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BRIGITTE MONTFORT
MORRER É UM PECADO
UM
Festa de aniversário
— Miss Montfort.
— Sim, Pete? — ela ergueu a cabeça, guardando o
telegrama.
— Permita-me que a felicite pelo seu aniversário.
Ao dizer isto, o velho estendeu-me uma rosa vermelha,
corando um pouco. Tinha-a na mão direita, que mantivera
escondida nas costas.
Brigitte recebeu a flor sorrindo docemente e colocou-a
no decote do seu vestidinho de verão.
— Pete, você é um amor de velhote.
E beijou-o em ambas as faces.
O velho corou de uma vez.
— Você está convidado a tomar uma taça de champanha
comigo — acrescentou ela. — De acordo?
— Oh, sim, sim, miss Montfort! — rejubilou-se Pete. —
Tenho ainda algumas coisas que fazer, mas subirei dentro
de poucos minutos. Está bem?
— Claro que está. Eu espero você.
Elevador. Vigésimo-sétimo andar. Chave. A porta é
aberta e fechada.
Peggy vindo sorridente pelo corredor.
— Boa noite, miss Montfort.
— Olá, Peggy. Alguém telefonou?
— Não. Ninguém.
— Ah. Bom, o Pete vai subir. Pôs o champanha no gelo?
— Eu preparei tudo, miss Montfort, como se todos
fossem vir...
— Não se aflija, querida. Certamente tiveram motivos
importantes para faltar. Além disso, é tolice celebrar
aniversário, você não acha? Cada um deles é menos um ano
de vida que nos resta...
— Também podemos pensar que cada um deles é mais
um ano que vivemos, miss Montfort — retorquiu Peggy,
lógica. — E que este ano ninguém nos pode tirar.
— Excelente filosofia... — sorriu Brigitte.
Caminharam juntas pelo corredor e Peggy retardou-se
um pouco ao chegarem ao luxuoso living. Brigitte entrou
sozinha, acendeu a luz...
PARABÉNS A VOCÊ,
NESTA DATA QUERIDA!
MUITAS FELICIDADES!
MUITOS ANOS DE VIDA!
O coro de vozes masculinas entoou a canção com
galhardia e depois estalaram. palmas entusiásticas.
A espiã mais perigosa do mundo olhava para todos com
os maravilhosos olhos muito abertos, verdadeiramente
surpreendida. Todos os que não pudera localizar estavam
ali, esperando-a! Charles Pitzer, com uma gravata nova e
bem penteado; Johnny, seu assistente, com um sorriso
carinhoso no rosto simpático; Miky Grogan, decidido a
submeter sua úlcera a um tratamento de canapés de caviar e
champanha francês; Mr. Cavanagh, que devia ter deixado
sem sua presença a reunião de altos chefes em
Washington... E estava também Mc Gee, o velho,
encurvado, desgrenhado, míope e sabe-tudo Mc Gee, o
técnico da CIA que tantos e tantos truques lhe havia
proporcionado durante sua carreira de espiã! E Frank
Minello, naturalmente, que naquele momento estava
gritando, trepado no sofá:
— Viva a mais estupenda beleza do mundo! A imagem
sensual que povoa alucinante nossas noites de insônia...!
Talvez estivesse começando a fazer um discurso, à sua
maneira.
— Você é um grosso, Frankie... — sorriu Brigitte. — E
deixe de dar saltos no meu sofá!
E mais não pôde dizer, pois na verdade sentia-se
emocionada... e porque todos se lançaram para ela,
abraçando-a, beijando-a, desejando-lhe felicidades,
enchendo-a de presentes... Quase não os podia ouvir, pois
Minello aproveitava a ocasião para, abraçado a ela, dar-lhe
beijos e beijos e beijos... Até que conseguiu desvencilhar-se
de seus fortes braços.
— Quieto, Frankie, quieto! — reclamou. — Aprenda a
comportar-se com Mc Gee, que ainda não me deu um beijo
sequer.
Todos riram, olhando para o químico, que se mantinha
algo afastado, expressas tímida.
— E por que hei de aprender com um boboca, que não
sabe tirar partido da situação? — perguntou Minello.
Mais risos. Brigitte foi a Mc Gee e ofereceu-lhe a face.
Ele pigarreou, inclinou-se, roçando com os lábios aquele
lindo rosto...
