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CUSTO E ESCOLHA

UMA INDAGAÇÃO EM TEORIA


ECONÔMICA
JAMES M. BUCHANAN

CUSTO E ESCOLHA
UMA INDAGAÇÃO EM TEORIA
ECONÔMICA

Tradução: Luiz Antonio Pedroso Rafael

Título original: Cost and Choice: An Inquiry in Economic Theory Licensed by


The University of Chicago, Chicago, Illinois, USA © 1969 by James M.
Buchanan. All rights reserved.

Preparação de originais e revisão técnica:


Jorge Vianna Monteiro Professor Associado, Depto. de Economia,
PUC-RJ
Carlos Roberto Faccina Professor Titular, Depto. de Economia,
Universidade Mackenzie
Paulo Sérgio Fenani Professor Assistente, Depto. de Economia,
Universidade Mackenzie

Revisão de provas:
Pedro Adão Ruiz

Edição da versão digital:


Monica Magalhães
Fábio Ostermann

Direitos para a versão digital concedidos por Instituto Liberal a


OrdemLivre.org, marca da Atlas Economic Research Foundation.
"Eu, também, saí em busca da expressão. Agora sei que meus
deuses não me concederam nada além da alusão ou menção."

Jorge Luis Borges


Prólogo de A Personal Anthology
James M. Buchanan e a Economia
Política Brasileira

Jorge Vianna Monteiro


Professor Associado,
Depto. de Economia, PUC-RJ

Há pelo menos três possíveis fontes na minha crítica à


economia política ortodoxa. Primeiro, fui influenciado por Frank
Knight e por F. A. Hayek em suas insistentes lembranças de que o
problema da ordem social não é científico, no sentido habitual.
Segundo, fui muito influenciado pela advertência de Knut Wicksell
de que os economistas deveriam parar de agir como se o governo
fosse um déspota benevolente. Terceiro, desde muito cedo no meu
pensamento rejeito a promoção que o economista ortodoxo faz da
eficiência alocativa como um padrão de avaliação independente.
J. Buchanan, 1992. 1

Enfim, publica-se no Brasil um livro do mais inovador dos


economistas contemporâneos. Não obstante ter ganho em 1986 o
Prêmio Nobel de Economia, o professor James M. Buchanan é
ainda razoavelmente desconhecido no meio econômico brasileiro.
Pior para todos nós!
De fato, a contribuição de Buchanan - que pode ser
sintetizada no paradigma em que as instituições contam, isto é, são
tratadas endogenamente à interação social - tem uma angustiante
atualidade para a crise da economia política brasileira: ela fornece a
referência analítica em que se enquadra boa parte dos dilemas
econômicos nacionais e, como tal, permite delimitar toda uma
classe de soluções que tem escapado sistematicamente à
consideração dos economistas brasileiros.

1
J. Buchanan (1992), Better than Plowing and Other Personal Essays, (Chicago:
The University of Chicago Press).

6
Mesmo um texto como Custo e Escolha, que aparentemente
se localiza na teoria microeconômica, tem um vínculo muito
especial com uma das grandes questões da política econômica
brasileira: o endividamento do Estado. Em verdade, este livro,
escrito em 1969 2, é uma erudita explanação do conceito de custo de
oportunidade e surgiu para esclarecer aspectos da questão da dívida
pública, na discussão que se seguiu à publicação de seu Public
Principies of Public Debt (1958).
Buchanan destaca-se nesse debate pela ênfase no aspecto
moral da dívida pública 3 e por considerar que os encargos da dívida
devam ser aferidos em termos das oportunidades não escolhidas ou
preteridas, e não em termos de transferências de recursos reais -
como ditava nos anos 50 e 60 a tradição keynesiana. Assim, o custo
da dívida reside não nos recursos per se, mas na utilidade associada
àquelas oportunidades de que se abre mão quando se empreende
uma escolha.
O capítulo final de Custo e Escolha também é muito
especial porque direciona a atenção do economista para a
caracterização do custo nas interações que se processam fora do
mercado: as escolhas coletivas que se resolvem nos processos
políticos são um exemplo.
E precisamente no estudo dessas public choices que
Buchanan tem contribuído de modo tão fundamental com sua
Teoria Econômica de Constituições (J. Buchanan e G. Tullock,
1962; J. Buchanan, 1975; G. Brennan e J. Buchanan, 1985).
De igual modo, é nessa dimensão que se resume a crise
econômica brasileira: como fazer com que o processo político possa
induzir seus participantes (os políticos) a produzir resultados de
interesse social, escapando, assim, da inerente tendenciosidade às
escolhas individualistas que associam cliente-lismo e oportunismo
eleitoral.

2
E com uma segunda edição em 1978.
3
Em entrevista à Revista Veja, 14 de Abril de 1993, Buchanan enfatiza ser "imoral
gastar recursos hoje e deixar a conta para gerações futuras".

7
Afinal, não podemos insistir em diagnósticos ingênuos que
pressupõem, por exemplo, que tudo que um ajuste fiscal precisa
promover é levar o déficit das contas públicas para um nível
"tolerável". O contexto de instituições democráticas situa esse
ajuste em outra perspectiva; que regras constitucionais restringirão
mais efetivamente o comportamento fiscal do governo?
Ou, numa observação de especial significado para a
economia brasileira contemporânea:

Concluir normativamente que a atividade empreendida


pelos governos é "demais" ou "de menos" parece ser um esforço
um tanto inútil, exceto quando se está preparado para sugerir
algumas possíveis (isto é, viáveis) modificações nas regras (...)
segundo as quais as decisões são tomadas (...) J. Buchanan e G.
Tullock, 1962, pág. 210 4.

A noção de uma constituição monetária e fiscal enfatiza a


necessidade de incorporar regras estáveis e previsíveis na política
econômica – o que reconhecidamente representa uma melhoria
tecnológica que promove a cooperação social e benefícios mútuos
para governo e agentes privados.
E o que trabalharia contra esse avanço na concepção de uma
estratégia macroeconômica?
A ação de pequenos grupos de interesse preferenciais que
obtêm ganhos, em decorrência da imprevisibilidade tão
característica das nossas instituições monetárias e fiscais em vigor,
pode ser um fator limitativo apreciável. Tais pessoas e organizações
investem recursos reais no desenvolvimento de suas habilidades
diferenciais quanto à previsão e reação diante da instabilidade do
comportamento dos agentes públicos (políticos, burocratas),
obtendo, assim, uma vantagem significativa no jogo da política
econômica. Elas poderiam amargar pesadas perdas transacionais

4
J. Buchanan e G. Tullock (1962), The Calculus of Consent: Logical Foundations of
Constitutional Democracy, (Ann Arbor: Michigan University Press)

8
com a evolução para o regime de regras monetárias e fiscais
estáveis.
No cenário de instabilidade institucional em que opera a
economia brasileira, a própria burocracia governamental e a
legislatura acabam por oferecer, elas próprias, exemplos sui generis
desse mecanismo de rent-seeking/rent-avoidance.
Em verdade, todo esse conflito distributivo deve ser
basicamente tratado em nível constitucional; caso contrário, a
operação governamental (nível pós-constitucional) transcorrerá
num contexto de intenso conflito redistributivo, com os processos
políticos atendendo as maiorias, a expensas das minorias.
Assim sendo, 1993 é uma boa ocasião para que se divulgue
entre nós a contribuição científica do professor James Buchanan:
afinal, estaremos, em breve, em plena fase de revisão da
Constituição. O objetivo do design constitucional seria uma
Constituição que:
* coordene a ação coletiva para a obtenção de um equilíbrio
(em que fiquem definidos, entre outros, o papel do Estado, o grau
de coerção permissível nas políticas públicas); e
* seja aceita como "boa" por um segmento expressivo da
coletividade, por não viabilizar a tiranização do Estado, exercida em
causa própria, ou em nome de qualquer coalização política.
Enfim, um resultado que a moderna literatura
macroeconônica rotula de um equilíbrio forte.
Perceba, no entanto, o leitor a aberração institucional em que
podemos incorrer quando aceitamos pontos de vista simplistas da
burocracia governamental que propõe que a "boa" Constituição seja
aquela que venha a viabilizar o plano econômico governamental.
É irrecusável, pois, reconhecer o quão significativa é a obra
do professor Buchanan e sua escola de pensamento 5 para o
desenvolvimento de uma percepção mais estratégica, e menos

5
Que tem sido rotulada alternativamente de "Escola de Virgínia" (originariamente,
esse grupo de cientistas sociais, teve por base Charlottesville, depois Blacksburg, e,
presentemente, Fairfax, todas cidades universitárias no Estado de Virgínia, EUA),
"Nova Economia Política", e "Public Choice".

