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PREFÁCIO
PROF, D R EOGARD COSTA OLIVEIRA
ftEAlIttÇOU
Impresso no Brasil, julho de 2010
Copyright © 2010 by Fundação Gilberto Freyre
Rua Dois Irmãos, 320 ■Apipucos •52071 440
Recife, PE, Brasil
www.fgf.org.br * fgf@fgf.org.br
Editor 1
Edson Manoel de Oliveira Filho
Gerente editorial
Bete Abreu
Revisão
Marina Kater-Calabró
Marcos Gimenes
Liliana Cruz
Diagramação e editoração
André Cavalcante Gimenez e Natália Nebó e Jambor /Estúdio É
Pré-impressão e impressão
Prol Editora Gráfica
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Prefácio do autor............................................................................................................. 23
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exercício da profissão não permitiu segurança aos seus usuários, o Estado é res
ponsável por mortes em que a tecnologia é a culpada? Ou é o Estado que mata
os usuários de rodovias, ou os usuários de cruzeiros aéreos, ou de estruturas mal
calculadas, ou da poluição industrial e ambiental? Só em São Paulo morrem 4 mil
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sília de Niemeyer e Lúcio Costa, como arquitetura estética, pois Brasília é uma
via toda a sua obra como uma autobiografia. Em entrevista à T V Cultura de São
Paulo, revelou que
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todo o legado volumoso deixado por Freyre, seus leitores ainda não conseguiram
* v • ' 14 V *1v. ♦ ’•
chegar até a sua última e contundente obra, aqui prefaciada. E necessário ter
muito tempo para ler Freyre. E entrando-se no tempo de Freyre, mergulha-se no
tempo do infinito do raciocínio lógico-poético e visual das coisas e de tudo o que
ele nos revela em suas obras.
Ao resumir em poucas linhas quem fot Gilberto Freyre e o que ele representa
na cultura brasileira, o próprio Freyre disse:
Como eu ia dizendo, eu não sou um eu só, eu sou vários eus, que coe
xistem uns em harmonia e outros brigando. Como eu posso dizer que eu
deixo de ser apolíneo e dionisíaco, onde eu deixo de ser revolucionário
para ser ordeiro? (...) Nós nunca somos donos absolutos de nós mesmos,
há vários donos que vieram antes de nós. (...) Toda teoria deve ser aceita
«ç*"
■
O que vem ocorrendo no Brasil, segundo estudos do Ipea (Radar - Tecnolo
gia, Produção e Comércio Exterior, de 2010, da Diretoria de Estudos e Políticas
Setoriais, Inovação, Produção e Infraestrutura), é que em 2015 teremos mais de
1 milhão de engenheiros diplomados no país se o PIB continuar crescendo em
patamares de 5% ao ano. Se crescer a 7%, teremos de adicionar mais meio mi
lhão de engenheiros à conta. Em 2008 esse número era de 750 mil profissionais
de engenharia. De cada_3,5 engenheiros formados, apenas um dedica-se às áre
as específicas da engenharia, e os demais vão ocupar outros postos profissionais.
Ações governamentais como a exploração do petróleo em regiões do Pré-Sal, o
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no Brasil por tais individuos, nos diferentes ramos de estudos superiores? Parece
que pouco* Pouquíssimo. Quase nada. Ao contrário: pretende-se que as universi
dades sejam santas casas de misericórdia, que diplomem tanto incapazes quanto
capazes .
Precisamos retomar o pensamento de Freyre, como em 1966 na UnB já se vi
nha fazendo com discussões acerca da pós-modernidade e da interdisciplinarida-
de. Vale relembrar que o pensamento de Freyre, por meio de um de seus maiores
estudiosos, Edson Nery da Fonseca, contribuiu para a formação da visão do curso
de Biblioteconomia da UnB, do qual foi seu fundador. Tarefa hoje que está sendo
retomada na mesma universidade, com a criação de grupos interdisciplinares que
trabalham com temas afetos às causas tecnossocioíógicas, a destacar o trabalho
feito no Observatório da América Latina para a Tecnologia Social, o Centro de
Desenvolvimento Sustentável, o Centro de Estudos Avançados Multidisciplina
res, dentre outras iniciativas de institutos que visam a integração de suas visões
por meio da pirâmide tecnologia, sociedade e indivíduo. Iniciativas como a cria
ção de cursos de pós-graduação que almejem tratar a causa dentro de uma pauta
emergencial e solucionadora, que busque formar o professor e o pesquisador com
a visão social da tecnologia. É o que vem fazendo a Faculdade de Tecnologia da
UnB, por meio de iniciativas como a série de encontros de Engenharia, Tecnolo-
gia e Sociedade, evento em que historicamente os cursos de engenharia da uni-
versidade se unem às humanidades e colocam-se ao dispor para pautar a questão
e formar massa crítica de graduação e pós-graduação de maneira transversal junto
dos demais departamentos da universidade, com a participação de professores,
estudantes e políticos das áreas humana e tecnológica. Lá são discutidos assuntos
como o papel da universidade em planejar, amenizar e conter o impacto negati
vo das tecnologias na sociedade e potencializar os impactos positivos desejados.
Considerando para tanto o universal, na visão de Freyre, sem deixar de privilegiar
o regional neste diálogo.
Devemos considerar também o destaque, na expansão universitária brasilei
ra, específicamente no caso da UnB, do programa de governo Reuni, que oferece
recursos para essa expansão social e inclusiva da universidade, e revelou que a uni
versidade vem intensificando sua capacidade de se inserir no universo social das
regiões periféricas de Brasília, visando aumentar os índices de desenvolvimento
técnica necessária para cumprir uma função social, com aporte industrial local
que permita o crescimento da atividade econômica regional, que aumente os ín
dices de escolaridade, que atraia incentivos fiscais, que forme massa crítica, que
aumente a autoestima de sua população e que leve a universidade aos seus alunos
potenciais, inseridos em um contexto potencialmente explícito.
No campus do Gama da Universidade de Brasília, Gilberto Freyre está vivo,
é falado, comentado, reescrito por quatrocentos alunos ao ano, em produção de
mais de 4 mil páginas de redações sobre a grande obra Homens, Engenharias e
Rumos Sociais, Para nós, o engenheiro de hoje deve ser formado sob a ótica das
ciências sociais como ferramenta crucial no entendimento e solução do resultado
do desenvolvimento de tecnologias e seus impactos na sociedade. Os engenheiros
devem ter a clara noção da importância do diálogo entre eles e a sociedade para
que a tecnologia seja representante da necessidade do homem local e regional.
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Não mais a tecnologia vista como uma vilã que yitimiza seus usuários, mas uma
tecnologia inclusiva e harmonizada com o contexto social em que está inserida.
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PREFACIO DO AUTOR
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dos primeiros fortes, para a defesa militar da Colônia, foi engenharia física. Qu'e^
obra de engenharia humana foi a adaptação de formas europeias de corpo humano
a redes ameríndias de dormimadmitidas dimensões antropológicas diferentes de
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um tipo de homem para outroVE também, no setor culinário, a substituição - tão
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estudo recente, pelo antropólogo tão sugestivo, através de pesquisa de campo, que
é Osvaldo Lamartine. (Veja-se o seu Os Açudes dos Sertões do Seridóf Natal, 1978.)
Engenharia física ecológica, essa, o mesmo podendo ser dito da utilização,
em área piauiense, de antigas cavernas como habitação humana, com adapta
ções por meio de tapumes. Utilizações de exemplos, dados até por animais, po
dem resultar em obras ecológicas de engenharia física, com repercussão social,
como o uso da água em represa para adubo, até chegar-se àquele pronuncia
mento antecipado, do padre Brito Guerra, no sertão nordestino - pronuncia
mento do século XVIII - recordado por Osvaldo Lamartine - de que “o pro
blema das secas estaria resolvido no dia em que as águas caídas das chuvas não
chegassem ao mar”. Engenharia física da melhor e da mais capaz de desdobrar-
se em engenharia humana e afirmar-se em ampla engenharia social. Tão ampla
que, completada pelas duas outras, pode ser a chave para interpretações das
realizações de um grupo humano dentro de determinado espaço e, em relação
4
com esse esforço, em tempo específico. Pois as realizações assim condicionadas
seriam, em grande parte, expressão de engenho humano através de engenharias
ecológicas: inclusive imitações de engenharias rústicas e até animais,
O que principalmente se sugere neste livro, desde as primeiras páginas do
seu prefácio, é que dependem de engenharias - de três, que se completam - quer
o desenvolvimento global do homem - ou de grupos humanos constituídos em
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sociedades, de que são exemplos as nacionais - quer a preservação, por essas so
ciedades, dos característicos de seus ambientes ou de suas ecologias, com as quais
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precisam de ajustar suas formas de vivência, de convivência e de desenvolvimen
to. Quer de desenvolvimento global, quer de desenvolvimentos específicos. jT
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As três engenharias: a física, a humana e a social. A física, a mais evidente.’
Ela se manifesta em quase todas as coisas técnicas, ou construções, a serviço es
sencial e imediato dos homens: casas, pontes, instrumentos de trabalho^veículos.
equipamentos: inclusive o culinário.íX)as relações técnicas ao mesmo tempo que
antropométricas, dos homens com tais coisas, cuida a engenharia humana, E das
inter-relações de ordem social entre homens uns com os outros e de métodos
com instituições de várias espécies dentro de uma sociedade humana, cuida a
engenharia social Todas consideradas nas suas sistemáticas e nos seus objetivos
definidos: definições recentes.