— Barbaridade! — estrugiu Minello. O pobre coitado
nem sabe beijar! Vou ensinar-lhe como é que se faz...!
E já se precipitava para Brigitte, que o deteve com um
gesto.
— Você fique aí, Frankie. Eu me encarrego disso.
Vejamos, Mc Gee, é assim... — beijou-o numa face, depois
na outra. — Viu como é?
— Vi... — murmurou o químico.
— Bem. Pois então, beije-me agora...
Mc Gee pôs-se a beijá-la alternadamente em ambas as
faces, enquanto ia perguntando:
— Assim?... Assim?... Assim?...
— Esse cara é um sem-vergonha! — denunciou-o
Minello. — Puxa vida! Está gastando o rosto de Brigitte...
Um tipo abusado, não há dúvida!
Risos.
— O Frankie tem razão, Mc Gee — sorriu Brigitte —
você é um abusado.
— Sou — admitiu ele. — Mas abuso com mais astúcia
que esse mastodonte.
Uma gargalhada geral, enquanto Minello parecia
desconcertado, olhando com desconfiança para Mc Gee.
— Vá alguém se fiar nesses espiões... — comentou.
— Ouça — perguntou-lhe Brigitte — você não me
trouxe nenhum presente, Frankie?
— Mulher, como ia eu trazer o iate a este apartamento?
Brigitte ficou estupefata.
— Iate? Você vai me dar um iate?
— Quem? — pasmou Minello. — Eu?
— Você disse que não podia trazer o iate aqui, não é
verdade?
— Sim, é verdade.
— Compreendo isso, claro. Mas se você me comprou
um iate, deve estar em alguma parte...
— Eu lhe comprei um iate? A que vem semelhante
absurdo?
— Mas você disse... Todos ouviram!
Todos assentiram energicamente, olhando para Minello,
que parecia espantado ante a tolice do gênero humano.
— Você disse, sim — grunhiu Miky Grogan.
— Claro que disse! — reforçou Johnny.
— Eu também ouvi — afirmou Cavanagh.
— E eu também, embora seja um pouco surdo —
acrescentou Mc Gee.
— Todos estão loucos! — bramiu Minello. — Onde
arranjaria eu o dinheiro para comprar um iate?
— Mas você disse! — insistiu Brigitte. — Disse que ia
me dar um iate!
— Não, não... Devo ter-me explicado mal. O que eu
queria dizer...
— Ai! — gemeu Brigitte. — Ele vai se sair com uma
das suas!
— ... é que você merece que eu lhe dê um iate, mas
como não seria possível trazê-lo aqui, resolvi lhe dar isto...
— tirou um pacotinho do bolso. — Que há? Por que me
olham todos dessa maneira?
— Você merecia que o enforcassem, Frankie! —
resmungou Grogan.
— É possível — admitiu Minello. — Mas tenho certeza
de que o meu presente é o melhor que Brigitte já recebeu
na. vida.
— Bobagem! Seu presente será alguma...
— Que é? — interveio Brigitte. — Que é, Frankie?
— Um pedaço de meu coração.
— Santo Deus! — pasmou Mc Gee. — O rapaz é
mesmo idiota...
— O bolo! — avisou Johnny, esfregando as mãos. — O
bolo, cavalheiros!
Brigitte virou-se e viu Peggy entrando com um grande
bolo adornado de velinhas azuis, já acesas.
— Parabéns a você! — Minello reencetou a canção de
aniversário, com sua poderosa voz. Todas as outras vozes se
juntaram. Brigitte inclinou-se e soprou as velas. Palmas.
— O pedaço maior para mim! — exigiu Minello,
empurrando todo o mundo.
— Cínico! — xingou Grogan. — Seu presente foi o
menor e você quer o maior pedaço de bolo.
— Pode ser que tenha sido o menor, mas é o mais
valioso!
— Cavalheiros — riu Brigitte —, queiram servir-se
enquanto eu ajudo Peggy na cozinha.
Deixou-os cortando o bolo e discutindo, e foi para a
cozinha com Peggy, a qual olhava-a com surpresa, pois
certamente não necessitaria de ajuda....
— Eu sei, eu sei... — sorriu-lhe Brigitte, adivinhando
seus pensamentos. — Só vim ver o que Frankie me deu.
Enquanto. isso, vá servindo o champanha.