9
contábil-operacional, da formulação da política econômica para os
anos 90 no Brasil.
Por fim, vale ressaltar dois aspectos muito interligados e
muito lembrados (A. Sandmo, 1990 6) na apreciação da obra de
James M. Buchanan. Sua contribuição é antagônica à engenharia
social, a que, vez por outra, tenta-se resumir a ciência econômica,
sobretudo pelos economistas que se deslocam da academia para
ocupar postos de comando na burocracia do Executivo.
Igualmente, é reconhecida a rara humildade desse
economista que não se considera um "economista natural" 7 (J.
Buchanan, 1992) e está sempre disposto a lembrar a seus leitores e
ouvintes que tudo teria sido muito diferente em sua vida não tivesse
ele literalmente tropeçado numa tese de Knut Wicksell, num
depósito da biblioteca da Universidade de Chicago –, e de cuja
leitura aprofundou sua compreensão do critério da unanimidade no
modelo de trocas voluntárias – ou aprendido, também em Chicago,
as virtudes do mercado, nos ensinamentos de seu admirado
professor Frank Knight, nos anos 40.
Contudo essa humildade não tem inibido que sua
criatividade o transforme no reformador de instituições – o que, por
vezes, desloca seu trabalho intelectual para a fronteira da economia
com a filosofia política, em que seu nome, ao lado de John Rawls,
está ligado à renovação do contratualismo social.
Foi com essa vocação que o professor Buchanan
corajosamente desafiou nos anos 60 e 70 o establishment
acadêmico, apontando uma falha original na construção do
receituário keynesiano de política econômica: o lastro institucional
da teoria de Keynes, especialmente na área fiscal, seria a razão para
que as soluções keynesianas, quando postas em prática, viessem
acompanhadas de substancial intervencionismo estatal, e

6
A. Sandmo (1990), Buchanan on Political Economy: A Review Article, Journal of
Economic Literature, XXVIII, Março, 50-65.
7
Ou seja, alguém com talentos intrínsecos que afloram, independentemente de
treinamento profissional, educação e experiência (J. Buchanan, 1987).

10
eventualmente tornarem-se incompatíveis com instituições políticas
de governo representativo (J. Buchanan e R. Wagner, 1977) 8.
Aí está outro angustiante sinal da atualidade do pensamento
do professor Buchanan para a economia política brasileira.
Nos últimos anos, no rastro de experimentos de
estabilização econômica, o governo tem aumentado
expressivamente sua presença na economia: os pesados déficits
orçamentários e a copiosa regulação econômica bem caracterizam
essa posição. É muito provável que isso seja uma conseqüência não
antecipada de políticas econômicas engendradas em modelos
teóricos que, em verdade, assemelham o governo a um déspota
benevolente, com o quadro institucional-legal-constitucional oculto
em condições do tipo ceteris paribus.
Deste modo, essa é uma conjectura relevante, sobretudo em
face da intensa erosão da ordem institucional no Brasil,
especialmente, como observado nos últimos anos, no âmbito da
constituição fiscal.
Por tudo isso, uma vez mais, é bem-vindo o lançamento de
Custo e Escolha.

Rio de Janeiro, 2 de julho de 1993.

* G. Brennan e J. Buchanan (1985)


The Reason of Rules: Constitutional Political Economy, (Cambridge: University
Press)
* J. Buchanan (1992)
Better than Plowing and Other Personal Essays, (Chicago: The University of
Chicago Press)
* J. Buchanan (1987)
The Qualities of a Natural Economist, em C.Rowley (Editor), Democracy and
Public Choice: Essays in Honor of Gordon Tullock, (Londres: B. Blackwell)
* J. Buchanan (1975)

8
J. Buchanan e R. Wagner (1977), Democracy in Deficit: The Political Legacy of
Lord Keynes, (New York: Academic Press).

11
The Limits of Liberty: Between Anarchy and Leviathan, (Chicago: The University
of Chicago Press)
* J. Buchanan e G. Tullock (1962)
The Calculus of Consent: Logical Foundations of Constitutional Democracy,
(Ann Arbor: Mi-chigan University Press)
* J. Buchanan (1958)
Public Principies of Public Debt (Homewood: Irwin)
* J. Buchanan e R. Wagner (1977)
Democracy in Deficit: The Political Legacy of Lord Keynes, (New York:
Academic Press)
* A. Sandmo (1990)
Buchanan on Political Economy: A Review Article, Journal of Economic
Literature, XXVIII, Março, 50-65

12
Prefácio
Edição original

Estamos diante de uma escolha. Devemos decidir agora se


leremos ou não este Prefácio, se leremos outra coisa, se pensaremos
em silêncio, ou talvez se escreveremos algo para nós mesmos. O
valor que atribuímos à mais atraente dessas várias opções é o custo
que deveremos pagar se optarmos pela leitura deste Prefácio agora.
Este valor é e deve permanecer inteiramente especulativo; ele
representa o que pensamos agora em relação ao que a outra
oportunidade poderia oferecer. Após termos nos decidido pela
leitura deste Prefácio, qualquer chance de compreender a opção e,
por conseguinte, medir o seu valor terá se desvanecido para sempre.
Apenas durante o momento ou o instante da escolha é que o custo
pode ser capaz de modificar o comportamento.
Se tivéssemos decidido há alguns instantes que a nossa
avaliação da outra opção excedia àquela que seria esperada da
leitura deste Prefácio, teríamos então perdido a prosa trivial deste
economista. Contudo, se a tivéssemos rejeitado desde o princípio,
jamais poderíamos saber o que teríamos perdido. Os benefícios de
que ora nos asseguramos através da leitura do presente Prefácio não
são comparáveis com os custos que teríamos de arcar em decorrên-
cia da escolha da opção mais atraente. Esses benefícios, se cabíveis,
existem e podem ser avaliados após o fato. Os custos que podem ter
influência sobre o comportamento não existem; nunca são
concebidos; não podem ser mensurados após o fato.
Não obstante, ao concluirmos a leitura deste Prefácio, algo
terá acontecido, algo capaz de ser avaliado. Podemos pensar sobre
o que faríamos com esses minutos e, caso desejável, poderíamos
traduzir esses "poderiam ter sido" que nunca foram em termos de
valores.

13
Um observador do nosso comportamento, conhecendo a
escolha com a qual nos deparamos, poderia efetuar uma estimativa
objetiva dos minutos do nosso tempo de expediente que a leitura
deste Prefácio exigiria. Após havermos feito nossa decisão, esse
observador poderia olhar o relógio e verificar as suas estimativas
objetivamente. Se ele conhecesse o valor de remuneração das outras
opções, teria condições de atribuir algum valor a esse tempo de
expediente, um valor objetivo útil para inúmeras finalidades de
comparação. Evidentemente, o observador não seria capaz de
estimar com precisão o valor que poderíamos atribuir às nossas
próprias oportunidades perdidas antes da escolha ou depois dela.
Na argumentação ordinária, denominamos ambas as
avaliações, as nossas próprias e as do observador, de "custos". O
observador externo do nosso comportamento poderia afirmar que a
leitura do presente Prefácio nos custou ou terá custado X minutos,
que ele estima valer Y dólares. Via de regra, diríamos que a mesma
atividade "nos custará X minutos se dormirmos" ou "terá custado
X minutos se tivéssemos estado dormindo". O que se deve observar
é que esses vários usos da palavra "custo" são categoricamente
diferentes. O hábito lingüístico dita uma mesma palavra para várias
coisas diferentes. Não é nenhuma surpresa a enorme confusão,
especialmente entre os economistas, que se faz em relação à palavra
custo.
Já discorri o suficiente sobre o sumário do argumento
principal deste livro. As idéias centrais são simples e não tenho
pretensão alguma de alcançar a sofisticação analítica. Minha
hipótese de trabalho é de que muitos economistas mergulham
profundamente na complexidade da análise enquanto deixam de
perceber determinados pontos da lógica econômica elementar. As
explanações teóricas podem não ser pertinentes a determinadas
aplicações, e aqueles que estão ansiosos por prosseguir na busca da
cura dos males da humanidade poderão escarnecer-se da minha
insistência em relação à purificação metodológica. O seu ceticismo
poderá aumentar ao reconhecer que, em qualquer confronto
preliminar, as suas próprias opiniões equiparam-se às aqui
desenvolvidas. Há poucos economistas modernos que deixariam de