Vem sendo crescentemente particularizado o uso da palavra engenharia para
caracterizar especialidades restritas: engenharia médica, por exemplo. Engenharia
dos alimentos. Engenharia militar e engenharia naval são caracterizações já anti
gas de especialismos ligados a institucionalizações de técnicas de engenharia: da
engenharia física,
y / j JD e modo geral, entende-se por engenharia toda técnica de manipulação de -
coisas através de máquinas, por coisas podendo-se entender até partes ou órgãos
do corpo humano susceptíveis de ser controlados, mantidos em funcionamento
ou reajustados por meios mecânicosj Daí - em parte - uma engenharia que, in
titulada de humana, regule relações extramédicas e não apenas médicas, entre
homens e coisas. Homens e máquinas. Entre homens e veículos. Outros ainda,
_■
cPrefácio do autor - 25
por abrir esta perspectiva: a de ser o homem - ou a de serem os homens - muito
mais que coisas mecânica ou científica ou matematicamente manipuláveis. Isto,
dada a unicidade do homem quando de indivíduo biológico passa a ser pessoa: a
ser verdadeiramente homem. O que limita a aplicação ao comportamento huma
no de, até certo ponto, úteis abordagens, como moderníssimos aperfeiçoamentos
de técnicas quantitativas - as estatísticas, entre elas - racionalizações através de
computadores, psicologias behavioristas, endurecimentos de técnicas psicanalí-
ticas ou mesmo arque típicas (Jung). Quanto a reorientações de relações de ho
mens com ambientes podem, no que neles for manipulável, absorver não poucos
conhecimentos valiosos de recentes desenvolvimentos científicos. Isto sem que
deixem de ocorrer retificações a precipitadas utilizações desses conhecimentos
como o abuso de inseticidas, perturbador de equilíbrio ecológico.
A engenharia social lidando principalmente com estruturas mais do que com
funções - sem se fechar num estruturalismo sectário - preocupa-se mais com a
criação de novas formas e de novos estilos de convivência social do que com a
adaptação do comportamento de um grupo social a normas pré-fabricadas de con
vivência. Nas palavras do sociólogo Fairchild, uas in the case ofallform s o f engineer
ing, every social engineering project starts with a p r o b l e m O caso das obras do vale
do Tennessee. E completando sua definição: “Social Engineering differs from other
branches o f engineering in that the materiais with which it deais are human rather than
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inanimate and the forces which it utilizes are social forces>>.j(3 que se aplica de modo
especialíssimo à sociologia da habitação, da morada, da casa: projeção do homem
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são e a sua audição se relacionam com o trabalho que cada um realiza den
tro de um grupo social em diferentes situações ligadas a diferentes ocupações,
as quais, inter-relacionadas, constituem um conjunto de atividades ao mesmo
tempo individuais e sociais, susceptíveis de se desenvolverem num ritmo de
eficiência mais ou menos vantajoso ao grupo total, jítividades a que se junta o
tempo-repouso ou o tempo-lazer, tão do homem dentro de sua casa. Daí a im
portância de bancos ou cadeiras de trabalho - por exemplo - ou de repouso -
sofá ou rede doméstica - que correspondam às formas de um corpo, não de
um homem abstrato, mas, quanto possível, de um homem regionalmente di-
ferenciado, condicionado por um conjunto de predominância de ordem éti-
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Vrefâcio do autor
serviço não só de indústrias, fábricas, usinas, que constituam um conjunto tecno
lógico de importância econômica e dependem das condições de trabalho dos seus
técnicos e operários, como a serviço do próprio homem; do seu bem-estar físico e
psíquico e da sua saúde no moderno sentido de saúde; o bem-estar além de físico,
psíquico, social, ou socioeconômico e cultural
Os objetivos da engenharia humana não são novos - reconhecem os moder
nos campeões dessa nova espécie de engenharia, E o mesmo pode dizer-se dos ob
jetivos da engenharia social. São duas sistematizações modernas: moderníssimas
até. Mas duas sistematizações modernas de conhecimentos acerca de seres huma
nos e de grupos sociais, considerados em suas múltiplas relações de trabalho e de
vida, uns com os outros e todos com o ambiente físico e com condições ecológico-
sociais de vivência e de convivência, a que não têm faltado precursores.
Da engenharia física - nela incluída a arquitetura - sabemos que vem sendo
equivalente de mecanização. Há quem pense que o ritmo de mecanização do
trabalho humano planejado, orientado - por vezes dirigido - pelo engenheiro
físico se intensificou no período entre as duas grandes guerras: 1918-1939. É a
opinião do professor S. Giedion num livro que se tomou famoso e ao qual não
pode cdnservar-se alheio - acentue-se - nenhum engenheiro ou sociólogo mo-
derno: Mechanization Takes Command (Nova York, 1948). O professor S. Giedion
é autor, aliás, de outro livro essencial ao engenheiro moderno: Spuce, Time and
Architecture. Livros nos quais se considera a arquitetura da residência; seu equi-
\ pamento; o móvel doméstico; a cozinha. E aos quais, sob certos aspectos, já se
j haviam antecipado, sem seguirem qualquer modelo, porém inovando, no Brasil,
j os livros Casa-Grande & Senzala e Sobrados e Mucambos.
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Para Giedion, foi naquele período - entre duas Grandes Guerras e em parte
como repercussão de avanços por experiências militares em certas importantes
áreas de conhecimento —que a mecanização da cozinha se acentuou, embora a in
dústria de enlatamento mecânico de alimentos - obra de engenharia física - vies
se se desenvolvendo desde o começo do século XX, constituindo a matéria base
para uma especializada engenharia do alimento. Foi também o período da subs-
° j tituição, em grande parte, do teatro convencional pelo processo ótico-psíquico -
obra da engenharia física - de reprodução de imagens popularizado pelo cinema;
o período de mais intensa mecanização da música; o período de mais intensa
4
equipamento de origem inglesa adaptado por eles - por seus engenheiros físi
cos completados pelos humanos e sociais - a novas funções, tecidos para tra-
4
cPrefácio do autor - 29
*
começaram a aperceber-se de que a engenharia, para bem desempenhar suas
funções, precisava de corresponder a necessidades específicamente regionais -
condições de clima, predominâncias de tipos antropológicos, predominâncias de
heranças culturais já integradas em meios físicos - ao mesmo tempo que expri
mir-se em linguagem, ou através de formas, em grande parte, universais. É uma
conciliação, a do regional com o universal, que interessando o artista, o poeta, o
antropólogo, o sociólogo, o filósofo, interessa também o cientista, o engenheiro,
o urbanista, o arquiteto, o industrial, o administrador, o político. Todo o processo
de integração de atividades modernas, umas nas outras, é um processo de integra
ção de atividades regionais em atividades universais, com as universais não po
dendo desprezar as regionais. Nem as modernas podendo desprezar as arcaicas -
os arquétipos - por um lado, ou as pós-modernas, por outro lado.
Note-se que aqui se coloca a ênfase na síntese universal-regional. Mas sem
qualquer desprezo pela univeTsal-nacional. Se o conceito nacional de vida é so
ciologicamente não só recente - em termos de tempo histórico - como depen
dente do regional, por um lado, e do transnacional ou do supranacional, por
outro lado, não deixa de ser de importância máxima. Vivemos há já algum tempo
num mundo dividido em nações e equilibrado - equilíbrio sujeito a interrupções -
internacionalmente.
Uma obra autenticamente brasileira de arquitetura - qualquer das deixadas
por Henrique Mindlin, por exemplo - ou de engenharia hidráulica - a instalação,
segundo informação idônea, não de todo ortodoxa, na sua técnica de engenharia
física, de Paulo Afonso, antes modificada notavelmente por brasileirismos desen
volvidos pelo engenheiro Marcondes Ferraz, outro exemplo - não se opõe a quanto
existe de umversalmente consagrado em arquitetura monumental e em engenha
ria hidráulica pelo que, em qualquer delas, seja, ou tenha sido, deliberadamente
nacional, no sentido político ou mesmo cultural de nacional, mas pelo que nelas é
criação brasileira de arte, ou afirmação brasileira de técnica, em correspondência
com condições especificamente regionais - ou ecológicas ou telúricas - de vida,
de meio, de cultura, em divergência com o geralmente aceito ou seguido, noutras
áreas, ou noutras regiões, para obras do mesmo gênero e do mesmo porte.
Compreende-se que acentuando-se a tendência no sentido da valorização
do regional, dentro da combinação regional-universal, diminua a tendência no
Que sociólogo? Que psicólogo? Que educador? O resultado foi uma nova e fisi-
camente grandiosa cidade, mas na sua parte de engenharia humana e de enge
nharia social nem sequer adaptada brasileiramente à sua ecologia tropical: com
um excesso de vidros de excessiva imitação de uma engenharia física concebida
e desenvolvida pelo suíço Le Corbusier para a Europa central: para as condições
de luz, de atmosfera, de ar, de paisagem, de meio, de ambiente natural do centro,
durante grande parte de cada ano, brumoso, sombrio, muito mais boreal do. que
tropical, da Europa.
Mais: desprezara-se na construção de uma cidade nova, levantada com
imensas despesas para o futuro mais do que para o que se considerasse presente,
a consideração por novas perspectivas, nesse futuro, de relações entre homem e
tempo. De relações entre homem e trabalho a serem em parte substituídas pelas
relações entre homem e lazer. ••
portante. Não se reservaram de início áreas bastante amplas para recreação, para
esportes, para tempos desocupados.
cPrefácio do autor
Destaque-se, de passagem, que tais problemas tiveram no Brasil quem, des
de à década de 1930, começasse a considerá-los pioneiramente. Em livro brasi-
leiro, de cientista social, publicado em 1937, já se clamava contra desequilibrios
ecológicos e contra poluições de águas no nosso país. E o Instituto Joaquim
Nabuco de Pesquisas Sociais, órgão federal fundado no Recife em 1949, e hoje
incorporado à Fundação Joaquim Nabuco, não tardaria a realizar pesquisas de
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'Prefácio do autor - 33
a
INTRODUÇÃO
* f
O homem moderno, no singular, é um tipo mais que weberianamente ideal
no seu modo de ser confluente. Contém vários homens: é plural. Vários tipos de
homem social que, para se realizarem, precisam de ajustar as formas de vivência, O - f*1
Introdução - 35
didáticos ou pedagógicos, de jovens por vezes tão desnorteados nos seus cursos
de sociologia, de antropologia, de psicologia social, de história social, de biologia
social, com relação ao que, nesses estudos, possa - e deva - ser considerado apli
cável a situações brasileiras. Inclusive aquelas situações brasileiras que ora coinci
dem com as destacadas por S, Giedion, quer em Space, Time and Architecture, quer
em Mechanization Takes Command (NY, 1948)*
*
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Conquest, de Donald M. Michael (NY, 1961); e também The Next Generadon. The
Prospects A headfor the Youth o f Today and Tomorrow, do mesmo autor (NY, 1963).