Desembrulhou o pacotinho e abriu o pequeno estojo que
continha, encontrando um simples cartão:
FRANK MINELLO
Jornalista
Declara uma vez mais que sempre
estará reservado para você o pedaço
maior de seu coração. Ou todo ele, se
preferir.
Frankie
DOIS
A onda-chave “Europa 9999-191”
2
Ver ESPIONAGE STORY
— Você já arriscou a sua centenas de vezes. Acaso não
tem ele o direito de fazer o mesmo?
— Está certo, chefe — resignara-se ela James Nelson
tem o direito de arriscar a vida. Que espécie de informação
tem que introduzir na espionagem soviética?
— Interessa-lhe esse detalhe? — surpreendera-se
Cavanagh.
— Não... Não me interessa, realmente. Bem, farei o
melhor que puder.
Cavanagh mexera-se inquieto em sua cadeira.
— Tome muito cuidado, Brigitte. Nós a utilizamos
corno detalhe de convicção absoluta para os russos, mas
você não deve cair, está claro. Se tal puder acontecer, peço-
lhe que abandone o assunto e afaste-se o mais possível dos
russos.
— Não sou nenhuma tola — sorrira ela, friamente. —
Além disso, já que Nelson age de modo próprio, eu não
poderia acusar os russos do assassinato de um companheiro.
Assim, se as coisas se puserem de tal modo que eu não me
sinta capaz de resolvê-las, escaparei da Europa mais que
depressa. Proteger ou vingar meus Johnnies está bem, mas
seria tolice morrer por um que quer arriscar sua vida dessa
maneira.
— Vejo que compreendeu. Quando chegar a Paris, lhe
dirão onde está James Nelson. O resto dependerá de você e
dele. Naturalmente, para estreitar o cerco, você mobilizará
todos os nossos agentes de Paris ou da França inteira, se
necessário, com os quais poderá estar em contato pelos
meios comuns. Se ocorrer algo que lhe pareça escapar às
suas possibilidades de controle, ou se precisar de ajuda
especial, não recorra aos nossos sistemas habituais de apoio:
utilize a chave “Europa 9999-191”.
— Quem me atenderá?
— Um homem chamado Waldo Jackson. Pode confiar
absolutamente nele. Cabe também a possibilidade de que
seja ele quem, por determinada circunstância, recorra a
você, chamando-a por essa onda-chave cada hora em ponto.
De modo que, cada hora em ponto, você colocará o seu
rádio nessa chave. Quanto ao resto, as instruções completas
são as seguintes...
Tinham sido umas instruções alucinantes. Tanto, que se
podia pensar que os russos engolissem o anzol. Estava tudo
tão bem planejado... Sim, talvez os russos caíssem na
armadilha que lhes preparavam.
Tudo era possível no mundo da espionagem.
***
O homem aproximou-se sorridente.
— “Baby”? — perguntou.
— Olá, Johnny! Como está?
— Otimamente. E você também, ao que vejo.
— Não posso me queixar da vida — sorriu ela. — Você
parece uma pessoa bem-humorada.
— Procuro ser. Nesta nossa vida, de espiões, é melhor
assim, não acha?
— Claro que acho. Você faz muito bem.
— Eu me encarregarei de sua bagagem. Dê-me o talão.
Cinco ou seis minutos mais tarde, ambos rodavam no
carro de Johnny-Paris, chefe da CIA na capital francesa, que
disse:
— Vou levá-la para o meu apartamento no Quai Saint
Bernard. Não é mau e do terraço vê-se o Sena. Um bom
lugar para um passeio sem caminhar muito, pois perto
temos o Jardin des Plantes...
— Onde está. James Nelson?
Johnny passou a língua pelos lábios.
— Num, pequeno apartamento da Rue Mazarine, no
Quartier Latin. O número do prédio é 22. Chegou ontem.
— E...?
— Não. Não aconteceu nada ainda. Mas posso lhe dizer
que o matarão. Os russos. Isto não pode sair bem.
— Eu penso o mesmo, Johnny, mas na Central me
disseram que ele sabe o que faz... Nós o temos sob
controle?
— Naturalmente. O que de certo modo é uma
imprudência, pois os russos podem se dar conta de que
estamos perto... Farejamos muito bem uns aos outros.
— Supõe-se que por isso vim eu a Paris: para afastar
vocês do alcance do olfato russo.
