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4ª RODADA
CEI-JURISPRUDÊNCIA
DE TRIBUNAIS
INTERNACIONAIS DE
DIREITOS HUMANOS
06/01/2015
Círculo de Estudos pela Internet
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CORPO DOCENTE
CAIO PAIVA
Defensor Público Federal, titular do 2º Ofício Criminal da DPU/Manaus, unidade em que é Chefe-Substituto.
Membro do GT – Grupo de Trabalho da DPU sobre presos. Especialista em Ciências Criminais. Exerceu
o cargo de assessor de juiz de direito (2010-2013). Fundador do CEI. Editor do site www.oprocesso.com.
E-mail: caio.paiva@cursocei.com
Twitter: @caiocezarfp
THIMOTIE HEEMANN
Advogado. Graduado pela Fundação Escola Superior do Ministério Público – FMP. Pós Graduando em
Direito Penal e Processo Penal com ênfase em Processo Penal Internacional.
E-mail: thim.heemann@cursocei.com
Twitter: @thim3108
COORDENAÇÃO CEI
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SENTENÇA: 06/07/2009.
RESUMO DO CASO
Entre os meses de abril a junho de 1999, a pedido da Polícia Militar do Estado do Paraná, o Poder
Judiciário paranaense autorizou a interceptação e o monitoramento das linhas telefônicas de Arlei José
Escher (adiante denominado apenas de Escher) e outros, todos membros integrantes das organizações
Cooperativa Agrícola de Conciliação Avante Ltda. (COANA) e Associação Comunitária de Trabalhadores
Rurais (ADECON), entidades que mantinham relação com o Movimento dos Sem Terra (MST), com o qual
compartilhavam o objetivo comum de promover a reforma agrária. O cenário de fundo deste caso é
revelador de um contexto social relacionado com a reforma agrária no Estado do Paraná, o que motivou
a implementação de uma série de medidas e políticas públicas para fazer-lhe frente.
O fundamento apresentado pela PM/PR para requerer a interceptação telefônica foi justamente a
existência de indícios de que os membros das referidas organizações mantivessem algum vínculo com o
MST para a prática de atividades delituosas. O requerimento foi deferido pela juíza da Vara de Loanda/
PR através de mera anotação na folha da petição, na qual escreveu: “Recebido e analisado. Defiro. Oficie-
se”. O Ministério Público não foi notificado da decisão. Posteriormente, a PM requereu a prorrogação
da interceptação e a inclusão de outras linhas telefônicas, o que foi, de novo, prontamente deferido,
encerrando-se a monitoração somente com a informação prestada pela PM à juíza de que já havia obtido
o que desejava. Fragmentos das conversas interceptadas foram veiculados no Jornal Nacional (Globo),
assim como reproduzidos em coletiva de imprensa convocada pelo secretário de segurança do Estado do
Paraná, ocasião em que foram, ainda, distribuídas cópias de mídias para jornalistas, com o áudio daqueles
fragmentos de conversas gravadas.
Mais de um ano após o encerramento da monitoração, a juíza remeteu os autos do processo para o
Ministério Público, instituição que se manifestou pela ilegalidade do procedimento, requerendo, então, o
reconhecimento e a declaração da nulidade, o que não foi acolhido pelo Poder Judiciário.
As vítimas esgotaram os recursos internos1, sem obter êxito na pretensão de invalidar o procedimento e
conseguir a justa reparação pelos danos sofridos. A denúncia foi apresentada na Comissão Interamericana
pelas organizações Rede Nacional de Advogados Populares e Justiça Global em nome dos membros da
COANA e da ADECON. A Comissão emitiu determinadas recomendações para o Brasil, as quais, mesmo
1 O Estado alegou, como exceção preliminar, que os recursos internos não haviam sido esgotados. Sobre a discussão e a
decisão da Corte, que neste momento fogem do propósito de destacar os principais apontamentos sobre este Caso, remeto
o leitor para as páginas 9-17 da decisão: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_200_por.pdf
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com a prorrogação do prazo por três vezes, não foram cumpridas, ensejando, pois, que o pleito fosse foi
levado à Corte Interamericana, tratando-se, então, segundo afirmou a Comissão, “de uma oportunidade
valiosa para o aperfeiçoamento da jurisprudência interamericana sobre a tutela do direito à privacidade e
do direito à liberdade de associação, assim como os limites do exercício do poder público”.
Dispõe o art. 11.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) que “Ninguém pode ser objeto
de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua
correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação”. Referido artigo também protege as
conversações telefônicas? Decidiu a Corte que sim, tratando-se de uma forma de comunicação incluída
no âmbito de proteção da vida privada, seja seu conteúdo relacionado a assuntos privados ao interlocutor,
seja com o negócio ou a atividade profissional que desenvolva, independendo, portanto, do conteúdo
destas, abrangendo, inclusive, “tanto as operações técnicas dirigidas a registrar esse conteúdo, mediante
sua gravação e escuta, como qualquer outro elemento do processo comunicativo, como, por exemplo, o
destino das chamadas que saem ou a origem daquelas que ingressam; a identidade dos interlocutores; a
frequência, hora e duração das chamadas; ou aspectos que podem ser constatados sem necessidade de
registrar o conteúdo da chamada através da gravação das conversas”.
A Corte, a partir de uma interpretação conjugada com o ordenamento jurídico interno a respeito do
tema (Constituição Federal e Lei 9296/96), reconheceu diversas ilegalidades no procedimento das
interceptações, tais como: (i) requeridas e autorizadas sem a respectiva motivação de subsidiar investigação
criminal; (ii) ausência de indícios razoáveis de autoria ou de participação dos membros da COANA e da
ADECON nas infrações penais supostamente investigadas; (iii) ausência de declinação dos meios que
seriam empregados para realizar a interceptação, assim como a falta de clareza quanto aos fatos objeto
da investigação; (iv) ausência de demonstração que o meio empregado era o único viável para obter tal
prova; (v) ilegitimidade da Polícia Militar para solicitar a interceptação telefônica, expediente que somente
poderia ter sido adotado pela Polícia Civil, pelo Secretário de Segurança Pública (em substituição à
primeira) ou, de ofício, pelo Poder Judiciário.
A Corte assentou, ainda, que as conversas relacionadas com as organizações que integravam as vítimas
eram de caráter privado e nenhum dos interlocutores consentiu que fossem conhecidas por terceiros, de
modo que “a divulgação de conversas telefônicas que se encontravam sob segredo de justiça, por agentes
do Estado, implicou uma ingerência na vida privada, honra e reputação das vítimas”. Sobre esta temática,
a Corte aproveitou para estabelecer que manter o sigilo quanto às conversas telefônicas interceptadas
durante uma investigação penal é um dever estatal: a) necessário para proteger a vida privada das
pessoas sujeitas a uma medida de tal natureza; b) pertinente para os efeitos da própria investigação; e c)
fundamental para a adequada administração da justiça.
