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A banca a perspectiva do verdadeiro problema

Maputo (Canalmoz) – Instalou-se, há dias, uma conversa com sestros racistas sobre o facto de, no Banco
Comercial e de Investimentos, o segundo maior banco comercial do país, ter sido instalado um Conselho
de Administração todo ele de cor não escura. Ou seja, alguém reparou minuciosamente na cor dos
membros que se sentam no Conselho de Administração daquele banco e fez a grande descoberta de
que, afinal, não há lá um único cidadão com uma cor da sua simpatia. E criou-se um enorme
pandemónio, como se fosse crime ter esta ou aquela cor e como se fosse crime mais grave ter uma
organização dirigida só por cidadãos de uma única cor.

A análise não levou em conta se esses tais brancos têm, ou não, competência, ou se as suas acções são
legais ou não, ou se o banco desses brancos ajuda, ou não, a economia. Isso foi completamente
ignorado, visto que o importante era aferir-lhes a cor e lavrar a sentença condenatória.

Esta perspectiva de análise, além de ser racista, já o dissemos acima, tem o condão de esconder o
verdadeiro problema neste tema. Então cria-se essa ilusão de que, se há algum problema na banca, ou
se há directivas não muito boas da banca para com a sociedade, o problema são os tais brancos que são
os chefes dos bancos, e coitadinhos dos negros, que são uns subalternos. Pura ilusão, para esconder o
problema real.

“Mas, então, qual será o verdadeiro problema?”, perguntaria o estimado leitor. Antes de respondermos
a essa questão, é justo fazermos uma concessão, assinalando que sim, é verdade que os que têm
poderes de direcção na banca nacional são os cidadãos de raça branca. Mas isso tem uma explicação
simples: eles representam os interesses dos detentores do capital, que são os accionistas maioritários
desses bancos. E o problema nunca esteve aí.

O problema fundamental, na nossa modesta opinião, está na antropologia que sempre norteou a
instalação, o funcionamento e o papel social da banca nacional desde a instauração do mercado livre. O
que quer dizer isto? A banca nacional repousa sobre uma lógica de subalternização dos moçambicanos,
de Moçambique e do seu projecto de desenvolvimento. E essa lógica não foi trazida para cá pelos tais
brancos que representam o capital estrangeiro. Essa lógica de inferiorização do moçambicano perante o
cidadão branco foi criada e sustentada pelo partido Frelimo, quando passou a ser dirigido por aqueles
que tinham sede de serem capitalistas e, ao mesmo tempo, queriam dirigir o país para fazer cruzar
negócios pessoais com a prerrogativa que tinham e ainda têm de decidir no Estado. Então o que foi
feito? Foram montando negócios, incluindo a banca, e confiaram a gestão aos seus parceiros do
estrangeiro. E os bancos foram sendo montados, alguns com a participação de fundos do Estado, mas
com gestão estrangeira. Então, os nossos dirigentes-empresários eram apenas os titulares dos
certificados do “rent-seeking”, ou seja, rendeiros, enquanto os estrangeiros trabalhavam à sua maneira
e com as suas próprias políticas, muitas vezes contrárias aos desígnios de desenvolvimento do país e da
capacidade local.

E porque a situação passou a tornar-se ridícula, houve então a necessidade de colocar uns
moçambicanos nesses Conselhos de Administração, não para ter lá moçambicanos sérios, mas para
multicolorir o Conselho de Administração. E o capital estrangeiro, com bom cálculo de negócio, criou os
cargos pomposos de presidente do Conselho da Administração para acomodar esses moçambicanos,
que eram verdadeiros cabazes políticos, enquanto havia um presidente verdadeiramente executivo que
geria o banco.

Os cabazes políticos são apenas os tais moços que o partido governante indica para os representar
nesses negócios. São pessoas que nunca fizeram negócios, e, geralmente, sem visão do uso desse
negócio para o desenvolvimento de outros moçambicanos e do país, ainda que nesse negócio haja
participação do Estado. Essa lógica foi sendo implementada e tornou-se jurisprudência nacional,
principalmente na banca.

Então, quando o capital estrangeiro cá chegava, já não cuidava de contratar os melhores moçambicanos.
Bastava encontrar um comissário político, de preferência de cor escura, que desse cobertura nos
negócios. Ou seja, o capital estrangeiro já não procura moçambicanos para parceiros de negócios,
procura comissários políticos para lhe garantir a relação com o Estado.