— Quer dizer que nos afastaremos e será você quem se
manterá perto de James Nelson?
— Sim, exatamente.
— Não me agrada — resmungou Johnny. — Este golpe
de introduzir agentes em outro serviço secreto já é muito
velho, “Baby”. E com todos os diabos, os russos não são
idiotas!
— Essa mesma opinião tenho eu deles. Mas não
percamos a calma. Chegaremos até onde nos seja possível
chegar e nada mais... Oh, são sete horas em ponto!
Abriu a maletinha vermelha adornada de minúsculas
flores azuis e tirou o rádio de bolso. Com uma espécie de
pinça apensa ao próprio radinho, variou a disposição das
pequenas chapas deste, colocando-as na onda-chave
“Europa 9999-191”. Deixou o pequeno aparelho no colo e
acendeu um cigarro, enquanto pensava que em certas
ocasiões era escrupulosa demais. Acabava de chegar a Paris
e já previa a possibilidade de que seu misterioso apoio, o
homem chamado Waldo Jackson, no qual devia confiar por
completo, pudesse chamá-la. Era perder tempo, mas...
Bip-bip-bip-bip... chamou o radinho.
Realmente surpresa, ela o olhou atônita, antes de apertar
o botão de admissão.
— Alô — murmurou.
— N.Y. 7117? — perguntou uma voz masculina, grave,
sumamente agradável.
Brigitte pestanejou. Sim, claro, esse era seu nome oficial
nos arquivos da CIA.
— Com efeito — respondeu.
— Digo-lhe meu nome, ou sabe quem sou?
— Sei quem é você, já que chama por esta onda. Que
aconteceu?
— Nosso... traidor já enviou seu primeiro telegrama.
— Já se pôs em contato com os russos?
— Digamos que está dando os primeiros passos. Salvo
excessiva suspicácia por parte deles, não creio que o contato
direto demore mais de dois dias. Inclusive poderia ser
amanhã mesmo, pelo que não se descuide você.
— Obrigada pela informação — replicou ela, um tanto
friamente —, mas pode ter a certeza de que não costumo
descuidar-me.
— Tão excessiva segurança em si mesma, a meu ver,
reflete uma extraordinária dose de orgulho... que pode lhe
causar sérios problemas. Entretanto, direi que estou
encantado de trabalhar com você. E vou permitir-me insistir
em minha recomendação: não se descuide nem um só
instante... O minuto terminou.
Brigitte abriu a boca para responder, mas a comunicação
tinha sido cortada. Fez o mesmo, franziu a testa e guardou o
rádio na maletinha, que tomou a deixar a seus pés.
— Quem era esse? — perguntou Johnny.
— Ninguém.
Ele aceitou a incrível resposta. Sabia que, estando a
agente “Baby” em Paris, ele deixava automaticamente de
ser o chefe na capital francesa. Tampouco se sentia zangado
com sua famosa colega, compreendendo perfeitamente seu
estado de animo: todos estavam preocupados com a sorte do
companheiro suicida James Nelson. Porque uma coisa era
certa: não enganaria os russos e estes o matariam. James
Nelson teria que ser um imbecil para ignorar isto.
— Gostaria de saber — pensou Johnny — como se sente
esse rapaz. Deve estar morrendo de medo...
TRÊS
Uma loura fácil
QUATRO
Novos personagens em cena
CINCO
Fora da jogada
Cinco de Julho.
Vinte e quatro horas antes, a coronhada enviara Piotr ao
país dos sonhos.
Agora, com a cabeça vendada e um copo de vodca na
mão, as coisas lhe pareciam menos más. Já não lhe doía
nada e uma tarde clara embelezava o pequeno jardim da
casinha vez por outra utilizada pela espionagem russa perto
de Rouen e a poucos quilômetros de Paris.
O camarada Piotr se aproximara de uma janela para
olhar o carro que acabava de parar diante da casa. Nada a
temer: eram Alex e Mischa... Mischa Nitzin, chefe dos
serviços do MVD na capital da França.
Admirava Mischa. Falava nove línguas, tinha uma
cultura notável e era capaz de comportar-se em sete países
como se fosse nativo. Além disso, era elegante, sóbrio,
atraente, dotado de grande inteligência e uma. memória
extraordinária.
— Olá, Piotr — sorriu quando este abriu-lhe a porta. —
Como vai essa cabeça?