Para o professor Michael, na engenharia física - a que se juntam a huma
na e a social - haveria atualmente uma tendência para considerar-se o homem
crescentemente susceptível de manipulação: para alguns, tão susceptível des
sa manipulação quanto outras partes de sistemas físicos e de sistemas sociais.
A favor do que, cita os modernos aperfeiçoamentos de tecnologia médica que -
como engenharia física e engenharia humana, com consequências extensivas à
engenharia social, acrescente-se a Michael —estariam associando os homens a
máquinas. Daí os transplantes mecânicos e a substituição de órgãos humanos
por objetos mecânicos. Daí os bebês de proveta. A prevenção da saúde dos
homens - inclusive o crescente uso de meios químicos no controle de eficiência
mental - já poderia ser considerada um sistema de manutenção mecânica ou
físico-química. Ou biomecânica.
Discutindo estas sugestões, não se deixe de registrar avanços das engenha
rias física e humana com relação ao homem, além de físico, mental. E esses avan
ços, com implicações no setor da engenharia social. Pois tais avanços alcançam
a relação do homem com o ambiente e com o tempo sociais, pois se juntam ao
Introdução - 37
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*4
homem e não a manipulá-lo - como foi o caso, com a melhor das intenções cris
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ment, de Babakar Sine (Paris, 1975), Se da genética - como expressão das três
engenharias - há quem admita que possa chegar a extremos de arrojos de mani
pulação do homem - da sua vida, da sua biologia, da sua hereditariedade - dificil
mente se concebe que esses arrojos venham a se tomar impunemente inumanos
ou anti-humanos. Seriam as três engenharias donas arbitrárias dos homens e não
os homens, senão senhores absolutos das engenharias, capazes de deterem o que
nelas venha por acaso tender a ser anti-humano. Impõe-se considerar, com Ro
bert L Heilbroner, no seu The Future as History que, diante do homem, está uthe
ultimate responsibility ofdefining our limits o f possibilité for ourselves”. Ao que poderia
ser limcontrolled and destructive” pode o homem opor - ou podem os homens -
»
líderes pela inteligência, figuras obsoletas? Os indícios são que não. Parece esca
par à genética o poder - uma forma biomecânica de engenharia física ou de en
genharia humana que se projetaria na social - de produzir gênios ou inteligências
Introdução * 39
f t
V
criativas que dispensassem aquelas que provêm de surpresas, e não tanto de cons
tantes hereditárias. Da Vincis. Beethovens. Shakespeares e Goethes, Cervantes e
Machados de Assis.
Em The Next Generatíon, o professor Donald M. Michael, ao considerar pers
pectivas para a mocidade de hoje e de amanhã, prevê, entre estudantes universi
tários, pré-elites que recebam especiais atenções na sua formação intelectual, por
serem supradotados. Isto porque tenderiam a ser crescentes, no mundo em desen
volvimento, as necessidades de “superior habilidade intelectual” capaz de lidar
\ T
'•¥ } com o que chama “burgeoning social and technical problems” e “techniques available
j for trying to deal with them”. Elitismo que - Michael prevê à página 98 daquele seu
sugestivo livro —suscitará oposições da parte de elementos democrático-igualitá
rios: uit will be politicalíy touchy indeed”. Ao lado disso, pode-se prever, segundo o
mesmo futurólogo, uma tendência nos Estados Unidos, no sentido de favorecer
se, para os jovens que não fossem de superior talento, meios despersonalizados,
isto é, mecânicos de ensino e de estudo: uma engenharia humana pedagógica ou
didaticamente adaptada à juventude menos talentosa, reconhecendo-se o direito
de a mais talentosa receber atenções personalizadas dos seus mestres mas facili-
tando-se - é a conclusão - aos menos talentosos tornarem-se, em grande número,
Ph.Ds. por aqueles meios despersonalizados e mecânicos. Conclusão que, a ser
exata, significaria uma conciliação de qualitativísmo com quantitativismo, com
a engenharia humana favorecendo, no caso, o quantitativismo. Mas reconhe
cendo-se que os próprios avanços nas três engenharias, como avanços de caráter
científico-tecnológico de três tipos, exigem, como dirigentes de suas aplicações ao
desenvolvimento humano, elites de superiores talentos.
Em 1977 realizou-se nos Estados Unidos um simpósio internacional sobre
“Mudança tecnológica no contexto dos valores sociais”. Já a Academia America
na de Artes e Ciências, de Boston - da qual Oscar Niemeyer e eu somos membros
brasileiros por consagração da mesma academia - promovera em 1976 um “pai
nel” em torno da relação tecnologia-valores, o qual se efetuou durante o encontro
anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência. Na reunião de 1976,
assinale-se que um dos participantes mais ilustres, o professor Benjamin Pierce,
de Harvard, investiu contra o quantitativismo representado pelo empenho entre
tecnologistas estadunidenses, a favor do desenvolvimento de complexos sistemas
I
gens quantitativas que lhe comuniqueTjDaí a necessidade de tais valores serem
sociologicamente considerados em vez da introdução de vantagens tecnológicas
e econômicas quantitativas serem introduzidas sem mais aquela/ Exemplo dos
conflitos que podem ocorrer —comente-se —entre engenhariájískaj)de um lado,
e engenhariajauniana-e-social, do outro. -Ci-uu-p'' '¿ C uò
Introdução
I
nharia física com a humana e com a social: a social sendo a mais apta a desempe
I
s nhar, nesses embates, um papel conciliador ou harmonizador de contrários ou de
^diferenças. Pois se o mundo, quer na sua parte tecnologicamente desenvolvida,
ç • quer naquela em desenvolvimento, depende de apoios da engenharia física, à
^ f engenharia humana e à engenharia social cabe a importantíssima tarefa de res-
¿V^rrc.- ^ guardar valores humanos - universais, locais, regionais, pessoais, mas sempre
qualitativos - contra avanços puramente quantitativos de tecnologias acompa
nhadas de economias quantitativas. Tecnologias e economias capazes de afetar,
em áreas que invadam, com suas forças quantitativamente progressistas, a quali-
• •
dade de vida de populações.
Compreende-se assim que em dias recentes, no Brasil, o ministro Golbery
do Couto e Silva - especialista numa ciência, a geopolítica, que, partindo da
engenharia física, ao considerar a situação física de um sistema nacional, defron
ta-se com possíveis consequências políticas e, consequentemente, sociais, des
sa situação - tenha lamentado que ao notável desenvolvimento econômico -
\ a?
Wm
\engenharia física - do Brasil, nos últimos anos, não tenham correspondido de
senvolvimentos, segundo ele, políticos e sociais. Deficiência de engenharia social g
• « I
I num desenvolvimento nacional global. I
Explica-se igualmente por essa deficiência que, ao considerar, com o presiden I
I1*
te Ernesto Geisel, no começo de 1978, o problema da autocolonização da Ama 1
fa §
zônia brasileira, ilustre cientista brasileiro ligado a esse empreendimento tenha 1€;
apontado falhas nada desprezíveis de sua sistemática. Falhas que, interpretadas t
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em termos de engenharia, poderiam ser consideradas por uma engenharia social
t
que não estivesse acompanhando e, em alguns pontos, orientando a apenas física. \
I
Esta representada magnificamente - pode-se talvez destacar - pela construção de <
1
1
uma estrada Transamazónica que honra decerto a moderna tecnologia brasileira. i
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I 0
•-
v
Mas que por si só não resolve, com outros arrojos tecnológicos, na Amazônia
brasileira como noutras áreas, necessidades regionais ou nacionais que reclamam
cuidados inteligentemente situacionais das duas outras engenharias: a humana e
a social. Evidentemente, vem se repetindo na Amazônia e noutras áreas o erro
enorme cometido na admirável criação apenas tecnológica ou estética de Brasília
sob o governo corajosamente empreendedor de Juscelino Kubitschek: a ausência,
nesse empreendimento, do engenheiro humano e do engenheiro social. Que cien
tistas, artistas, pensadores brasileiros teriam representado, como engenheiros so
ciais de várias espécies, essas duas engenharias, junto aos construtores principais
de Brasília que foram exclusivamente dois e iros físicos, como tal dignos das
maiores admirações: Lúcio Costa e Oscar Niemeyer? Esses engenheiros sociais,
ausentes na construção de Brasília como cidade a projetar-se sobre o futuro e a
constituir-se numa adaptação de europeísmos tecnológicos ao trópico brasileiro -
a uma ecologia específica - teriam sido ecólogos, geógrafos, antropólogos, sociólo
gos, psicólogos, artistas plásticos, educadores, pensadores. Que engenheiro social
dessa espécie foi convocado para participar de obra tão complexa de engenharia
total como Brasília? Creio que, em tempo justo, nenhum. Pois o convite que, em
termos extremamente honrosos, recebi do então presidente Kubitschek para opi
nar sobre Brasília ocorreu quando a obra arbitrariamente exclusiva de engenharia
física - a estética incluída - já estava adiantada. Mesmo assim, opinei. Lembro-
me de que os reparos que apresentei impressionaram meu amigo Oscar Niemeyer,
a quem os apresentei antes de comunicá-los ao então presidente da República
que, notoriamente democrata-liberal em vários particulares, com relação a Brasí
lia não hesitara em constituir-se numa espécie de faraó caboclo, de todo arbitrário
e de todo autoritário. O arquiteto Oscar Niemeyer considerou adequados, se não #
todos, vários dos meus reparos críticos: quanto à falta de espaços para fins de lazer, J
recreação, comícios políticos, reuniões religiosas ou artísticas, educativas, popula-
res, por exemplo. Mas lembrou-me: podem ser adotadas depois da construção. Ele
N
arquitetura de Brasília, encantou esse quase perfeito engenheiro social nas suas
concepções de estética ligada ao bem-estar humano. Ao encanto pela casa e, pe
los seus arredores - deteve-se diante de um jenipapeiro quase religiosamente: era
o primeiro que via, sabedor do valor cultural dessa árvore brasileiríssima para o in
dígena do Brasil - juntou-se, em Aldous Huxley, a simpatia pelos móveis também
antigos e também ecológicos, além de tradicionais. Móveis que comentou: “estes,
sim, são funcionais”. Uma classificação, a sua, no caso de velhos jacarandás de
cujos modelos ou de cujas inspirações, tanto se afastariam os móveis modernistas
de Brasília, evidentemente irônica.
