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Os livres escravos da Dívida na

Sociedade da Concorrência
Por. Rodrigo M.Lehnemann

Introdução: O presente texto apresenta uma visão do atual panorama neoliberal frente a
constituição do sujeito útil e a forma como transcende este fazendo emergir a sociedade da dívida,
que impõe a liberdade e acorrenta os indivíduos endividados através do fardo da culpa. O texto
formula questões a respeito do nosso posicionamento político, objetivando nos desacomodar de
nossa postura neutra e tomar um partido frente as emergentes transformações sociais, oriundas da
desestabilização de um sistema em crise frente aos problemas de cunho mundial.

Autores:
• Sandro Chignola, professor de Filosofia Política no Departamento de Filosofia,
Sociologia, Pedagogia e Psicologia Aplicada na Universidade de Pádua, Itália. É autor,
entre outros, de História de los conceptos y filosofia política (Madrid: Biblioteca Nueva,
2010).
• Michael Peters, doutor em Filosofia da Educação pela University of Auckland, Nova
Zelândia. É professor de Educação na University of Illinois. É editor de “Educational
Philosophy and Theory” (Blackwell) e “Policy Futures in Education and E-Learning”.
• Dora Lília Marín-Díaz, professora na Universidade Pedagógica Nacional, na Colômbia.
Possui doutorado em Educação pela Universidade Federal de Rio grande do Sul - UFRGS.
Ainda é mestre em Educação pela UFRGS, especialista em Estudos Culturais pela
Pontifícia Universidade Javeriana da Colômbia, especialista em Avaliação Educacional pela
Universidade El Bosque.
• Edgardo Castro, doutor em Filosofia pela Universidad de Friburgo, pesquisador do
CONICET e professor da Universidad Nacional de San Martín. Tem trabalhado como
professor em diversas universidades argentinas, e é professor convidado no Instituto
Italiano di Scienze Umane de Nápoles, na Universidade Federal de Santa Catarina e na
Universidad de Chile. Suas publicações versam sobre a filosofia contemporânea,
particularmente francesa e italiana. É um dos principais tradutores da obra de Giorgio
Agamben ao espanhol. Entre seus livros, destacamos Pensar a Foucault (Buenos Aires:
Biblos, 1995), Giorgio Agamben. Una arqueología de la potencia (Buenos Aires: Unsam
Edita, 2008) traduzido para o português sob o título Introdução a Agamben. Uma
arqueologia da potência (São Paulo: Autêntica, 2012) e Diccionario Foucault (Buenos
Aires: Siglo XXI Editores, 2012).
• Benilton Bezerra Junior, graduado em Direito e em Medicina, mestre em Medicina Social
e doutor em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.
Atualmente, é membro do Instituto Franco Basaglia, atua como docente adjunto do
Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, e é pesquisador do Programa de Estudos e
Pesquisas sobre Ação e Sujeito - PEPAS, da UERJ.
• Andrea Fumagalli, Doutor em Economia Política é atualmente professor no Departamento
de Economia Política e Método Quantitativo da Faculdade de Economia e Comércio da
Università di Pavia, Itália. Seus temas de interesse são teoria macroeconômica, teoria do
circuito monetário; economia da inovação e da indústria, flexibilidade do mercado de
trabalho e mutação do capitalismo contemporâneo: o paradigma do capitalismo cognitivo,
entre outros. Dentre seus vários livros publicados, citamos: Il lavoro. Nuovo e vecchio
sfruttamento (Milão: Punto Rosso, 2006), Bioeconomia e capitalismo cognitivo, Verso un
nuovo paradigma di accumulazione (Roma: Carocci Editore, 2007), e La crisi economica
globale (Verona: Ombre corte, 2009). Confira a entrevista.

Ao observarmos o atual panorama do neoliberalismo frente as biopolíticas, percebemos que ao


invés de um movimento soberano colonial que busca impor o domínio ao sujeito, forçamos a
liberdade ao mesmo. O responsabilizamos em sua auto suficiência e através de seu induzido
endividamento consolidamos uma nova forma de sujeitabilidade, onde por uma culpa auto
reconhecida este abre mão de suas liberdades, vontades e direitos, tornando-os assim escravos de
sua própria liberdade.

Responsabilizamos o sujeito e o tratamos como empresa, são deles os lucros e prejuízos. Sob o
discursos neoliberal, se bem sucedido é mérito seu, se mal sucedido é igualmente culpa sua. Criam-
se mecanismos, cujos objetivos são a inclusão dos sujeitos, mecanismos este de cunho utilitário que
não observam os meios apenas os resultados e que no fim das contas provêm uma inclusão
segregativas, marginalizando sob sua própria responsabilidades aqueles que não atendem as
demandas normalizadas. Um bom exemplo disto fica por conta do projeto Todos Pela Educação,
que objetiva levar a educação a todos, mas o todos são aqueles que tem acesso as redes e as
tecnologias para acessá-las, aos demais é dado o peso da culpa e da marginalização.

Assim dessa forma o sujeito-empresa deve por obrigação própria investir em si, se qualificar, pois
ele é posicionado em uma sociedade competitiva, onde constantemente concorre com outros livres
escravos liberais por um espaço por uma melhor remuneração e qualidade de vida. Assim o sujeito
empresa vive uma luta constante, taxado como narcista e egoísta, movido pelos próprios interesses,
abandonado a própria sorte em uma arena consumista competitiva onde aos fortes e vencedores
reside o luxo e aos fracos e não produtivos as correntes do endividamento.