— Bem. Parece que está inteira.
— Ótimo. Alguma novidade?
— Não. Tudo muito tranqüilo por aqui.
— Pois será o único lugar tranqüilo da Europa — disse
Alex. — Um gole de vodca, Mischa?
— Sim, sim. Diabo... — deixou-se cair numa poltrona.
— Estou arrebentado!
— Que aconteceu? — Piotr olhava de um a outro. —
Que está acontecendo, melhor dito?
— A CIA em ação — murmurou Alex, servindo vodca
em dois copos. — Vou buscar gelo.
Dirigiu-se à cozinha e Piotr olhou para Mischa, que
estava acendendo um cigarro.
— Que está fazendo a CIA? — indagou.
— Parece que, na realidade, o americano matou a agente
“Baby”.
— Isso é mentira! — exclamou Piotr.
— Sim, uma mentira americana — sorriu Mischa. —
Mas talvez não. Você precisava ter visto o aeroporto de
Orly esta manhã: havia lá mais americanos que em
Washington, com caras mais compridas que a rota da
Sibéria. Não sei... Uns trinta ou quarenta. Estou falando de
americanos da CIA, naturalmente.
— E que faziam lá?
— Metemos o nariz em toda parte e não conseguimos
averiguar mais que duas coisinhas aparentemente pouco
importantes: um fardo muito bem embalado que saiu para
Washington no avião da “Panam” das onze e meia; depois
disso, todos os americanos abandonaram o aeroporto.
— Que continha o tal fardo?
— Era bastante grande, sólido e hermético para que um
cadáver pudesse chegar sem novidade aos Estados Unidos.
— Ora vamos... — resmungou Piotr. — Esse truque é
mais velho que a catedral de São Basilio!
— Sim, o truque é muito velho, eu sei. Mas...
— Mas...?
Mischa Nitzin ficou profundamente pensativo, como
desligado do mundo exterior, e Piotr respeitou seu silêncio.
— Não sei... — murmurou ele, por fim.
— Não sei, Piotr. — Havia lá agentes americanos com
lágrimas nos olhos... Bem sei que lágrimas não significam
nada em espiões, gente useira em fingir, mas aqueles
pareciam estar chorando de verdade. E não foi só isso:
durante toda a noite, por toda a Europa, a CIA esteve
agitada e as notícias que me chegam indicam claramente
este fato. No momento, todos os serviços de espionagem, o
nosso inclusive, deixam-lhe o campo livre, pois ninguém
quer enfrentar os americanos nestas condições. Eles
suspenderam todos os trabalhos de rotina, mudaram suas
ondas de rádio, estão revisando toda a sua rede de
comunicações e diz-se que até do norte da África chegam
mais agentes à Europa.
— Tudo isso para caçar Nelson?
— Só lhe digo uma coisa, Piotr: eu não gostaria de estar
na pele desse americano. Por nada no mundo.
— Mas então é verdade? Aquela garota do Café de la
Paix era “Baby” e ele a matou?
— Tudo parece indicar que sim.
— E o que pensa você, Mischa?
— Bem, eu só acredito no que vejo, mas também admito
que sejam verdadeiras certas coisas que jamais vi nem
verei. Claro, nossos camaradas residentes em Washington
foram avisados e esperam a chegada desse avião, para ver o
que podem averiguar. Enquanto isso, nós também
procuraremos James Nelson, com muita discrição, já que de
nenhum modo, entenda-o bem, de nenhum modo quero um
novo confronto armado com os americanos.
— Eles mataram Ilya.
— Por enquanto, vamos deixar pendente essa conta.
Levamos vantagem sobre a CIA com respeito à busca de
Nelson e não vou comprometer nossas possibilidades
pegando-me a tiros com os americanos. Tudo chegará, a seu
devido tempo.
— Está bem — aceitou Piotr, de má vontade. — E Ilya?
— Está a caminho da Rússia. Chegará esta mesma noite.
— Tal como “Baby” a Washington — assinalou Alex.
— Seria um tanto... sarcástico que ela tivesse realmente
morrido — comentou Piotr. — Tantos anos complicando
nossas vidas para morrer às mãos de um dos seus Johnnies.
Diabo, não consigo acreditar nisso, Mischa! Um americano
pede um milhão de dólares por uma informação e, como
“Baby” intervém, ele a elimina...!