À margem deste comentário recorde-se que meu por mim sempre admirado
amigo Oscar Niemeyer, antes de seus dias heroicos de construtor de Brasília, ou já
durante eles, em visitas à mesma casa de Apipucos na qual Aldous Huxley como
que refugiou-se do desencanto sofrido em Brasília, nunca deixara de considerá-la
ideal para o ambiente* Ecológica, portanto. Reparo que diante do rumo a meu
ver antiecológico da arquitetura de Brasília me pareceria contraditório. Impres
são que eu viria a retificar ao ver, admirado e contente, a casa que Niemeyer
levantara para a sua residência em Brasília: uma casa de íeitio inspirado no das
casas-grandes de fazenda do Sul do Brasil, parentas das de engenhos patriarcais
do Nordeste. Que poderia eu desejar de mais agradável ao ecologismo, ao tradi-
cíonalismo, ao brasileirismo, susceptíveis de serem conciliados com modernismos,
por mim, desde jovem, seguidos como uma espécie de ciência filosófica brasileira
à base de uma possível conciliação das três engenharias a serviço de um também
possível desenvolvimento brasileiro harmonizado com os meios ambientes: o tro
pical e o quase-tropicalque caracterizam a situação biofísica do Brasil, impossível
de deixar de ser considerada por uma ciência social que, através de suas várias es
pecializações, concentre suas atenções num estudo científica e humanisticamente
social do brasileiro como um homem situado: situado num espaço e situado num
tempo capazes de influir sobre ele. De condicionar seu comportamento. De ins-
■
pirar seus projetos para possíveis futuros. De animar nele opções por valores que
constituam um conjunto ideal, ou já existencial, de valores que formem uma, para
ele, qualidade de vida. Uma qualidade de vida a ser resguardada de progressos
tecnológicos, econômicos e mesmo políticos.
Em abrangente, por interdisciplinar, ensaio, “Reflections on Democracy,
Science and Câncer”, inserido no número de fevereiro de 1977 do Bulletin ofth e
American Academy o f Arts and Sciences, de Boston, o professor Salvador Luria,
biólogo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e diretor do seu Centro de
Pesquisa sobre Câncer, aborda aspectos de uma inter-relação que se relaciona
com aspectos importantes do que se considere, para uma sociedade, “qualidade de
vida”. Entre esses aspectos, o que se refere a prioridades ligadas ao aperfeiçoamen
to dessa qualidade de vida. Para o biólogo Salvador Luria - neste ponto de acordo
com Karl Popper - o chamado progresso da ciência é para ser considerado um
meio da espécie humana adaptar-se ao ambiente. O que, sendo certo, faria desse
processo de adaptação ao ambiente um objetivo tanto científico (inclusive tecno
lógico) como social (inclusive democraticamente social), com o social, em termos
de definição de qualidade de vida, devendo - vá a palavra subjetiva - orientar o
científico ou tecnológico. Não é, decerto, demagogicamente, que o biólogo Luria
«•
Introdução - 45
I
\
1: eficiente sem que à eficiência corresponda uma justificativa ética. Uma justifi
cativa que pudesse ser definida como qualitativamente ética em confronto com
uma eficiência tecnológica vantajosa quantitativamente. Daí, para o biólogo Lu-
ria, a necessidade de cientistas e tecnologistas promoverem discussões em torno
de objetivos e limitações das suas ciências ou das suas tecnologias: as limitações
sendo as de caráter ético. Pelo que lhe parece essencial que cientistas e intelectu
ais influam ativamente sobre sociedades democráticas no sentido - é evidente -
de um relacionamento de ciência ou tecnologia com valores, em que - também
é evidente - vantagens qualitativas de eficiência em vários setores - não só no
militar como noutros, industriais - não prevaleçam arbitrariamente sobre valores
qualitativos.
É um critério, esse, que se aplica a problemas, tão vivos no Brasil de hoje,
de descontroles da engenharia física a serviço de avanços industriais ou impetu
osamente industrializantes da economia brasileira, através de meios, por vezes,
inumanamente tecnológicos. Descontroles que vêm importando em graves dese
quilíbrios ecológicos. Em graves poluições de ambientes. Pelo que, talvez não seja
tão anticultural que o Brasil desenvolva ou aperfeiçoe uma ecológica economia
agrária - como a que vem produzindo soja, para consumo doméstico e para expor
tação - em vez de fixar-se numa absorvente mística de progresso pan-industrial e,
consequentemente, por vezes descontroladamente tecnológico. Soja, cajueiro -
produtor de uma farinha de castanha na qual nações como a União Soviética
parece que começam a vislumbrar possível substituto do trigo para a alimentação,
em larga escala de ainda, na União Soviética e noutras áreas, vastas populações
rurais - café, açúcar, sucos de frutas, frutas em várias condições de ser exportadas -
frescas e secas ou em calda, enlatadas, carnes, couros, talvez constituam, como
valores agrários e pastoris, apoio ao desenvolvimento, no Brasil, de uma agricul
tura e uma pecuária capazes de fazerem do nosso país uma fonte de suprimento
de alimentos para grande parte do mundo. Isto sem que se abandone a industria
lização da economia brasileira, através, inclusive, daquelas tecnologias adaptadas
à situação ou à ecologia tropical do Brasil, que modernos cientistas e tecnolo
gistas brasileiros vêm vantajosamente desenvolvendo, no setor privado, depois
de outros, dentre eles, terem conseguido pequenos mas significativos triunfos,
no setor público: Saturnino de Brito, na engenharia sanitária (física, humana e t
• -«
social), Marcondes Ferraz, na engenharia hidráulica, através de brasileirismos na
solução de problemas suscitados pelo aproveitamento da energia de Paulo Afonso
(também simultaneamente engenharia física, humana e social), vários arquitetos
como Henrique Mindlin e Lúcio Costa na modernização, em edifícios de alto pon
te, de tradições arquitetônicas em vigor, há anos, no Brasil, como constantes de-
senvolvidas e aperfeiçoadas por anônimos. Folk structures, da classificação geral de
Frank Lloyd Wright desse tipo de que se pode chamar engenharia (física, humana,
social) sob a forma de arquitetura. À base do que pode-se falar em engenharias
anônimas, no Brasil, desde velhos dias, que cabem dentro da classificação de folk
structures. E que seriam evidências de uma nada insignificante criatividade, como
engenheiro anônimo, por vezes, telúrico e, dentro de telúrico, ecológico, do brasi
leiro. Do brasileiro homem apenas intuitivo: sem saberes específicos.
Uma intuição, a desse brasileiro, que desde os mesmos velhos dias - desde os
já brasileiros bandeirantes pré-nacionais - vem contribuindo, junto com brasilei
ros de elite como José Bonifácio, como o compositor José Maurício, como os in
confidentes mineiros e os revolucionários pernambucanos de 1817, como o bispo
I
Azeredo Coutinho, como Caxias, como Osório, como dom Pedro II, como José
de Alencar, como Castro Alves, como Teixeira de Freitas, como Joaquim Nabuco,
como Rui Barbosa, como Rio Branco, como Santos Dumont, como Euclides da
Cunha - dentre vários outros - para a consolidação de uma concepção brasileira
de “qualidade de vida”. Concepção que parece vir tendendo a incluir valorizações
éticas, envolvidas ou não em inspirações religiosas, como superiores a valoriza
ções de sucesso seja-lá-como-for; ou de triunfos apenas econômicos; ou somente
políticos. Para Max Weber valorizações éticas, quando de inspiração religiosa,
teriam sofrido, no Ocidente, o impacto de valorizações científicas e tecnológicas,
que teriam dessacralizado as éticas de inspiração religiosa. Sob esse impacto vi
riam se verificando no Homem ocidental vazios que o esvaziado viria procurando
preencher com substitutos utilitários.
Pode-se admitir a projeção desse processo de substituição no Homem brasi
leiro, embora não total, dado que o homem brasileiro não é um ocidental perfeito.
Ao contrário: grandemente imperfeito. Talvez se possa dizer: felizmente imper
feito. Isto devido à presença nele destes três ainda, no Brasil, atuantes resíduos
mágicos: o ameríndio, o negro de origem africana e o conservado pelo analfabeto.
Introdução
Três resíduos de algum modo presentes na concepção brasileira de qualidade de
vida e que têm valido, ao homem brasileiro - místico, mágico e irracional, em
várias de suas atitudes, adepto do jogo do bicho, tanto quanto de um catolicismo
popular à revelia de pressões sobre ele de diversos bispos e uns tantos padres ra
cionais e racionalizantes, e também de um umbandismo sincrético - atitudes de
resistência a excessos de ativismo entusiástico, em respostas a desafios tecnológi
co-industriais de efeitos desnacionalizantes e em termos quantitativos. De onde o
paradoxo, no Brasil atual, da presença de um catolicismo oficial crescentemente
dessacralizado e, como tal, em decréscimo de prestígio popular e de uma cultura,
nos seus aspectos mais populares e, como populares, mais brasileira, ainda com
seus vários resíduos se não de todo sacros, mágicos. Cultura popular que não vem
deixando de projetar-se sobre a de elite: fenômeno tão difícil de ser apreendido
por simplistas Ph.Ds., made in USA.
