípio tem mais

significado em seu estudo.

A partir de uma pequena introdução biográfica, Butler preocupa-se em discutir

aspectos da música popular urbana brasileira e aponta influências desse material na obra

de Villa-Lobos, principalmente naquelas onde o saxofone está inserido.

Embora faça um estudo abrangente em relação ao compositor e sua obra, o autor

irá se deter inicialmente no estudo de gêneros populares como o Choro, Lundu, Modinha,

Maxixe e Samba, que segundo ele, foram determinantes na concepção composicional de

parte da obra villalobiana. Butler explica as origens dos gêneros e aponta alguns aspectos

rítmicos, entre eles a síncope (semicolcheia - colcheia - semicolcheia), modelo ritmico

comum e característico nos vários estilos dessa música popular. Butler deu especial

ênfase à aproximação do compositor com a música popular urbana, notadamente com o

choro carioca, através de alguns dos grupos de chorões e seus intérpretes.

Entre as questões levantadas no estudo, está aquela que também é motivo de

nossa preocupação, referente aos motivos pela qual o compositor incluiu o saxofone em

sua obra. Segundo David Appleby (Appleby apud Butler, 1994:89-90), até o presente

momento não é possível sabermos a resposta, porém ele apresentou as seguintes

alternativas:

1. É possível que o compositor tenha conhecido um excelente saxofonista.

2. Villa-Lobos sempre esteve interessado em incluir instrumentos musicais em sua obra,


que normalmente estariam associados a música popular. Como exemplo, a utilização da
seção de percussão, previamente não utilizada no que consideraria “música séria”. Essa
prática trouxe muitas críticas ao compositor e isso pode ter sido considerado por ele, e o
levado a escrever para o instrumento.

47
Heitor Villa-Lobos: The compositional use of the saxophone in orquestral, chamber, and solo repertorie (Butler, 1994)

45
Esses não parecem ser argumentos suficientes, mas de alguma forma procedem

em parte. Como vimos no capítulo anterior de nosso trabalho, devemos considerar o

interesse do compositor pela coloração timbrística, além do fato do saxofone, estar sendo

naquele momento um novo instrumento incorporado à música camerística brasileira.

Assim como Butler, nós reconhecemos a importância e o possível alicerce que a música

popular urbana tenha dado ao compositor, para que ele inserisse o instrumento em sua

obra. Mas, fica claro que ainda não temos informações precisas para afirmar essa

questão.

Em seu trabalho, o autor faz uma análise mais abrangente apenas de três obras,

daquelas que estão incluídas em nosso trabalho. São essas, o Noneto, o Quatuor e a

Fantasia (anexo 1), todas essas editadas pela Max Eschig. Nas outras, Butler apenas

comenta superficialmente alguns aspectos composicionais. Na última seção, o autor

analisa a Fantasia e aqui faremos algumas críticas relacionadas a sua interpretação da

obra (Capítulo IV).

Neste capítulo, procuramos traçar os principais aspectos da linguagem musical de

Villa-Lobos, a partir das análises de diferentes estudiosos da música brasileira,

principalmente no período compreendido entre os anos 10 e 20. Destas análises,

obtivemos algumas fontes que nos serviram para examinar o repertório aqui abordado.

Observamos também, que nos estudos que procuram identificar influências na obra

do compositor, raramente é mencionado a aproximação deste com as sonoridades

oriundas da banda de música. O trabalho, entre outras propostas, procura enfatizar

alguns elementos por ele apropriados, a partir da aproximação do compositor com

músicos daqueles conjuntos.

46
Capítulo III

Análise das obras


Neste conjunto de peças camerísticas, Sexteto Místico (1917), Quatuor (Quarteto

Simbólico, 1921), Noneto (1923), Choros n.º7 (Settimino, 1924) e Choros n.º3 (Pica-

pau,1925), Villa-Lobos utiliza o saxofone explorando principalmente seu aspecto

timbrístico e dentro de um confortável registro de notas para o instrumentista. Apesar da

ausência de virtuosismo, Villa-Lobos demonstra entre outros aspectos, a intenção de

explorar a sonoridade desse instrumento para fortalecer e apoiar o conjunto instrumental,

tanto no plano harmônico, quanto melódico e rítmico.

Em relação aos trechos mais movidos, são estes poucos e não apresentam

grandes dificuldades de mecanismo. Citamos apenas certas passagens do Sexteto

Místico, onde encontramos algumas escalas e arpejos, o Choros n.º7, com pequenos

trechos lembrando os estilos sincopados do samba ou do choro carioca e o Noneto, que

na introdução apresenta duas frases em forma de cadência para o instrumento. Ainda

assim, nenhum deles é de difícil execução para um saxofonista que tenha alguma

experiência com música erudita.

O Sexteto Místico e Quatuor, datados de 1917 e 1921, são duas peças compostas

no Rio de Janeiro, em um período de profunda influência francesa na cultura nacional.

Entre outros, esse aspecto é pertinente para justificar a ambientação impressionista dada

por Villa-Lobos em ambas as composições. No Sexteto Místico, supostamente o

compositor parte para uma experimentação instrumental, onde demonstra a preocupação

na renovação de sua linguagem musical, principalmente no que se refere à exploração de

47
novos timbres. Nesta peça, o saxofone, o violão, a harpa e a celesta, estão sendo

utilizados pela primeira vez na música camerística brasileira.

A obra foi escrita para flauta, oboé, saxofone alto, violão, celesta e harpa. O

saxofone está inserido numa ampla polifonia, através de imitações melódicas, pequeno

ostinato, notas longas e blocos harmônicos, juntamente com os outros sopros.

Nogueira França (1976:45), ressaltou:

“...a formação instrumental tem bastante originalidade e resulta muito feliz


conjunção tde timbres, que contribuem para ambientar a obra de acordo com o título.”

O autor ainda destaca, a preocupação com a “cor de brasilidade” proporcionada

pelo violão e o “sentido universalista”, que coloca a peça à parte na música de câmara

brasileira. (França, 1976:45)

O Quarteto Simbólico (Quatuor), de 1921, estreado na Semana de Arte Moderna de

S. Paulo em 1922, também apresenta uma coloração impressionista. O compositor

explora o potencial timbrístico do saxofone alto, integrando-o na instrumentação de flauta,

celesta, harpa e ainda com a participação de vozes femininas. Através de frases

expressivas, algumas em intervalos de 3as, 6as e uníssono com a flauta, além destas

estarem em regiões fáceis e confortáveis para a execução, a sonoridade do saxofone é

muito bem explorada pelo compositor.

Na peça seguinte, Noneto, datada de 1923, o compositor abandona a atmosfera

impressionista e assume uma linguagem mais nacionalista. Aqui, Villa-Lobos inclui uma

seção de percussão e cordas, propondo um trabalho mais rítmico, com a permanente

utilização de acentos. Como descrito no capítulo anterior, no desenvolvimento dessa peça

encontramos similaridades com a obra Sagração da Primavera de Igor Stravinsky.

Devido ao caráter predominantemente rítmico, no Noneto os sopros são utilizados

com mais vigor nos ataques e articulações melódicas. O que significa uma maior

48
facilidade para o saxofonista, devido ao potencial sonoro do instrumento. Excetuando-se

na introdução, o saxofone não tem uma participação mais destacada na peça. Apenas

frases e ataques em conjunto com os outros sopros, possibilitando também um

expressivo apoio harmônico para a composição. O compositor também utilizou o

glissando, que é um efeito oriundo da música popular e do estilo jazzístico.