E finalizou Corte Interamericana concluindo que o Brasil violou o direito à vida privada e o direito à
honra e à reputação reconhecidos no artigo 11 da Convenção Americana, pela interceptação, gravação
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e divulgação das conversas telefônicas de Escher e outros, declarando, também, que o Estado violou
o direito à liberdade de associação, reconhecido no art. 16 da Convenção, eis que a ingerência nas
comunicações da COANA e da ADECON, além de não cumprir com os requisitos legais, “não atendeu
ao fim supostamente legítimo ao qual se propunha, ou seja, a investigação criminal dos delitos alegados, e
trouxe consigo o monitoramento de ações dos integrantes de tais associações”, causando temor, conflitos
e afetações à imagem e à credibilidade das entidades.
FONTE
1) Diversas questões envolvendo o tema “interceptação telefônica” foram vistas neste Caso, a exemplo
da (i)legitimidade da Polícia Militar para requerer tal medida. Como está a discussão em torno deste
ponto no Brasil? Resumidamente, temos que o art. 3º da Lei 9296/96 atribui a legitimidade para requerer
a interceptação telefônica somente ao Ministério Público e à autoridade policial, que seria, para todos
os fins, o delegado de polícia (civil/federal). Logo, a Polícia Militar carece realmente de legitimidade.
Há alguma exceção? Ricardo Andreucci anota que sim: “a polícia militar somente pode requerer nos
casos de investigações militares”2. Outro questionamento pode surgir: a Polícia Militar pode “conduzir” o
procedimento da interceptação telefônica? Embora o art. 6º da Lei 9296/96 disponha que é a autoridade
policial que conduzirá os procedimentos da interceptação, o STF já decidiu que – excepcionalmente – SIM
(cf. o HC 96986, rel. min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJe 14/09/2012, em que havia suspeita de envolvimento
de autoridades policiais da delegacia local com a atividade criminosa investigada). No mesmo sentido,
tem entendido o STJ que “não é possível afirmar que a política civil seja a única autorizada a proceder às
interceptações telefônicas, até mesmo porque o legislador não teria como antever, diante das realidades
encontradas nas unidades da federação, quais órgãos ou unidades administrativas teriam a estrutura
necessária, ou mesmo as melhores condições para executar a medida” (HC 237956, rel. min. Jorge Mussi,
5ª Turma, DJe 12/06/2014; assim, também: HC 88575, rel. min. Jane Silva, 6ª Turma, DJe 10/03/2008).
2) Sobre a importância da decisão, Diogo Malan: “ao condenar o Estado Brasileiro a Corte de São José da
Costa Rica reafirmou a importância e a normatividade do direito fundamental ao sigilo de comunicações
telefônicas. A CIDH incluiu expressamente no âmbito de proteção do direito fundamental a não sofrer
ingerências arbitrárias ou abusivas na vida privada por parte do Estado ou de particulares (artigo 11 da
CADH) a inviolabilidade das comunicações telefônicas”3. Da mesma forma, André de Carvalho Ramos
também registra a importância do precedente: “A Corte traçou importantes parâmetros para o tratamento
2 ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Legislação Penal Especial. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 427. No mesmo sentido, consta
na decisão da Corte a manifestação de Luiz Flávio Gomes, ouvido como “perito”.
3 MALAN, Diogo. Caso Escher e outros vs. Brasil e sua importância para o processo penal brasileiro. Boletim Informativo
IBRASPP – Ano 02, nº 03 – 2012/02, p. 11. Disponível (também) em: http://www.malanleaoadvs.com.br/artigos/caso_escher.pdf
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3) Importante: os representantes das vítimas solicitaram à Corte que ordenasse ao Estado revogar a Lei
nº. 15662/07, que concedeu à juíza Khater o título de Cidadã Honorária do Estado do Paraná. Embora o
pedido tenha sido indeferido, a Corte reiterou que “é competente para ordenar a um Estado que deixe
sem efeito uma lei interna quando seus termos sejam atentatórios aos direitos previstos na Convenção, e
por isso, contrários ao artigo 2 do mesmo tratado (...)”.
4) Curiosidade: o art. 36.1 do Regulamento da Corte Interamericana dispõe que “Notificada a demanda
à suposta vítima, seus familiares ou seus representantes devidamente acreditados, estes disporão de um
prazo improrrogável de 2 (dois) meses para apresentar autonomamente à Corte suas petições, argumentos
e provas”. O prazo se expirou no domingo. A Corte, apesar de ter considerado intempestivo o protocolo,
admitiu a petição por mera liberalidade: “Em relação ao escrito de petições e argumentos, a Corte observa
que este foi apresentado efetivamente um dia depois do término do prazo, no primeiro dia útil depois do
referido vencimento. Inobstante, o Regulamento não distingue entre dias úteis e não úteis, pelo contrário,
quando os prazos são outorgados em dias, devem ser contados dias corridos. De igual maneira, o prazo
outorgado em meses deve ser contabilizado como “mês calendário”. Por isso, apesar de o último dia do prazo
ser um domingo, os representantes deveriam remeter o escrito nessa data, e não no dia útil subsequente.
Sem prejuízo do anterior, o Tribunal não considera que a admissão do escrito dos representantes, nessas
circunstâncias particulares, afete a segurança jurídica ou o equilíbrio processual das partes, tendo em vista
que foi recebido com um atraso mínimo”. Importante: O juiz ad hoc Roberto de Figueiredo Caldas divergiu
em voto separado5.
c) A Corte considerou, nessa sentença, que a quebra de sigilo das comunicações telefônicas de
integrantes de entidades associativas, fundada em lei cuja inadequação abstrata seja constatada,
4 CARVALHO, André Ramos de. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 336.
5 Cf. p. 82-86: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_200_por.pdf
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não implica necessariamente a violação ao direito à livre associação garantido pela Convenção
Americana sobre Direitos Humanos.
d) A Corte decidiu que o Brasil deveria adequar sua lei de interceptação das comunicações
telefônicas às disposições da Convenção Americana sobre Direitos Humanos relativas à proteção
da privacidade.
COMENTÁRIO: a alternativa correta é a letra (A), conforme explicação veiculada no primeiro parágrafo do
tópico “O que decidiu a Corte Interamericana?”.
a) No Caso Escher e Outros Vs. Brasil, a Corte Interamericana de Direitos Humanos concluiu ter
havido violação da Convenção Americana de Direitos Humanos por parte do Estado Brasileiro,
devido à transgressão da proteção à honra, à vida privada e à reputação, pela interceptação,
gravação e divulgação das conversas telefônicas dos autores.
b) No Caso Escher e Outros Vs. Brasil, a Corte Interamericana de Direitos Humanos rejeitou a
arguição de violação, pelo Estado Brasileiro, do direito à associação, previsto na Convenção
Americana de Direitos Humanos.
(...)
COMENTÁRIO: a alternativa (A) está correta, ao passo que a alternativa (B) está incorreta, pois a Corte
acolheu, sim, a arguição de violação, pelo Estado Brasileiro, do direito à associação.
PARA APROFUNDAR
a) MASI, Carlo Velho. O caso Escher e outros vs. Brasil e o sigilo das comunicações telefônicas: a fundamentação
como garantia de efetividade dos direitos humanos. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/144579753/
O-caso-Escher-e-outros-vs-Brasil-e-o-sigilo-das-comunicacoes-telefonicas-a-fundamentacao-como-
garantia-de-efetividade-dos-direitos-humanos
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SENTENÇA: 04/07/2006.
