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II Fórum Internacional da Temática Indígena

Pelotas, 14, 15 e 16 de Maio de 2012


Grupo de Trabalho Direitos Indígenas na
Universidade: acesso, formação de pesquisadores e
ações de extensão
Coordenador Jean Tiago Baptista (FURG)

DIREITO INDÍGENA E ACESSO À UNIVERSIDADE: O CASO DA


LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO NA UNIVERSIDADE FEDERAL
RURAL DO RIO DE JANEIRO

MARIANE DEL CARMEN DA COSTA DIAZ1

ROBERTA JARDIM COUBE2

DALILA GONÇALVES MARTINS3

ROSINERE EVARISTO CARVALHO4

RESUMO: O presente trabalho refere-se ao acesso de indígenas no curso de Licenciatura em


Educação do Campo (LEC), na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, no que tange
suas dificuldades e especificidades em um curso que não é próprio. Considerando as
demandas específicas dos grupos étnicos, a proposta do curso foi formulada a partir da
orientação das demandas advindas dos seminários, fóruns e projetos sobre a Educação do
Campo, Juventude Rural, Movimentos Sociais e Educação em Contextos Específicos que vêm
sendo promovidos pela UFRRJ entre as duas últimas décadas. O ingresso de três estudantes
indígenas é oriundo de vagas para populações tradicionais entre eles quilombolas, indígenas e
caiçaras, sendo importante destacar que é a primeira experiência de formação de professores
indígenas em curso superior no estado do Rio de Janeiro. A LEC iniciou suas atividades
enquanto curso de graduação no ano de dois mil e dez, com sessenta estudantes oriundos dos
Projetos de Assentamento da Reforma Agrária, tendo como objetivo a formação de
professores para as escolas do campo em duas áreas de conhecimento:1- História e Filosofia e
2- Agroecologia e Segurança Alimentar.

PALAVRAS-CHAVE: educação do campo; universidade; indígena.

1
Pedagoga, mestranda em educação PPGEduc/UFRRJ, bolsista Incentivo à Pesquisa I IPEA/ANPEd. E-mail:
maridiaz_ufrrj@hotmail.com .
2
Licenciada em Letras, mestre em educação PPGEduc/UFRRJ.
3
Pedagoga, mestranda em educação PPGEduc/UFRRJ.
4
Economista Doméstica, mestranda em educação PPGEduc/UFRRJ.
2

O presente trabalho refere-se à atual experiência que a Universidade Federal Rural do


Rio de Janeiro (UFRRJ) está vivenciando com o curso de Licenciatura em Educação do
Campo (LEC) iniciado no ano de dois mil e dez em uma parceria entre o Programa Nacional
de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), a UFRRJ e o Ministério da Educação
(MEC).
Abordaremos inicialmente, a contextualização da LEC na UFRRJ para compreender
como o curso foi estruturado e como a inserção dos indígenas foi realizada nesse programa.
Nos momentos seguintes, destacamos algumas questões como a formação de professores
indígenas, o currículo e a educação indígena como um direito.
Buscamos refutar a visão hegemônica de índio (genérico) e as tradições eurocêntricas
que nela se respaldam, defendendo uma educação de fato intercultural e dialógica capaz de
internalizar o conceito/premissa “identificação”, proposto por Hall, que possibilita a um não-
índio se unir à luta dos povos indígenas, os identificando como legítimo outro.