Nos Choros n.º7 (1924) e n.º3 (1925), a inserção do saxofone acontece de forma ainda mais discreta. Nas

peças anteriores, Villa-Lobos parece procurar novas sonoridades obtidas de diferentes fontes, mas nestas últimas o

compositor está voltado para a exploração dos aspectos de brasilidade.

As duas peças tem caráter distintos e optamos por analisar apenas o Choros n.º7,

uma vez que nos Choros n.º3, tanto o saxofone como os outros instrumentos de sopro,

apenas trabalham em total apoio ao coro de vozes masculinas.

No Choros n.º7, o instrumento tem pouco trabalho, apenas alguns ataques e

acentos em notas curtas, além de uma rápida participação melódica. Aqui, o instrumento

repete uma frase em forma de ostinato, com o motivo rítmico brasileiro sincopado, que

lembra o choro carioca.

No Choros n.º3, o único aspecto pertinente na utilização do saxofone, talvez seja o

interesse do compositor por um resultado de coloração sonora e também, a conveniência

da tessitura do instrumento para essa instrumentação.

Uma outra questão, está no fato pelo qual um dos tipos de saxofone da família, o

Saxofone Alto, ser o mais utilizado nesse conjunto de peças. Apenas no Noneto, o

compositor recorre, em alguns compassos, ao Saxofone Barítono, sugerindo ter sido

apenas pela necessidade de continuar uma linha melódica de movimento descendente.

Porém, o saxofone utilizado no restante desses trabalhos, foi o contralto. Talvez pelo fato

de ser este o mais indicado para alcançar um equilíbrio harmônico e timbrístico na

instrumentação do conjunto camerístico, situado entre as vozes mais agudas, como a da

49
flauta, oboé, clarineta, violino e a dos médios e graves como a do fagote, violoncelo e

trompa.

3.1- Sexteto Místico (1917)

A peça apresenta um único movimento que se desdobra em quatro seções

(Allegro non troppo, Piu mosso, Adágio e Quasi allegro), com diversos climas e

ambientações, indicados por mudanças de andamentos e de indicações de compasso. A

atmosfera impressionista é marcante e a ênfase textural é obtida através da ampla

utilização de quiálteras (Fig.3 a: c.65-70 e Fig.3 b: c.185-195), arpejos (Fig.4 a: c.49-50;

Fig.4 b: c.51-53 e Fig.4 c: c.54-56), movimento melódico cromático (Fig.5: c.120-121; 163-

164), escalas inteiras (Fig.6 a: c.13-14; c.23; Fig.6 b: c.31-32; Fig. 6 c: c.42-44; c.75),

escalas articuladas por diferentes intervalos (Fig.7 a: c.38-40; Fig.7 b: c.97), alternância

de métricas (Fig.8 a: c.41-42 e Fig.8 b: c.43-44) e ostinatos (Fig.9 a: c.92-94, c.97-99,

Fig.9 b: 112 e Fig.9 c: c.113-115).

50
Fig.3 a

51
Fig. 3 b

52
Fig. 4 a

53
Fig. 4 b

54
Fig. 4 c

55
Fig. 5

56
Fig. 6 a

57
Fig. 6 b

58
Fig. 6 c

59
Fig. 7 a

60
Fig. 7 b

61
Fig. 8 a

62
Fig. 8 b

63
Fig. 9 a

64
Fig. 9 b

65
Fig. 9 c

66
As idéias brotam, os diálogos fluem, variações e imitações acontecem. A harpa, o

violão e a celesta, tem uma função predominantemente textural, de pulsação rítmica ou

ambientação harmônica, enquanto as linhas melódicas ocorrem em contraponto, entre os

instrumentos de sopro. O saxofone interage com a flauta e o oboé, complementando

linhas melódicas (Fig10 a: c.3 e 7; Fig.10 b: c.38-39), fazendo transição entre elementos

fraseológicos (Fig.11: c.13; 54), preenchendo harmonias ( Fig.12: c.29; 32),

acompanhando em ostinato um solo de oboé (Fig. 13: c.97-99), executando notas pedais

(Fig. 14: c.138-148), realizando polifonias (Fig. 15: c.13-19), compartilhando melodias em

oitava com o oboé (Fig. 16 a: c.41-44 e Fig. 16 b: c. 45-48) e com a flauta (Fig. 17: c.112-

115).

67
Fig. 10 a

68
Fig. 10 b

69
Fig. 11

70
Fig. 12

71
Fig. 13

72
Fig. 14

73
Fig. 15

74
Fig. 16 a

75
Fig. 16 b

76
Fig. 17

77
O saxofone está escrito em um registro confortável para a execução, seja nos solos

ou nos Tutti. Villa-Lobos emprega o instrumento de forma idiomática, sem recorrer a

recursos de grande virtuosidade, mas explorando as possibilidades rítmico-expressivas do

instrumento.

Apesar do compositor freqüentemente negar influências em sua linguagem,

observa-se que a atmosfera impressionista e a presença de repertório francês no Rio de

Janeiro, aliado à chegada de Darius Milhaud na cidade, foram alguns dos fatos

importantes para consolidar uma afinidade de Villa-Lobos com a música francesa

contemporânea. (Béhague,1994:9-10)

Béhague (1994:12-14) enfatiza que em Villa-Lobos, o tratamento e a preocupação

nacionalista tendem a se integrar a diferentes experimentações estilísticas, dissociadas

de qualquer posição preconceituosa, criando uma linguagem que classifica de

“nacionalismo multifacetado e não excludente”.

78
3.2- Quatuor (Quarteto Simbólico), 1921

O Quarteto Simbólico (Quatuor), datado de 1921 e com o subtítulo de “Impressões

da vida mundana”, foi composto no Rio de Janeiro e editado pela Max Eschig. Divide-se

em três movimentos: Allegro com moto, Andantino (calmo) e Allegro deciso. Seguindo a

mesma tendência experimental, o compositor utiliza quatro dos seis instrumentos da obra

anterior: harpa, celesta, flauta e saxofone alto, acrescentando vozes femininas 48. Villa-

Lobos assim definiu sua obra: “projeção de luzes e cenário adequado para suprir uma

atmosfera estranha, florestas místicas, sombras fantásticas, todos simbolizando meu

trabalho como eu imaginei”. (Guimarães, et al. 1972:73)

Apesar de recorrer a alguns recursos já presentes no Sexteto Místico, o compositor

aqui emprega o saxofone com maior destaque, utilizando efeitos percussivos (Fig.18: c.4

48
As vozes femininas são dois sopranos e dois contraltos, que alternam momentos percussivos e melódicos, através da
utilização de recursos de boca chiusa e efeitos onomatopaicos.

79
e 8), melodia em oitava com a flauta (Fig. 19: c.33-43), frase transitiva em ostinato (Fig.

20: c.88-94), solo com acompanhamento de celesta e harpa (Fig.21: c.192-209).

Fig. 18

80
Fig. 19

81
Fig. 20

82
Fig. 21

83
No 2º movimento, a entrada das vozes femininas a partir do 16º compasso,

acentua a atmosfera “impressionista”, com muitas nuances expressivas de dinâmica.

Entre os compassos 140 e 146 (Fig.22), o saxofone realiza uma expressiva linha

melódica, que se contrapõe a outra executada pela flauta e celesta.

Fig.22

84
No 3º movimento, mais ritmado em algumas seções, o saxofone trabalha com

imitações e contrapontos com a flauta (Fig.23 a: c.17-24; Fig. 23 b: c.25-34), formando

blocos com flauta e celesta ( Fig. 24 a: 127-133; Fig. 24 b: c.134-141).

Fig. 23 a

85
Fig. 23 b

86
Fig. 24 a

87
Fig. 24 b

88
Dos compassos 162 ao 172 (Fig.42), com ornamentações oitavadas, notas

acentuadas e dinâmica forte, o saxofone faz sua última aparição solística.