RESUMO DO CASO
Damião Ximenes Lopes (adiante denominado apenas de Ximenes Lopes) nasceu em 25/06/1969. Foi
um jovem criativo, gostava de música, de artes e desejava adquirir melhores condições financeiras.
No entanto, foi acometido por uma deficiência mental de origem orgânica, proveniente de alterações
no funcionamento do cérebro. Em 1995, aos trinta anos, residindo ainda com sua mãe, foi internado
pela primeira vez na Casa de Repouso Guararapes, em Sobral/CE, aonde, em outubro de 1999, noutra
internação, faleceu em decorrência dos maus tratos sofridos por funcionários da Casa, não tendo recebido
qualquer assistência médica na ocasião.
Posteriormente à morte de Ximenes Lopes, o médico responsável voltou à Casa de Repouso Guararapes,
examinou o corpo da vítima, declarou sua morte e fez constar que o cadáver não apresentava lesões
externas e que a causa da morte havia sido uma “parada cardiorrespiratória”.
A família de Ximenes Lopes, notadamente a sua irmã Irene Ximenes Lopes Miranda, envidou todos os
esforços para que o Estado (i) investigasse e punisse os responsáveis, assim como (ii) reparasse os danos
materiais e morais decorrentes do falecimento da vítima em circunstâncias criminosas. Não tendo obtido
êxito, o caso foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que aprovou relatório de
mérito em 2003, concluindo que o Estado Brasileiro era responsável pela violação dos direitos à integridade
pessoal, à vida e à proteção judicial de Ximenes Lopes. A Comissão emitiu diversas recomendações ao
Estado, as quais foram cumpridas apenas parcialmente, motivando, pois, que a Comissão submetesse o
caso à Corte Interamericana no ano de 2004.
A Corte inicia sua decisão já advertindo que “As hipóteses de responsabilidade estatal por violação
dos direitos consagrados na Convenção podem ser tanto as ações ou omissões atribuíveis a órgãos ou
funcionários do Estado quanto a omissão do Estado em evitar que terceiros violem os bens jurídicos que
protegem os direitos humanos”, de modo que “essa conduta, seja de pessoa física ou jurídica, deve ser
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considerada um ato do Estado, desde que praticada em tal capacidade”. Isso significa, segundo a Corte,
“que a ação de toda entidade, pública ou privada, que esteja autorizada a atuar com capacidade estatal,
se enquadra na hipótese de responsabilidade por fatos diretamente imputáveis ao Estado, tal como ocorre
quando se prestam serviços em nome do Estado”. No presente caso, a Casa de Repouso Guararapes, local
em que faleceu Ximenes Lopes, era um hospital privado de saúde contratado pelo Estado para prestar
serviços de atendimento psiquiátrico sob a direção/supervisão do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo
o Estado, portanto, responsável pela conduta dos funcionários do estabelecimento.
A respeito da Casa de Repouso Guararapes, anota a Corte que “existia um contexto de violência contra
as pessoas ali internadas, que estavam sob a ameaça constante de serem agredidas diretamente pelos
funcionários do hospital ou de que estes não impedissem as agressões entre os pacientes, uma vez que
era frequente que os funcionários não fossem capacitados para trabalhar com pessoas portadoras de
deficiência mental. Os doentes se encontravam sujeitos à violência também quando seu estado de saúde se
tornava crítico, já que a contenção física e o controle de pacientes que entravam em crise eram muitas vezes
realizados com a ajuda de outros pacientes. (...) Em resumo, conforme salientou a Comissão de Sindicância
instaurada posteriormente à morte do senhor Damião Ximenes Lopes, a Casa de Repouso Guararapes „não
oferecidas condições exigíveis e era incompatível com o exercício ético-profissional da medicina‟”.
Prosseguindo, após constatar que o protocolo de necropsia realizado não cumpriu as diretrizes do Manual
para a Prevenção e Investigação Efetiva de Execuções Extrajudiciais, Arbitrárias e Sumárias das Nações
Unidas, e ainda, que a investigação da morte de Ximenes Lopes somente teve início após trinta e seis dias
da sua ocorrência, e também que, após mais de seis anos, não havia sentença de primeira instância no
processo penal contra os envolvidos na morte da vítima, a Corte Interamericana declarou que o Estado
violou: (1) os direitos à vida e à integridade pessoal de Ximenes Lopes (artigos 4.1, 5.1 e 5.2 da CADH); (2)
o direito à integridade pessoal de seus familiares, vitimados por diversos problemas de saúde decorrentes
do estado de tristeza e angústia ocasionado no contexto dos fatos narrados; e (3) os direitos às garantias
judiciais e à proteção judicial consagrados nos artigos 8.1 e 25.1 da CADH, em razão da ineficiência em
investigar e punir os responsáveis pelos maus tratos e óbito da vítima.
E determinou a Corte, por fim, que o Estado indenizasse os familiares de Ximenes Lopes pelos danos
materiais e imateriais provocados, além de ter ordenado diversas outras obrigações ao Estado Brasileiro,
a exemplo do dever de garantir, em prazo razoável, “que o processo interno destinado a investigar e
sancionar os responsáveis pelos fatos deste caso surta seus devidos efeitos (...)”.
FONTE
1) A Corte Interamericana usou como fundamento de sua decisão, entre outros diplomas normativos
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2) André de Carvalho Ramos registra a importância do Caso por ser o primeiro envolvendo violações
de direitos humanos de pessoa com deficiência mental, o que ensejou com que a Corte estabelecesse
deveres do Estado de elaboração de política antimanicomial6.
3) Outro ponto importante, ainda segundo André de Carvalho Ramos, foi o reconhecimento de que
a Convenção Interamericana sobre os Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência (Convenção da
Guatemala) “é vetor interpretativo dos direitos do Pacto de São José, quando aplicado a casos envolvendo
pessoas com deficiência”, ficando sanada, portanto, “uma importante lacuna da Convenção da Guatemala,
que era justamente a impossibilidade de se processar um Estado signatário (como o Brasil) que a desrespeitasse
perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos”. Criou-se, assim, conforme adverte o referido autor,
uma “supervisão por ricochete”, já que “caso o Brasil desrespeite a Convenção da Guatemala, pode tal
desrespeito ser considerado uma violação de algum dos direitos genéricos do Pacto de San José (como, por
exemplo, o direito à igualdade) e, com isso, ser desencadeado o mecanismo de controle do pacto (petição
à comissão e, após o trâmite adequado, ação perante a corte)”7.
4) O Caso Ximenes Lopes foi a primeira condenação sofrida pelo Brasil na Corte Interamericana. Assim,
pois, unindo os tópicos 2) e 4), vejamos a lição de Sidney Guerra: “O caso Ximenes Lopes ganhou
notoriedade não apenas por ter sido o primeiro a ensejar uma condenação ao Estado brasileiro, mas
também por se tratar de caso que envolveu deficiente mental. Dentre as várias agravantes, destaca-se a
situação de vulnerabilidade da vítima”8.