O curso de Licenciatura em Educação do Campo da Universidade Rural do Rio de


Janeiro

A Licenciatura em Educação do Campo (LEC) da Universidade Federal Rural do Rio


de Janeiro objetiva formar setenta (70) jovens e adultos dos Projetos de Assentamento da
Reforma Agrária criados pelo INCRA/RJ para atuação nas escolas do campo, com opção de
duas áreas de conhecimento: 1- Ciências Sociais e Humanidades 2 – Agroecologia e
Segurança Alimentar, com duração de 36 meses, integralizando 3.540 horas. Das vagas
existentes, dez são destinadas às populações tradicionais: caiçaras, quilombolas e indígenas.
Em seu Projeto Político Pedagógico, o curso apresenta sua especificidade, a
identificação das entidades parceiras, responsabilidades e atribuições. Assim, a Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) se responsabiliza pela coordenação acadêmica, pela
organização do quadro docente, pela estrutura física das salas de aula, laboratórios e
refeitórios. E também compromete-se com o envio de relatórios acadêmicos e financeiros,
bem como certificação dos jovens e adultos dos Assentamentos da Reforma Agrária.
Já a Superintendência Regional do INCRA/RJ se responsabiliza em repassar os
recursos necessários para a devida execução do Curso de Graduação Licenciatura em

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Educação do Campo. Compromete-se em orientar, supervisionar e fiscalizar as atividades em


execução, conforme cronograma estabelecido no Plano de Trabalho.
O PPP assinala que o curso realiza-se em seis (6) etapas presenciais em regime de
alternância entre Tempo Escola e Tempo Comunidade, sendo a base de sua estrutura e
funcionamento a Pedagogia da Alternância5, por garantir a participação dos assentados e
filhos de assentados da Reforma Agrária, bem como a construção de processos de formação
em que a teoria se constrói como elaboração do real, da materialidade das relações sociais e
da historicidade dos conflitos da sua comunidade e do mundo. Esta pedagogia é constituída
por etapas divididas em Tempo Escola e Tempo Comunidade – aliança que potencializa a
relação teoria e prática (práxis), os estudos de realidade e o colocar-se do sujeito histórico no
mundo. Em ambos os Tempos serão realizados ensino, pesquisa, práticas pedagógicas
diversas.
O PPP ressalta que, integrando-se ao processo de diálogo entre docência e pesquisa, a
dimensão da extensão se constitui numa estratégia metodológica participativa e numa
afirmação de que o processo de produção do conhecimento se realiza socialmente, de forma
contextualizada, pelos sujeitos em sua realidade local/global (que os idealizadores do curso
confrontam com o conceito do estudo da realidade de Paulo Freire, 1992).

Na medida em que o Tempo Comunidade se caracteriza pela interação


dos educandos com as pessoas e as realidades de seu meio
sociocultural, compreendemos seu caráter “extensionista”. Neste
sentido, ao longo das 6 etapas do Curso, os Núcleos de Ensino,
Pesquisa e Extensão/NEPE (DELIBERAÇÃO N0 138 de 11 de
dezembro de 2008 da UFRRJ) serão de fundamental importância para
a organicidade entre o Tempo Escola e o Tempo Comunidade.

O Tempo Escola volta sua metodologia e procedimentos do acompanhamento aos


educandos. Realizado nos campi da UFRRJ. Serão utilizadas as seguintes estruturas: Instituto
de Educação (IE), Instituto Multidisciplinar (IM), PPGEA (Programa de Pós-Graduação em
Educação Agrícola), Fazendinha, Auditório Paulo Freire, Jardim Botânico, Centro de

5
A pedagogia da alternância possui princípios filosóficos e metodológicos os quais “sustenta[m] a necessidade
de a iniciativa partir do público beneficiário, como expressão do seu desejo de ter acesso a uma escola
diferenciada, que atenda aos interesses de seus alunos, que permita a reprodução da sua identidade cultural e que
não leve seus descendentes a engrossar as rotas de migração campo/cidade” (SOUZA, João Valdir Alves.
Pedagogia da alternância: uma alternativa consistente de escolarização rural? GT-14: Sociologia da Educação, p.
12). A Pedagogia da alternância refere-se a uma metodologia onde existem dois tempos: o tempo escola e o
tempo comunidade. No tempo escola, os educandos aprendem a teoria e no tempo comunidade, a práxis; é o
momento da relação teoria – prática.