— Mais cedo ou mais tarde saberemos a verdade, Piotr.
Agora, o que realmente interessa é localizar James Nelson.
— Deve estar escondido como um rato em qualquer
canto.
— Não. Creio que você se engana.
— Se eu fosse ele...
— Espere. Ele dispunha do nosso carro, não é assim?
— O miserável! Quando eu lhe puser as mãos em cima...
— Calma. Nada de tolices. O Diretório o quer vivo...
pelo menos até que nos facilite essa informação que custou
a vida à agente “Baby”. Assim, vamos trabalhar direito, sem
violências, com luvas brancas. Quanto a Nelson, creio que
já está na Alemanha.
— Pensa que terá ido ao lugar para onde enviou o
microfilme?
— Esse microfilme é para ele uma espécie de seguro de
vida com respeito a nós. Se eu fosse ele, teria ido buscá-lo
imediatamente. Pode ter viajado toda a noite e já estar na
Alemanha.
— Em qual das duas?
— Na do Leste, não — afirmou Mischa.
— Já estão em marcha as ordens para que James Nelson
ou Richard Walf seja procurado por toda a Alemanha
Federal. Será encontrado: não esqueça que vocês o
fotografaram no café e que essas fotos já devem estar
circulando na Alemanha. Assim, nossos homens o
encontrarão.
— Salvo se os americanos o encontrarem antes.
— É um risco que temos de aceitar. De qualquer modo,
continuamos em vantagem, pois duvido que Nelson lhes
dissesse que estaria na Alemanha e que escolhera o nome de
Richard Walf para movimentar-se por esse país. Levamos
vantagem. Especialmente uma, tão grande, que sinto
vontade de rir.
— A que vantagem se refere?
— “Baby” não intervirá nisto, esteja realmente morta ou
seja tudo isto um truque. Se morreu, tudo terminou para ela.
E se querem fazer-nos crer que está morta, não irão lançá-la
contra nós neste assunto. Portanto, nada a temer de sua
parte.
— É verdade — sorriu Piotr. — Se morreu, melhor. Se
vive e querem fazê-la passar por morta, não podem utilizá-
la esta vez.
— Exato: de um ou de outro modo, “Baby” foi retirada
de circulação.
SEIS
Uma megera repulsiva
SETE
O espião na sombra
OITO
O biscoito recusado
NOVE
Se és espião, estás morto
O telefone tocou.
Frau Wilma, que estava espiando pela janela, virou a
cabeça para o aparelho e sorriu. Antes de ir atender, olhou
mau uma vez o carro em que estava o russo com a câmara
fotográfica munida de teleobjetiva. Um agente de terceira
categoria, sem dúvida... o que muito lhe convinha.
— Frau Wilma — atendeu em perfeito alemão, voz
áspera.
— Sim, sim... Herr Walf está hospedado aqui. É a jovem
que o veio ver esta manhã?
— Bem. Vou chamá-lo.
Saiu de seu apartamento e, passos pesados, começou a
subir a escada. Nada de descuidar-se...
Bateu na porta número 12.
— Quem é? — ouviu a voz de James Nelson.
— Telefone, herr Walf.
A porta se abriu imediatamente e ele a olhou expectante.
— Sim, é a russa.
James precipitou-se escada abaixo, deixando muito para
trás frau Wilma, cuja descida foi quase tão penosa como a
subida. Quando ela chegou à sua morada, o hóspede já
estava ao aparelho. Entrou, fechou a porta e coube-lhe
mostrar uma expressão interrogativa no olhar, ao que ele
assentiu com a cabeça, ao mesmo tempo que murmurava:
— Sim: vêm me buscar dentro de quinze minutos.
Consegui!
— Boa sorte — desejou frau Wilma.
James Nelson sorriu.
— E você achava que não, hem? Admita que estava
enganada.
— Todos podemos nos enganar. E sou a primeira a
desejar enganar-me esta vez, garanto-lhe.
— Continua pensando que sou um homem morto, não é?
— riu ele.
— Você conhece o dito, James: se és espião, estás
morto. No seu caso, as probabilidades de que assim seja são
muito maiores. Eu lhe diria para abandonar este assunto e
vir comigo, mas não creio que isso o demovesse.
— Claro que não. Este é o trabalho mais importante de
minha vida, está saindo bem e não vou desistir justamente
agora.