5) O processo penal contra os supostos responsáveis dos maus tratos e óbito de Ximenes Lopes terminou
somente no ano de 2012, mais de doze anos de seu início e mais de seis anos da sentença da Corte. Qual foi
o resultado? Reconhecimento da extinção da punibilidade pela prescrição, já que houve a desclassificação
do crime de maus tratos qualificado pelo resultado morte para maus tratos simples, não tendo o TJCE
considerado existentes indícios que vinculassem a morte da vítima aos maus tratos, declarando, pois,
inconclusivas as perícias e necropsias realizadas no cadáver9.
6 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 335.
7 RAMOS, André de Carvalho. Reflexões sobre as vitórias no caso Damião Ximenes, disponível em: http://www.conjur.com.
br/2006-set-08/reflexoes_vitorias_damiao_ximenes
8 GUERRA, Sidney. O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e o Controle de Convencionalidade. São Paulo:
Atlas, 2013, p. 121.
9 Cf. breve comentário e transcrição da ementa do julgado do TJCE em SILVA, Adriana Moura Mattos da. A inefetividade de
responsabilização internacional do Estado Brasileiro no Sistema Interamericano de proteção aos direitos humanos em face das
garantias judiciais, p. 13-15. Disponível em: http://www.cedin.com.br/static/revistaeletronica/volume11/arquivos_pdf/sumario/
Artigo%20-%20Adriana%20Moura%20Mattos%20da%20Silva.pdf
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Sobre a Corte Interamericana de Direitos Humanos, NÃO é correto o que se afirma em:
COMENTÁRIO: a alternativa está correta e não deveria, portanto, ter sido assinalada.
COMENTÁRIO: a alternativa está errada, pois o Caso Ximenes Lopes não foi resolvido mediante solução
amistosa na Comissão Interamericana, e sim na jurisdição contenciosa da Corte, encerrando-se, conforme
visto, em condenação do Brasil. Já no que diz respeito ao Caso dos Meninos Emasculados, este sim,
conforme visto na 3ª Rodada deste Curso, foi resolvido por meio de solução amistosa no procedimento
perante a Comissão.
(PGR - Procurador da República 2013 - 27º CPR) O que se entende por eficácia horizontal
(“Drittwirkung”) da proteção internacional dos direitos humanos? A proibição da tortura se dá
em eficácia horizontal? Máximo 20 (vinte linhas)
COMENTÁRIO: O examinador concedeu nota máxima para o candidato que mencionou, entre outros
argumentos, o Caso Ximenes Lopes vs. Brasil, já que, como vimos acima, o Estado Brasileiro foi
responsabilizado internacionalmente pela violação de direitos humanos praticada por funcionários de
um estabelecimento de natureza privada (embora prestasse o serviço de atendimento psiquiátrico sob a
supervisão do SUS).
192. No caso Damião Ximenes Lopes, uma eventual exceção preliminar de não-esgotamento de
recursos internos deveria ter sido interposta pelo Brasil na fase de admissibilidade da denúncia
perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, sem o que se presumiria a renúncia
tácita, por parte do Estado demandado, a esse meio.
COMENTÁRIO: o enunciado está CERTO. Vejamos, a respeito, a lição de André de Carvalho Ramos:
“Atualmente, a Corte IDH consagrou o entendimento que a exceção de admissibilidade por ausência
de esgotamento dos recursos internos tem que ser invocada pelo Estado já no procedimento perante a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Assim, se o Estado nada alega durante o procedimento
perante a Comissão, subentende-se que houve desistência tácita dessa objeção. Após, não pode o Estado
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alegar a falta de esgotamento, pois seria violação do princípio do estoppel, ou seja, da proibição de se
comportar de modo contrário a sua conduta anterior (non concedit venire contra factum proprium)”10.
No mesmo sentido, também o ensinamento de Cançado Trindade, que informa que “Com efeito, em
reiteradas vezes a Corte Europeia tem decidido que o governo demandado está impedido (estopped) de
estribar-se na regra do esgotamento por não tê-la invocado inicialmente perante a Comissão”, e conclui,
adiante, que “A posição consistente da Corte Europeia sobre o ponto em questão tem sido invariavelmente
no sentido de estabelecer uma clara qualificação ou condicionamento ratione temporis da invocação da
regra dos recursos internos no que tange à estrutura orgânica da Convenção Europeia: a Corte só tomará
conhecimento de uma objeção de não-esgotamento se o governo demandado a tiver interposto perante a
Comissão no estágio inicial de admissibilidade da petição”11.
193. No caso Damião Ximenes Lopes, a forma federativa do Estado brasileiro não é causa de
isenção de responsabilidade internacional do estado do Ceará, o qual deve participar do processo
perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos como litisconsorte da União.
COMENTÁRIO: o enunciado está ERRADO. A sua primeira parte, até a palavra “Ceará”, está correta, pois, de
fato, a forma federativa do Estado brasileiro não pode isentá-lo de responsabilidade internacional por atos
cometidos pelos seus Estados federados. Trata-se da aplicação da denominada “cláusula federal”, prevista
no art. 28 da CADH: “Quando se tratar de um Estado-parte constituído como Estado federal, o governo
nacional do aludido Estado-parte cumprirá todas as disposições da presente Convenção, relacionadas com
as matérias sobre as quais exerce competência legislativa e judicial (...)”. No entanto, a segunda parte está
equivocada, já que não há qualquer exigência de que o Estado federado (no caso, do Ceará) participe do
processo perante a Corte como litisconsorte da União.
194. No caso Damião Ximenes Lopes, os familiares ou seus representantes devidamente acreditados
podem apresentar suas solicitações, argumentos e provas de forma autônoma, durante todo o
processo, perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
COMENTÁRIO: o enunciado está CORRETO e em conformidade com o art. 25.1 da CADH, que dispõe
que “Depois de notificado o escrito de submissão do caso, conforme o artigo 39 deste Regulamento, as
supostas vítimas ou seus representantes poderão apresentar de forma autônoma o seu escrito de petições,
argumentos e provas e continuarão atuando dessa forma durante todo o processo”.
PARA APROFUNDAR
a) RAMOS, André de Carvalho. Reflexões sobre as vitórias do caso Damião Ximenes. Disponível em: http://
www.conjur.com.br/2006-set-08/reflexoes_vitorias_damiao_ximenes
b) Caso Ximenes Lopes versus Brasil – Corte Interamericana de Direitos Humanos, Relato e Reconstrução
10 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 322.
11 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Recursos Internos no Direito Internacional. 2ª ed. Brasília: Universidade de Brasília,
1997, p. 254.
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RESUMO DO CASO
Em abril de 1992, a Sérvia realizou diversos ataques contra a Bósnia-Herzegovina, com o objetivo de fazer
uma limpeza étnica no território bósnio – isto é, expulsar da região ou mesmo eliminar qualquer indivíduo
que não fosse da etnia sérvia. As principais regiões afetadas pelos ataques foram Prijedor e Kazarac e os
principais alvos foram muçulmanos, imigrantes, croatas e judeus que viviam nas regiões.
O Sr. Dusko Tadic, agente de polícia, foi um dos principais responsáveis por essa operação. Além de
coordenar um massacre de indivíduos não-sérvios (em sua grande maioria, muçulmanos), Tadic e
seus pares, motivados por xenofobia, ordenaram a transferência de alguns indivíduos para campos
de concentração remanescentes da Segunda Guerra Mundial e situados em cidades próximas, como
Omarska, Keraterm e Trnopolje.
