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Luzes da Civilização Cristã

Parece um
conto de fadas
Uma pequena igreja da Itália, em contraste
com o prosaísmo e a feiura de tantos
prédios atuais — construídos conforme o
espírito revolucionário —, é mimosa com
distinção e solenidade, remetendo-nos
a uma atmosfera irreal e maravilhosa.

O ponto de vista sob o qual analiso e comento os


monumentos europeus é o de despertar o amor
a um tipo de maravilhoso existente na Europa,
elaborado pela civilização cristã, e que é, portanto, um
fruto do Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor
Jesus Cristo e das lágrimas de Nossa Senhora.

Maravilhoso sapiencial, de caráter religioso


Foi disto, do senso da cruz, da virtude, do sacrifício
que nasceu uma civilização que engendrou essas mara-
vilhas, as quais exprimem algo do espírito e da sabedoria
da Igreja. É esse maravilhoso sapiencial, de caráter reli-
gioso que consideraremos agora.
Temos aqui fotografias da Igreja dos Santos Nicolò e Ca-
taldo, na cidade de Lecce, na Itália, contendo vários ele-
mentos ornamentais explorados a diversos títulos, consti-
tuindo várias formas de beleza do panorama italiano.
O panorama italiano é peculiar, pois certas coisas que
são bonitas em qualquer parte do mundo, mas possuem
dessas belezas comuns e vulgares que vemos e passamos
Federfabbri (CC3.0)

adiante, na Itália existem de um modo especial, por onde


elas tomam uma beleza quase clássica, que forma um dos
maiores ornamentos desse país e um dos mais altos pon-
tos de atenção do gênero humano.

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Toobaz (CC3.0)
Igreja dos Santos Nicolò e Cataldo, Lecce, Itália

Por exemplo, quem já esteve na Itália compreende, mas lecimento cheirando a polenta ou a mortadela, de den-
para quem nunca a visitou não é tão fácil compreender a tro do qual se ouve um berro do patrão para a filha dele:
beleza dos muros velhos escalavrados, de pedras que du- “Angelina, eu já disse que me traga tal coisa para es-
ram séculos, com cicatrizes de todas as molecagens que se te freguês!” — com ares de Nero proclamando a queda
fizeram em cima delas, de todos os granizos que caíram de Roma, atrás do balcão como se fosse um trono, e com
sobre elas, e que conservam a dignidade de uma face en- aquela tendência declamatória pitoresca do italiano.
velhecida, rugosa, mas com ar de matrona régia. O filho do dono, por sua vez, é um homem que toca
Notem esse muro. Uma pessoa com espírito moderno guitarra e canta “O Sole mio...” De repente, atrás de um
e pragmático teria mandado passar massa e depois pintar arco desses ouve-se um gato miando...
a óleo, para ficar lisinho e bonitinho, porque esse tipo de Há dentro disso qualquer coisa de rústico, de elemen-
pessoas não entende senão o que seja lisinho e bonitinho. tar, de simples, de uma plebe sadia, vigorosa, que canta o
Vejam quantas cicatrizes há nessas pedras! Todas cheias Sol sem nenhuma espécie de artifício, e que constitui um
de poros, de sujeiras, de calosidades. Entretanto, isso ba- dos verdadeiros encantos da Itália.
tido pelo Sol da Itália dá uma ideia de eternidade, de uma É muito bonito esse contraste no velho urbanismo da
coisa que nada destrói. Essa trepadeira dá a impressão de Itália: ruazinhas completamente emaranhadas, sem calçada
algo com uma forma de vida endêmica que não há Sol que e dentro das quais entram motocicletas, vespas, lambretas e
acabe com ela, e segura com força o prédio, como quem automoveisinhos modernos. As pessoas se afastam, passa o
diz: “Eu viverei”. As próprias pedras, batidas pelo Sol, têm automóvel, elas protestam, berram... Uma viazinha estreita
qualquer coisa da boa natureza que resiste a tudo. Disso que, de repente, dá num laguinho inesperado.
desprende-se uma noção de perenidade. Segundo um urbanismo “hollywoodiano” o bonito se-
ria uma avenida muito larga, terminando num lago ainda
É preciso saber entender o pitoresco mais largo do que ela. E o transeunte, de longe, vai ven-
do a avenida por onde vai. Quando chega ao final, não
Pode-se imaginar em uma dessas ruelas uma pizzaria tem nada de novo. Boceja ao chegar ao lago, pois já o es-
onde se vende a famosa pizza napolitana, outro estabe- tava vendo à distância.