Aliás, são Ph.Ds. intocados por observações de sociólogos magistrais do seu
país como o professor Daniel Bell que ainda há poucos anos, em comunicação
a simpósio, nos Estados Unidos, sobre o futuro da família como instituição so
cial (veja-se, sobre o assunto, a revista Daedalus, de Boston, no seu número de
primavera de 1977), salientava virem correspondendo a crescentes secularizações
de instituições religiosas nos mesmos Estados Unidos, surtos, entre massas, surtos
extraordinários de entusiasmos sacros. Como precedentes de surtos atuais, o soció
logo de Harvard lembra, dentro de uma cultura anglo-saxônica já secularizada sob
impactos científicos e tecnológicos, revivais metodistas nos Estados Unidos e na
própria Inglaterra e cientificizada pelo darwinismo, o surto católico, antimodernis
ta, que se seguiu à conversão de Newman, e, na Europa continental, o existencia-
'
Aliás, para o professor Bell - quem, nos últimos decênios, mais pensador so-
ciai, além de cientista do que esse Bell, de quem a revista Diálogo, no seu número 2,
vol. II, 1978, acaba de publicar, traduzido do inglês, o oportuno ensaio futuro-
lógico “O Advento da Sociedade Pós-Industrial” e, ao lado dele, outro pronun-
• • •
Introdução
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Reação a cientificismos absorventes enquanto evidentemente é da natureza
.ti do homem - ou dos homens - serem atraídos por mistérios. O que parece ser
b exato do homem brasileiro.
A engenharia social que seja aplicada a situações brasileiras não pode ignorar
L o que, na cultura mais característica do homem brasileiro, no seu comportamen-
t
«(
Al metarracional. Do poético.
i- A biografia coletiva que vier a ser escrita do brasileiro revelará nele contradi
t*
ções. Inclusive sua capacidade de desenvolver tecnologias adaptadas à sua ecolo
gia: uma capacidade científica. Prática. Mas também o contrário: sua tendência a
repudiar o apenas matematicamente científico em política, em administração, em
economia. Paradoxaimente: nas próprias ciências. Nas próprias ciências sociais.
A Aldous Huxley o Brasil que conheceu quando convidado a visitar Bra
sília e do qual, antes dessa visita, procurou informar-se lendo em inglês tradu
ções de escritores brasileiros - um deles, Machado de Assis, o outro, o autor
de Casa-G rande & Senzala (em inglês, The Masters and the Slaves) - pareceu
"improvável”. Foi o que disse em Apipucos. Improvável - é a interpretação
que se impõe - por não ser lógico como sistema de vida. Por não ser racional o
seu desenvolvimento. Por ser o brasileiro contraditório no seu comportamento.
Mas mesmo assim admite que criativo. Que funcional. Que presente no mundo
moderno como nação e como cultura de modo algum desprezíveis. Não por
Brasília: que o desencantou. Nem pela Bahia: onde não teve quem o iniciasse
em coisas baianas. Mas pelo que viu em São Paulo e em Pernambuco, orientado,
em Pernambuco, por aquele de quem lhe dissera em Londres o irmão Julián:
não deixe de conversar com ele. E com quem de fato dialogou longamente.
A quem disse que de Casa-Grande & Senzala era preciso que se fizesse um filme
épico: uma síntese das contradições que, segundo ele, formavam efetivamente
o Brasil. Elite e massa completando-se com seus contrastes. Pediu-me que su
gerisse o que ver em Portugal em ligação com o Brasil. Lembro-me que sugeri
Coimbra, a Feira da Ladra, um vilarejo do Minho, outro do extremo sul. la
deparar com uma gente também contraditória: mais prática que a espanhola
porém também, contraditoriamente, mais lírica. Poderia lhe ter dito, em termos
inais sociológicos, que assim contraditório o português colonizador do Brasil
está fazendo hoje em países menos '‘improváveis” que o Brasil, no seu modo de
funcionarem, como a Alemanha Ocidental, a Rússia soviética, a Grã-Bretanha,
os Estados Unidos, a Holanda, com relação a novos tipos de pequenas cidades
na União Soviética, as chamadas agrovilas, nas quais consideráveis espaços são
dedicados a fins recreativos, lúdicos, esportivos, desínteressadamente culturais,
na previsão do aumento de tempo-lazer e da diminuição de tempo-trabalho,
em alguns desses países tecnicamente mais adiantados; e, por conseguinte, mais
atingidos pelos efeitos de uma crescente automação. Em algumas das novas
pequenas cidades da Grã-Bretanha, nos espaços dedicados a esportes e a outras
recreações, considera-se a possibilidade de encontros internacionais numa fre
quência maior do que a atual.
Precisamente este foi um dos pontos em que Brasília, por falta de enge
nharia social e da engenharia humana, ao lado da física, na sua construção,
deixou de corresponder ao que se esperava dela como cidade projetada sobre
o futura seus arquitetos, alheios ao que há de mais elementar em matéria de
engenharia social, descuidaram-se de lançar pontes entre um tempo-trabalho
provavelmente a ser reduzido consideravelmente pela automação - mesmo
numa cidade predominantemente burocrática - e o tempo-lazer: o crescente
tempo-lazer. Sobre o assunto escrevi na época um artigo na conhecida revista
de Nova York, The Repórter, que me valeu a solidariedade de alguns dos mais
competentes especialistas em engenharia social de várias partes do mundo, em
bora no Brasil me custasse ataques de adeptos mais estreitos, ou absolutos, do
notável empreendimento de engenharia física sob a forma de arquitetura es
cultural: notável sob esse aspecto mais deficiente nos de engenharia humana
i,
• Jt
JIntrodução - 53
e de engenharia social. Um deles insinuou que eu não criticava Brasília senão por
despeito contra o ilustre presidente da República, responsável pela sua constru-
ção, que não me dera a embaixada em Londres, por mim sequiosamente - insi
nuava o apologista absoluto de Brasília - cobiçada. Assim se repudiava, então, no
Brasil, a crítica dos independentes a iniciativas ou realizações oficiais, por mais
honesta que fosse essa crítica nos seus objetivos e nos seus métodos.
As relações entre tempo-trabalho e tempo-lazer, entre os espaços que uma
comunidade moderna precise reservar à recreação, ao esporte, à música, ao te
atro, ao lado dos espaços que precisem de ser dedicados ao trabalho constituem
um dos principais objetos de estudo das três engenharias. É problema dos mais
importantes dentre os que a engenharia social atualmente enfrenta. Desprezá-
lo em qualquer esforço moderno de construção de caráter ou de projeção social
é desprezar-se alguma coisa de essencial ao futuro humano menos remoto do
que alguns imaginam: aquele em que o tempo-lazer será mais importante que o
tempo-trabalho. Na Grã-Bretanha o problema vem sendo enfrentado tanto por
engenheiros físicos como por engenheiros sociais; e de modo em que se concilia
o universal como o regional; o uso da máquina com a preservação da saúde e da
inteligência humana naquelas áreas em que a máquina pode prejudicá-las, em
vez de beneficiá-las.
O que acontece com todo desenvolvimento tecnológico-económico de
sordenado: sem o controle daqueles dirigentes nacionais que considerem pro
blemas de bem-estar humano, inclusive o daquelas saudáveis relações do
homem com o seu ambiente, com a natureza, com a experiência histórica re-
presentada por um passado utilizável que representem equilíbrio ecológico no
seu sentido mais amplo. Equilíbrio que não pode deixar de repelir quanto seja
progresso que traga a poluição do ar, dos solos, das águas de regiões, em par-
ticular, e do universo - ameaçado todo ele por essa degradação de equilíbrios
regionais - em geral. Uma luta se trava entre essa espécie de progresso des
controlado e ecologia. Entre preocupações exclusivas com o que é apenas
possibilidade de progresso material em futuros humanos e a necessária arti-
*
Introdução
reclamada pelos atuais reajustamentos brasileiros de caráter também pansocial,
atue, em alguns casos, como que cirurgicamente. Recuperando valores ou caracte
rísticos perdidos. Destaque-se o caso de Brasília que, como cidade nova, não deve
ria ter sido considerada nunca um puro problema de arquitetura ou sequer de ur
banismo, mas de ecologia social a mais ampla. De ecologia tropical De engenharia
social. E também de engenharia humana, atenta à relação biofísica entre o homem
••
quisa o mais possível de equipe que incluam cientistas sociais de várias especiali
dades, nas suas técnicas de aplicação de teorias flexivelmente gerais a situações
concretas, através de equipes também constituídas por cientistas sociais de várias
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especialidades; e através de técnicas de persuasão do público e de educação e de
reeducação de grupos, quer de adultos, quer de jovens, quer de letrados, quer de
analfabetos, desenvolvidas por psicólogos sociais e por educadores de formação
I
sociológica.
Dizendo o que não se pretende sugerir a tecnocratização, no Brasil, dos co
mandos das atividades nacionais. De modo algum. São comandos que, importan
do em decisões políticas, cabem aos políticos. Políticos dos quais se esperam que
sejam generalistas idôneos, aos quais não falte nunca o contato com orientações e
esclarecimentos que lhes venham das três engenharias: assunto pelo autor já abor
dado no livro Oh de C asa! e aqui várias vezes considerado com maior amplitude.
Constituem decerto as três engenharias, não tecnologias autossuficientes porém
também, além de artes criativas, uma nova espécie de filosofia que podendo ser de
desenvolvimento não deixe de ser de integração. Desse modo atenderia ao que na
operação social que se distinga como desenvolvimento, seja aquela dinâmica do
conceito de Pitt em The Social Dynamics o f Development - já citado - sem deixar
de atender ao que Ignacy Sachs, em Pour une Economie Politique du Développement
(Paris, 1976), considera válido no chamado ecodesenvolvimento. Isto é - pode-
se interpretar seu pensamento - aquela necessidade de atenderem-se solicitações
ou condicionamentos ecológicos ou situações, em vez de um desenvolvimento de
todo importado ou uniformizador como, no caso de sua aplicação à arquitetura,
o que houve, no Brasil, de demasiada imitação das formas supradesenvolvidas de
construção lecorbusierianas, sem sua adaptação à ecologia e à situação brasileiras.
A situações atuais e a prováveis futuros.