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Memória, Biblioteca Central, salas aula e laboratório de informática. As atividades


desenvolvidas são:

1. Disciplinas. Serão montadas aulas expositivas e dialogadas, bem


como experimentos práticos.
2. Estudos Individuais. Estes estudos serão orientados pelos professores
através de referências bibliográficas e construirão um das bases dos
Seminários de Integração. De cada estudo individual orientado o
educando/a deverá produzir um roteiro de apresentação das questões
que será apresentado nos Seminários de Integração.
3. Oficinas. As oficinas priorizarão a atenção aos processos de
socialização e de produção coletiva do conhecimento como criação de
materiais pedagógicos através da utilização da arte e das tecnologias
educacionais disponíveis. A produção de materiais pedagógicos terão
como base a produção de fontes realizadas no Tempo Comunidade,
respeitando a realidade das Regionais, bem como dos assentamentos
da reforma agrária.
4. Linhas de Pesquisa. Cada aluno apresentará, já na segunda etapa do
curso, uma carta de intenções de onde partirá a construção de um
projeto de pesquisa. A partir dos seus interesses serão construídas as
Linhas de Pesquisa. Os projetos de pesquisas serão acompanhados por
uma Orientação Coletiva a cada etapa do Curso. Esta orientação
Coletiva será composta por integrantes do corpo docente e alunos do
Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos
Contemporâneos e Demandas Populares/PPGEDUC/UFRRJ e do
Programa de Pós-Graduação em Educação Agrícola/PPGEA/UFRRJ.
No final do Curso, o educando/a apresentará um trabalho de conclusão
baseado na pesquisa desenvolvida nas etapas anteriores.
5. Trabalhos Integrados (NEPE). No final de cada etapa do Tempo
Escola, os educandos realizarão um trabalho integrado a partir de uma
questão-problema com capacidade de integrar e relacionar os eixos
temáticos desenvolvidos ao longo da etapa tempo escola.
6. Seminários de Integração (NEPE). Os seminários de Integração
terão como base a socialização dos estudos individuais a partir de
questões delineadas pelos professores, bem como a socialização da
produção realizada no Tempo Escola e no Tempo Comunidade.
Nestes seminários, que ocorrerão em todas as etapas serão
apresentados os Trabalhos Integrados dos educandos correspondendo
as avaliações dos Laboratórios.
7. Monografia (120h). Elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso a
partir do Resultado Final do Processo de Pesquisa e das Práticas
Pedagógicas desenvolvidas ao longo das 6 Etapas.
8. Excursões Pedagógicas. Realizar visitas a acervos históricos e
artísticos existentes no Estado do Rio de Janeiro.

A LEC não é um curso regular, é importante destacar que está em caráter experimental
e sua existência só foi possível por conta do financiamento do Programa Nacional de

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Educação na Reforma Agrária 6 (PRONERA) que considerando as demandas específicas dos


grupos étnicos, a proposta do curso foi formulada a partir da orientação das demandas
advindas dos seminários, fóruns e projetos sobre a Educação do Campo, Juventude Rural,
Movimentos Sociais e Educação em Contextos Específicos que vêm sendo promovidos pela
UFRRJ entre as duas últimas décadas.

A formação de professores indígenas e algumas reflexões para (re)pensar o currículo

(...) temos que olhar para o que acontece na educação neste país, não olhar apenas
para o próprio campo, para a própria sementeira e a própria colheita. É
necessário ter uma visão mais alargada, e perguntarmos o que fazem outros
educadores outras educadoras, nas escolas das periferias urbanas, das favelas, o
que fazem tantas e tantos educadores nos municípios nas escolas municipais, o que
fazem, sobretudo, outros Movimentos Sociais, o Movimento Indígena, o Movimento
Negro, também eles querem construir outra educação, também eles estão
construindo já outra educação.
(Miguel Arroyo)

Ao trazer a formação de professores indígenas para o debate, faz-se importante


destacar alguns pontos. Terezinha Maher (2006) destaca três questões para pensarmos sobre
essa formação:

1- O que caracteriza um programa de formação de professores indígenas?


2- Quais as suas especificidades desse curso?