De certa forma, é curioso pensar que na sua libertação, e na construção como sujeito auto suficiente,
este se o colocou em um novo estado de servidão, encaixotando-o em sua classe social e dando a ele
poucas oportunidades para subir em um hierarquia que se define como meritocrática, ao mesmo
tempo que visa através das despariedades das condições iniciais do sujeito a perpetuação de sua
influência e poder.

Mas a perversa ótica neoliberal transcende o sujeito, ela através das mecânicas biopoliticas
transcende para o espaço familiar e comunitário, todos somos quantificados, nossos hábitos tem um
valor, nossas doenças tem valor, nossos gostos tem valor. Tudo pode ser parametrizado medido e
avaliado de forma ser mais eficientemente comercializado. Da mesma forma a dívida transcende o
sujeito, impactando sua família e sua sociedade e fazendo emergir a Sociedade da Dívida cujos
lucros em cima de dividendos superam a produção bruta dos sujeitos, tecendo as correntes
invisíveis que prendem nações inteiras e as forçam a se entregar as políticas neoliberais,
privatizando suas produções e abrindo mão de sua soberania.

Assim podemos dizer as biopoliticas e os biopoderes são nexos que ligam a vida humana ao
trabalho, trabalho este regido e dominado pelas práticas de um mercado captalista, são os
dispositivos modernos de subjetividade, a nova face da colonialidade. Frente a esses movimentos
projeta-se um novo campo de batalha intelectual, assim como afirma o Sandro Chingnola:

Mesmo escolhendo como “lado” autores e textos que possam te dar as armas ou instrumentos para
entrar na batalha, pois a possibilidade de “ficar de fora”, um espaço para se proteger da mesma
para cuidar dos próprios estudos, não existe.

Afirmação esta que instiga a tornarmo-nos Marxistas mesmo sem jamais te lido Marx. E está
batalha intelectual, entre o qualitativo e o quantitativo, entre o lucrativo e o necessário atinge
transversalmente as instituições de ensino, gerando reflexos mesmo na educação básica e na
formação dos indivíduos, transformando a fábrica escolar em uma fábrica de narcisos.

Estimulamos os sujeitos a competição desde o início de sua formação, mostrando a eles através da
disciplinarização o lugar reservado aqueles que não atingem as métricas normativas, que os leva dos
burros repetentes e desinterassados aos descartes enjaulados em complexos presidiários. E é
justamente no início das sua jornada, que percebemos a altura dos degrais da meritocracia, pois
enquanto educamos o filho do rico a liderança, educamos o filho do pobre a empregabilidade,
enquanto um é livre detentor dos recursos familiares que lhe provêm acessos tecnológicos aos mais
diversos saberes, ao outro cabe a livre competição pelos já restritos e sucateados recursos
tecnológicos públicos escolares. Ambos competirão em livremente, sob o pretexto de estarem
iguais e normatizados, o vencedor será então o utilizador e o perdedor o utilizado, fruto da fábrica
neoliberalista, conforme aponta Dória Lília Marín-Diaz:

Ou seja, fez-se necessário organizar e normatizar os indivíduos para solidificar o Estado. Assim,
“essas vidas humanas se constituíram na ‘matéria-prima’ para que maquinarias modernas – a
escola, o exército, os hospitais, os hospícios – e suas antropotécnicas específicas se encarregassem
de produzir sujeitos governáveis e úteis”.

Por falamos do sofrimento, este consumido e drenado pela indústria dos coach’s e auto-ajudas, que
tentam tirar de nós o único e real direito imposto pelo neoliberalismo, a liberdade. Agindo como
CEO’s pessoais que visam nos dizer como viver nossas vidas melhor, evidenciando seu trabalho
através de métricas quantitativas similares as apresentadas a investidores em reunião empresariais.

Mas é neste sofrimento que nos vemos humanos novamente, viver é sofrer como dizem os budistas,
e da mesma forma como não conseguimos nos associar a robôs indolores, tendemos a nos
identificar com aqueles com os quais nos identificamos nas perdas, e dessas identificação surgem os
movimentos de oposição.

Felizmente hoje não somos mais filtrados por uma mídia capitalista, temos acesso a através das
novas tecnologias e das novas mídias a maneiras de socializar nossa dor, de nos encontrarmos como
humanos e erguermos bandeiras sociais, derrubando governos e iniciando primaveras. E da mesma
forma que o argumento neoliberalista nos faz escolher entre Marx e a livre servidão, as nova mídias
e movimentos nos fazem escolher entre a luta e o cárcere.

Talvez não houvesse momento mais oportuno para viver o que vivemos, talvez neste momento de
pandemias e incertezas, poderemos assistir de camarote o fim do insustentável sistema neoliberal
capitalista e o surgimento de um New Deal social, tornando correta a afirmação de Andrea
Fumagalli que errou apenas ao trocar a guerra pela doença em sua previsão:

...a primeira é um aumento na instabilidade geopolítica internacional (rumo a uma nova guerra
global?), especialmente a fim de definir um novo equilíbrio hierárquico econômico global, em que
os EUA perderão o controle unilateral das finanças e da tecnologia.

Essa mudança, já sentida anteriormente nas áreas da tecnologia, com o crescimento das tecnologias
livres e dos movimentos copy left que nos permitiram perceber que o conhecimento socializado é
discutindo em um grande bazar de ideias é mais valorado e sustentável que aquele tecido e
escondido por mestres artesões em suas grandes catedrais.

Estamos lidando agora com as mudanças nos eixos do poder, com uma transformação do
“comunismo do capital” no “comunismo do intelecto geral” com a capacidade de fazer emergir uma
nova sociedade contemporânea, que através das estruturas do “estar-comum” pode ofertar a nós a
verdadeira liberdade e igualdade pela qual a tanto tempo ansiamos.

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