Vejam-se, sobre o assunto, Frederick Polak, The Image o f the Future, San
Francisco, 1973; Alvin Toffler, Future Shock, NY, 1970, e The Futurists, NY, 1972;
W. FI. G. Armytage, Yesterday's Tomorrows, Toronto, 1968; Jacques Maisonrouge,
“La Telematique”, Revue des Deux Mondes, Paris, outubro, 1968; Mário Flenrique
Simonsen, Brasil 2001, Rio, 1969; Flerman Kahn e Anthony Wiener, O Ano 2000
(tr.), São Paulo, 1968,
Talvez a figura histórica que mais deve ser elevada a patrono dos modernos
engenheiros, além de físicos, humanos e sociais na sua engenharia criativa, seja
Leonardo da Vinci. Embora Kurt W. Marek, no seu Yestermorroiv (NY, 1961), con
sidere Da Vinci antes um utópico do que um precursor da tecnologia moderna,
sua carta a Ludovico il Moro: carta em que enumera suas aptidões, entre as
quais, construções de ponte portáteis; destruição de qualquer tipo de fortaleza,
das então conhecidas; construção de tipos especiais de navio; construção de qual
quer tipo de edifício; escultura em mármore ou bronze; pintura. Engenharia fí
sica, decerto. Mas exigindo, cada uma dessas invenções, adaptação ao homem
(engenharia humana) e adaptação social ou aos interesses da comunidade ou da
sociedade (engenharia social). Correlação que bem poderia ter sido mais abran
gentemente considerada na recente (1978) obra coletiva, organizada por Máxime
Haubert e publicada em Paris, Tzers Monde. Utopies et Prospects de Société.
Não nos esqueçamos, a propósito de engenharia social, tanto quan-j
to da humana, da crescente importância da chamada engenharia dos alimen
tos. Crescente importância em face da progressiva industrialização de alimen-V
tos, quer de origem animal, quer de origem vegetal, uns e outros perecíveis, /
E sendo perecíveis, reclamam controles que a tecnologia ou a engenharia especia- \
lizada pode oferecer, em defesa da saúde humana.
Outras engenharias especializadas dentro quer da categoria das humanas,
quer das sociais, podem exercer controles de todo necessários sobre produções e
industrializações. Por exemplo: sobre a produção de máquinas de transporte. Ou
sobre a indústria de trajo ou a de calçado. Ou, ainda, sobre a produção de móveis.
São todas produções em que o produtor industrial precisa de atender a relações
entre tipos antropológicos dos consumidores a quem se destinam seus produtos e
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Introdução - 59
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possibilidades de alterações de climas: seria uma realização de engenharia física
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n e c e s s it a d a de ser complementada pela engenharia humana e pela social — de
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mana é a que cuida das relações entre o homem e as tecnologias modificadoras cy
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e por conseguinte praticam ente inquebrável; e que passam facilm ente por onde
outros atolam ou derrapam.
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cos. Aos Brasis - às suas estradas mais tropicalmente ásperas - talvez o sejam; aos
brasileiros é possível que ainda não sejam, resultando daí deformações de corpo,
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crescente instabilidade do homem moderno. É um homem, o moderno, a quem
falta a segurança que lhe davam os mitos antigos - a palavra “m itos” não é
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Stanford em 1947.
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Por que esse crescente número de engenheiros naquele país? Porque a cien-). /' /
tificização das indústrias o vem exigindo. Para que se verificasse a expansão das> ^
indústrias, foi necessário que se processasse um extraordinário desenvolvimento
de laboratórios de pesquisa, juntando-se assim à figura do engenheiro prático a do.
\
C
engenheiro pesquisador. E foi com a pesquisa científica em torno dos problemas
de indústrias particulares e de obras públicas, dependentes, para a sua solução, da
técnica e da administração de engenheiros, que a figura do engenheiro humano
começou a emergir com o seu moderno contorno. Foi também com a pesquisa
é
científica assim sistematizada e prestigiada peias grandes indústrias e pelos go
vernos, que começou a desenvolver-se a preocupação de industriais, de homens
de governo e de engenheiros com problemas tanto de engenharia social como
de engenharia humana. Inclusive com este nada insignificante problema: o das
relações de uma sociedade moderna - particularmente do Estado - com seus pes
quisadores científicos; e entre estes, os engenheiros pesquisadores.
São pesquisadores dos quais a mesma sociedade e o mesmo Estado podem
esperar contribuições valiosas para o desenvolvimento do bem -estar nacional,
em particular, e humano, em geral, e aos quais devem conceder condições tais
de trabalho que os resguardem de cuidados mesquinhos de m anutenção de
família, perm itindo-lhes uma atividade pesquisadora livre desses cuidados e li
vre também de excessiva disciplina burocrática. Q ue o pesquisador científico a
serviço do Estado não pode ser tratado como um burocrata qualquer é o que
* *
te particular é o de sujeitar-se o pesquisador científico a serviço do Estado - como
típico intelectual: figura considerada em livro de autor brasileiro - A lém do A p e
nas M oderno, aparecido no Rio de Janeiro em 1973, em Madri, em 1977 - ao cri
tério de promoção por antiguidade e por capacidade administrativa, válido para
outros servidores públicos; mas que no caso do pesquisador científico - inclusive
o engenheiro pesquisador - deve subordinar-se a outro critério: o da com petência
técnica. “Scientists require other kinds o fsp ecia l treatment which are not customarily
granted Governm ent employees under the Civil Service rules but which are necessary
fo r good scientific work'\ escreve ele à página 176 do seu Science and the Social
Order. Mais: o Estado deve conceder a tais servidores uleaves o f absen ce... to take
further university or other scientific t r a i n i n g O que nos leva a tocar de passagem
em assunto pungente: o de estar se tornando a universidade centro não só de
iniciação de jovens em saberes, mas de atualização desses saberes por pessoas de
gerações já do tipo sênior. Problema que pede a atenção do próprio Estado em
suas relações com a educação e com a cultura, com a ciência e com a tecnologia,
Não se trata de atribuir ao Estado a função de dirigir a cultura ou a ciência
em tudo o que diz respeito à pesquisa científica: ao seu aperfeiçoamento e à sua
I
r w w c vi C— : -
governo - interesse que se tom a por vezesf quando estreitam ente interpretado -
preconceito - sobre o pesquisador científico, este procura fugir ao serviço do Es
tado, quando não ao próprio Estado, São patéticas, a este propósito, as declara
ções do pesquisador científico russo-soviético que recentem ente pediu asilo ao
Canadá, abandonando o serviço da União Soviética e recusando-se a regressar ao
convívio dos seus compatriotas. Não nos esqueçamos de que atitude semelhante
teria sido a de Bertrand Russell se estivesse hoje a serviço da G rã-Bretanha como
pesquisador científico. O pesquisador científico, quando indivíduo de i
superior, não se deixa facilmente burocratizar.
Ao pesquisador científico repugnam de ordinário restrições que perturbem
9
sua imaginação criadora ou seu afã inovador, baseado, aliás, na capacidade, má-
xima no homem de gênio, para novas combinações por metáfora e analogia de
valores já conhecidos. Ele é de ordinário um indivíduo rebelde à rotina. Seu pa
rentesco com o poeta e com o artista é muito maior do que geralmente se pensa.
“Em última análise” - escreve H. Levy em seu T he Universe o f Science - “há
pouca diferença entre o esforço individual do artista e o esforço individual do cien
tista no trato direto dos problemas com que lidam. O indivíduo sem imaginação não
pode ser nem artista nem cientista1'. E o professor Barber lembra, à página 194 do
• 0
seu já citado livro - repita-se: já clássico - que a metáfora não é estranha à imagi
nação científica, ainda que com funções diferentes das que desempenha em poesia.
São numerosas as descobertas em química, por exemplo, baseadas no uso de
analogia. É o que informa David Lindsay W atson, no capítulo “O n the Similarity
of Forms and Ideas as the Basis of M ental Life and of Scien ce”, do livro Scientists
are Human, publicado em Londres em 1938 e ainda válido sob vários aspectos, não
sendo raros os bons livros, mesmo de ciência, que sobrevivem à data do seu apare
cim ento: o caso clássico do livro com que Charles Darwin revolucionou a biologia
e ciências vizinhas. A verdade é que só através da imaginação capaz de levantar
hipóteses, o pesquisador científico - inclusive o engenheiro pesquisador - chega
a estabelecer novas relações entre valores já conhecidos. Através do estabeleci
mento dessas novas relações é que se vem desenvolvendo a ciência: tanto a pura
como a aplicada. E a intuição, o sentido, o senso de novas relações entre coisas e
valores, são vários os pesquisadores científicos que têm atingido sonhando e não
apenas literalm ente pesquisando: sonhando depois de muito se terem preocupado
tjüt^ T ' ‘
com o assunto que os empolga. Daí o que o fisiólogo W. B. Cannon chama, no seu
?3°' The Way o f an Investigator, de “serendipity”. Ou seja “the happy faculty, or luck, o f
Vy finding unforeseen evidence o f one s ideas, or, with surprise, coming upon new objects
i or relations which were not sought”, Trinta entre as descobertas de novas relações
que se têm verificado assim obliquamente, está a de penicilina, por Fleming; e
também a de Roentgen, dos raios X; a do processo de vulcanização da borracha,
por Goodyear; a da dinamite, por Nobel. Trata-se, quase sempre, de relações v/stas
por muitos; mas que só vêm a ser notadas por homens de gênio; ou quase de gênio.
VPor
ú •
que são homens por vezes aparentemente boêmios, aparentemente românticos
1 \ I
e aparentemente desprendidos da realidade nos seus estudos, embora desses es
\ • ( ^ , \ cv.
« r*
poucos anos —o trabalho dos North e H att é de 1949 e foi publicado em Socio-
logical Analysis, de Nova York - o 24Q. Superior ao do biólogo e ao do sociólogo,
porém inferior ao do cientista nuclear, ao do arquiteto, ao do químico.
eles pudessem realizar, dando-se condições ideais à expressão do que neles, físicos
ou químicos, sendo genial, como que se desprendesse de considerações de ordem
apenas ideológica ou de ordem apenas nacional, para se tomar uma atividade de
cientistas empenhados em obra apenas de cientistas, puros ou aplicados. Daí os
triunfos que vêm sendo obtidos pela Rússia soviética em certas áreas de ciência
aplicada e de engenharia física, com o resultado de virem já certos cientistas e
engenheiros se constituindo na mesma sociedade - é ainda informação daquele
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considerados uma espécie de sobremesa ou de luxo quase inútil, quando são es
senciais. Essenciais de modo geral - para as necessidades nacionais e da nossa épo
ca. Essenciais de modo particular - para as necessidades de aperfeiçoamento que
experimentem os supradotados. Não havendo meios para esse aperfeiçoamento,
a tendência é para o desânimo tornar os supradotados estéreis e frustrados, com
* .