14
aceitar a definição elementar do custo de oportunidade. Os textos
convencionais são férteis em afirmações supostamente bem
entendidas.
Sugiro que haja uma diferença significativa entre estas
definições de segunda ordem e aquelas implícitas na análise que
segue. O custo de oportunidade tende a ser definido de modo
aceitável, entretanto não permite a introdução da lógica do conceito
para informar as aplicações analíticas subseqüentes. Tenho como
meta utilizar a teoria do custo de oportunidade para demonstrar as
diferenças metodológicas básicas que, de um modo geral, passam
despercebidas e para mostrar que o uso constante dessa teoria traz
mais luz a importantes áreas de divergência sobre assuntos
relacionados com políticas. Somente no setor de finanças públicas,
os debates sobre incidência de impostos, a capitalização tributária, o
fardo da dívida pública e o papel da análise de custo-benefício
poderão ser resolvidos em parte, se os protagonistas aceitarem os
conceitos comuns de custo. O estado indesejável em que se
encontra a economia do bem-estar ao menos poderá ser entendido e
apreciado mais adequadamente, se as confusões incorporadas ao
custo forem reveladas. O caloroso e extensamente latente debate
anterior sobre a possibilidade do cálculo socialista talvez ressurja
com um brilho diferente. Algo pode ser dito sobre importantes
tópicos da atualidade, como o serviço militar e a criminalidade.
Nenhuma destas ou quaisquer outras aplicações de políticas será
discutida exaustivamente. Discussões desse tipo exigiriam no
mínimo um livro de igual porte ao do presente volume para desatar
os nós górdios que as ambigüidades da teoria do custo produziram.
Meu objetivo secundário é investigar a evolução das idéias
na concepção do custo. Principalmente em virtude de os modernos
economistas demonstrarem uma relativa negligência em relação à
matéria. Desejo salientar a contribuição oriunda da tradição da
London School of Economics, tradição esta ainda não amplamente
reconhecida, e à qual nem mesmo os seus próprios membros lhe
dão o devido crédito.

15
A escola austríaca contemporânea poderá sugerir
especialmente, com alguma razão, que a teoria desenvolvida seja
rotulada adequadamente como "austríaca". Sem dúvida alguma, a
concepção inglesa vale-se de uma importante fonte austríaca.
Contudo, ao ler os antigos austríacos juntamente com as
contribuições feitas por Londres, convenço-me de que foram
adicionados atributos singularmente característicos e de que toda a
construção alcançou sua viabilidade operacional apenas em
Londres. Para ilustrar este ponto, muito do que me parece ser da
teoria ortodoxa do custo pode ser atribuído diretamente às suas
fontes austríacas. Segundo minhas leituras e interpretações,
Wicksteed merece crédito por fornecer uma fonte da tradição da
escola inglesa distintamente não-ortodoxa, que é igual ou talvez
mais importante que a de Viena. Os seguidores americanos de H.J.
Davenport, cujas idéias pessoais em relação ao custo eram
altamente perceptivas, não geraram uma tradição que possa ser
comparável à de Londres.
As principais fontes da moderna tradição de Londres estão
representadas nos estudos de Robbins, Hayek e Coase, realizados
durante a década de 30. Essas tradições são seguidas
insistentemente pelos escritos duramente negligenciados de Thirlby,
que se estendem de 1946 a 1960. Na década de 50 foram publicados
estudos adicionais por Jack Wiseman sobre essa tradição. Todavia,
esses materiais publicados são aparentemente os únicos resíduos vi-
síveis atualmente de um extenso diálogo que talvez tenha sido parte
integrante do ensino de economia na escola inglesa por um período
de aproximadamente trinta anos.
O capítulo 1 esboça a história doutrinal da teoria do custo
antes de 1930. O capítulo 2 discute as origens e o desenvolvimento
da teoria de Londres e o capítulo 3 apresenta sucintamente a teoria
do custo de oportunidade em dois contextos analíticos contrastantes.
Os capítulos restantes do livro são devotados a suas aplicações. O
capítulo 4 examina a teoria do custo nas finanças públicas,
aplicação que despertou meu interesse pessoal pela necessidade de
elucidação teórica. O capítulo 5 usa a lógica do custo de
oportunidade como uma forma de reconsideração das normas de

16
bem-estar de Pigou. O capítulo 6, o mais importante e o mais difícil
do livro, demonstra a importância da teoria básica do custo em todo
o reino do processo decisório não relacionado com o mercado.

17
Agradecimentos

Considero-me afortunado por poder considerar Frank H.


Knight como "meu professor", e sua influência sobre o meu
pensamento revela-se em sua forma mais direta neste livro do que
em qualquer outro trabalho. A sua insistência para que as idéias
fundamentais estivessem corretas, bem como as suas importantes
contribuições para a teoria do custo foram a fonte de inspiração de
meus esforços.
Mais especificamente, desejo também agradecer aos muitos
alunos, colegas e condiscípulos; aos alunos dos seminários do
programa de pós-graduação de 1965 e 1967 na Universidade de
Virgínia, que sofreram comigo durante os períodos críticos, no auge
de minhas incertezas. Em 1967 foi circulado um esboço preliminar
e tive a sorte ser contemplado com muitos conselhos úteis de
revisão. Neste sentido, desejo agradecer a contribuição de William
Breit, R.H. Coase, F.A. Hayek, Mark Pauly, Roger Sherman, G.F.
Thirlby, Gordon Tullock, Richard E. Wagner, Thomas Willett e
Jack Wiseman. Apesar de não se aperceberem na época, Francesco
Forte e S.H. Frankel deram-me motivação para o debate nos
momentos em que o meu próprio entusiasmo se enfraquecia.
Em numerosas outras ocasiões, meu trabalho neste livro foi
facilitado em muitas etapas por minha secretária Betty Tillman cuja
lealdade e devoção raramente serão igualadas neste mundo cada
vez mais impessoal de estudos acadêmicos.

J. M. B.
Los Angeles, Março de 1969
Sumário

Capítulo 1 O Custo na Teoria Econômica

Economia Clássica 23
A Economia da Utilidade Marginal 31
A Síntese de Marshall 35
Frank Knight e os Paradigmas Neoclássicos 37

Capítulo 2 As Origens e o Desenvolvimento de uma Tradição


Inglesa

Wicksteed e o Cálculo da Escolha 41


H.J. Davenport 43
Knight e o Custo como Avaliação 44
Robbins, 1934 44
Mises, Robbins, e Hayek e o Cálculo em uma Economia Socialista 46
Hayek, Mises e a Economia Subjetivista 49
A Importância Prática do Custo de Oportunidade: Coase, 1938 53
G.F. Thirlby e The Ruler 57
O Human Action de Mises 62
A Morte de uma Tradição? 63
Apêndice do Capítulo 2: O Trabalho de Shackle sobre Decisão 64

Capítulo 3 Custo e Escolha

A Ciência Prognóstica da Economia 67


O Custo na Teoria Prognostica 71
O Custo em uma Teoria de Escolha 72
O Custo Influenciando a Escolha e por ela Influenciado 74
Custo de Oportunidade e Custo Real 75
A Subjetividade dos Custos Históricos 78
Custo e Equilíbrio 80

19
Capítulo 4 O Custo dos Bens Públicos

A Teoria da Incidência de Tributação 83


Os Custos e o Processo Decisório Fiscal: O Modelo Democrático 87
Os Custos e o Processo Decisório: O Modelo Autoritário 90
Os Custos e o Processo Decisório: Os Modelos Mistos 91
A Escolha Entre Projetos 93
Os Custos do Financiamento da Dívida de Bens Públicos 95
O Teorema da Equivalência de Ricardo 99
Capitalização de Tributação 101

Capítulo 5 Custo Privado e Social

Análise Sumária 101


Um Exame Mais Minucioso 105
Custos Internos, Equilíbrio e Quase-Rendas 109
Um Exemplo Ilustrativo 110
A Economia Pigouviana e a Ética Cristã 113
O Estreito Interesse Próprio e as Alternativas
de Quase-Rendas de Oportunidade 115
Conclusão 117

Capítulo 6 O Custo sem os Mercados

Preços, Custos e Equilíbrio de Mercado 120


O Preço do Serviço dos Recursos como Custo do Produto Final 121
Equilíbrio de Mercado, Custos e Quase-Rendas 123
O Custo do Efetivo Militar, um Exemplo 125
O Custo da Criminalidade: um Outro Exemplo 128
O Processo de Escolha Artificial 131
O Cálculo e a Escolha Socialista 132
Os Custos na Escolha Burocrática 135

Principais Obras do Autor 140


O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICA

O Custo na Teoria Econômica

Economia Clássica

"Se, em uma nação de caçadores...