Nesses campos de concentração, as vítimas foram submetidas a todo tipo de tratamento desumano e
degradante, como a permanência em locais fechados sem água, comida e luz; agressões; estupros; e
diversas formas de tortura física e psicológica.
Em razão dos fatos ocorridos, o caso chegou ao Tribunal Internacional Penal para a ex-Iugoslávia, e o
senhor Dusko Tadic foi acusado de: a) ter violado a Convenção de Genebra de 1949, em razão da prática
de tortura (art. 2º, alínea „b‟, do Estatuto do TPII) e das inúmeras mortes decorrentes de suas ordens (art.
2º, alínea „a‟, do Estatuto do TPII; b) ter violado os costumes de guerra (art. 3º do Estatuto do TPII); c) ter
praticado crimes contra a humanidade, em razão dos estupros ocorridos nos campos de concentração
(art. 5º, alínea „g‟, do Estatuto do TPII), pela perseguição política, racial e religiosa (art. 5º, alínea „h‟, do
Estatuto do TPII) e pela prática de outros atos desumanos (art. 5º, alínea „i‟, do Estatuto do TPII).
O acusado alegou a incompetência do TPII para julgar o feito, bem como a ilegitimidade da resolução do
Conselho de Segurança da ONU que havia conferido competência para que o Tribunal Penal Internacional
para a ex-Iugoslávia julgasse o caso. Após a primeira instância tratar tais questões como “de cunho
político”, a Câmara de Apelação do TPII não acolheu as teses da defesa.
Assim, em 1997, o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia julgou e condenou Dusko Tadic a
vinte anos de detenção pela prática de crimes contra a humanidade, graves violações das Convenções
de Genebra e violações dos costumes de guerra. O Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia
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reconheceu que Tadic violentou e matou muçulmanos, croatas e outros indivíduos que não eram sérvios
na região de Prijedor, no nordeste da Bósnia. Foi reconhecida a possibilidade de configuração de crimes
contra a humanidade independentemente de estes estarem em conexão com crimes de guerra. Nesse
sentido, o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia e sua Câmara de Apelação superaram o
entendimento sedimentado pelo Tribunal de Nuremberg12, que limitava o julgamento dos crimes contra a
humanidade a situações em que estes delitos se encontravam em conexão com crimes de guerra.
O procurador do TPII solicitou uma pena de 20 anos para o Sr. Tadic e foi atendido. O ex-policial apelou,
mas não obteve êxito na reforma da sentença. Em 31 de outubro de 2000, Dusko Tadic foi transferido para
a Alemanha para que cumprisse o restante de sua pena, mas, já em 17 de julho de 2008, foi-lhe concedida
a liberdade antecipada.
FONTE
Antes de adentrarmos nos pontos importantes do caso, é importante realizar uma introdução para que
se alcance uma melhor compreensão do caso.
O Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia foi criado nos anos 90, após uma determinação do
Conselho de Segurança da ONU, para que se processassem e julgassem os responsáveis pelas violações
de regras do direito internacional humanitário13 no território da ex-Iugoslávia. Assim como o Tribunal Penal
Internacional para Ruanda (criado na mesma época), é um tribunal internacional de segunda geração. Por
fim, é mister ressaltar que, durante seu período de funcionamento, o Tribunal Penal Internacional para a
ex-Iugoslávia deve processar e julgar apenas os fatos ocorridos no território da ex-Iugoslávia desde 1993
até o início dos anos 2000; não pode formalizar novas acusações, com exceção dos crimes que venham a
interferir em sua administração. Vejamos a lição de André de Carvalho Ramos sobre a criação do Tribunal
Penal Internacional para a ex-Iugoslávia: “Nos anos 90 do século passado, o Conselho de Segurança da
ONU determinou a criação de dois tribunais penais ad hoc e temporários. De início, foi criado, em 8 de maio
de 1993, pela Resolução n. 827, o Tribunal Penal Internacional para os crimes contra o Direito Humanitário
cometidos na ex-Iugoslávia, com o objetivo de processar os responsáveis pelas sérias violações ao direito
internacional cometidas no território da antiga Iugoslávia. O Estatuto do Tribunal Internacional para a ex-
Iugoslávia (TPII, com sede em Haia) fixou sua competência para julgar quatro categorias de crimes, a saber:
graves violações às Convenções de Genebra de 1949; violações às leis e costumes de guerra; crimes contra
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a humanidade e genocídio14”.
14 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p.135-136.
15 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p.136-137.
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2. Obrigatoriedade dos membros da ONU de cooperar com o Tribunal Penal Internacional para
a ex-Iugoslávia: Ao contrário do Tribunal Especial para Serra Leoa16, que foi criado por um acordo entre
a Organização das Nações Unidas e o governo local, o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia
surgiu após uma determinação do Conselho de Segurança da ONU, órgão encarregado de resguardar
a paz e a segurança internacionais. É importante saber que as resoluções editadas pelo Conselho de
Segurança da ONU possuem caráter vinculante e obrigam os membros da Organização das Nações
Unidas a segui-las. Assim, o formato de instauração do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia
obriga os países-membros da ONU a cooperar com as ordens exaradas pelo TPII, conforme o art. 25 da
Carta da ONU17.
3. Condenação proferida por um Tribunal Internacional de segunda geração: O caso Dusko Tadic foi
processado e julgado por um Tribunal Internacional de segunda geração. Insisto na memorização dessa
classificação, pois eventuais questões de prova podem ser abordadas nesse sentido.
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“Tribunal Internacional tem primazia sobre as jurisdições nacionais”. Ou mais claramente, o TPII não tem
exclusividade, mas ele pode impor às instituições judiciárias nacionais em questão a renúncia a seu
favor. A primazia parece melhor adaptada para garantir a imparcialidade, que é uma condição
indissociável da ideia de justiça19” (grifo nosso).
Ainda nesse sentido, é a lição de José Cretella Neto: “O TPI-ex-I tem competência concorrente com a
de tribunais nacionais para processar acusados de sérias violações de Direito Internacional Humanitário
cometidas no território da antiga Iugoslávia. Contudo, pode alegar primazia em relação a tribunais
internacionais e assumir investigações e procedimentos locais em qualquer fase, se isso se mostrar
de interesse da justiça internacional20” (grifo nosso).
5. Desnecessidade do “war nexus” para caracterização de crime contra a humanidade: No caso Tadic,
a Câmara de Apelação do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia reconheceu a possibilidade
de existirem crimes contra a humanidade sem que fosse necessária uma situação de guerra (war nexus)
para a caracterização destes delitos. Nessa linha de raciocínio, esclarece André de Carvalho Ramos:
“[...] como se viu no Caso Tadic, no qual a Câmara de Apelação do Tribunal Penal para a ex-Iugoslávia
reconheceu que o direito internacional consuetudinário penal, após 1946, retirou do conceito de crime
contra a humanidade a exigência do vínculo com a situação de guerra. Assim, após Nuremberg,
a prática dos Estados reconheceu a existência de crimes contra a humanidade em casos de ditaduras
militares e assemelhadas21” (grifo nosso).