E ainda:
ção de interesse num esporte único; e também participação de muitos nos jogos
projetados em vez de participação de poucos com multidões inermes reduzidas a
4
I
pontos destacados por um professor da Universidade de Colônia* num curso pio
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neiro de olimpiologia ou sociologia de esportes: é evidente a industrialização rápi-
da do mundo moderno; quanto maior o uso de máquinas pelo homem moderno*
menos a vida exige dele de esforço físico e de movimento muscular - esforço e
movimento em que se baseia a saúde humana; nestas circunstâncias o esporte se
toma um meio não só de recreação como de promoção de higiene pessoal básica;
da existência mecanizada - não só do trabalho, em particular, como da existência,
em geral, mecanizada - resulta um desgaste de nervos no homem moderno de que
a prática de esportes é corretivo; o esporte serve também de corretivo à desforma
lização do trabalho pela mecanização e pela automação.
Sendo assim compreende-se que o esporte - não o que atualmente é esti
mulado, em certos países, por um torpe comercialismo que representa um d o srí^ v
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piores aspectos da decadente civilização de tipo burguês-capitalista, nem o
k-
é oferecido, noutros países, a multidões inermes por Estados absorventes, intit
lados socialistas, mas, na verdade totalitários: esportes em que as mesmas m ulti fr
V
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dões são chamadas a ser apenas espectadoras dos jogos oficial e até policialmente
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organizados para diverti-los, mas o esporte democraticamente plural e diversifi
cado —seja de uma importância enorme para a vida, a higiene, a saúde física, o >
é-
■
do século X IX - homens do tipo de Fourier —já se aproximavam da engenharia
humana. Pois já se preocupavam, dentro do seu empenho ao mesmo tempo so-
I
ficamente essas relações, o trabalho a. executar-se possa ser mais rápido e mais
preciso e ao mesmo tempo mais agradável para o trabalhador. Também inclui essa
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São problemas, esses, em face dos quais se impõe aos três tipos de enge
nheiros - o físico, o social, o humano - buscarem soluções em que o universal se
concilie com o regional Em que se atendam variações regionais nas condições
de vida, de convivência e de trabalho dos homens. Em que se articule a pesquisa
científica com a ciência aplicada.
Do ponto de vista antropológico, as três engenharias —a física, a social e a
humana - podem ser consideradas complementares para a orientação, quanto
♦
i [í! de reduzir os atuais aviões a jato a arcaísmos aeronáuticos. Sua velocidade será
três vezes a do som, informam os engenheiros físicos especializados em engenharia
aeronáutica; e na construção de tais aparelhos a aviação militar se vai antecipan
do, por motivos militares, à civil.
Mas vem o engenheiro social e pondera: não precisamos hoje de reduzir o
custo dos voos aéreos, ainda excessivamente alto para o homem médio, em vez de
aumentarmos, pela engenharia física, a velocidade desses voos, o que importará
em elevação de custo dos mesmos voos, dada a necessidade dos atuais aeroportos
terem de ser imediatamente substituídos por aeroportos de um novo tipo e de
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:! I novas extensões de espaço? Ponderação merecedora de atenção.
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Por sua vez, o engenheiro humano objeta: o avião supersônico é um ver- #
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homens de audição normal. Será possível diminuir esse ruído. Mas outra vez se
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apresenta o problema econômico: será um processo dispendioso, o dessa redução
de som incômodo e até prejudicial aos homens.
Daí o cuidado com que o problema está sendo considerado pelos que não se
deixam encantar pelas primeiras seduções de um progresso - ou superprogresso,
como já está sendo chamado pelos alemães - puramente físico. É que não há
superprogresso físico que possa ser isolado de suas implicações sociais e humanas.
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sobre o mundo além das portas dos laboratórios: muitos desses princípios vêm
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-
não for possível a adequada refrigeração de escolas - de madrugada ou à noite,
com luz artificial: luz elétrica fácil, barata e abundante, Que eu saiba, é um pro
blema, esse, de engenharia humana e de ecologia tropical, em que o desenvol
vimento da alfabetização aparece condicionado pela abundância de lu 2 elétrica,
talvez ainda ignorado no Brasil.
f Faltam-nos de todo especialistas em engenharia humana capazes de au-
xiliar os engenheiros físicos, os engenheiros sociais, os administradores, os
industriais, em problemas dessa natureza que do presente se projetem sobre o
futuro. A própria Fundação Ford, foi em que fracassou, no pretender instalar-
se no extrem o tropical do Brasil com plantações sistemáticas de borracha: em
engenharia humana. Faltou-lhe orientação desse caráter em seus projetos de
valorização de populações operárias formadas, em grande parte, por caboclos
da tropicalíssima Amazônia, aos quais técnicos anglo-am ericanos, desconhe-
•• |
cedores dos trópicos, pretenderam impor, da noite para o dia, hábitos de tra
balho, de alim entação, de habitação, de convivência, iguais aos em vigor em
M ichigan ou em Ohio.
Aqui tocamos, mais uma vez, em assunto sobre o qual vimos insistindo há
anos: na necessidade de seguir-se orientação ecológica nos estudos relativos à
condição humana que é, sempre, quer com relação específica à sua casa de resi
dência, quer com relação a outros particulares existenciais, a de um homem situa
do em ambiente específico. As três engenharias, relacionando-se todas, cada uma
a seu modo, com a condição humana, não podem escapar ao critério ecológico
que importe na sua adaptação - de todas e de cada uma - a este ou àquele am-
biente ou meio. Trata-se de considerar um homem situado, existente, coexistente
e não um homem abstrato que seja concebido, como objeto de considerações de
qualquer das engenharias, sob um aspecto único ou uniforme em vez de diferen-
ciado no que nele é expressão existencial. Expressão que em vários casos difere da
essencial que possa ser considerada pan-humana.
Num dos nossos contatos com Londres fomos, minha mulher e eu, mag
níficamente homenageados com um jantar quase banquete por um casal de in
dustriais grandes conhecedores dos óleos brasileiros de palmeiras: fabricantes
de sabões finos e famosos. Ocorreu-me então que o Brasil devia apresentar-se
mais ao mundo como produtor de perfumes, de essências, de óleos tropicais -
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lações com aquela compreensão, sensibilidade e solicitude que por vezes vêm
faltando aos modernos arquitetos brasileiros, vítimas de uma deficiência ou de
uma perversão que talvez deva ser denominada “brasilismo”. O que aqui se diz
Isto sem deixarmos de acreditar estar muito próximo de nós, com o aumento
de salários, nas regiões brasileiras mais desenvolvidas, como o Centro-Sul e o Rio
Grande do Sul, o dia em que operarios, em crescente número, se tomarão donos
de pequenos automóveis, podendo por este meio facilmente ter acesso aos centros
rurbanamente comerciais que se tornem, também, para populações consideráveis,
centros rurbanamente recreativos, lúdicos e culturais, com repercussões profun
das, de caráter higiênico mental ou psicossocial. Não se trata de utopia mas de
uma transformação de todo possível, na paisagem social da região, através de
realização que, não devendo ser considerada fácil, não deve ser considerada im
possível É possível e deve, quanto antes, merecer a atenção não só de governos
como daqueles industriais brasileiros, em geral, nordestinos, em particular, mais
capazes de uma liderança que junte o arrojo à prudência, a imaginação criadora
ao realismo terra a terra.
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chegue como brasileiro transregional, seria a que pudesse ser caracterizada com
culação, no Brasil atual, do que seja rural com o que se apresente como crescen-
temente urbano. Objeto dos lúcidos esforços do professor Marcos Vilaça à frente
dos chamados Centros Sociais Urbanos e, atualmente, da LBA.
Também de interesse, esses assuntos, para o que seja, em qualquer sociedade
moderna, o relacionamento entre valores a ser por elas perseguidos. Entre objeti
vos e instrumentos. Não é sem razão que no seu sugestivo Basic Valúes o f Western
Givilization (NY, 1960), Shepard B. Clough lamenta a incapacidade de quase todo
Quase vinte anos depois, lendo o excelente The Tradition o f the N ew (NY,
1961), de Harold Rosenberg, depararia com todo um capítulo intitulado “Polítics
as Dancing”. E nele esta coincidência de pensar e de sentir a propósito do que
seja uma constante renovação de sociedades através de políticas que, como artes,
correspondam às exigências de suas situações: “(...) the merging o f the local and
world rhythms into a single genuíne durationn.
Não será a arte política capaz de unir ritmos aparentemente contradi
tórios como os locais ou regionais ou nacionais e os universais, uma arte c o
ordenadora das três engenharias, quer dentro de sociedades nacionais, quer
de sociedades nacionais internacionalm ente, umas com as outras? D ança da
melhor, a que coordene tais ritmos. Ritmos e até tempos: os tempos locais com
o universal Os cronométricos com os naturais. Os naturais com os sociais. Os
tempos privados - os vividos nas casas particulares - e os tempos públicos: v i
vidos coletivam ente fora da casa de cada um. Ou de cada família. Ou de cada
mínimo de governo, é certo, mas sem que o tráfego de energias que sejam de
senvolvidas criativamente dentro das sociedades humanas possa realizar-se sem
coordenação. Coordenação essencial e não apenas necessária.
Há quem hoje pense, nos Estados Unidos, que o problema com que se de
fronta o homem supercivilizado de hoje não é o da crescente deterioração, na sua
vivência, daqueles valores de privaticidade ou de domesticidade ou de intimidade
em livro recente, Richard Sennett chama T he Fall o f the Public Man (1978). Um I Ml
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vilizações. Uma civilização que, para certos observadores, estaria sofrendo exata , é • ~Ml
mente do que outro atualíssimo crítico social, Christopher Lasch, denomina “the
warning o f Private :L i f e Justamente o tipo social de vida de que a casa, o lar, a
família podem ser considerados, além de expressões, símbolos
Se o que se deve lamentar nas atuais civilizações é o declínio do homem pú-
blico, da concepção de Sennett ~ que seria o representado simbolicamente pela
ágora - e não o declínio da “vida privada” - que seria o representado simbolica
mente pela “casa” então a combinação seria: menos casa e mais ágora. Mais
rua. Mais espaço público.