...matar um castor geralmente custa
o dobro do trabalho de matar um
cervo, é natural que um castor deva
ser trocado por ou ter o valor de
dois cervos." 1

A teoria clássica do valor de troca pode ser sumariada da


forma acima. Adam Smith não teve o mesmo cuidado que este seu
companheiro contemporâneo que tece suas suposições com maior
precisão, porém talvez seja esse o motivo que nos faça gostar de ler
The Wealth of Nations. O valor normal ou natural na troca é
determinado pelos custos relativos de produção, o que responde às
questões principais da economia clássica.
Os custos são calculados em unidades de produção de
recurso. A frase "geralmente custa" significa que um gasto de
recurso específico é exigido, um gasto que pode ser estimado
antecipadamente com alguma precisão e mensurado após o fato,
tanto pelo proprietário do recurso como por um observador externo
que também faz o papel de contabilista de custos. Os custos

1
Adam Smith, The Wealth of Nations (New York: Edição da Random House
Modem Library, 1937), pág. 47.

21
CUSTO E ESCOLHA

relativos de produção são quantificáveis objetivamente, não sendo


necessário nenhum processo de avaliação. Se houver um padrão de
mensuração, os custos relativos poderão ser computados do mesmo
modo que os pesos relativos de maçãs ou batatas. No modelo
elementar e hipotético de Smith, o padrão para mensuração é
representado por uma unidade de tempo de trabalho homogêneo.
Não há insumos não originados da mão-de-obra (nenhum outro
"bem negativo"). As funções de produção tanto para o cervo quanto
para o castor são lineares e homogêneas; em outras palavras, o
cervo e o castor encontram-se disponíveis em quantidades
ilimitadas nos níveis predominantes de custo relativo.
Mesmo em um modelo tão simples, por que os custos
relativos determinam os valores normais de troca? Isso ocorre
porque supõe-se que os caçadores sejam indivíduos racionais que
maximizam uma utilidade que permita identificar os "pontos bons"
avaliados positivamente e os "pontos ruins" avaliados
negativamente nas funções de sua utilidade. Se, por qualquer mo-
tivo, os valores de troca chegarem a alguma proporção diferente
daquela dos valores de custo, o comportamento será modificado. Se
um determinado caçador souber que é capaz, com o gasto de um dia
de trabalho, de matar dois cervos ou um castor, ele não optará por
matar cervos se o preço de um castor for equivalente ao de três
cervos, mesmo que ele faça parte da demanda, ou seja, um
consumidor final apenas de cervos. Ele poderá "produzir" cervos a
um custo menor através da troca nessas circunstâncias. Ao devotar
um dia de seu tempo para matar um castor e posteriormente trocá-lo
por cervos, esse caçador acabará ficando com três, e não dois,
cervos. Dada a possibilidade de todos os caçadores comportarem-se
da mesma forma, nenhum cervo será produzido até e a menos que o
valor esperado de troca retorne à condição de igualdade em relação
à razão do custo. Qualquer divergência entre o valor esperado de
troca e o valor do custo esperado neste modelo seria reflexo de um
comportamento irracional da parte dos caçadores.
Segundo esta interpretação, a teoria clássica personifica o
conceito do custo de oportunidade. Para o caçador que se encontra
a ponto de tomar uma decisão de caráter alocativo, o custo de um

22
O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICA

castor é igual ao de dois cervos e o custo de um cervo equivale ao


de meio castor. Em uma razão de troca de um para dois, cada
caçador em perspectiva deverá estar à margem da indiferença. A
produção física e a produção através da troca geram resultados
idênticos. O tempo de trabalho, o padrão de mensuração, representa
o denominador comum por meio do qual os custos de oportunidade
são calculados.
O valor de troca realizado não é necessariamente igual ao
valor do custo realizado no modelo elementar cervo-castor nem, via
de regra, no modelo clássico. Como pudemos interpretar, deve
haver uma indeterminação competitiva na alocação de recursos para
a produção de cervos e castores. Se, relativamente aos padrões
predominantes de demanda, uma grande quantidade de caçadores
decide produzir castores em um determinado dia, o preço ou valor
de mercado do castor cairá para um valor abaixo do custo. Ou,
alternativamente, se o padrão de demanda sofre uma rápida
modificação enquanto a alocação de recursos permanece
substancialmente inalterada, idêntico resultado pode ser esperado. O
preço, que é um valor realizado de troca, não só pode divergir como
realmente divergirá do valor do custo realizado. Quando isso
ocorre, entretanto, alguns dos caçadores analisarão a ocasião em
que a decisão foi tomada e concluirão que cometeram erros.
Não existe casualidade unilateral neste modelo cervo-castor.
Os custos relativos determinam os valores normais de troca. De
modo implícito, a teoria pressupõe que as previsões sobre as
relações de produção, as razões entre insumos e produção
apresentam uma precisão consideravelmente maior dos que as
previsões sobre os padrões de demanda. Esse fato converte a teoria
em uma elegante hipótese operacional. Pode-se introduzir
mensurações objetivas externas que deverão gerar previsões sobre
os valores normais de troca. Essas previsões podem ser
tendenciosas.
A teoria não prevê o valor normal de troca quando a
produção não é possível, isto é, quando a oferta é fixa. Nesse caso,
o valor normal de troca, do mesmo modo que o valor realizado de
troca em todos os casos, é estabelecido pelas forças da demanda.

23
CUSTO E ESCOLHA

Contudo, para Adam Smith, esse fato, por si só, não incorporaria
uma teoria de previsão. Não se pode introduzir nenhuma tendência
comportamental que relacione os valores dos "bens" entre si em
termos de algum denominador comum identificável objetivamente.
A respeito desses bens cuja oferta é fixa, Smith simplesmente
negaria e existência de uma teoria de valor. Observada neste
contexto, a infame afirmação de J.S. Mill que nada mais poderia ser
dito sobre a teoria de valor pode ter uma interpretação um pouco
mais favorável do que os economistas modernos lhe tenham dado.
O valor de troca tende a ser mais equitativo se houver um
custo de produção passível de mensuração objetiva. Esta
proposição é positiva e está isenta de conteúdo normativo. Não se
afirma ou se subentende que o preço de mercado deva igualar-se ao
custo de produção. Em um sentido mais direto, a economia clássica
não possui uma teoria normativa de alocação. A uniformização do
retorno de unidades semelhantes tende a emergir do postulado
básico do comportamento racional em conjunto com a identifi-
cação implícita dos "pontos positivos" e "pontos negativos" na
função de utilidade dos indivíduos.
A interpretação esboçada acima é injusta para aqueles que
criticam a economia clássica. São abundantes as confusões em
relação a muitos pontos de análise. Os problemas começam ao
abandonarmos a simplificação extrema do modelo de insumo único
e homogêneo de Smith. A complexidade do raciocínio clássico é
centralizada na busca de um denominador comum comparável de
valor quando os insumos (bens negativos) são heterogêneos. A ge-
nialidade de Ricardo não foi capaz de solver este desafio, apesar de
seus valentes esforços. A teoria de Rent explicou repetidamente,
embora de forma insatisfatória, o retomo de propriedade. Contudo,
os quocientes de trabalho-capital permaneceram e a alternativa de
Marx em relação ao tempo de trabalho "socialmente necessário" foi
um recuo àquela circularidade que toda a teoria clássica havia se
preparado para burlar.
Smith e, finalmente, Ricardo foram forçados a reabilitar a
pertinência pragmática da teoria em prejuízo de sua elegância. As
unidades heterogêneas de insumo eram mensuradas através dos
preços monetários estabelecidos em mercados de fatores. O custo