19 BEZELAIRE, Jean Paul e CRETIN, Thierry. A justiça penal internacional: sua evolução, seu futuro: de Nuremberg a Haia. São
Paulo: Manole, 2003. p. 95-96.
20 NETO, José Cretella. Curso de Direito Internacional Penal. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.167.
21 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p.301.
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constituição de um Tribunal Internacional Penal permanente, para julgar os indivíduos acusados de cometer
crimes de jus cogens posteriores à data de instalação do tribunal (evitando-se o estigma do tribunal “ad
hoc” e as críticas aos “tribunais de exceção”), sob o pálio do devido processo legal[…] 22”.
7. Primeiro caso a ser julgado no Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia23: A título de
curiosidade e também objetivando esgotar o tema, é interessante destacar que o caso Dusko Tadic foi
o primeiro caso a ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia. Sem sombra de
dúvida, o caso Tadic é o precedente mais importante deste tribunal de segunda geração e também o mais
abordado em provas de concurso.
d) das resoluções do Conselho de Segurança que os estabeleceram, vinculantes por força do art.
25 da Carta da ONU.
GABARITO: Letra D. Conforme o conteúdo abordado na presente rodada, o dever de cooperação com
os Tribunais Internacionais Penais para a ex-Iugoslávia e Ruanda decorre formalmente das resoluções do
Conselho de Segurança da ONU.
A assertiva „A‟ está errada, eis que os tribunais abordados pela questão foram instituídos por determinação
do Conselho de Segurança da ONU e não por acordo.
A assertiva „B‟ está errada, já que o motivo que obriga os Estados-membros da ONU a cooperarem com
os tribunais de segunda geração é o art. 25 da Carta da ONU.
A assertiva „C‟ esta errada, pois a máxima do aut dedere, aut judicare (ou extradite, ou julgue) não é
o fundamento formal que obriga os Estados a cooperar com o TPII e o TPIR, mas sim o fato de estes
tribunais serem estabelecidos por uma determinação do Conselho de Segurança da ONU. Além de estar
prevista em diversas convenções internacionais24, a cláusula do aut dedere aut judicare também encontra
22 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p.292.
23 Diversos outros casos foram julgados pelo Tribunal Penal Internacional para ex-Iugoslávia, como, por exemplo, os casos
Prosecutor vs. Kristic, Prosecutor vs. Vasiljevíc, Prosecutor vs. Kupreskic et al, Prosecutor vs. Blaskic, Prosecutor vs. Kumarac et
al, entre outros.
24 A cláusula do aut dedere aut judicare pode ser encontrada no art. 36.2 “a” da Convenção única sobre Entorpecentes de
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Nesse sentido, é também a posição de André de Carvalho Ramos sobre o tema: “O princípio do aut
dedere aut judicare (“extraditar ou julgar”) remonta a Grotius e tem como objetivo assegurar punição
aos infratores destas normas internacionais de conduta onde quer que eles se encontrem. Não
estariam seguros, na expressão inglesa, anywhere in the world28”.
Por fim, é de suma importância ressaltar que o Brasil adota o ideal grociano de aut dedere aut judicare.
Vejamos a lição de André de Carvalho Ramos sobre o ponto em questão: “Complementando esses
tratados internacionais, há a previsão do art. 7º do Código Penal que dispõe „Ficam sujeitos à lei brasileira,
embora cometidos no estrangeiro: (…) II – os crimes a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou
a reprimir‟. Na mesma linha, o Supremo Tribunal Federal possui precedentes que pugnam pela
aplicação da lei brasileira a condutas ilícitas ocorridas no exterior – cujos autores não estão sujeitos
à extradição – para cumprir o ideal grociano de „aut dedere aut judicare‟, revelando, aos olhos do
STF, „o compromisso ético-jurídico que o Brasil deve assumir na repressão a atos de criminalidade
comum29‟” (grifo nosso).
(MPF – Procurador da República – 27 CPR – 2014 – Prova Oral): Fale sobre o caso Dusko Tadic.
1961, no art. 22.2 “a” da Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas (1971), no artigo 16 da Convenção das Nações Unidas sobre
Crime Organizado Transnacional (2000), no artigo 11 do Tratado de Extradição do Mercosul (1998), entre outros documentos.
25 A cláusula do aut dedere aut judicare possui origem no brocardo aut dedere aut punire, formulado por Hugo Grócio no
contexto do paradigma da coexistência. Como, atualmente, o Direito Internacional é guiado por um viés cooperativo, o
brocardo foi adaptado para aut dedere aut judicare.
26 São os crimes de competência do Tribunal Penal Internacional: crimes de guerra, crimes contra a humanidade, genocídio e
o crime de agressão.
27 LESSA, Luiz Fernando Voss Chagas. Persecução penal e cooperação internacional direta pelo Ministério Público. Rio de
Janeiro: Lumen Juris. 2013, pp.62-63.
28 RAMOS, André de Carvalho. “O caso Pinochet: passado, presente e futuro da persecução criminal internacional”. Revista do
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, jan-mar 1999, p.110.
29 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p.287.
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BREVE RESPOSTA: O candidato deveria apresentar uma breve síntese do que foi abordado nesta rodada.
(MPF – Procurador da República – 27 CPR – 2014 – Prova Oral): Qual a importância do caso Dusko
Tadic para a persecução penal de crimes de jus cogens?
BREVE RESPOSTA: Foi no caso Dusko Tadic que o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia
decidiu que, para a caracterização de crime contra a humanidade, não é necessário o war nexus (conexão
com crime de guerra). Esse é o entendimento que prevalece até hoje na ordem internacional. O grupo de
trabalho do Ministério Público Federal sobre Justiça de Transição utiliza o caso Dusko Tadic como
exemplo para demonstrar a desnecessidade do war nexus para a persecução penal envolvendo
crimes contra a humanidade30.
INTERESSANTE
Embora a concepção de “crimes contra a humanidade” nos remeta ao período pós-Segunda Guerra
Mundial, o termo “leis de humanidade” se apoia em uma norma muito anterior, conhecida pelos estudiosos
do Direito Internacional Humanitário como “Cláusula Martens”. A cláusula recebe este nome por ter sido
proposta por Fyodor Fyodorovich Martens, consultor do czar russo, na Primeira Conferência da Paz, em
1899. Segundo o preâmbulo da Convenção de Haia de 1907 sobre os Costumes da Guerra Terrestre, fixa
esta cláusula que:
“Até que um código mais completo das leis de guerra seja editado, as altas partes
contratantes consideram conveniente declarar que, em casos não incluídos nas
regulamentações por elas adotadas, os civis e beligerantes permanecem sob a
proteção e a regulamentação dos princípios do direito internacional, uma vez que
estes resultam dos costumes estabelecidos entre povos civilizados, dos princípios da
humanidade e dos ditames da consciência pública”.
Sendo assim, ocorrendo situações de guerra envolvendo conflitos armados e não estando estas
regulamentadas pelas Convenções e Tratados de Direito Internacional Humanitário, haverá, com base na
Cláusula Martens, normas de direito consuetudinário para amparar as vítimas e a população que
se encontram em meio ao conflito armado. Cita-se como exemplo dessas normas o princípio da
humanidade32 e o princípio da necessidade militar33. Com a finalidade de dirimir eventuais dúvidas
30 O caso Tadic foi citado no recentíssimo parecer da PGR na ADPF 320. Essa ADPF pretende reconhecer a validade e o efeito
vinculante da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund vs. Brasil para com o ordenamento
jurídico interno.