Fig.42.

89
3.3- Noneto, 1923

A primeira vista, o Noneto, com o subtítulo de “Impressão rápida de todo o Brasil”,

parece indicar uma certa retomada do caráter da peça anterior, tendo em vista a

recorrência ao termo “impressão” (Kater, 1990:61). No entanto musicalmente falando,

essas obras apresentam características musicais distintas.

O Noneto está datado de 1923, Rio de Janeiro. Aqui também existe dúvida quanto

à data de composição. Carlos Kater (1990:62-63) nos diz:

“tomando-se por base que Villa-Lobos partiu para a Europa em


30/06/1923, retornando ao Rio de Janeiro apenas no segundo semestre do ano
seguinte e observando-se finalmente que o “Noneto” teve sua estréia mundial no
primeiro concerto organizado pelo compositor em Paris no mês de maio de 1924,
podemos considerar que a obra foi composta na França, provavelmente na
primeira metade de 24, e não no Rio de Janeiro em 1923, como figura na partitura
e na totalidade das referências feitas pela literatura existente”.

Esta afirmação decorre da preocupação em esclarecer as possíveis influências da

estética stravinskiana na obra de Villa-Lobos, considerando que este só teria conhecido o

compositor russo em Paris. Estudos recentes revelam que antes daquela viagem, Villa-

Lobos já estudava ou pelo menos conhecia o repertório de Stravinsky (Lago,1999:6;10-

14).

O caráter percussivo do Noneto expande-se em todos os instrumentos e também

no coro, através de efeitos onomatopaicos. A harpa integra-se ao naipe de percussão,

90
com efeitos peculiares (Machado, 1999;50). Além desse recurso, o compositor utiliza

justaposição de seções, invenções contínuas, polirritmia e efeitos diversos, superando

com perícia o perigo de uma instrumentação excessiva (Kiefer, 1981:109).

Com um predomínio inicial de compassos alternados e acentos deslocados,

juntamente com o fato de, nesse período, a música do compositor russo Stravinsky

chamar a atenção de Villa-Lobos, supõe-se que algumas similaridades do Noneto com a

Sagração da Primavera, passam a ser pertinentes.

Segundo Kater (1990:58), algumas das similaridades entre os dois compositores:

“...está na preferência pelo uso da percussão, predominância do modal, dos


a a
intervalos de 4 e 5 , da ambivalência entre maior/menor, da “harmonia percussiva”,
exploração do potencial orquestral e recursos timbrísticos, recorrência intensa de
ostinatos e pedais, etc. (Kater:1990:59).

Da mesma forma que o Sexteto Místico, o Noneto foi composto em um único

movimento e as seções se sucedem, através de mudanças de andamento e de pulsação

rítmica.

O saxofone dá início à obra, realizando com os outros sopros, frases motívicas em

forma de cadência (Fig. 25: c.1-4).

Fig.25

91
92
Na seqüência, o compositor o utiliza fazendo pequenos solos (Fig. 26: c.56-60),

blocos harmônicos (Fig. 27: c.61-65).

Fig.26

93
Fig.27

94
Nos c.76-80 (Fig. 28), o saxofone faz uma linha melódica de movimento cromático

descendente, em contraponto com o solo de flauta e clarineta, acompanhados da harpa,

celesta e piano.

Fig. 28

95
No c.98 (Fig. 29), o compositor substitui o saxofone alto pelo barítono,

provavelmente pela necessidade de ampliar a utilização do registro grave.

Fig. 29

96
O saxofone barítono realiza um solo entre os c.102-111 (Fig. 30), blocos

harmônicos ( Fig. 31 a: 125-127; Fig. 31 b: c.136-139).

Fig. 30

97
Fig. 31a

98
Fig. 31 b

99
No c.147 (Fig. 32), o saxofone alto retorna em blocos harmônicos. Frases curtas,

rápidas e de afirmação motívica entre os c. 175-177; 186-191 (Fig. 33) e um pequeno solo

do c. 205 ao 211 ( Fig. 34).

Fig. 32

100
Fig. 33

101
Fig. 34

102
Entre os c.213-215 (Fig.35), animato, surge pela primeira vez um efeito de

glissando, sugerindo um caráter jazzístico para aquele momento da peça. Esse efeito

retorna no c.221 e 223 (Fig.36). A partir daí, excetuando alguns pequenos solos, o

saxofone aparece até o final da peça, integrado à trama textural do conjunto.

Fig.35

Fig. 36

Nas duas peças anteriores nota-se uma preocupação experimental nos níveis de

instrumentação, ambientação, textura e utilização de formas livres, revolucionando a

103
linguagem musical da música de câmara brasileira. A partir do Noneto, nota-se, além das

características já citadas anteriormente, a incorporação de materiais populares brasileiros

através do uso de elementos rítmicos. Contrastantes, as três peças revelam um pouco da

trajetória “multifacetada” de Villa-Lobos na música de câmara. As próximas peças

integram o grande ciclo dos Choros, considerado por vários musicólogos como o ponto

culminante da obra do compositor.

O Choros n.º7(Settimino), datado de 1924 e os Choros n.º3 (Pica-Pau), de 1925,

foram estreados em 1925. O primeiro no Rio, em 17 de setembro e o segundo em São

Paulo, em 30 de novembro. A curiosa maneira não cronológica de numerá-los, foi

justificada por Vasco Mariz (1983:87) como decorrente do processo composicional de

Villa-Lobos:

“... ao se dedicar à composição, lhe vinha uma idéia por demais avançada.
Construía então a sua obra, mas lhe dava um número elevado na série, esperando mais
tarde algo de intermediário”.

3.4- Choros n.º7 (Settimino), 1924

104
O Choros n.º7, escrito para flauta, oboé, clarineta saxofone alto, fagote, violino e

violoncelo, mostra uma textura densa, quase orquestral, com solos curtos e blocos

harmônicos.

A obra inicia com a alternância de compassos diferentes (Fig.37 - c.1-6), onde

apresenta um ostinato de violino, com uma melodia de 3as paralelas feita pela clarineta

com cello e uma rápida intervenção da flauta (Fig.37 - c.3). A peça, gradativamente,

mostra uma atmosfera misteriosa e stravinskiana e o saxofone aparece a partir do c.10

(Fig.38).

Fig.37

105
Fig.38

106
Do c.40 ao c.151 (Fig.39: c.40-47 e Fig.40: c.48-56), ele integra-se à textura

harmônica, tendo pouco destaque individual.

107
Fig.39

Fig.40

108
Do c.152 ao c.168 (Fig.41: c.152-162 e Fig.42: c.163-168), o saxofone e a flauta

fazem uma linha melódica em 6as paralelas, apoiando um solo de clarineta.

109
Fig.41

Fig.42

110
Depois, até o final da peça, o saxofone segue fazendo curtas intervenções (Fig.43:

c.191 e 193); complementos harmônicos (Fig.44: c.201-202); notas longas (Fig.45 a:

111
c.211-217 e Fig.45 b: c.218-228) e frases que irão ser sistematicamente repetidas em

forma de ostinato (Fig.46 a: c.254-257; c.279-283 e Fig.46 b: c.284-294).

Fig.43

Fig.44

112
Fig.45 a

113
Fig.45 b

114
Fig.46 a

115
Fig.46 b

116
Na peça prevalecem características da música popular brasileira urbana, através

de acentuações rítmicas, síncopes e apogiaturas. Aqui, o compositor da um tratamento

mais coletivo à instrumentação e o saxofone participa como complemento rítmico-

harmônico, embora realize alguns pequenos solos.

