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Barreira hemato-encefálica

A barreira hematoencefálica não é uma estrutura ou um órgão que possa ser visto a olho nu, ou
mesmo com um microscópio óptico. A primeira dica de sua existência foi encontrada há mais de 100
anos por Paul Ehrlich, o descobridor - entre outras coisas - do primeiro tratamento eficaz para a
sífilis. Ehrlich estava tentando métodos de manchar os tecidos de organismos vivos e descobriu que,
ao injetar um corante nos vasos sanguíneos de animais experimentais, ele podia manchar todos os
tecidos e órgãos, mas não o cérebro.

Mais tarde, um de seus alunos descobriu que a injeção de corantes no cérebro poderia manchar o
cérebro, mas não o resto do corpo. Algumas décadas depois - no início dos anos 1940 - outros
cientistas injetaram na corrente sanguínea corantes que são solúveis em gorduras e descobriram que
poderiam manchar o tecido cerebral, passando pelos vasos sanguíneos. Mesmo que nada pudesse
ser visto, obviamente devia existir algo que impediu que alguns, mas não todos os corantes se
movessem livremente para dentro ou fora do cérebro.

No final da década de 1960, os avanços da tecnologia permitiram aos cientistas capturar imagens da
barreira hematoencefálica usando microscópios eletrônicos. Este instrumento pode ver coisas que
são milhares de vezes menores do que o que pode ser visto com microscópios de luz ópticos
"regulares".

Os cientistas descobriram que as células endoteliais, que revestem todos os vasos sanguíneos do
corpo, no cérebro, são na verdade mais densamente compactadas e impedem o trânsito de muitas
classes de moléculas

O que pode passar por esta firme barreira?

Moléculas pequenas (oxigênio, óxido nitroso, etanol) e lipossolúveis (hormônios) são os compostos
que podem atravessar a barreira com maior facilidade. As chances de um composto atravessar a
barreira diminuem à medida que a molécula fica maior ou mais solúvel em água. E claro, os
patógenos não conseguem atravessar uma barreira hematoencefálica intacta.

Para permitir o trânsito de moléculas, como a glicose, as membranas das células que formam a
barreira contêm transportadores. Dessa maneira, o ambiente do cérebro pode ser mantido estável,
evitando o acúmulo de resíduos ou a depleção dos nutrientes necessários.

A barreira hematoencefálica é uma das razões pelas quais o que comemos ou suplementamos pode
ou não pode afetar diretamente nosso cérebro, e discutiremos esse tópico com mais detalhes em
outros momentos do curso.
O que acontece se a barreira hematoencefálica se rompe?

Inflamação, alguns medicamentos e doenças sistêmicas podem afetar a barreira hematoencefálica,


deixando-a infiltrada. Nesse caso, patógenos, toxinas e outras moléculas indesejadas podem
atravessar o cérebro, danificando-o potencialmente. Um exemplo interessante é a esclerose múltipla:
nesta doença, os anticorpos produzidos pelo corpo atacam a mielina que circunda os axônios,
danificando o isolamento e prejudicando a transmissão de sinais elétricos.

A desmielinização que ocorre na esclerose múltipla gera vários sintomas, como:


Em circunstâncias normais, as células imunológicas não podem atravessar a barreira
hematoencefálica e, portanto, não podem alcançar e atacar a mielina, mas uma vez que a barreira é
quebrada, o cérebro fica vulnerável também ao ataque de anticorpos.

CERAMIDAS ATRAVESSAM A BARREIRA HEMATOENCEFÁLICA

Vários fatores (genéticos e ambientais) aumentam o estresse oxidativo e a incidência de


neurodegeneração, demência e comprometimento cognitivo. Entre estes fatores encontram-se
a hiperglicemia crônica, hiperinsulinemia, abuso de álcool, contato com xenobióticos (toxinas),
excesso de ceramidas, dislipidemia, carências nutricionais e / ou inflamação prolongada.

A obesidade aumenta o risco de resistência periférica à insulina e esta acelera a degeneração


cerebral, o comprometimento cognitivo, aumenta o risco de depressão e doença de Alzheimer. Um
denominador comum entre tudo isso é o estresse oxidativo crônico. Em várias doenças alterações
nos sistemas antioxidantes enzimáticos e não enzimáticos, bem como aumento da oxidação dos
componentes celulares, são os principais fatores que danificam o tecido cerebral e promovem a
degeneração cerebral

A insulina influencia a sobrevivência neuronal, participa da plasticidade sináptica e regula o


funcionamento do cérebro, incluindo memória, cognição, aprendizado e atenção. O problema é que
o excesso de insulina reduz a quantidade de receptores AMPA para glutamato. E, quando o
glutamato não entra nos neurônios acaba sendo tóxico para o tecido cerebral.

Uma das causas da resistência à insulina cerebral é o acúmulo de ceramida no tecido nervoso. A


ceramida pertence a um grande grupo de compostos que constroem membranas celulares de
neurônios e células da glia (dão suporte e nutrição aos neurônios). Grandes quantidades de ceramida
também são produzidas no fígado, principalmente quando há resistência à insulina ou quando há o
consumo de muita gordura (especialmente trans e saturada). A ceramida, como outros lipídios
neurotóxicos, passa pela barreira hematoencefálica, contribuindo para aumentar ainda mais a
resistência à insulina no cérebro.

O excesso de ceramida prejudica a viabilidade das células cerebrais, o metabolismo energético e a


atividade mitocondrial e, portanto, pode gerar déficits neuro-cognitivos em pacientes com resistência
à insulina. A principal causa de resistência à insulina é o excesso de gordura corporal. Pessoas com
síndrome metabólica, hipertensos, mulheres com síndrome dos ovários policísticos, esteatose
hepática também associam-se à resistência insulínica.

Por seus efeitos neurotóxicos, o excesso de ceramida gera morte de células do cérebro e aumenta o
risco de demência. Além da hiperglicemia crônica outro fator à prejudicar o cérebro é o estresse
oxidativo gerado pela disfunção mitocondrial. O estresse oxidativo é definido como um desequilíbrio
entre a produção de espécies reativas de oxigênio (ROS) e nitrogênio (RNS), e a presença de
fatores antioxidantes protetores, tanto enzimáticos (catalase, glutationa peroxidase, superóxido
dismutase) e não enzimáticas (vitamina C, vitamina A, vitamina E etc.).

Maciejczyk, Żebrowska & Chabowski, 2019

Radicais livres em excesso podem gerar danos às membranas das mitocôndrias e causar mutações
genéticas, aumentar a produção de substâncias inflamatórias, agravar a resistência à insulina. O
cérebro é particularmente sensível ao ataque de radicais livres pois tem muitas mitocôndrias e utiliza
mais de 20% do oxigênio consumido pelo corpo. As membranas dos neurônios possuem muitas
gorduras que são facilmente atacadas por estes radicais livres, são oxidadas e inflamam ainda mais o
tecido.

Outros fatores complicam bastante a função cerebral. Além de fatores genéticos individuais a cada
um, sedentarismo e excesso de consumo de alimentos também geram mais inflamação, resistência à
insulina, e estresse oxidativo.

Estas alterações todas vão prejudicar a neuroplasticidade, alterar a produção de neurotransmissores,


prejudicar a sobrevivência de neurônios. Dentre as alterações destacam-se desequilíbrios na
produção de glutamato e GABA. Um cérebro inflamado e com alterações de neurotransmissores
também pode ser mais depressivo e compulsivo (Duman, Sanacora, & Krystal). Aprenderemos mais
nos próximos módulos.

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