24
O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICA

de produção dos bens era calculado em dinheiro. Como explicação


elementar do valor de troca normal ou natural de um bem
específico, as características essenciais do modelo cervo-castor
continuam válidas. O valor de troca normal de um par de sapatos
tenderá a ser igual a $10, se o custo monetário para a produção de
sapatos for igual a $10, ou seja, o desembolso necessário feito aos
proprietários de todos os recursos de produção. Infelizmente, a
elegância e a objetividade do mundo do cervo-castor desaparecem
neste modelo mais realista de custo de produção. O custo de
oportunidade objetivo de um castor no modelo de Smith é igual a
dois cervos visto que "geralmente" é necessário o dobro do insumo
físico para a produção de um castor. Em um contexto mais realista,
qual seria o custo de oportunidade de um par de sapatos? Os custos
são mensurados em numéraire ∗ e estes refletem os valores dos
insumos físicos. Desaparece a conexão direta entre esses dois
insumos e os produtos alternativos. Afirmar que os pagamentos aos
proprietários dos recursos de produção totalizam $10 não implica,
ao menos diretamente, que os produtos alternativos avaliados em
$10 possam ser produzidos.
Se os custos forem iguais a $10, o produtor deve esperar um
valor de pelo menos $10. O postulado de comportamento racional
juntamente com a inferência de que o numéraire seja desejado
positivamente ainda implica que o valor esperado seja igual ou
superior aos custos. Mas o que então determina os custos? A teoria
já não é mais tão simples a ponto de permitir que concentremos
nossa atenção em um momento de decisão, um ato de escolha. Em
vez disso, devemos então pensar em uma cadeia de decisões
interligadas relacionada a quantidades variáveis de produção, a
períodos de tempo distintos e aos muitos indivíduos que decidirão.
O produtor, em face de um desembolso quase certo de $10, deve
esperar um valor superior a esse montante caso se decida a
produzir. Entretanto, os proprietários dos recursos, que se


N.T.: Numéraire - Bem econômico escolhido arbitrariamente para servir de
denominador comum de um valor imutável, ou seja, como moeda de valor constante
em cujos termos são expressos todos os demais preços.

25
CUSTO E ESCOLHA

encontram atual e teoricamente separados do produtor-empresário,


também devem tomar decisões. Por que a soma dos insumos é igual
a $10? Os valores de troca são estabelecidos para as unidades de
recurso nos mercados, sendo que se deve supor que cada
proprietário espere valores superiores aos custos ao tornar dis-
ponível uma unidade de recurso. Porém, quais serão os seus custos?
Os economistas clássicos eram obrigados a discutir os custos de
produção de recursos primários.
Acreditavam que, até certo ponto, eram bem-sucedidos em
relação à mão-de-obra não qualificada ou comum. No modelo
elementar de Smith, o custo de um castor é igual ao de dois cervos,
que, para fins de comparação, é medido como o trabalho de um dia,
o tempo necessário para o abate de qualquer uma das opções que o
caçador tem à mão. O custo do tempo de trabalho ordinário é
representado pelo milho necessário à nutrição do trabalhador, que
lhe permitirá multiplicar sua espécie. Novamente, esse milho pode
ser mensurado segundo o tempo de trabalho necessário para a sua
produção ou cultivo. Entretanto, é muito grande a diferença
analítica entre essas duas afirmações, sendo que na última podemos
observar uma extensão falsa de uma teoria de valor de troca
basicamente correta. O teorema do custo de oportunidade, sobre o
qual é centrado o modelo do cervo-castor, desaparece quase que por
completo na teoria de salários pela mão-de-obra comum. O tempo
de trabalho de um dia mensura o custo de um castor em virtude de
representar um produto genuinamente alternativo, dois cervos.
Pode-se presumir que o tempo de trabalho de meio dia mensure o
custo de um trabalhador, não porque represente qualquer produto
genuinamente alternativo, mas porque representa o gasto necessário
à sua nutrição. A relação de insumo-produção encontrada no
modelo mais simples foi sutilmente modificada. O insumo de mão-
de-obra que mede o custo de um castor é aquele necessário à
produção da alternativa igual a dois cervos. E nenhum castor seria
abatido se a razão adequada de valor esperado não fosse válida. O
gasto efetivamente exigido para o abate de um castor é de muito
pouca importância em relação ao valor realizado de troca. Em
comparação, a teoria clássica de salários não inclui nenhuma con-

26
O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICA

sideração a respeito da alternativa de produzir um trabalhador.


Mesmo o crítico mais favorável encontraria dificuldade para inserir
o pensamento do custo de oportunidade na análise.
Talvez devido a essa dificuldade é que Smith e Ricardo se
esquivaram de uma análise mais rigorosa ao discutir salários.
Formulou-se uma teoria clássica medíocre que relacionava os
salários aos níveis de subsistência. De acordo com essa teoria de
salários, baseada nos princípios malthusianos de população, a teoria
do custo do valor de troca perde quase todas as suas amarras de
custo de oportunidade. Os salários do trabalho não qualificado
tendem aos níveis de subsistência, não em decorrência de um
resultado previsível do comportamento racional do indivíduo, mas
em conseqüência dos controles naturais impostos pela fome e as
epidemias. Rompe-se a relação entre o valor de troca e o
comportamento de escolha do indivíduo - e com ela a lógica
essencial de qualquer teoria sobre custo de produção. Essa teoria
clássica de salários está quase que desprovida de conteúdo
comportamental.
Ainda não tivemos a oportunidade de mencionar um foco de
confusões que atormenta e às vezes domina o debate clássico sobre
custo. Este foco é representado pelo conceito de custo da dor,
geralmente chamado de custo real. Não satisfeitos em buscar uma
teoria prognóstica para o valor de troca, os escritores clássicos
procuraram "explicar" o surgimento do valor em um certo sentido
filosófico básico. O esforço e a dificuldade, a dor física inerente ao
trabalho parecia "justificar" o pagamento de salários. A observação
revelou que o capital também era remunerado. Desse modo, o
conceito de abstinência desenvolvido por Senior pareceu colocar o
capitalista ao lado do assalariado como consignatário de
compensações justificáveis. Não devemos subestimar a importância
dessa doutrina de custo real em semear mais dúvidas. Mesmo nos
dias de hoje, a teoria da vantagem comparativa ensinada por

27
CUSTO E ESCOLHA

inúmeros analistas sofisticados evidencia o seu manifesto absurdo,


embora, felizmente, com poucos danos 2.
O custo realmente reflete a dor ou o sacrifício; é esse o
significado elementar da palavra. Contudo, devemos reconhecer o
problema lingüístico com o qual se deparam os economistas ao usar
o termo "custo" para expressar coisas bastante distintas. Toda e
qualquer oportunidade no reino da possibilidade, cuja antecedência
permita escolher uma alternativa preferida mas mutuamente
exclusiva, refletirá os "custos" ao ser "sacrificada". E a sua rejeição
deve implicar dor a despeito do fato de um prazer diferencialmente
maior ser prometido pelo deleite proporcionado pela alternativa
mutuamente exclusiva. Custo e dor estão longe de serem
antônimos, contrariamente ao que os debates menos rigorosos
parecem sugerir; o conceito de custo como dor ou sacrifício é e
deve ser fundamental à idéia de custo de oportunidade. Em alguns
aspectos, do tratamento clássico, o conceito de dor-como-sacrifício
pôde ser entendido. Como já mencionamos, o custo do acúmulo de
capital foi debatido em termos de "abstinência": a abstenção do
consumo do capital permite que ele se multiplique. É evidente que
esse fato envolve o raciocínio de custo de oportunidade.
Entretanto, para a maioria, o conceito de custo real ou de
custo de dor na economia clássica refere-se a algo muito diferente.
A dor, em um contexto de comportamento, também pode surgir
quando nada é sacrificado. A dor ocorre quando, em decorrência de
uma cadeia de eventos passados, a utilidade do indivíduo é reduzida
sem contrabalançarem os prazeres. O gasto necessário de trabalho
poderá implicar dor, algo que, dentro dos limites, seja passível de
mensuração através do suor, fadiga muscular e lágrimas. A transfe-
rência de bens de capital para o atendimento de uma obrigação de
pagar uma dívida, impostos ou pedágio em uma rodovia, também
envolve dor em relação a algo que poderá ser mensurado de modo
aproximado por meio da redução no valor líquido do balanço do

2
Mesmo em 1967, os economistas necessitavam ser avisados dessa falácia. Para
maiores informações sobre o assunto, vide Royall Brandis, The Myth of Absolute
Advantage, American Economic Review, LVII (março de 1967), 169-74.