6
No ano de 1998, mais precisamente em 16 de abril com a Portaria nº 10/98, o Ministério Extraordinário de
Política Fundiária criou o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA, com o objetivo de
fortalecer a educação nas áreas de Reforma Agrária estimulando, propondo, criando, desenvolvendo e
coordenando projetos educacionais, utilizando metodologias voltadas para a especificidade do campo, tendo em
vista contribuir para a promoção do desenvolvimento sustentável [A afirmação encontra-se no site:
http://www.ced.ufsc.br/pronera/?page_id=10 do PRONERA – UFSC 2010]. Com isso, a partir de 2007 surgem
outros cursos de ensino superior pelo país, entretanto, é imprescindível lembrar a insistência dos movimentos
sociais do campo a chegada dessa formação a universidade pública. Na Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro foram oferecidas 60 vagas para os Jovens e Adultos dos Assentamentos de Reforma Agrária do Estado
do Rio de Janeiro, mais 10 vagas nesta turma direcionadas para os povos tradicionais (indígenas e quilombolas)
assumidas pela UFRRJ, bem como a necessidade de discutirmos a regularização do Curso. Tais dados foram
retirados do Relatório de um ano de atividades para implementação do curso desafios e demandas, aprovado pelo
Colegiado do Curso de Licenciatura em Educação do Campo em 24 de novembro de 2010.

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3- No que programas dessa natureza diferem, enfim, de outros programas de formação


para a docência?

Segundo Maher (2006), é importante atentar para o fato de que, enquanto cabe ao
professor não-índio formar plenamente seus alunos como cidadãos brasileiros, o professor
indígena não apenas prepara as crianças, os jovens e os adultos, para conhecerem e
exercitarem seus direitos e deveres no interior da sociedade brasileira, como também garantir
que seus alunos continuem exercendo amplamente sua cidadania no interior da sociedade
indígena ao qual pertencem. E conclui que:

É por esse motivo, então, que os professores indígenas, em seu


processo de formação, têm que, o tempo todo, refletir criticamente
sobre as possíveis contradições embutidas nesse duplo objetivo, de
modo a encontrar soluções para os conflitos e tensões daí resultantes.
(MAHER, 2006, p. 24)

No ano de 1999 foi realizado um censo escolar indígena – que só foi publicado no ano
de 2001 – pelo Ministério da Educação (MEC), onde foram reunidas informações que nos
possibilita visualizar a situação escolar indígena.
Em linhas gerais, podemos destacar que ao todo foram identificadas naquele ano 1.392
escolas em terras indígenas, onde 3.998 professores (índios e não-índios) lecionavam para
93.037 estudantes.
Do universo total de professores, os indígenas totalizavam 3.059, representando 76,5%
do total; enquanto os não-índios representam 939 professores, correspondendo a 23,5%. Em
relação às regiões, o Norte do país possui o maior percentual de professores indígenas
representado por 82,7% do total, enquanto na região Sul o menor percentual, sendo 46,2%.
No Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, respectivamente, correspondem a 78,1%, 73, 6% e
80,6% do total. Mais da metade das escolas localizadas em terras indígenas situa-se na região
Norte (56,5%), onde vive a maior parte da população indígena e em termos de dependência
administrativa, há um ligeiro predomínio das escolas municipais, que respondem por 54,8%,
enquanto 42,7% são estaduais.
Outro dado importante a destacar é que a maioria dos estudantes indígenas estão no
Ensino Fundamental sendo 74.931 alunos representados por 80,6%. E é nas primeiras séries
do Ensino Fundamental que se concentra a maior parte dos estudantes indígenas. Na primeira
série, estão 32.629 estudantes, representando 43,5% do total; na segunda série, 23%; na