31 A Cláusula Martens foi objeto de questionamento dos últimos dois concursos do Ministério Público Federal (26º e 27º CPR).
32 Proíbe que o Estado beligerante provoque sofrimento às pessoas e destruição de propriedades, se tais atos não forem
necessários para obrigar o inimigo a se render. É por conta do princípio da humanidade que são terminantemente proibidos
ataques direcionados exclusivamente contra civis, o que não impede que, eventualmente, alguma vítima oriunda da população
civil ou até mesmo do Comitê Internacional da Cruz Vermelha sofra dano; entretanto, todas as precauções devem ser tomadas
para que isso não aconteça.
33 O Estado deve restringir o uso da violência pregnada em um embate bélico ao indispensável para conquistar sua vitória.
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sobre a Cláusula Martens, é a lição de Eugênio José Guilherme de Aragão: “Isso significa basicamente
que, em caso de ausência de norma em uma guerra, as partes sempre têm que ter em mente que o conflito
é entre beligerantes, e não entre pessoas que nada têm a ver com o conflito, que estão fora do combate.
Em relação a essas devem ser sempre aplicadas as leis de humanidade34”.
Ainda sobre a cláusula em comento, o pensamento de André de Carvalho Ramos: “Ficou clara a
influência da “Cláusula Martens” (homenagem ao diplomata russo Fiodor Martens), que era a previsão
no Preâmbulo da II Convenção de Haia de 1899 sobre as leis e os costumes referentes à guerra terrestre,
que estabelecia a proibição geral – mesmo que não expressa – de condutas na guerra que ofendessem
os “princípios do direito internacional, usos e costumes das nações civilizadas, leis da humanidade e as
exigências da consciência pública35”.
PARA APROFUNDAR
a) RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3.ed. São Paulo: Saraiva,
2013.
b) CRETIN, Thierry e BAZELAIRE, Jean Paul. A justiça penal internacional: sua evolução, seu futuro: de
Nuremberg a Haia. São Paulo: Manole, 2003.
34 ARAGÃO, Eugênio José Guilherme de. Crimes contra a humanidade: Sistema Internacional de Repressão: http://aplicacao.
tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/6563/007_aragao.pdf?sequence=5
35 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p.278.
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RESUMO DO CASO
O caso em análise chegou até a Corte de San José no dia 31 de outubro de 2008, por intermédio da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e trouxe como suposta vítima o Sr. Oscar Enrique Barreto
Leiva. A vítima foi condenada pela Corte Suprema de Justiça da Venezuela em razão do exercício de
um mandato no ano de 1989 como diretor administrativo e de serviços do Ministério da Secretaria da
Presidência da República.
36 A Corte Interamericana de Direitos Humanos não admite o processo inquisitório, conforme o Caso Castillo Petruzzi vs. Peru
(“Caso dos juízes sem rosto”).
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Dessa maneira, o Estado da Venezuela foi ordenado a: 1) publicar alguns trechos da sentença exarada
pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Barreto Leiva vs. Venezuela; 2) pagar uma
indenização de U$$ 15.000,00 (quinze mil dólares) a título de indenização por danos imateriais e uma
quantia de US$ 10.000,00 (dez mil dólares) a título de gastos e custas com o processo despendidos pela
vítima ao longo dos anos; 3) conceder a possibilidade de o Sr. Barreto Leiva ter sua condenação revista
em sua integralidade; e 4) adequar seu ordenamento jurídico interno para garantir o direito de recurso
das decisões condenatórias, inclusive aquelas que gozam de foro por prerrogativa de função.
FONTE
OBS: É oportuno lembrar que há vozes na doutrina que não concordam com essa “convergência”
entre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e da Corte Interamericana no caso Barreto Leiva vs.
Venezuela37. Isso porque, na Ação Penal 470, a reapreciação do feito não foi realizada na sua integralidade,
como ocorreu no caso Barreto Leiva. O manejo do recurso de embargos infringentes foi oportunizado
apenas aos réus que obtiveram pelo menos quatro votos pela absolvição em determinado delito. Assim,
a Ação Penal 470/MG não oportunizou um duplo grau de jurisdição para todos os acusados e tampouco
realizou um rejulgamento integral da matéria.
2. Direito ao duplo grau de jurisdição na sua integralidade: No julgamento do caso Barreto Leiva,
pela primeira vez, a Corte Interamericana de Direitos Humanos concretizou o direito ao duplo grau
de jurisdição na sua integralidade. Nesse sentido, é a lição de Valério de Oliveira Mazzuoli38: “No
37 Muito embora se reconheça que o Min. Celso de Mello tenha citado o precedente Barreto Leiva vs. Venezuela em seu voto
pela admissibilidade dos Embargos Infringentes na Ação Penal 470/MG e que este entendimento já tenha sido adotado em
provas de concurso, como por exemplo, na última prova discursiva da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
38 MAZZUOLI, Valério de Oliveira, GOMES, Luiz Flávio. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Pacto
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caso Barreto Leiva contra Venezuela, a Corte, em sua decisão de 17.11.2009, apresentou suas surpresas:
a primeira é que fez valer em toda sua integralidade o direito ao duplo grau de jurisdição (direito de ser
julgado duas vezes, de forma ampla e ilimitada)”.
4. Réus da Ação Penal 470/MG (caso “Mensalão”) recorrem à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos para anulação do julgamento: Ainda com base no precedente Barreto Leiva vs. Venezuela,
alguns réus do processo do Mensalão recorreram até a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
postulando a anulação do julgamento. Os argumentos utilizados pelos advogados de José Dirceu, Katia
Rabello, José Roberto Salgado e Vinicius Samarane se baseiam na violação do duplo grau de jurisdição, eis
que os réus não eram detentores de foro por prerrogativa da função, bem como na atuação “incoerente
e casuística” da mais alta corte do Estado brasileiro no julgamento da Ação Penal 470/MG.
5. Para a Corte Européia de Direitos Humanos, não há que se falar em duplo grau de jurisdição
para os acusados que são julgados na corte máxima de seu país: Ao contrário do que decidiu
a Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Barreto Leiva vs. Venezuela, a Corte Européia
de Direitos Humanos possui entendimento consolidado pela não aplicabilidade do princípio do duplo
grau de jurisdição aos acusados que são julgados pelo tribunal máximo de seu país. Para a Corte de
Estrasburgo, o princípio do duplo grau de jurisdição também sofre limitações em determinadas situações,
como na hipótese em comento. Logo, há uma dissonância entre a interpretação da Corte Européia
de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Vejamos a lição de Aquila
Mazzinguhy: “A jurisprudência dessa Corte tem evoluído para entender que, se determinado acusado
goza de um privilégio processual de ser julgado originariamente pela mais alta corte de um país em razão
do cargo por ele ocupado, a não existência (ou possibilidade) de recurso a uma instância superior – uma
vez que essa é a única e última – não viola o princípio do Devido Processo Legal. A ponderação que
Estrasburgo tem feito opera na proporcionalidade entre o objeto da prerrogativa de função – proteção do
parlamentar em razão e no exercício de suas funções – e a necessidade de proteção ao interesse público,
como estampado em Cordoba v. Itália(2003) e Bossi v. Itália, (2009). Em outras palavras, para Estrasburgo,
o privilégio de foro está destinado a proteger os interesses do parlamento e não os interesses individuais de
deputados e senadores que, ao menos em teoria, cometeram determinados crimes. Para a Corte Europeia,
quando determinado parlamentar, que tem o privilégio processual criminal de ser julgado inicialmente pelo