— Repito — ela se aproximou e afagou-lhe o rosto —:
boa sorte, James.
— Talvez voltemos a ver-nos, dentro de uns anos.... se
você se mantiver viva, “Baby”.
— Tenho mais probabilidades que você.
James tomou a rir. Estava tenso, impaciente.
— Até a vista — disse.
Saiu apressadamente dali, deixando frau Wilma
pensativa. Afinal, por que não admitir que tudo pudesse sair
bem? O planejamento fora perfeito. E tratava-se da ação
mais completa e audaz da CIA nos últimos tempos.
Ela despiu-se rapidamente. Mudou de roupa e, em
menos de cinco minutos, ficou transformada numa velhota
de cabelos brancos, severamente vestida de preto, a nossa já
bastante conhecida Annette Simonet, duquesa de
Montpelier.
Apoiando-se em sua bengala de castão de prata, saiu da
morada sórdida de frau Wilma, levando na mão esquerda
uma pequena maleta encapada de veludo preto. Subiu
devagar a escada, chegou à porta número 4, abriu-a, entrou
e tornou a fechar, sem acender a luz, aproximou-se da
janela e olhou para o carro do russo, que ali continuava.
Depois olhou para o pequeno Volkswagen da verdadeira
frau Wilma, estacionado um pouco mais perto da pensão.
Só lhe restava esperar que levassem James, que tudo ficasse
tranqüilo. Então, Madame la Duchesse abandonaria
Nüremberg e a autentica frau Wilma voltaria, até que
chegasse o momento de sua retirada por motivos de saúde...
— Talvez eu esteja me preocupando por nada. Bem,
vamos esperar...
***
— A espera terminou — soou a voz de Gorgonov na
radinho que Mischa Nitzin tinha na mão, diante da boca. —
Levon vai já para aí, Mischa.
— De acordo. Mando Piotr e Alex para que fiquem na
porta da pensão. Nelson se tranqüilizará ao ver caras
conhecidas.
— Muito bem.
Mischa fechou o rádio, guardou-o, olhou seus
companheiros e fez-lhes sinal para saírem do carro. Alex e
Piotr saltaram, dirigindo-se para a casa. Pela outra esquina
apareceu Levon, com o qual se reuniram diante da porta da
pensão.
— Primeiro, “Baby” — sussurrou Levon —: não
esqueçam.
Transpuseram o portal, iluminado apenas por uma
pequena lâmpada. Levon bateu na porta de frau Wilma,
enquanto Alex e Piotr colocavam-se um de cada lado,
sacando suas pistolas munidas de silenciador.
— Bata outra vez — sussurrou Piotr.
Levon tomou a bater, com o mesmo resultado. Bateu
pela terceira vez... Depois introduziu a ponta de uma
navalha na fechadura, mexeu... Empurrou a porta, sacou
também sua pistola e investigou a escuridão da morada.
Franzindo a testa, entrou. acendeu a luz e foi até a cozinha,
depois ao quarto... Quando voltou, Alex e Piotr já tinham
compreendido.
— Chegamos tarde... Já partiu! — exclamou Levon,
— Fique aqui — disse Piotr. — Nós vamos buscar
Nelson. Talvez ele saiba do paradeiro de “Baby”.
Levon não pareceu muito esperançoso a tal respeito, mas
não havia outra coisa a fazer. Encostou a porta, tomou ao
quarto de frau Wilma, abriu o armário e lançou uma
olhadela às roupas que havia ali... Em cima, Nelson devia
estar vestindo as que Piotr lhe levara num pacote. Ainda
tardariam uns minutos...
E nesses poucos minutos o agente soviético encontrou
algo. Primeiro, sob uma das gavetas do armário de frau
Wilma, a pequena peça que correspondia a um receptor-
gravador, com defeito, realmente. O americano Jackson não
mentira. Depois, numa velha bolsa, dois diminutos carretéis
de fita magnética, naturalmente do gravador que “Baby”
utilizara.
Não teve tempo de procurar mais, nem era necessário.
Ouviu ruído e voltou à sala. onde estavam seus camaradas,
um deles apoiado à porta, ambos apontando suas pistolas
para as costas de James Nelson, que, lívido como um morto,
virou-se ao ouvir suas pisadas.
— Que fazemos aqui? — perguntou Nelson. — Temos
que...!