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terceira série, 14,9%; e, na quarta série, 9,4%. O restante, 9,2% distribui-se da quinta à oitava
série. Na Educação Infantil e em classes de alfabetização concentram-se 15,2% do total dos
estudantes indígenas, no Ensino Médio apenas 1,0% e, em classes de jovens e adultos, 3,2%.
Outro dado relevante refere-se aos níveis de escolaridade dos professores variam,
sendo assim, podemos destacar que em linhas gerais, 28,2% dos professores indígenas ainda
não tinham completado o Ensino Fundamental, 24,8% tinham o Ensino Fundamental
completo, 4,5% tinham Ensino Médio completo, 23,4% tinham Ensino Médio com
magistério, 17,6% tinham Ensino Médio com magistério indígena e apenas 1,5% haviam
cursado o Ensino Superior.
Devemos salientar também que como destaca os Referenciais para formação de
professores indígenas, produzido pelo Ministério da Educação (MEC), é importante que o
professor indígena aprenda não só aspectos relevantes da história e da cultura do seu povo,
porém, aprender também conhecimentos significativos nas diversas áreas de conhecimento e
deve ser formado como um pesquisador.
Segundo os Referenciais para Formação de Professor Indígena (MEC), os professores
indígenas têm a difícil responsabilidade de serem os principais incentivadores à pesquisa dos
conhecimentos tradicionais junto aos membros mais velhos de sua comunidade e sua difusão
entre as novas gerações, visando à sua continuidade e reprodução cultural; assim como
estudarem, pesquisarem e compreenderem os conhecimentos reunidos no currículo escolar à
luz de seus próprios conhecimentos. (MEC, 2002)
Ao ampliar a oferta de vagas e oferecer o curso de Educação do Campo para as
populações tradicionais, e nesse caso mais especificadamente os indígenas, é importante
pensar outras questões como a própria variação linguística, o distanciamento das realidades e
as próprias tradições. Sabemos que a oralidade é um elemento central na cultura indígena e as
histórias e memórias são (re) passadas dos mais velhos aos mais jovens. Tal elemento pode
ser compreendido também como uma forma de metodologia e que está presente na tradição
indígena, com as narrativas e histórias orais. São os valores tradicionais presentes nesses
grupos específicos.
Pensar o currículo, é pensar em igual modo, como elaborá-lo levando em conta os
sujeitos que terão um encontro cotidiano como seus conteúdos, onde esses possam atender as
expectativas desses sujeitos, compreendendo suas culturas e identidades. Na realidade, essa é
uma prática complexa, visto que não é tarefa fácil lidar com a “diferença”, onde sofre

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tentativas de serem anuladas de algum modo. Uma abordagem substancial nessa direção pode
ser fornecida por Paraíso (2009) onde afirma que:

[...] um currículo está sempre cheio de ordenamentos, de linhas fixas,


de corpos organizados, de identidades majoritárias. Porém um
currículo também está sempre cheio de possibilidades de rompimento
das linhas do ser; de contágios que podem nascer e se mover por
caminhos insuspeitados; de construção de modos de vida que podem
se desenvolver formas particulares. Um currículo é um artefato com
muitas possibilidades de diálogos com a vida; com diversas
possibilidades de modos de vida, de povos e de seus desejos. É um
artefato com um mundo a explorar (PARAÍSO, 2009, p. 278).
Faz-se importante compreender não só as necessidades de cada demanda, mas as
dificuldades enfrentadas por esses grupos tanto no que tange aos conteúdos e permanência
desses educandos e como destaca Paraíso (2009) o currículo é um artefato com um mundo a
explorar.

A educação indígena como um direito: por uma educação cidadã

[...] o tempo das malocas, antes da chegada de Cabral; o tempo das correrias,
quando os índios foram caçados à bala para a ocupação de seus territórios; o tempo
do cativeiro, quando eles foram usados como mão-de-obra escrava no corte de
seringa; e finalmente o tempo dos direitos, quando finalmente conquistaram o direito
à terra e à sua própria cultura7.

A formação de índios, como professores e gestores das escolas localizadas em terras


indígenas, é hoje um dos principais desafios e prioridades para a consolidação de uma
Educação Escolar Indígena pautada pelos princípios da diferença, da especificidade, do
bilingüismo e da interculturalidade (GRUPIONI, 2006).

Grupioni (2006) destaca que é nesse contexto que os povos indígenas no Brasil têm
reivindicado uma escola que lhes sirvam de instrumento para a construção de projetos
autônomos de futuro, dando-lhes acesso a conhecimentos necessários para um novo tipo de
interlocução com o mundo de fora da aldeia. É primordial que haja a formação docente desses
professores no sentido de garantir suas de identidades, culturas, direitos, deveres e diálogo
com a sociedade.