117
3.5- Choros n.º3 (Pica-Pau),1925.

O Choros n.º 3 (Pica-pau), escrito para coro masculino (tenor I e II, barítono e

baixo) e sete instrumentos de sopro (clarineta, saxofone alto, fagote, três trompas e

118
trombone) é dedicado a Tarcila e Oswald de Andrade e esta baseado no tema Nozani-na,

recolhido por Roquete Pinto. Segundo Béhague (1994:77), é uma peça curta que aparece

quase que como um exercício preparatório para os Choros n º10 .

Utilizando a instrumentação de sopros como acompanhamento e suporte para o

coro, Villa-Lobos aplica um tratamento quase orquestral à peça. A obra é curta, com uma

polifonia coral despojada. Elementos da música popular urbana criam uma ambientação

de caráter nacional.

O compositor utiliza muitos ostinatos, alguns com recursos onomatopaicos no

coro, como no trecho entre os c.36 e c.49 (Fig.47 a: c.36-46 e Fig.47 b: c.46-50),

representando as bicadas de um Pica-pau, em contraste com uma expressiva melodia

feita pelos tenores.

Fig.47 a

119
Fig.47 b

120
Apesar da ampla utilização de ostinatos, há recorrência de acentos súbitos de

dinâmica, fortalecendo assim o sentimento popular da peça. Outros efeitos são: recursos

de imitação (Fig.48 a: c.1-6 e Fig.48 b: c.7-12); alternância de compassos diferentes

(Fig.49 a: c.13-18 e Fig.49 b: c.19-24) e efeitos de glissandos (Fig.50 a: c.29-30 e Fig.50

b: 31-32).

121
Fig.48 a

122
Fig.48 b

123
124
Fig.49 a

125
Fig.49 b

126
Fig.50 a

127
Fig.50 b

128
Neste repertório, Villa-Lobos utiliza o saxofone pela primeira vez na

música de câmara brasileira, explorando as diferentes possibilidades do

instrumento. Escreve-o numa tessitura confortável, tanto nos melodiosos solos

como nas texturas harmônicas ou como recurso colorístico, proporcionando

uma nova opção timbrística para o tratamento sonoro de um conjunto

instrumental.

Além disso, nessas peças o compositor incorporou elementos oriundos

da música de Debussy, Milhaud, Stravinsky e de ritmos populares urbanos

nacionais, criando uma textura sonora peculiar, na busca de algo novo e com

uma instrumentação incomum, criando assim uma linguagem “multifacetada e

não excludente”.

A partir deste estudo, tentaremos no próximo capítulo estabelecer possíveis relações entre este

conjunto de obras aqui tratado e a Fantasia para saxofone soprano e orquestra de câmara, composta em

1948, obra de destaque no repertório brasileiro de saxofone. Considerando que a Fantasia apresenta um

caráter predominantemente camerístico, supomos que a experiência do compositor no repertório aqui

comentado, terá sido fundamental para a produção daquela peça.

Capítulo IV

129
A Fantasia para Saxofone Soprano e
Orquestra de Câmara (1948)
O manuscrito autógrafo, nos indica que a Fantasia foi iniciada em Nova York e

provavelmente finalizada no Rio, em 1948. Sua estréia mundial ocorreu em 17 de

novembro de 1951, no auditório do antigo Ministério de Educação e Cultura, Rio de

Janeiro, em concerto regido pelo próprio compositor e tendo como solista o

saxofonista Waldemar Spilman.

Spilman, nascido em 1911 na Polônia, veio para o Brasil com dezessete anos e foi

durante quase três décadas, o spalla dos segundos violinos na Orquestra Sinfônica

Brasileira (OSB)49. Naquela época, Spilman também organizava, regia e tocava

saxofone ou clarineta, em orquestras de baile. A formação instrumental destas incluía,

além dos sopros, uma seção de violinos50. Os saxofonistas, em determinados arranjos

musicais, deixavam seus instrumentos para atuar como violinistas.

Em 1951, durante um encontro no Conservatório Brasileiro de Música, Villa-Lobos

convidou Spilman para interpretar sua Fantasia, uma vez que Marcel Mule a quem fora

dedicada a peça, não se interessara em estreá-la. Apesar de escrita para saxofone

soprano, a peça foi executada inicialmente com o saxofone tenor, já que Spilman não

possuía o instrumento original51. Nas gravações que conhecemos, o instrumento

utilizado é o saxofone soprano.

49
Spilman foi também o primeiro músico aqui no Rio de Janeiro, a executar a parte de saxofone tenor do
Bolero de Ravel em concerto realizado também pela OSB. Ele relata que naquela época, quando
necessário, a direção da OSB recorria a ele para a execução de partes de saxofone tenor. (Entrevista ao
autor, 27 de dezembro de 1999)
50
Esses instrumentistas eram também oriundos da OSB e além dos bailes, tocavam nos cassinos.
(Entrevista ao autor dia 15 de fevereiro de 2001)
51
O compositor, mostrou-se favorável à utilização do saxofone tenor e deixou com Spilman uma versão
para saxofone e piano. Após quinze dias, esta foi apresentada à Villa-Lobos com a participação do
pianista Vieira Brandão. (Entrevista ao autor, 27 de julho de 1999)

130
É curioso o desinteresse de Mule52, uma vez que a Fantasia lhe foi dedicada e

tornou-se também uma das mais importantes obras já escritas para saxofone soprano.

Hoje, esta é a peça brasileira mais executada e gravada para aquele instrumento.

Levantamos aqui, a hipótese de que a dificuldade técnica decorrente da tonalidade

original, em Sol Maior, tenha levado Mule a não se interessar pela peça. Argumento

justificável, uma vez que algumas frases musicais apresentam notas que se

encontram fora do limite agudo confortável e usual do instrumento. Acrescenta-se

também que os saxofones daquela época, não tinham tantos recursos mecânicos

como têm os atuais.

A versão escrita em Fá maior utilizada por Spilman na estréia da peça, parece não

ter alterado o conteúdo global da composição. Porém, tecnicamente, a peça tornou-se

mais confortável para o solista.

O uso do saxofone na Fantasia, se comparado ao conjunto das obras

camerísticas53 que estão sendo analisadas neste trabalho, mostra-nos um Villa-Lobos

mais seguro e maduro quanto à exploração dos recursos técnicos do instrumento. Nas

peças camerísticas, o compositor teve como preocupação básica a exploração de

novos recursos timbrísticos. Como parte de um conjunto instrumental, o saxofone foi

utilizado como complemento rítmico e harmônico. Na Fantasia, entre outros aspectos,

a virtuosidade instrumental é um dos elementos mais visíveis, o que não impede o

autor de trabalhar também com colorações sonoras e criar uma ambientação

brasileira, através de elementos rítmicos oriundos da música popular urbana.

Apesar de Villa-Lobos ter recorrido com menos freqüência ao saxofone no período

entre 1925 e 1948, ele não deixou de lado sua afinidade por esse instrumento,

utilizando-o em obras significativas com os Choros n.º6 (1926) e n.º11 (1928), entre

outras.

52
Como foi dito no capítulo II deste trabalho, Mule já naquela época e até o presente momento, é
mundialmente o mais reconhecido intérprete do saxofone erudito

131
A análise a seguir, tem como objetivo contribuir para que o intérprete tenha

uma visão mais abrangente do conteúdo da peça. Nesta, partindo-se da análise feita

por J. Butler54, levantaremos algumas questões que em alguns momentos serão

discordantes da análise daquele autor. Lembramos, que durante nosso estudo

consultamos as duas versões da partitura, mas aquele autor teve acesso apenas à

partitura impressa. Observa-se que em nossa análise, recorremos à versão em

manuscrito.