É assim que nasceram os nossos queridos PCA’s de cor escura que se sentam nos Conselhos de
Administração. Eles não representam a excelência nacional naquele sector. São a expressão de uma
lógica de inferiorização nacional e de capitalismo subalterno. E isto não foi criado pelos tais brancos. O
partido Frelimo acredita nessa lógica, e é esse tipo de capitalismo que se incentiva dentro da
organização. É aquilo a que Rogério Zandamela chama “lobistas”.

Todo o debate sobre negros e brancos visa confundir-nos a todos, para que nos concentremos no alvo
errado. Qualquer cidadão que pegar nos “Relatórios e Contas” dos bancos comerciais cá da terra será
confrontado com os lucros absolutamente estonteantes de 200 a 400 por cento. A pergunta a seguir é:
qual é a contribuição que esses bancos estão a dar para o desenvolvimento de Moçambique? A resposta
é: rigorosamente zero. Porquê? Porque à frente desses bancos não está ninguém que esteja interessado
em Moçambique ou nos moçambicanos. Em primeiro lugar está obviamente o lucro para o capital
estrangeiro, e em segundo lugar está o lucro para os capitalistas subalternos nacionais, que também
nada se interessam pelo país.
Hoje, é quase impossível fazer um negócio rentável com financiamento bancário. Em Moçambique, diz-
se que a base de desenvolvimento é a agricultura, mas os projectos agrícolas nos bancos estão, logo à
partida, condenados à rejeição, porque não têm colateral e são considerados como de alto risco. Onde é
que está o problema, aqui? Está na ausência de moçambicanos interessados pelo país que estejam a
dirigir esses bancos. Todos os moçambicanos que estão lá, estão dentro de uma lógica de subalterno e
de colecta de rendimentos. Esse é que é o verdadeiro problema da banca em Moçambique.

Na África do Sul, por exemplo, onde o expediente da raça ainda move paixões, a burguesia negra ligada
à banca foi para os Conselhos de Administração para garantir que a maioria negra também tivesse
acesso ao crédito para a criação de negócios, massificação de habitação própria e meio de transporte.
Claro que isso foi feito num contexto de correcção de uma injustiça história imposta pelo “Apartheid”.
Em Moçambique, um crédito médio de habitação de 5 milhões de meticais requer que o mutuário
tenha, no mínimo, uma remuneração oficial de 250.000,00 meticais, para que a letra não seja superior a
um terço do rendimento. A questão é: quantos jovens moçambicanos ganham 250.000,00 meticais? Se
um crédito de habitação tem um período de maturação de 25 anos, no final das contas o mutuário vai
pagar ao banco qualquer coisa como 35 milhões de meticais. São sete vezes o valor do empréstimo.
Porquê toda essa selvajaria? Quem devia pôr travão nisto – que é o Banco de Moçambique, os seus
administradores e funcionários – tem acesso a crédito quase sem juros. E o povo? Que se vire e pague
sete vezes mais o valor que pedir emprestado.

Para além do colonialismo, Moçambique nunca teve “apartheid”. Mas o seu sistema bancário, com a
cumplicidade histórica do Banco de Moçambique, inspira-se no “apartheid”, porque se baseia na
opressão e subalternização. O capital estrangeiro está concentrado em obter lucro para a sua casa-mãe,
e o capital nacional, que é subalterno, está concentrado em colectar rendimentos, sem que ninguém se
lembre que há um país que precisa que o seu desenvolvimento seja financiado. E o que sobra de
Moçambique e dos moçambicanos? Apenas um “play ground” para fazer dinheiro. Só assim se explica os
lucros de 300 a 400 por cento num país que, de ano para ano, passa a ser mais pobre. Porquê? Os
nossos capitalistas são subalternos e só servem para traficar influências nas transacções de Bilhetes do
Tesouro e aprovar taxas de operações sufocantes como, por exemplo, 14,00 meticais para levantar uma
nota qualquer numa ATM, uma operação em que, no país de onde vêm esses bancos, não se paga nada.
O nosso problema é a pequenez dos nossos chefes! Pensam pequenino. (Canal de Moçambique)

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