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Aspectos da cidade de Lecce, Itália

Luzes da Civilização Cristã

urbanforaging.nl (CC 3.0)


Anna Bonanza (CC3.0)

Na Itália, não. Tudo isso é pitoresco, e é preciso saber


entendê-lo. Do contrário, não se viajou pela Itália, não
se viu a Itália.
Vamos, agora, analisar a igreja. Quem a construiu pa-
rece ter tido a pretensão de edificá-la como se fosse uma
basílica. Ela é de proporções pequenas, mas toda sua fa-
chada é trabalhada com a distinção e com a solenidade
que caberiam a uma igreja grande. Poder-se-ia imaginar
uma imensa basílica construída com essa fachada; fica-
ria linda! Mas o artista soube dar a isso o tamanho redu-
zido, para ficar, ao mesmo tempo, digno e engraçadinho.
Temos, então, a beleza específica dessa fachada, na
Maria Grazia Schiapparelli (CC3.0)

qual distinguimos dois elementos: uma cúpula e depois


a fachada propriamente dita. Esta se compõe de uma li-
nha central, que é a linha grande, e de duas linhas colate-
rais que são acólitas da linha central, existem para ela. Se
analisarmos a linha central, notaremos ser relativamen-
te simples. Ela tem um porte bonito, harmonioso, muito
bem feito, uma proporção entre a altura e a largura mui-
to bem tomada, a proporção de altura entre as colunas e
o arco é muito bem tirada também.
A porta é trabalhada, mas sem excesso. Acima dela
encontramos uma longa parede vazia, onde o único ele-
mento decorativo é a rosácea que existe, provavelmente,
para conduzir luz ao coro dentro da igreja. Quer dizer,
tem uma finalidade prática.
O ornamento só aparece bem no alto. São formas, fi-
Maria Grazia Schiapparelli (CC3.0)

guras com o seguinte objetivo: a largura dessa parte cen-


tral, quando chega a certa altura se estreita um pouco.
Esta sucessão de larguras diferentes culmina num ponto
terminal leve, por onde acaba quase se fundindo no céu.
Tango7174 (CC3.0)
(CC3.0)
Scarlins

Scarlins (CC3.0)
Detalhes da Igreja dos Santos Nicolò
e Cataldo, Lecce, Itália

Por fim, nota-se toda uma ornamentação abundante


terminando o edifício, porque a parte mais nobre, mais
leve, mais etérea, deve estar junto do céu. As figuras le-
ves ficam colocadas perto do teto para dar ideia de algo
O sorriso da Arte que está subindo para o firmamento e ali se perde. To-
Ao lado desta parte central muito simples vemos du- das as construções antigas observavam essa norma, que
as partes colaterais bastante ornadas. Tudo é muito bem se perdeu depois por artifícios da Revolução.
construído: as duas partes se repetem e têm colunas com Considerando o conjunto do edifício temos um monu-
dois nichos nos quais se encontram imagens de Santos. mento muito bem feito, mimoso, mas com ares de pe-
Essas são colunas jônicas, todas caneladas, como o fus- queno rei. Mais ou menos como seria o Príncipe de Mô-
te em cima também, todo ele com as clássicas folhagens naco; é um rei em miniatura. Ninguém dá risada dele; ele
de acanto, e depois, em cima, uma trave. Cada uma des- é o “garnisé” no gênero dos reis. O garnisé é o sorriso de
sas partes poderia constituir um edifício autônomo, tão Deus a propósito do galo, que o mesmo Deus criou.
bonitas são. Entretanto, encaixam-se harmoniosamente Aqui é o sorriso da Arte a respeito de suas próprias
dentro do conjunto da igreja. grandezas. Ao invés de construir uma obra linda e gran-
Se abstrairmos a parte superior, veremos como o res- de, ela faz uma coisa pequena e igualmente linda, para
tante forma uma linha básica larga e sólida em relação ao poder sorrir a respeito de si mesma. O monumento, con-
que vem acima, que é mais leve em função do princípio de siderado deste ponto de vista e em contraste com o pro-
que o mais pesado carrega o mais leve e o mais forte sus- saico de outros prédios, parece um pouco um conto de
tenta o mais fraco. É o contrário do princípio existente em fadas, uma coisa um tanto irreal, maravilhosa.
determinados prédios modernos, nos quais uma superfície Temos, então, um dos ângulos bonitos da Europa sa-
pequena parece esmagada por uma massa de cimento so- grada.  v
breposta. Aqui não: o elemento com aparência de débil fi-
ca em cima e o componente pesado embaixo. (Extraído de conferência de 30/3/1967)

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