O 1º movimento, Animé, está dividido em três seções. A primeira até o c.36

(v.anexo 1, p.5), com um caráter introdutório; a segunda do c.37 ao c.68 (p.8), seção

denominada pelo autor como Moins, sobre um motivo temático sincopado oriundo de

gêneros da música popular brasileira urbana; a terceira do c.69 ao c.96 (p.12), com

frases em intervalos de 3as e 4as, estas alternadas com outras em quiálteras.

Algumas delas inclusive, lembrando frases utilizadas na Dança (Martelo) da Bachianas

n.º 5, de 1945; finalmente do c.97 ao c.116 (p.15), voltando ao tema do Moins; ainda

do c.116 até o final temos uma codeta, com o saxofone apresentando uma seqüência

de acordes arpejados.

Observamos também que na peça Scaramouche55, suite para saxofone alto e

orquestra de Darius Milhaud, datada de 1939, podemos encontrar alguns elementos

rítmicos e uma concepção orquestral, próximos aos encontrados no trabalho de Villa-

Lobos. Porém, não podemos aqui afirmar se houve alguma influência do compositor

francês ou até mesmo, se o próprio Villa o tenha influenciado.

O 2 º movimento, Lent, tem um caráter recitativo de 34 compassos.

Inicialmente, a viola faz a introdução onde apresenta a frase que irá ser repetida, logo

em seguida uma 4a justa acima, pelo saxofone. Observamos aqui, que podemos

53
Sexteto Místico (1917), Quatuor (1921), Noneto (1923), Choros nº7 (1924) e Choros nº3 (1925).
54
Heitor Villa-Lobos: The compositional use of the saxophone in orchestral, chamber and solo repertoire
(Butler, 1994: 339 p.)
55
Os movimentos dessa suite são Vif, Modéré e Brazileira.

132
encontrar uma certa similaridade na concepção deste movimento com o Sexteto

Místico, de 1917. Lá, temos uma seção Adágio, em que o solo é apresentado na voz

do oboé, instrumento este que por coincidência se aproxima timbristicamente do

saxofone soprano. Além disso, notamos algumas similaridades de aspectos rítmicos e

melódicos, entre os referidos movimentos lentos.

Segundo Butler, Villa-Lobos utiliza durante todo o movimento uma escala

denominada por ele como Db (re bemol) lídio-mixolídio com o 6o grau abaixado.

Acreditamos porém, que isso possa ter sido apenas fruto de uma “intuição”, onde o

compositor formou essa seqüência de notas a partir da busca de efeitos sonoros.

O 3o movimento, Trés Animé, o compositor demonstra uma concepção geral

de preocupação rítmica, forte e com deslocamentos de acentos. A voz do saxofone,

nesse contexto é apresentada de maneira virtuosística, tornando-se assim um grande

desafio para o intérprete. Mais uma vez, observa-se aqui a utilização de elementos

oriundos do Sexteto Místico.

133
4.1- 1o Mov.: Animé

Neste movimento destacamos aspectos e formas rítmicas empregadas pelo compositor, como o

contraste a partir da alternância dos compassos 3/2 e 2/2, além da utilização de “polirritmia implícita”,

resultante da simultaneidade dos compassos 3/2 e 12/8 entre as vozes do solista e da orquestra, mas não

explicitamente grafadas desta forma na partitura. (Butler 1994:230)

Para descrever esse recurso rítmico expressivo, Butler recorreu ao conceito de polirritmia

implícita já expresso por diferentes autores, como Stefan Kostka, Joel lester e Oliver Messiaen. Para

estes, a utilização desse recurso viria resolver dificuldades de execução em estruturas polirritmicas.

(Butler, 1994:241-242)

No início do movimento, predomina a articulação em stacatto, em colcheias e as notas dispostas

em forma de arpejo. No c.5 (v. anexo 1,p.1), instala-se uma ambigüidade rítmica, uma vez que o

compasso está grafado em 3/2, mas o impulso rítmico sugere o compasso 12/8. O primeiro violino

executa uma seqüência com três grupos de quatro colcheias, enquanto a viola, cello e contrabaixo, em

ritmo de colcheias intercaladas por pausas, pontuam aquelas que seriam as primeiras de cada um desses

grupos. Este recurso expressivo, amplia-se pela alternância constante dos compassos 3/2 e 2/2, em uma

periodicidade de dois em dois compassos, até o início da nova seção no c.37, Moins (p.5).

A partir do c.13 (p.2), o saxofone irá executar essa mesma célula rítmica feita no c.5, pelos

primeiros violinos. De acordo com nossa experiência e a de outro intérprete 56, consideramos que também

na voz principal a acentuação implícita no compasso de 12/8, é natural e facilita a execução do intérprete.

Esta seção inicial ritmicamente marcada, tem um caráter introdutório. O solista inicia sua

participação no c.6 (p.1), executando três diferentes oitavas da nota dó, em movimento descendente e a

partir da região aguda, acrescidas com acento de sfforzando em cada uma delas, formando uma passagem

que exige determinação, segurança e preocupação com a afinação. Até o c.37, Moins (p.5), o compositor

explora a região média e aguda do instrumento, utilizando arpejos, articulações diferenciadas de stacattos

e/ou ligaduras. Estas não são de extrema dificuldade técnica, mas exigem precisão de embocadura e

dedilhado, para que possam ser executadas com clareza.

56
Na mesma entrevista feita com Paulo Moura, o mesmo confirmou essa questão.

134
No c.37, Moins (p.5), inicia-se uma nova seção em andamento mais lento, onde o saxofone

apresenta uma expressiva linha melódica com frases sincopadas e de caráter modinheiro57 (fig.51). Aqui,

o compositor recorre, ao contrário do que escreveu anteriormente, à região média e confortável do

instrumento, com articulações de ligaduras, facilitando uma interpretação dolce e expressiva da linha

melódica.

Fig.51

57
Este termo refere-se ao gênero brasileiro, denominado de modinha.

135
Até o c.49 (p.6), paralelamente a essa frase do saxofone, a orquestra executa apenas um

acompanhamento, com efeitos em notas longas, ligadas, antecipadas e também com larga utilização de

cromatismos entre as vozes. Esse trecho não apresenta maiores dificuldades técnicas para o saxofonista,

embora o intérprete deva manter uma maior preocupação na pulsação do ritmo, sem perder a liberdade de

sua interpretação.

Segundo Butler (1994:238-240), o compositor dividiu este trecho, implicitamente, em uma

seqüência de compassos de 3/2. Aqui, discordamos dessa interpretação, sob o argumento de que não

tenha havido essa preocupação. Acreditamos sim, que Villa-Lobos apenas complementou suas idéias

fraseológicas, independente daquela regularidade sugerida por Butler. Assim, observamos que a frase está

dividida em dois membros e que o segundo seja menor, caracterizando assim uma frase irregular no

número de compassos.

A partir do c.50 (p.6), os violinos executam a melodia principal no intervalo de quinta justa

abaixo, apresentada pelo saxofone no c.37 (p.5). Enquanto isso, as outras cordas seguem fazendo um

acompanhamento de menor complexidade, com notas longas para preencher a harmonia da obra. O

saxofone aqui, faz um acompanhamento com diferentes desenhos melódicos, ascendentes e descendentes

e as trompas, a partir do c.53 (p.7) executam acordes cerrados como reforço harmônico.