28
O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICA

indivíduo. Neste segundo sentido, o custo de dor não tem nenhuma


conexão com o sacrifício deliberado de opções. A expectativa dessa
dor poderá gerar informações para a comparação das oportunidades
alternativas de escolha, porém a realização dessa dor é de pouca im-
portância para explicá-la ou justificar seu valor. Esta distinção vital
entre as duas diferentes noções do custo de dor não foi reconhecida
pelos economistas clássicos e tampouco pelos seus inúmeros
sucessores. As raízes de muitas ambigüidades modernas se
originam da clássica falta de percepção dessa diferenciação, uma
falha que a economia neoclássica não eliminou a contento.

A Economia da Utilidade Marginal

A teoria de valor foi revolucionada após 1870. A teoria


clássica do custo de produção deu lugar à teoria de utilidade
marginal, que foi desenvolvida de modo variado por (William
Stanley) Jevons, (Karl) Menger e (Leon) Walras. Esses teóricos
sentiam-se de algum modo menos comprometidos do que os seus
predecessores clássicos para definir custos precisamente pela
simples razão que, para eles, os custos eram muito menos
importantes na explicação do valor de troca. Pelo menos nos
estágios elementares da análise, esses indivíduos mostravam-se
dispostos a aceitar as definições clássicas: as suas disputas com os
classicistas não se baseavam no conceito de custo. Eles acreditavam
que suas diferenças fossem mais profundas. Porém,
independentemente do modo através do qual os custos tenham sido
definidos, os teóricos da utilidade marginal rejeitaram a análise
clássica.
O desenvolvimento de uma teoria geral do valor de troca
tornou-se uma preocupação fundamental. A análise clássica fora
rejeitada por apresentar dois modelos independentes, um para os
bens reprodutíveis e o outro para os bens de oferta fixa. A solução
então foi reivindicar uma generalidade para o único modelo de
valor de troca que os escritores clássicos haviam reservado para a
segunda categoria. O valor de troca segundo os teóricos da

29
CUSTO E ESCOLHA

utilidade marginal é, em todos os casos, determinado pela utilidade


marginal, pela demanda. No ponto de troca do mercado, toda a
oferta é fixa. Portanto, os valores relativos ou preços são
estabelecidos exclusivamente através das utilidades marginais
relativas.
Se a revolução acima não tivesse tido conseqüências
maiores, ela quase que poderia passar despercebida. A contribuição
desses teóricos não se limitou à mera substituição de uma utilidade
por uma teoria do custo de valor de troca. No decurso desse
processo de substituição, eles foram obrigados a desenvolver a idéia
que os valores são fixados à margem. Desse modo, conseguiram
solucionar o paradoxo diamante-água; o valor em uso e o valor em
troca já não eram mais possivelmente contraditórios. Nascia então o
cálculo econômico.
Não obstante, a eliminação do aparato clássico causou
alguns prejuízos. Em sua busca de uma teoria geral, os economistas
da utilidade marginal abandonaram grande parte de uma teoria
prognóstica de valor normal de troca. Conseguiram obter uma
explicação satisfatória sobre o valor realizado e pouco fizeram no
sentido de desenvolver a análise do valor esperado ou natural. A
rigor, a teoria desses estudiosos era lógica, não uma hipótese
científica sujeita a contradições. E, como ocorre em relação a todas
as teorias de caráter geral, a teoria da utilidade marginal se
propunha a fornecer muitas explicações.
Contudo, essa generalidade trouxe alguns benefícios
secundários e a sua extensão lógica foi a teoria da distribuição da
produtividade marginal. Devido ao fato de os bens serem avaliados
segundo as suas utilidades marginais relativas, os recursos também
deveriam de avaliados de acordo com os valores dos componentes
de seu produto final. Não surgiu a necessidade de passar além da
oferta fixa de recursos em uma primeira aproximação. Por cerca de
um século, a teoria da população foi suprimida do conjunto de ins-
trumentos dos economistas.
A economia da utilidade marginal geralmente é denominada
de "economia de valor subjetivo", sendo que a revolução doutrinal

30
O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICA

também recebe a mesma denominação. A teoria clássica do custo


de produção era objetiva no sentido em que se supunha que as
mensurações externas dos custos comparativos fossem capazes de
gerar prognósticos sobre o valor normal de troca de mercadorias. A
sua substituição por uma teoria que explicasse os valores relativos
de troca através das utilidades marginais relativas necessariamente
implica uma perda de conteúdo objetivo empírico. Contudo,
considerava-se também que as utilidades marginais dependessem
das quantidades e, para todo o grupo de compradores, do
abastecimento do mercado. Portanto, mesmo com um
conhecimento completo das condições de demanda, não se podiam
prever os valores normais de troca até e a menos que fossem feitas
previsões sobre o abastecimento relativo. O aspecto de custo ou de
oferta do valor teve de ser incluído. Não era mais possível uma
explicação unilateral; a economia da oferta-procura tornou-se uma
necessidade.
Para uma dada oferta de uma certa mercadoria, o valor de
troca era determinado pela utilidade marginal, estabelecido de
acordo com um processo de interação de mercado. Entretanto, o
fenômeno utilidade é de natureza subjetiva e não algo que se possa
mensurar externa ou objetivamente, como o clássico custo de
produção. Para entendermos esse conceito, imaginemos um mundo
onde existam apenas duas mercadorias, sendo que cada uma delas
possui uma oferta fixa, por exemplo, o mundo do urso e do quati ∗.
Ambos são "bens" e cada bem toma-se disponível em uma
quantidade previsivelmente fixa em cada período. Se conhecermos
com precisão a demanda ou os programas de utilidade marginal
para todos os consumidores, poderemos estimar o valor de troca.
Observemos, contudo, que essa previsão não surge como
conseqüência ou resultado de um postulado de comportamento
racional, ao menos no mesmo sentido que o do modelo clássico do
cervo-castor. Suponhamos que, em condições de oferta fixa
juntamente com os padrões de demanda, seja possível fazer a


N.T.: Quati (Racoon) — Procionídeo da América do Norte afim do quati e do mão-
pelada.

31
CUSTO E ESCOLHA

previsão que um urso será permutado por dois quatis. Caso se


observe que os valores realizados são diferentes daqueles previstos,
isso será apenas conseqüência da inexatidão dos dados iniciais que
deram origem à previsão. Não se acionou nenhum mecanismo de
equilíbrio; não há percepção de erro, como há no modelo do cervo-
castor. Não surgirá processo corretivo algum; os valores realizados
estarão sempre "corretos", os erros somente aparecem nos dados
empregados pelo observador. Neste aspecto, a teoria da utilidade
marginal em sua metodologia elementar é parente do modelo
simples de Keynes para a determinação de renda. Por outro lado e
apesar desuas falhas, a teoria clássica do custo de produção é mais
estreitamente análoga à teoria sueca da determinação de renda na
qual as expectativas podem fazer parte explícita da análise.
A introdução de elementos de uma teoria prognóstica de
valor de troca exigia um retorno à análise quase-clássica.
Reconheceu-se que os custos de produção influenciavam o valor de
troca através de seus efeitos sobre a oferta. E, ao discutir custos, os
teóricos da utilidade marginal podiam aceitar uma medida
monetária sem ambigüidade uma vez que não tinham motivo para
buscar um denominador comum aos insumos de recursos físicos. A
necessidade de pagar os insumos surge devido ao fato de que os
mesmos representam componentes de valor nos produtos finais.
Esta abordagem nos conduz quase que diretamente ao raciocínio do
custo de oportunidade.
O valor ou o preço das unidades de recurso representa,
especialmente para a escola de Viena (Menger, Böhm-Bawerk,
Wieser), o valor de produto que poderia ser produzido pelas
mesmas unidades de recurso em usos ou empregos alternativos. É
esse o preço que o usuário ou o empregador dos recursos deve
adiantar para atrair os recursos para longe dessas oportunidades al-
ternativas. Em termos de decisão para o proprietário dos recursos, o
conceito implícito do custo de oportunidade é idêntico àquele
presente no modelo cervo-castor de Smith.