San José da Costa Rica. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 151
39 Vide citação nº 3.
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mais alto tribunal de um país, comete atos totalmente estranhos à sua prática legislativa e esses constituem
crimes, entra em cena o interesse público, que se sobressai sobre o individual. Nesse particular, há também
sólida jurisprudência da orte.Em Pakdemirli v. Turquia (2001), Sadak e outros v. Turquia (2001),McElhinney
v. Reino Unido (2001) e Refah Partisi e outros v. Turquia (2003), resta clarividente que deixa de ser absoluto o
direito de recorrer a uma instância superior o parlamentar que, por prerrogativa de função, já tem iniciado o
seu persecutio criminis numa instância, a última da pirâmide judiciária daquele país, no qual anteriormente
já houvera regulamentado legalmente o foro privilegiado”40.
ATENÇÃO: O princípio do duplo grau de jurisdição não se encontra expressamente previsto na Constituição
Federal de 1988. Observa-se ainda que o direito interno não pode fazer exigências desarrazoadas e
desproporcionais em relação ao duplo grau de jurisdição no âmbito criminal41.
40 MAZZINGUHY, Aquila. Uma conversa sobre justiça, Direitos Humanos e mensalão. http://atualidadesdodireito.com.br/
aquilamazzinghy/2014/01/17/uma-conversa-sobre-justica-direitos-humanos-e-mensalao/ . (Acessado em 6 de janeiro de
2015).
41 Caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica, Corte Interamericana de Direitos Humanos. Sentença de 02.07.2004
42 O caso Barreto Leiva vs. Venezuela não foi afetado pela denúncia efetivada pelo Estado venezuelano, tendo em vista que
os fatos ocorreram muito antes de a Venezuela exarar sua vontade de se desvencilhar das obrigações oriundas da Convenção
Americana de Direitos Humanos.
43 Ato unilateral que explicita o desejo do Estado de não mais cumprir parte ou totalidade de tratado internacional.
44 Caso Ivcher Bronstein vs. Peru. Sentença de 24.04.1999. e Caso do Tribunal Constitucional vs. Peru. Sentença de 24.04.1999.
Ambos foram julgados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
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desejo do Estado de não mais cumprir parte ou totalidade de tratado internacional) restrita ao ato brasileiro
de 1998 que reconheceu a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos humanos. Conforme já descrevi em
livro anterior – salvo engano de modo inédito no Brasil –, já houve uma tentativa fracassada de denunciar
somente o ato de reconhecimento da jurisdição obrigatória da Corte. O reconhecimento da jurisdição
da Corte foi considerado “cláusula pétrea” do sistema interamericano. Assim, a Corte considerou
inadmissível a pretendida denúncia peruana, que não gerou qualquer efeito, continuando a apreciar os
chamados casos do Tribunal Constitucional e Ivcher Bronstein, ambos contra o Peru. (…) Assim, a Corte
Interamericana de Direitos Humanos decidiu que o ato do Estado que reconhece sua jurisdição obrigatória
aprimora o sistema protetivo da Convenção: eventual denúncia isolada desse ato seria retrocesso, proibido
pelo art. 29 da própria Convenção Americana de Direitos Humanos. Essa decisão da Corte fez com que o
ato de denúncia do reconhecimento da jurisdição da Corte pelo Peru de Fujimori restasse inválido. Após a
queda do ditador, o Peru manteve o reconhecimento45”.
(DPE/SP 2013 – PROVA DISCURSIVA): Discorra sobre o diálogo entre a Corte Interamericana de
Direitos Humanos e o Supremo Tribunal Federal no controle de convencionalidade do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos, analise criticamente e cite três casos jurisprudenciais
pertinentes ao assunto.
GABARITO ADOTADO PELA BANCA: “[…] Também pode ser citado o caso Barreto Leiva vs. Venezuela,
seguido pelo Ministro Celso de Mello em seu voto de desempate nos embargos infringentes da Ação Penal
nº 470 relativo ao duplo grau de jurisdição de altas autoridades em Corte Suprema”.
OBS: Conforme já ressaltado, é oportuno lembrar que há vozes na doutrina que não concordam com o
gabarito adotado pela banca da DPE/SP. Isso porque, na Ação Penal 470, a reapreciação do feito não foi
realizada na sua integralidade, como ocorreu no caso Barreto Leiva vs. Venezuela. O manejo do recurso
de embargos infringentes foi oportunizado apenas aos réus que obtiveram pelo menos quatro votos pela
absolvição em determinado delito. Assim, além de não oportunizar a reapreciação do feito para todos os
envolvidos no caso, o processo do “Mensalão” também não oportunizou uma reapreciação da matéria
na sua integralidade.
(DPE/RR – CESPE – 2013 - ADAPTADA): No que diz respeito à jurisprudência da Corte Interamericana
de Direitos Humanos, assinale a opção correta.
a) O Estado-parte poderá retirar o reconhecimento da jurisdição dessa corte sem denunciar a Convenção
Americana de Direitos Humanos, mas tal medida não atingirá os casos já submetidos ao julgamento
desse órgão.
A assertiva „A‟ está errada, eis que conforme explicado no item número 2 do tópico “Ponto interessante
45 RAMOS, André de Carvalho. A ADPF 153 e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. (in) Crimes da Ditadura Militar.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira (organizador). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.74-75.
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e) Depois de reconhecida pelo Estado-parte, a jurisdição dessa corte só cessará se houver a denúncia da
Convenção Americana de Direitos Humanos.
GABARITO: Letra E. Conforme o conteúdo abordado na presente rodada (item 2 do tópico “Ponto
Interssante envolvendo a Venezuela e a Convenção Americana de Direitos Humanos.
OBS: As outras assertivas da questão não versavam sobre o ponto da matéria em estudo.
Por fim, e a título de curiosidade, ressalta-se que a Corte Interamericana de Direitos Humanos já analisou
outros casos envolvendo o direito ao duplo grau de jurisdição, embora não se tratem de precedentes
envolvendo autoridades com foro por prerrogativa de função. São eles: Mohamed vs. Argentina, Vélez
Loor vs. Panamá, Castañeda Gutman vs. México e Castillo Paez vs. Peru.
PARA APROFUNDAR
b) MAZZUOLI, Valério de Oliveira. AP 470 - Corte Interamericana pode, sim, exigir novo julgamento.
Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-nov-19/valerio-mazzuoli-corte-interamericana-sim-exigir-
julgamento.
c) GOMES, Luiz Flávio. Julgamento do mensalão no STF pode não valer. Disponível em: http://www.conjur.
com.br/2012-set-25/luiz-flavio-gomes-julgamento-mensalao-stf-nao-valer.
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