Do c.55-59 (p.7), o saxofone apresenta um novo motivo no contracanto, em colcheias e

quiálteras, onde levantamos aqui a possibilidade deste ser similar aquele encontrado em determinados

momentos na Dança (Martelo) da Bachiana n.º5 (fig.52 a e 52 b - compassos extraídos do manuscrito

para voz e orquestra );

fig.52 a

136
fig. 52 b

137
Entre os c.60-64 (p.8), acontece um pequeno repouso no movimento rítmico, onde o saxofone

executa a mesma linha das trompas, mais precisamente em oitava com a terceira trompa. Do c.65 ao c.68

(p.8), o saxofone executa uma nova seqüência de notas arpejadas, em movimento ascendente,

descendente e vice-versa, enquanto as trompas terminam a frase anterior em forma de diluição rítmica.

Do c.69 ao c.76 (p.9), o saxofone mantém-se na região aguda, estabelecendo com os violinos um

diálogo de pequenos motivos. Do c.77 ao c.96 (p.10 -12), volta a fazer aquelas seqüências de escalas com

intervalos e quiálteras, enquanto a orquestra se mantém com pequenas incursões, eventualmente como

acontece no c.86 (p.11), com o violino executando a pequena idéia motívica já ouvida nos c.71 e c.72

(p.9). Durante quase todo esse trecho, o saxofone está mantido em seu registro mais agudo, dando assim

um amplo destaque à sua sonoridade.

No c.97 (p.13), temos a rexposição da seção Moins, com uma pequena variação a partir do c.113

(p.14). Enquanto na primeira seção, c.53 e c.54 (p.7), tínhamos um Si bemol maior, com o saxofone

realizando um re natural na melodia, aqui no c.113 e c.114 (p.14), temos um Sib menor na harmonia e um

138
re bemol na melodia do saxofone. Da mesma forma, aparecem modificações no acompanhamento

orquestral.

A partir do c.115 (p.15) aparece uma codeta. O saxofone até o c.117 (p.15), realiza notas

arpejadas no primeiro grau e do c.118 ao c.120 (p.15), uma pequena seqüência descendente do registro

agudo para o médio, em notas arpejadas, passando pelos 3 o, 7o graus e voltando ao 1o grau do tom

principal. Do c.121 ao c.123 (p.16), executa uma nota longa, enquanto a orquestra apresenta uma frase

curta aludindo ao tema sincopado do Moins. O movimento termina em um Tutti na tônica do tom

principal.

Nota-se neste primeiro movimento, uma ênfase em diferentes estruturas rítmicas e tendo a

orquestra com uma textura polifônica. Na seção central, o Moins, com um caráter rítmico oriundo da

música popular urbana é explorado, tanto pelo solista como por parte da orquestra. Observamos também

que a mudança de tonalidade para de Sol Maior para Fá Maior, feita pelo compositor, foi fundamental

para uma execução mais confortável. Na tonalidade original, a execução das passagens de maior

virtuosidade, tornariam a peça tecnicamente muito mais complexa.

4.2- 2o Mov.: Lent

Segundo Butler (1994:248-249), esse movimento, Lent, consiste de uma

longa, expressiva e dramática linha melódica. Durante sua extensão, essa

frase ocorre com movimentação similar ou com repetições variadas.

Inicialmente, a viola executa o solo principal, acompanhada de uma curta e

seca orquestração. Essa frase, conclui-se com um seqüência de

semicolcheias, descendentes e ritmicamente iguais.

Ainda segundo o autor, o compositor utilizou uma escala de Db (re

bemol) lídia-mixolídia alterada. Porém, como dissemos anteriormente, supomos

139
que essa estrutura tenha sido mais um fruto de processo intuitivo, do que de

intenção de criar uma estrutura sonora com base escalar.

Em entrevista feita com Paulo Moura, saxofonista e intérprete desta

peça, este relatou sua sensação por uma atmosfera oriunda da música

espanhola, durante esse movimento, mas não encontramos elementos que

justificassem a afirmativa58.

Consideramos que este esteja estruturado à maneira de um recitativo

estendendo-se por trinta e quatro compassos. O saxofone entra no c.10, (v.

anexo 1, p.18) realizando a mesma melodia da viola, porém no intervalo de

quarta justa ascendente e ainda nessa frase, a primeira nota do saxofone é

também a última nota feita pela viola no solo. Esta frase ocorre mais duas

vezes durante o movimento, a partir dos c.16 (p.19) e c.23 (p.21) com

diferentes desenvolvimentos e terminações.

Ao final da última repetição dessa frase principal, no c.29 (p.22), o

saxofone realiza uma curta ponte cromática chegando ao início de uma codeta,

a partir do c.30 (p.22).

Destaca-se que a orquestra faz um acompanhamento simples, onde as

trompas trabalham em acordes cerrados, com pouca variação rítmica e

utilizando movimentos cromáticos. As cordas ao longo do movimento, realizam

alguns movimentos de ostinato e notas repetidas, como vemos por exemplo no

trecho entre os c.12 e c.18 (p.19-20). Durante a introdução e do c.19 ao c.22

(p.20), a orquestra em Tutti, pontua secamente a harmonia.

Aqui, Villa-Lobos explorou o lirismo do saxofone com frases em variadas articulações e arpejos,

assim como fez no movimento anterior. Inicialmente, o compositor explorou a região mais aguda e menos

140
confortável para o executante, principalmente na versão para o saxofone soprano. Fato este, que de certa

forma constitui-se em um desafio para o instrumentista, pela dificuldade da afinação desse registro do

instrumento. Mas ao longo do movimento, com a realização das variações rítmicas, o instrumento

envereda por outros registros e também observa-se, que a concepção rítmica das frases solísticas, seriam

de extrema dificuldade técnica para o saxofonista se o andamento fosse mais rápido.

O acompanhamento orquestral, é leve, sutil, sem complexidade,

utilizando poucas notas e com algumas imitações fraseológicas.

Encontramos aqui uma ambientação sonora parecida com a que foi

empregada no Adágio do Sexteto Místico (fig. 53 a e 53 b). Naquele, o solo é

realizado pelo oboé. Assim, apontamos a possibilidade do compositor ter

aproveitado a similaridade timbrística entre os dois instrumentos de sopro,

tendo em vista o aproveitamento da idéia musical daquela peça. Lá também,

uma longa frase se estende por toda uma seção em adágio, à maneira de um

recitativo.

fig. 53 a (Solo de oboé no 2º Mov. do Sexteto Místico )

58
Entrevista ao autor feita no dia 3 de agosto de 2001.

141
fig. 53 b (Solo de Sax soprano no 2º Mov. da Fantasia).

142
4.3- 3o mov.: Trés animé

Esse movimento está escrito no compasso de 7/4 (3/4 + 4/4) e por isso, Butler (1994:262)

considerou-o de caráter assimétrico, constituindo um desafio para os executantes que não estão

acostumados com esse tipo de compasso. Acrescenta-se a utilização irregular de grupos com “divisão

143
rítmica implícita” dentro do compasso o que a princípio, significa um fator de maior dificuldade para o

saxofonista (1994:262). Porém, discordamos dessa afirmação, pois consideramos que a dificuldade maior

está na virtuosidade exigida em função do andamento vivo.

O compositor neste movimento, se distancia da utilização de elementos nacionais, recorrendo a

uma linguagem mais universal e em alguns momentos, mais uma vez alude às idéias utilizadas em seu

Sexteto Místico de 1917.

Em ambas as partituras, tanto a manuscrita como a editada, o compasso está grafado em 7/4 (3/4

+ 4/4), sugerindo alternância de ritmo ternário e quaternário, assim como ocorre nos c.13 nas vozes

intermediárias (p.26) e c.17-22 , em todas as vozes (p.27-28).