32
O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICA

Para a escola de Viena, particularmente para Wieser, o


comportamento racional da parte dos proprietários dos recursos
assegurou a uniformidade do retorno a todos os empregos.
Dentre os teóricos do valor subjetivo, Jevons foi singular em
seu tratamento ao custo, de modo consideravelmente mais clássico
do que o da escola de Viena. O custo de produção implica "dor",
um conceito quase inteiramente ausente do debate da escola de
Viena. Esse custo de dor pode ser discutido em termos de
inutilidade marginal. Desse modo, Jevons foi inteiramente
marginalista e, para ele, toda escolha era reduzida a uma
comparação entre as utilidades e inutilidades marginais. Ele foi
capaz de solucionar o paradoxo diamante-água basicamente através
do aparato clássico. Em virtude de Jevons não haver generalizado a
concepção de produto alternativo, sua teoria de custo mostrou-se
inferior à da escola de Viena ou mesmo à teoria implícita de Smith.
Não obstante, Jevons concentrou sua atenção no ato da escolha
econômica, e isso poderia ter influenciado Wicksteed em seus
importantes progressos em direção à concepção inteiramente
moderna.
Segundo os antigos teóricos da escola de Viena, os custos de
produção são mensurados monetariamente e refletem o valor da
produção que poderia ter sido gerada se os mesmos insumos de
recursos fossem aplicados racionalmente em empregos alternativos.
Este é sem dúvida um conceito de custo de oportunidade, porém é
apenas subjetivo no sentido em que os valores dos bens são
estabelecidos através de suas utilidades marginais relativas para os
que exercem a demanda. Dado que esses valores são estabelecidos
nos mercados organizados, eles podem ser mensurados
objetivamente.

A Síntese de Marshall

Alfred Marshall pensou haver reescrito a economia clássica,


incorporando nesse processo qualificações e críticas aparentemente
desenvolvidas independentemente dos teóricos da utilidade

33
CUSTO E ESCOLHA

marginal, a despeito das semelhanças no tratamento a determinados


elementos. A sua análise de período forneceu um modelo geral no
qual intervalos de ajuste determinavam o relativo poder
explanatório das hipóteses de utilidade marginal e de custo de
produção. Marshall, um simpatizante dos clássicos, percebeu as
vantagens prognósticas do modelo clássico básico.
Sendo um analista muito sofisticado, ele não deixou de
perceber a simples idéia do custo de oportunidade, contudo
dificilmente encontramos em seu debate afirmações explícitas a
respeito desse conceito. Uma leitura mais superficial poderá sugerir
que Marshall dispunha-se a aceitar a ingênua versão clássica de
custo real ou de dor que emergia dos esforços do trabalhador e da
abstinência do capitalista. Sua falta de precisão foi, em parte,
conseqüência de uma preocupação direta e pragmática com a
explicação da formação de preço. Para seu próprio bem, Marshall
não formulou questões de caráter conceituai ou definidor e
aparentemente nem se dispôs a levar adiante essas indagações uma
vez obtidas as respostas que considerou satisfatórias para im-
portantes questões de ordem prática.
Para essas finalidades, os custos monetários determinados
por preços estabelecidos em mercados de fatores eram suficientes.
Na análise de longo período, uma vez efetuados todos os ajustes, se
as outras coisas não se modificarem nesse intervalo, os preços
tendem a situar-se no mesmo nível dos custos monetários se houver
predominância do retomo constante. Para Marshall essa afirmação
era razoavelmente satisfatória, era tudo o que realmente poderia se
esperar da economia. Seus modelos, apresentados neste texto e em
outros estudos, freqüentemente são "imprecisos" - tem-se essa
sensação deliberadamente - mais pelo fato de ele haver reconhecido
as complexidades inerentes à tentativa de pôr as coisas em seu
devido lugar do que por não as ter percebido. Talvez essa afirmação
seja parcialmente favorável a Marshall, porém sente-se que, apesar
de suas ambigüidades, ele jamais teria cometido as asneiras de seus
sucessores ao não conseguir formular uma definição adequada para
custo.

34
O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICA

Frank Knight e os Paradigmas Neoclássicos

Frank Knight, cuja "preocupação central é a definição


correta do problema...", apresenta uma diferença acentuada em
relação a Marshall. Ele notou as ambigüidades presentes no
tratamento neoclássico do custo, principalmente no de Marshall.
Em vários de seus estudos importantes elaborados no final da dé-
cada de 20 e no início da próxima, Knight formulou o conceito de
oportunidade ou de custo alternativo de produto, que se tomou o
paradigma da teoria moderna de preço, notadamente em sua
variação americana de Chicago. A partir do modelo do cervo-castor
de Adam Smith, Knight demonstrou o seu conteúdo inerente de
custo de oportunidade juntamente com as linhas que esbocei no
início deste capítulo. "(...) ...o custo de castor é igual a cervo e o
custo de cervo é igual a castor, sendo este o único conteúdo objetivo
e científico do conceito de custo 3." O custo de oportunidade de uma
mercadoria é mensurado em unidades de produto alternativo ou
excluído, sendo "todas as referências de 'sacrifício' ou de 'gastos'
[deveriam ser] simplesmente omitidas" 4. "(...) ...o custo deve ser
mensurado em termos de produtos, não de dores ou gastos" 5.
Em sua afirmação de 1928 sobre o que ele considerava como
a definição "correta", Knight seguia o que se reconheceu
posteriormente como sendo a posição comum da escola austríaca,
especialmente aquela representada em Wieser. Ele também indicou
em um estudo posterior que sua posição era compartilhada por
Wicksteed. O custo de produção de uma unidade de uma
determinada mercadoria é simplesmente mensurado pelo produto
real alternativo que poderia ter sido produzido, se os insumos de
recursos usados na produção fossem redistribuídos racionalmente
para outros usos. O valor de mercado desses produtos alternativos
fornece um denominador comum para o cálculo estimativo, um

3
Frank H. Knight, A Suggestion for Simplifying the Statement of the General
Theory of Price, Journal of Political Economy, XXXVI (junho de 1928), 359.
4
Ibid., pág. 355.
5
Ibid., pág. 363.

35
CUSTO E ESCOLHA

valor que é determinado pelo processo de troca. Knight parece estar


correto ao propor que essa abordagem é semelhante à de Wieser,
que afirmava: "Visto que cada processo produtivo reduz essa posse,
ele reduz a utilidade - ele custa, e custa exatamente tanto quanto o
valor que o material e a mão-de-obra necessários teriam produzido
se aplicados racionalmente" 6.
Entretanto, após alguns anos, Knight notou que algo estava
errado com a sua mensuração direta do custo de oportunidade de
produto alternativo. Em estudos publicados em 1934 e 1935, ele
tentou verbalizar suas apreensões sem grande êxito 7, 8. Ele tentou
modificar a definição de produto alternativo de custo para
considerar as diferenças no fatigante setor dos diferentes usos de
recursos, especialmente no que tange à aplicação da distribuição do
trabalho. Valendo-se de uma argumentação extremamente
complexa, Knight afirmou que, na mesma proporção em que os
proprietários dos recursos não uniformizam os retornos pecuniários
às unidades de recursos em todos os usos, o princípio do custo de
produto alternativo não poderá ser aplicado em sua totalidade. Se o
caçador de cervos aceita uma compensação pecuniária rela-
tivamente mais baixa para o seu trabalho mais agradável, cada dólar
de pagamento de recursos retirado da produção de cervos e
transferido para a produção de castores produzirá um aumento de
mais de um dólar ao produto "social". Portanto, o custo de
oportunidade do aumento resultante na produção de castor é maior
do que o valor de mercado para o cervo que os insumos de recursos
poderiam ter produzido antes dessa transferência. Assim, a

6
F. von Wieser, The Theory of Value, Annals of the American Academy of Political
and Social Science, 2 (março de 1892), 618. Vide também F. von Wieser, Über den
Ursprung und die Hauptgesetze des wirtschaflichen Werthes (Wien, 1884), pág. 100.
7
The Common Sense of Political Economy (Wicksteed Reprinted), Journal of
Political Economy, XLII (outubro de 1934), 660-73, reeditado em Frank H. Knight,
On the History and Method of Economics (Chicago: University of Chicago Press,
Phoenix Books, 1963), 104-18. Um artigo revisivo da edição de dois volumes de
Wicksteed.
8
Frank H. Knight, Notes on Utility and Cost (Mimeografia, University of Chicago,
1935). Publicado sob a forma de dois artigos, em língua alemã, em Zeitschrift für
Nationalekonomie (Viena), Band VI, Heft 1, 3 (1935).