— Onde está ela? — cortou asperamente Levon.
— Quem?
— “Baby”. Onde está?
James teve a sensação de que algo se rompia dentro
dele: sabiam a verdade... Os russos sabiam a verdade!
— “Baby”? — repetiu, com uma calma que a ele mesmo
deixou admirado. — De que estão falando? Vocês sabem
que eu mesmo a matei, em Paris...
— Nelson — a pistola de Piotr apoiou-se em sua nuca
—: por sua causa, por sua “genial” jogada, nosso
companheiro Ilya foi morto em Paris e estou desejando
vingá-lo. Mas você é uma peça menor e na realidade já não
nos interessa. Diga-nos onde está ela, que talvez ainda possa
viver muitos anos... num calabouço da Sibéria.
— Mas estou lhes dizendo...!
— Sabemos que ela esteve aqui o tempo todo, fazendo-
se passar por frau Wilma. Onde está agora?
James não falou mais, pois sabia que era inútil. Como
sabia que, se tinha alguma probabilidade de salvar a vida,
esta era reagir de súbito. E, com efeito, sua reação
surpreendeu os russos: bateu com o cotovelo na pistola de
Piotr, ao mesmo tempo que, levantando-se para trás num
impecável golpe de tae-kwon-do, seu pé direito alcançava o
baixo-ventre de Levon, derrubando-o como fulminado.
Depois, empurrando Piotr, que cambaleava diante dele,
correu para a porta, segurou a maçaneta, girou-a...
A pistola de Alex detonou três vezes.
James Nelson pareceu receber uma descarga elétrica,
depois suas pernas dobraram e ele caiu de costas, olhos
arregalados. Piotr tinha recuperado o equilíbrio e o olhava
cheio de cólera, enquanto Levon erguia-se, muito pálido.
Alex dispunha-se a dar o tiro de misericórdia, mas Piotr
exigiu, voz rouca:
— Deixe-o para mim!
Apontou sua arma para a cabeça de James. Mas, após
um momento, deu de ombro. E e tornou a guardá-la.
— Vamos. Já nada temos que fazer aqui — murmurou
Levon.
***
Em cima, às escuras no quarto, junto à janela, Madame
la Duchesse viu os russos saírem à rua e correr para o carro
em que o outro vigiava.
— Não o levam... — sobressaltou-se. — Não o levam!
Agilmente, lançou-se escada abaixo, enquanto da
maletinha encapada de preto tirava a pequena pistola de
coronha de madrepérola. Chegou ao portal a tempo de ver a
parte traseira do carro dos russos, afastando-se... Hesitou
um instante, mas optou por cumprir sua primeira intenção:
empurrou a porta e entrou na vivenda de frau Wilma. Do
umbral, viu James Nelson estendido no chão. Deixou-se
cair de joelhos junto a ele.
— James... James!
Com um gemido, o agonizante cravou os olhos nela.
— Eles... eles sabiam... — murmurou.
— Não fale. Vou lhe fazer um curativo...
Abriu a maletinha em busca de algo com que tamponar
os ferimentos.
— Eles... sabiam tudo... tudo... — murmurou ainda o
ferido.
Ela encontrara umas compressas e dispôs-se a virá-lo
para aplicá-las sobre as feridas de suas costas, mas deu-se
conta de que estava movendo um cadáver.
— James...
Este parecia olhá-la, com olhos fixos, vítreos...
A anciã levantou-se, guardou a pistola na maletinha e,
com movimentos serenos, saiu dali. Foi até o carro da
verdadeira frau Wilma, abriu-o, entrou e acendeu a luz
interna. Tirando da maletinha o pequeno rádio, apertou o
botão de chamada.
— Alô — ouviu a voz de homem.
— James Nelson morreu. Retirem seu cadáver:
Nützelstrasse, 6.
Fechou o radinho, sem esperar mais. Do porta-luvas,
tirou a planta de Nüremberg e procurou o índice das ruas.
Localizou a que procurava:
— Flotnerstrasse... Aqui está: uma rua muito curta...
Oxalá me equivoque, mas se os russos forem lá, ou ele ou
ele for ao seu encontro esta. mesma noite...
DEZ
Que outra coisa deveria fazer?
A seguir:
Que poderia acontecer quando a mente de um enviado
recebe indução do inimigo?
UM ESPIAO NO CÉREBRO