O grupamento de tempos na voz do saxofone, muitas vezes contrasta verticalmente com outros

que estão simultaneamente em um ou mais instrumentos da orquestra. Isso, cria uma vitalidade rítmica na

peça. Mas, em alguns trechos, esses grupamentos coincidem entre todos os instrumentos. (Butler,

1994:262)

Dividimos esse movimento em quatro seções distintas, a primeira uma introdução até o c.8

(pág.24), que apresenta a frase inicial do primeiro tema. A segunda, o A, tema e desenvolvimento indo do

c.9-34 (p.25-31). Esta estará subdividida em três partes do c.9-14 (p.25-26); c.15-34 (p.26-31); c.35-54

(p.31-34). A terceira, A’, rexposição indo do c.55-64 (p.34-37) e finalmente a última seção, o Presto do

c.65 (p.37) ao fim.

O movimento inicia com uma entrada sucessiva das cordas, onde os contrabaixos executam a

melodia principal, dividida no grupamento de 3+4. Essa melodia irá ser repetida por outros instrumentos

até a primeira entrada do saxofone no c.9 (p.25), o qual irá apresentar inicialmente a mesma frase ouvida

anteriormente pelas cordas, porém com uma variação no final da mesma. (Butler, 1994:262)

Esse motivo rítmico inicial, é similar com aquele apresentado no início do Sexteto Místico (fig.

54. A e 54 b).

fig. 54 a (Início do Sexteto Místico)

144
fig. 54 b (Fantasia)

145
Na Fantasia, a articulação inicial predominante na exposição do tema, será a de stacatto. No c.9

(p.25), o saxofone apresenta com as mesmas articulações e notas, a frase utilizada pelos contrabaixos no

início do movimento. A partir do c12 (p.25), apresenta-se um trecho em arpejos e ornamentos, com uma

virtuosística frase do solista. O grupamento implícito até então, é de 3+4 tempos em toda a orquestra.

Porém, no c.13 (p.26) ocorre uma ambigüidade quando os contrabaixos e violoncelos fazem 3+4 tempos,

enquanto o restante da orquestra faz 4+3 tempos. No c.14 (p.26), volta a divisão implícita de 3+4 para

todos e aqui, o saxofone faz um repouso.

A partir do c.15 (p.26), a voz solista apresenta o início de uma seção expressiva e transitiva,

com menos movimento rítmico. Ao longo desta, o saxofone estará mantido na sua região aguda e de

maior brilho. Em alguns compassos, a orquestra trabalha verticalmente acompanhando o movimento

rítmico da voz solista. Especificamente dos c.17 (p.27) a 22 (p.28), ocorre uma inversão da divisão

interna do compasso, mostrando implicitamente uma divisão de 4+3 tempos. No c.23 (p.28), a voz solista

inicia a preparação de uma nova parte desta seção, com movimentos rítmicos na forma de variados

intervalos, arpejos ascendentes e descendentes, além da utilização de quiálteras. Do c.24 (p.28) ao c.33,

inicia-se um desenvolvimento com a utilização dos elementos rítmicos já vistos, apresentando-se um

retorno ao virtuosismo na voz do saxofone. No c.25 (p.29), o instrumento executa uma seqüência de

arpejos em semicolcheias e depois em quiálteras, enquanto a orquestra se mantém fazendo um apoio

harmônico e de pouco movimento rítmico.

No c.34 (p.31), temos uma nota longa escrita para o saxofone, sugerindo um pequeno repouso,

enquanto a orquestra realiza uma seqüência de seminimas, preparando a entrada de uma nova parte do

desenvolvimento, no compasso de 4/4. Do c.35 (p.31) até o c.43 (p.32), o compositor utiliza uma idéia

motívica simples de dois compassos, realizada na forma imitativa entre as vozes de toda a orquestra. A

partir do c.44 (p.33), inicia-se um pequeno período transitivo para a reexposição. Aqui, vemos nas vozes

dos violinos e do saxofone, um outro motivo rítmico em colcheias articuladas com acentos deslocados em

diferentes tempos. No c.49 (pág.33), as trompas fazem uma tríade em semibreves, enquanto na voz dos

violinos e violas, aparecem células rítmicas derivadas do tema A. Estas, vão se diluindo a partir do c.51

(p.34) até começar a seção final deste movimento.

146
A partir do c.55 (p.34), ocorre uma seção A’, variada da primeira seção A. Aqui, ela apresenta-

se modulada um tom acima e ainda, mais virtuosística do que a anterior, especialmente no trecho

compreendido entre os c.56 e c.59 (P.35), onde a dificuldade técnica para o saxofonista atinge seu

apogeu.

No c.63 (p.36) e c.64 (p.37), a orquestra faz apenas acordes 59 com notas longas em Tutti,

apoiando o saxofone que realiza uma ponte cadencial em forma de escala e depois de quiálteras, até a

entrada do Presto no c.65 (p.37), que será de apenas três compassos, com a voz solista utilizando

fragmentos rítmicos do tema principal da seção A e finalizando a peça com notas longas na tônica da tom.

Neste movimento, a parte solística é tecnicamente a mais virtuosística da obra. Assim como nos

outros movimentos, o compositor utilizou largamente arpejos, cromatismos, escalas em articulações de

intervalos, quiálteras e trinados, criando estruturas rítmicas e melódicas variadas. Aqui, nota-se a

preocupação do compositor em utilizar idiomaticamente o saxofone soprano, explorando sua intensidade

e brilho de som nas regiões mais agudas.

Apesar de compassos de dificuldade técnica para o intérprete, Villa-Lobos soube explorar com

propriedade os diferentes registros do instrumento. Além disso, assim como demonstrou nos movimentos

anteriores, o compositor aproveitou em determinados momentos o lirismo do instrumento em trechos de

menor movimento rítmico.

59
Sugere-se a seguinte harmonia: c.61, G7(b9), escala alterada ; c.62 e c.63, A-7+ (escala de la menor
melódica com o sexta no baixo) ou F#-7 e no segundo acorde G7(b9), escala alterada.

147
Conclusão

O saxofone na obra de Villa-Lobos, foi o tema central deste trabalho.

Inicialmente demonstramos o surgimento e evolução do instrumento na Europa

e posteriormente sua divulgação no Brasil. Ao final do séc. XIX, o repertório

para saxofone, assim como as classes para seu aprendizado, encontravam-se

em franco desenvolvimento. O instrumento inseriu-se no contexto sinfônico60 e

camerístico, além de cada vez mais participativo nas bandas de música.

Em nosso estudo, sugerimos duas possibilidades para a introdução do

instrumento aqui no Brasil. A primeira relacionada à Banda de Música e a outra

aos grupos de música popular urbana, notadamente aqueles conhecidos como

chorões. Mas, a partir de nossas pesquisas, observamos que uma grande parte

dos músicos desses grupos menores, eram também pertencentes aquelas

formações maiores e vice-versa.

Inicialmente, abordamos a vinda de D. João VI para o Brasil, em 1807,

fato considerado importante e determinante para a posterior evolução das

bandas de música militares e civis no país. Além disso, com esse apoio, as

bandas foram sendo incrementadas com instrumentos modernos e oriundos da

Europa.

148
Essas formações bandisticas foram se aperfeiçoando e entre as

mudanças ocorridas, está a introdução do saxofone na instrumentação. Como

vimos no capítulo relativo à origem do instrumento, o saxofone foi

gradativamente inserido naquele conjunto, substituindo outros instrumentos de

sopro como por exemplo o oficleide e o saxhorne. Com isso, a banda de

música adquiriu um maior equilíbrio em sua sonoridade

A música popular urbana também foi outra referência para a divulgação

do saxofone aqui no país. Mas, foi a partir dos anos vinte que ele começou a

ter uma divulgação maior, tendo como expoentes músicos como Luís

Americano, Ratinho e posteriormente Pixinguinha, entre outros.