7
A cartilha de história do Acre divide a história do Brasil nesses quatro períodos e defende a necessidade de
entendimento de uma outra história. Sobre isso, ver CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL, 2004, p.
123.

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Não podemos permitir que ocorra hoje o que os colonizadores não conseguiram
realizar no passado, a aniquilação dos povos indígenas. Para isso, é necessário pensar,
repensar e refletir em nossas ações e como destaca a professora indígena Paresi (2011), a luta
continua em um novo contexto, onde os povos indígenas aprenderam a se organizar e a
reivindicar pelos seus direitos. Entende-se a escola como um instrumento para a consolidação
dos direitos conquistados, mas é preciso que seja garantida a construção de uma escola
indígena cidadã, para além de adquirir conhecimentos.

É preciso que se construa uma nova escola, onde a educação escolar tradicional
dialogue com as necessidades e especificidades de cada povo, isso porque os sistemas
educativos indígenas são processos tradicionais de transmissão a aprendizagem de
conhecimentos nos quais os mestres são a família e o contexto sociocultural da comunidade
(PARESI, 2011).

Recorrendo mais uma vez a PARESI (2011):

Num país como o Brasil, pluricultural e multiétnico, mas marcado


pela desigualdade social, corrigir os erros do passado requer mudanças
nas ações governamentais. Uma reflexão profunda sobre a história
brasileira, que ainda engatinha, mas aos poucos começa a aparecer.
(PARESI, 2011)
A verdadeira escola indígena é aquela que é pensada com e para os indígenas e não de
forma hierarquizada e verticalizada de cima para baixo, pensar por eles. É preciso pensar com,
fazer com e acredito ser nessa direção que devemos caminhar, com efetivo exercício da
cidadania e autonomia.

Considerações finais

O curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEC), criado em 2010 na UFRRJ,


apesar de não ter sido construído objetivando atender aos povos indígenas, oportunizou, ainda
que de maneira embrionária, a inserção de indígenas no ensino superior – garantindo o direito
desse segmento da sociedade brasileira à educação. É certo que há a necessidade de um curso,
no Rio de Janeiro, capaz de atender às demandas das etnias indígenas que vivem no estado.
Partimos da premissa de que há que se construir um projeto de descolonização em
relação aos mitos da formação da cultura brasileira e, consequentemente, da imagem do índio
como sendo o mesmo da época colonial. Muitos dos índios de hoje trocaram a aldeia pelos

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centros urbanos e isso não significa que tenham perdido sua identidade; muito pelo contrário,
a adaptação à sociedade do “não-índio” e a utilização da tecnologia – como o uso da internet,
o ingresso em universidades e a aquisição da língua portuguesa– têm servido para propagar a
cultura de muitos grupos étnicos e, inclusive, mostrar à sociedade envolvente seus saberes.
As comunidades indígenas, como as demais do planeta, acompanham as mudanças
históricas e reivindicam seus direitos, desempenham sua autonomia. Algumas escolas (do
ensino fundamental) já possuem matriz curricular diferenciada: bilíngue, respeitosa da cultura
local e com professores indígenas – capacitados em um programa específico para eles.
O Referencial Curricular Nacional para as escolas indígenas (RCNEI), nesse contexto,
representa um grande avanço para a educação (e Educação Física escolar) indígena. Seja na
educação básica ou no ensino superior, uma nova concepção de educação caminha ao
encontro de uma iniciativa que proponha a (re)construção de princípios, valores e recursos
educacionais, fundamentados em uma Política Pedagógica de inclusão (neste caso a indígena),
que vise, por um lado, o entrelaçamento complexo da realidade vivida com sonhos,
subjetividades e sensibilidade (incluindo a livre expressão das culturas), e por outro, o
desenvolvimento da consciência de cidadania e dignidade humana, pautada em uma cultura de
paz e de um “saber com sabor”.

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