O conselheiro Acácio porém, se ouvido sobre o assunto, opinaria por uma
“conciliação entre extremos”. Concordaria numa necessidade do homem moder
no ser mais público nas suas preocupações. Mas sem que isto importasse na sua
renúncia, talvez antiterapéutica, antipsicológica, à privacidade, à intimidade - e
há também livro atuai, em língua inglesa, intitulado T he Triumph o f the T hera-
peutic: Uses o f Faith after Freud, de Philip Rieff à personalidade: valores que
a presença do complexo casa representa ou simboliza. Pelo que, talvez se deva
considerar, no assunto, o parecer de um também simbólico conselheiro Acácio,
de todo válido como expressão de senso comum, de que talvez se aproxime o
mais existencialmente sociológico ou antropológico. Ou o mais terapéuticamente
freudiano, considerando-se a casa símbolo de mãe. De ventre gerador. De ventre
materno. O biológico no homem,
Como se situa, em face do fator biossocial, o processo de formação de elites
dentro de uma engenharia social, isto é, de elites biossocialmente válidas?
Será que dentro da engenharia social de que o Brasil necessita orientações
e apoios para seu desenvolvimento global - e não apenas econômico - se situa o
processo de formação universitária? A pergunta nada tem de estapafúrdia.
Mais ainda: “muitos deles pretendem aritmetizar tudo o que existe na natu
reza, até mesmo as humanidades, e finalmente entendem que o ato de planejar se
exaure em si mesmo”. t
este com seu Phdeísmo de transplante quase sempre arbitrário e com seus “bra-
zilianistas” por vezes tão fechados à compreensão de situações brasileiras. Tão
diferentes dos Roy Nash, dos Konrad Günther, dos Roger Bastide, dos T jllio As-
carelli, para não falar de ingleses já clássicos como precursores de uma lúcida
compreensão de brasileiros por europeus. Ingleses como Richard Burton, Maria
Graham e Charles Mansfield.
Recorda o ex-reitor Azevedo que a Universidade de Brasília, fiel ao seu cri-
?
tério de ser seletiva, “desliga anualmente cerca de quatro a seis por cento de seus
alunos por falta de aproveitamento acadêmico”, comentando: “Poucos estabe
lecimentos de ensino superior adotam efetivamente essa medida, à exceção das
academias militares que a aplicam com inabalável rigor”. Sabe-se do ex-reitor
Azevedo que seu critério seletivo lhe vem custando severas críticas da parte de
inclusive cívica, da universidade, que seria “orientar a vida social para lhe dar
sentido e dignidade”, Sentido e dignidade são, no caso, expressões vagas. R eto
ma o autor desse corajoso livro a nitidez de palavra de que é mestre, ao salientar
que, da parte da sociedade em relação com a universidade - no caso a sociedade
nacional brasileira - deve haver maior empenho no sentido de se tornar “tanto
mais atuante quanto mais exigente em matéria de qualidade e menos persuasiva
e tolerante quanto a problemas de ordem moral e ética na formação dos quadros
de alto nível”, “Quadros de alto nível” de formação universitária.
Com perspectiva de sociólogo, insiste na interação universidade-sociedade.
Universidade brasileira e — poderia talvez especificar - universidade ecológica
brasileira, A propósito do que, não se conserva nunca alheio à necessidade de
outra e essencial interação entre nós: entre elite e povo. Caberia especificar: com
as universidades formando elites integradas em ecologias sociais brasileiras. Mais:
com as preocupações intelectuais das universidades necessariamente universa
listas coexistindo a consciência de, nas suas raízes, as elites universitárias serem
povo. Serem povo nacionalmente brasileiro. Apenas ser povo não é exatamente
ser massa. Nem a genuína democratização do ensino universitário será a que sa-
I
f.
atualmente, quem se sinta intimidado por um terrorismo, da parte, por vezes,
de aparentes liberais, além de aparentes intelectuais, que, examinados além das
aparências, revelam-se de uma intolerância agressiva através do seu domínio
quase absoluto sobre meios de comunicação e de persuasão, Quem mais visado,
• l
a certa altura de sua atuação como reitor da Universidade de Brasília, por esse
terrorismo do que o próprio Azevedo? Terrorismo já identificado em algumas de
*
suas fontes, por esse mais que desassombrado analista da atualidade brasileira,
através de uma análise mais-que-literária, que é Nelson Rodrigues. Potência in
dividual, esse Nelson, de artista dentro do qual há um pensador incessantemente
analítico, crítico, criativo.
Insista-se em que parte considerável do livro do ex-reitor Azevedo tem que
ver com este dramático desafio toynbeeano: o de uma universidade brasileira em
crise a pedir urgentes respostas a um Brasil indeciso entre atender solicitações de
sentido quantitativo e insistir em valorizar qualidade, através de seleção. Aze
vedo, se bem o interpreto, defendendo uma universidade “seletiva”, situa-se en
tre os que opõem à burocratização maciçamente quantitativa do ensino superior
aquele empenho de prestigiar-se a criatividade, na formação universitária: uma
criatividade capaz de dotar o Brasil de jovens lideranças idôneas. Jovens e transjo-
vens, observe-se. Pois a universidade moderna, como centro não só de transmis-
■
por vezes, em universidades, espaços de que apenas abusam, sem condições inte
lectuais para devidamente usá-los: recorrendo a subterfúgios para se bacharelarem
ou diplomarem; sem nenhum gosto por estudos; procurando compensar-se dessa
dadèira íldemocratic way o f l i f e Pois: “our kind o f society” - diz-se à página 362
dessa importante publicação - “calis for the máximum development o f individual,
potentialides at all leveis”. M ais:... “the demand to edúcate every one up to the levei
o f his ability and the dem and fo r excellence are tiot incompatible” (...) “We must seek
excellence in a context o f concern fo r all”.
Daí a necessidade, sentida atualmente, de modo pungente, pelos líderes mais
lucidos das democracias anglo-americanas, tanto quanto da francesa, da alemã
e da que se organiza na Espanha, de descobrir-se talento, inteligência superior,
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gênio, estejam essas aptidões onde estiverem - em qualquer sexo, idade, geração,
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orientações renovadoras.
Em conexão com tal problema, tão psicossocial nas suas implicações, per
gunte-se: ba verá uma vocação do Brasil para uma forma brasileira de convivência
1Parte do ensaio, que aqui se junta a um contexto mais amplo, constituiu conferência
proferida em Brasília (1978), na Câmara dos Deputados, a convite de sua Comissão de
Educação e Cultura.
riam “em vias de tomar realidade uma democracia racial sem equivalente em
católicos com seus santos, com Nossa Senhora, com o próprio Cristo. Com Nossa
Senhora, madrinha de muito menino, com São José, compadre de muito marce
neiro, com SandAna, comadre de muita lavadeira. Extensíssima a ação social-
mente democratizante dessa instituição, tão mais consagrada, no Brasil, pelo cris
tianismo popular que pelo catolicismo de Igreja ou pela Igreja clerical.
Repare-se que aos próprios recolhimentos de órfãos, no Brasil patriarcal, po
de-se atribuir uma ação socialmente democratizante, através da educação dada a
recolhidos de precedências étnicas e socioeconómicas diversas e que os preparou
para se integrarem na sociedade até como profissionais dos chamados liberais. De
alguns se sabe terem atingido socioeconómicamente posições elevadas.
Dos registros de faculdades brasileiras de ensino superior constam não pou
cos casos de filhos de pais incógnitos.
Estudos de biologia humana revelam que, no tipo médio de nordestino de
origem proletária ou procedente de pequena classe média que vem, nos últimos
anos, migrando para o Sul, a predominância de sangue caucásico é de 65%, o
demais sendo constituído por sangues tropicais: negro ou ameríndio. Tal predomi
nância caucásica evidente será maior no nordestino de classe média e sobretudo
de classe média alta, sem dessa categoria se excluir o exclusivo caucasoide por ve
zes louro e de olhos azuis. Nordestino, os dessas categorias, muito menos presente,
L
nas migrações do Nordeste para o Sul ou o Centro-Sul.
Atente-se, entretanto, no seguinte: quer o nordestino migrante vem, nos
últimos anos - decênios, até ~ levando a morenidade nordestina para essas outras
regiões brasileiras, notáveis pela predominância nas suas populações de deseen-
v
dentes em gerações imediatas de alemães, de italianos, de poloneses. Sabe-se que
dos migrantes nordestinos para essas regiões vários vêm sendo jovens valorizados
guerras entre raças como a que aflige a África do Sul e de forma larvada conti
nua a separar, nos Estados Unidos e nas Rodésias, negros de brancos, e até, com
menor violência, na Bélgica, entre valões e flamengos, o Brasil, com inegáveis
10% apenas de classe alta, 69% de classe média e 21% da classe chamada baixa,
devendo-se observar que através das Forças Armadas - Exército, Marinha, A e
ronáutica - numerosos jovens brasileiros, por elas beneficiados com treinamento
■»
técnico adaptável à vida civil - o que é certo também dos preparados pelas escolas
técnicas - , estão passando da classe chamada baixa ou proletária para a média.
As elites brasileiras, desenvolvidas nesses vários setores é como, de modo geral, se
signe suíço, tão conhecedor do mundo do nosso tempo, desses meus escritos que
eu possa citar sem resvalar em excesso de deselegância? Que seriam, em qualquer
parte do mundo “uma maneira totalmente nova de escrever história, fazendo par
ticipar o povinho, gente de cor, caboclos, mestiços... na formação da nação, na
formação da família brasileira...” Este o pronunciamento nada mais, nada menos,
de Blaise Cendrars. Creio que ele reduz muito o que possa haver de oposto em
recente opinião sobre o mesmo assunto de um livre-docente da aliás ilustre Uni
versidade de São Paulo, isto é, que tais escritos seriam uma interpretação senho
rial da formação brasileira. Senhorial no sentido de desatenta ao que, nesta nova
abordagem do assunto, o autor considera “uma vocação do Brasil para uma forma
brasileira de democracia social”. A vocação do brasileiro para uma forma nacional
de democracia social, o que parece não vir faltando, é apreço por valores quali
tativos, porventura mais estimados que os maciçamente quantitativos. Mas não
«é