Na Europa, o instrumento tinha na música erudita e na banda de música

seus principais grupos divulgadores. Nos EUA, o instrumento foi introduzido

nas formações jazzísticas apenas em meados dos anos dez e somente no final

dos anos vinte, ele começou a se tornar mais popular em conjuntos maiores

como as big-bands. Nestes, os saxofonistas eram em sua maioria clarinetistas

(Gridley, 1991:86). Porém, foi no final dos anos trinta que o saxofone alcançará

à sua linguagem própria e uma identificação definitiva no jazz61.

Essa evolução do instrumento e sua utilização em diferentes estilos

instrumentais, na Europa e EUA, chegaram ao Brasil proporcionando grandes

benefícios à nossa música instrumental.

Concluímos assim que o saxofone, exerceu um importante papel na

música brasileira, especialmente nas bandas de música e na música popular

urbana.

60
Instrumento de sopro mais recente na formação instrumental da orquestra sinfônica.
61
Paulo Moura em entrevista ao autor. (3 de agosto de 2001)

149
A partir de uma revisão bibliográfica, procuramos estabelecer os

principais aspectos da linguagem musical de Villa-Lobos. A partir desse estudo,

apontamos que a recorrência na utilização do saxofone em sua obra,

inicialmente está ligada ao aspecto da experimentação, sobretudo pelo seu

timbre.

Levantamos também, os dados sobre a cronologia das obras do

compositor. Embora apontemos aqui o dobrado Pró-Pax, de 1912, como a

primeira peça de Villa-Lobos, onde aparece o saxofone na instrumentação, não

podemos afirmar que tenha sido esta. Uma vez que, consta em seu Catálogo

de Obras outras peças perdidas, nas quais supomos estar incluído o

instrumento.

Na pesquisa, observamos que o compositor utilizou o saxofone em cinco

peças camerística, em dezesseis para a formação de banda de música e

compôs apenas uma peça para saxofone solo e orquestra. Na obra orquestral,

com exceção de algumas mais significativas como os Choros n.º6 e n.º11, Villa

recorreu ao instrumento de uma maneira simples e discreta. Porém, nenhum

outro compositor brasileiro até então utilizou o saxofone, como fez Villa-Lobos.

Além disso, vale ressaltar que o compositor utilizou-o dentro de sua melhor

expressão idiomática.

Aqui, enfocamos as cinco peças camerísticas pertinentes à este estudo,

compostas no período entre 1917 e 1925. Analisamos a participação do

saxofone nesse conjunto, buscando mostrar os aspectos composicionais e

técnicos do instrumento. Contextualizamos o instrumento dentro dessa obra do

compositor e entre os vários elementos encontrados, estão aqueles oriundos

150
das influências européias, como de Debussy e Stravinsky, e outros da música

brasileira popular urbana.

Concluímos que a forma sem preconceitos, com que Villa-Lobos capta

elementos oriundos das diferentes linguagens e estilos musicais, juntamente

com seu temperamento e preocupação para mostrar uma linguagem moderna,

justificam a utilização do saxofone em sua obra, uma vez que muitos dos

elementos, oriundos daquelas linguagens, foram utilizados nesse conjunto de

obras. Confirma-se também, a identificação do compositor pela sonoridade do

saxofone, o qual é utilizado tanto em naipes, como em solos.

No último capítulo, fizemos um estudo crítico da Fantasia para saxofone

soprano e orquestra de câmara, escrita em 1948 e estreada em 1951 aqui no

Rio de Janeiro, tendo como solista no saxofone tenor Waldemar Spilman.

Paralelo à nossa pesquisa, utilizamos comparativamente o trabalho feito em

1994, por James Butler. O autor também apresenta aspectos da vida do

compositor e aborda a origem de alguns gêneros da música popular brasileira,

antes de analisar algumas das obras de Villa-Lobos. Além disso, Butler,

demonstra curiosidade em relação aos motivos que levaram Villa-Lobos a

utilizar o saxofone em sua obra e assim como em nosso trabalho, apenas

levanta suposições a respeito do assunto.

Em relação às obras citadas por Butler, com exceção da Fantasia e do

Quatuor, onde são feitas uma análise mais aprofundada, outras como Noneto,

Choros n.º7 e n.º3 são estudadas apenas superficialmente. Ainda, o Sexteto

Místico e a origem do saxofone, não foram abordados por ele.

151
Em nosso trabalho, a preocupação foi o interesse de Villa-Lobos pelo

saxofone e a razão pela qual ele incorporou o instrumento em parte de sua

obra camerística. As fontes para essa questão, infelizmente não são vastas e

precisas, mas a partir de uma revisão bibliográfica sobre o compositor,

encontramos alguns elementos para levantar as possibilidades desse fato. A

principal delas, seria a característica do compositor para a renovação e criação

de uma linguagem “multifacetada e não excludente”, assim descrita por Gerard

Béhague. Nesse aspecto, o saxofone pode ser visto como uma das referências

para a obtenção de uma sonoridade original.

Acreditamos que ainda não foi possível, alcançar e interpretar Villa-

Lobos completamente. Mas, assim como Butler, consideramos que o

compositor revela em sua obra, o conhecimento das possibilidades e

capacidades técnicas do saxofone, apesar do ocorrido com a partitura original

da Fantasia, quando o compositor a escreveu numa tonalidade diferente da

que foi estreada. Ainda apontamos esse instrumento, como um dos elementos

que significaram também a liberdade do compositor para inserir em sua

linguagem modernista, timbres originais e oriundos de outras culturas.

Concluímos que são muitos os aspectos, que possam ter levado Villa-

Lobos à utilizar o saxofone. Nesse estudo, procuramos possibilitar aos

saxofonistas um auxílio para a interpretação da obra de Villa-Lobos,

reconhecidamente o maior compositor brasileiro do séc. XX.

152
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1923 Noneto (Impressão rápida de todo o Brasil). Paris: Max
Eschig.

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1924 Choros nº 7 (Settimino). Paris: Max Eschig.

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1925 Choros nº3 (Pica-páo) para Côro masculino arranjado para
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1925 Choros nº 3 (Pica-Páo) pour choeur masculin et sept
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Paris: Max Eschig.
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New York: Southern Music Publishing co.inc.

1948 Fantasia for Saxophone, 3 F Horns and String Orchestra.


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Publishing co.inc.

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1938 Bachianas Brasileiras n.º5 para canto e orquestra de cellos,
partitura ms. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional

Anexos

158
Anexo 1
Partitura manuscrita da Fantasia para saxofone e orquestra de câmara, 1948.
(Tonalidade original, em Fa maior)

159
Anexo 2
Leo Van Oostrom’s personal collection

160
Anexo 3
Banda de Música do Cassino Bangu, uma das bandas de Música regidas por
Anacleto de medeiros

161
Anexo 4
Partitura do dobrado Pro-Pax (primeiros vinte e seis compassos da obra)

162
163
164
Anexo 5
Choros n.º3, arranjo para sete sopros apenas (primeiros dezesseis compassos da peça)

165
166
Anexo 6
Villa-Lobos e Mindinha, foto de recordação para Waldemar Spilman

Anexo 7
Programa do concerto e parte do saxofonista, que foi utilizada na estréia
da Fantasia.

167
Anexo 7
Foto de Waldemar Spilman, com a rêgencia de Villa-Lobos na estréia da Fantasia.

168
Anexo 8
A parte da Fantasia autografada por Villa-Lobos, utilizada por Waldemar Spilman na 1a audição da obra.

169
Anexo 9

Waldemar Spilman com seu violino e o saxofone tenor.

170

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