36
O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICA

mudança líquida em fadiga também deverá ser reconhecida e


considerada.
Essa observação é certamente razoável e fundamentalmente
correta, a despeito de refletir um conceito de custo de oportunidade
bastante diferente daquele que Knight postulara inicialmente. A
introdução de vantagens e desvantagens não pecuniárias no uso de
recursos prejudica o elo crucialmente importante entre o valor de
mercado mensurado objetivamente do produto alternativo e o custo
que é introduzido no cálculo subjetivo do indivíduo que toma a
decisão. Essa relação é essencial para que a teoria de valor conserve
o seu conteúdo científico em qualquer aspecto prognóstico. Sem se
aperceber do fato, Knight passou de um modelo positivo de
comportamento no qual os custos são mensuráveis objetivamente
para um modelo lógico de escolha no qual os custos são puramente
subjetivos. Neste modelo desprovido de conteúdo prognóstico, o
valor de mercado do produto excluído ou alternativo não tem
influência direta na decisão do proprietário do recurso. Portanto,
este valor não poderá ser, de maneira alguma, considerado como a
medida de seu custo. Se interpretado adequadamente, como
Wicksteed quase chegou a afirmar, o valor previsto ou esperado do
produto alternativo no momento da decisão, que é estimado pelo
indivíduo que faz a escolha, representa o custo. Além disso, de
acordo com essa definição, o valor não mercadizável das condições
alternativas de emprego está incluído como parte essencial do custo.
Aposição inicial defendida por Knight tornou-se ortodoxa e
assim permanece em relação à maior parte da teoria moderna de
preço. O conceito de custo de oportunidade é a parte mais
importante. "O custo de qualquer das alternativas (simples ou
complexa) escolhidas representa a alternativa à qual se tem de re-
nunciar; se não houver alternativa alguma em relação a uma
determinada experiência, não haverá escolha, não haverá um
problema econômico e o custo não terá significado algum." 9
"Assim, o custo econômico constituirá a renúncia a algum 'outro'
uso de alguns recursos ou da capacidade do recurso para que se

9
Knight, Notes on Utility and Cost, op. cit., pág. 18.

37
CUSTO E ESCOLHA

possa assegurar a vantagem do uso para o qual se destina." 10 "A


única teoria geral do custo que pode ser conservada será,
finalmente, a do custo alternativo, mais bem formulada como custo
de produto excluído. Contudo, essa afirmação fica sujeita à
qualificação de que somente seja verdadeira 'na medida' do
equilíbrio que as condições indicadas possam alcançar." 11
Dentro do contexto de quase todos os debates teóricos, essas
afirmações são perfeitamente aceitáveis e inteiramente corretas. O
custo é mensurado através do valor de mercado do produto
excluído. O custo é objetivo no sentido em que pode ser estimado,
pelo menos após o fato, por observadores externos, a despeito da
premissa de que os valores de mercado sejam estabelecidos, via de
regra, através das avaliações subjetivas de muitos produtores e
consumidores. Os preços de mercado mensuram as avaliações
coletivas às margens da produção, e os próprios preços são
objetivos.
Essas afirmações a respeito de custo são aceitas em caráter
amplo e irrestrito pela maioria dos adeptos da moderna teoria de
preços, que, em sua maior parte, não é capaz de notar que o custo de
oportunidade assim definido não possui conexão alguma com a
escolha. E é precisamente por essa razão que as diferenças simples
porém sutis entre essa ortodoxia e a teoria alternativa da escola
inglesa fornecem assuntos adequados para um pequeno livro.

10
Ibid., pág. 19.
11
Knight, The Common Sense of Political Economy (Wicksteed Reprinted), op. cit.,
pág. 116.

38
AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA

As Origens e o
Desenvolvimento de uma
Tradição Inglesa

Wicksteed e o Cálculo da Escolha

Wicksteed merece ser reconhecido por ter deslocado a teoria


do custo das suas fundações objetivas clássicas. Embora Jevons
faça justiça ao rótulo de precursor, o principal avanço para além dos
conceitos de Marshall foi alcançado por Wicksteed, que vinculou de
modo bastante direto o custo de oportunidade à escolha. Ele
afirmava que o custo de produção "em termos do fato histórico e
irrevogável de que os recursos tenham sido orientados para este ou
aquele propósito especial não tinha influência sobre o valor da coisa
produzida" 1. Nesse sentido, o custo de produção não afeta a oferta.
O que efetivamente afeta a oferta é o custo previsto "no sentido em
que se deve renunciar às opções ainda disponíveis para se produzir
o artigo específico" 2; esse custo "influencia a decisão do artesão de
produzi-lo ou não" 3. Estabelece-se então o relacionamento crítico
entre qualquer mensuração de custo e ato de escolha. Em qualquer
momento no tempo pode-se olhar para a frente ou para trás. Olha-se

1
Philip H. Wicksteed, The Common Sense of Political Economy (Londres,
Macmillan, 1910), pág. 380.
2
Ibid.
3
Ibid.

39
CUSTO E ESCOLHA

para trás no tempo quando se está diante de uma perspectiva de


opções não mais possíveis. Olha-se para a frente no tempo quando
se está diante de uma perspectiva de alternativas que ainda
permanecem disponíveis; as escolhas podem e devem ser feitas.
Segundo esse esclarecimento elementar, o custo tende a ser uma
parte da escolha dentre as opções, uma escolha que deverá ser
subjetiva para o indivíduo que a está fazendo. O custo não possui
relacionamento direto com a mercadoria ou as unidades de recursos
que apresenta no debate clássico e no neoclássico.
Wicksteed, reconhecendo inteiramente as muitas
ambigüidades que circundavam o uso do termo "custo", forneceu
excelentes exemplos" 4. Entretanto, uma análise mais detalhada
mostra que a clareza de Wicksteed deixou algo a desejar. Ao ter de
formular uma definição para custo de produção ou preço de custo,
ele a colocou como "o valor estimado, medido em ouro, de todas as
opções que tenham sido sacrificadas para se colocar uma unidade
da mercadoria em questão no mercado" 5. (Os caracteres em itálico
existem originalmente.)
Não há dúvida que Wicksteed exerceu uma importante
influência na formação da teoria do custo que surgiu no final da
década de 20 e início da década seguinte na Escola Inglesa de
Economia. E, como espero poder mostrar, vestígios da teoria do
custo "correta" podem ser encontrados nas perspicazes observações
de Wicksteed. Isso pode não se mostrar muito aparente em
Wicksteed pelo simples motivo que não lhe foi necessário ir mais
além para responder às suas próprias perguntas. Sente-se que as
teorias do custo de Wicksteed e de Marshall poderiam ser

4
"Estas reflexões explicarão a grande ambigüidade do termo 'preço de custo'... (...). [
0]s membros de uma mesma classe profissional....utilizarão o termo com diferentes
sentidos. Um deles poderá afirmar que 'não está conseguindo lucro algum', mas está
'vendendo com prejuízo'. Outro dirá que 'as coisas estão ruins para ele, mas não tão
ruins assim', quando ambos tentam indicar exatamente as mesmas condições. Alguns
indivíduos afirmarão de boa-fé que estão 'vendendo a preço abaixo do custo', porém,
mesmo nessas condições, jamais lhes ocorrerá suspender suas operações." Ibid., pág.
381.
5
Ibid., pág. 385.

40
AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA

consideradas inteiramente iguais em relação ao desafio apresentado


por uma nova série de questões da década de 30.

H.J. Davenport

Herbert J. Davenport foi um economista americano e quase


que um contemporâneo de Wicksteed. Sua influência limitou-se a
um grupo relativa mente pequeno de seguidores do qual não surgiu
nenhuma grande figura na história da doutrina. Contudo, a
percepção de Davenport em relação ao custo de oportunidade, se
vista a partir da perspectiva desenvolvida neste livro, sugere ser
apropriado colocar o seu nome junto ao de Wicksteed e de Knight
nesta revisão sumária.

A ênfase de Davenport era orientada para o que ele


denominava de "custo do empresário", definindo-a claramente
como uma dimensão de utilidade. "Isso quer dizer que o custo como
um determinante marginal é puramente uma questão dentro dos
aspectos pessoais na atividade empresarial, um fato gerencial, um
fenômeno subjetivo no qual todas as influências relativas à
psicologia da escolha entre as diferentes ocupações e o lazer têm
um lugar determinado" 6. Além disso, Davenport reconheceu
expressamente que o custo está relacionado com as particularidades
da situação de escolha, e, sem dúvida, a sua ênfase sobre o custo do
empresário originou-se de suas críticas a outros escritores,
notavelmente Marshall, que confundiu esse conceito com o que
Davenport denominou de "custo coletivista" 7.
Incrustado no tratado de Davenport, Valor e Distribuição é
um conceito de custo de oportunidade quase tão sofisticado quanto
aquele desenvolvido por Wicksteed. O fato que não permitiu que as
idéias de Davenport tivessem uma maior influência do que tiveram

6
Herbert J. Davenport, Value and Distribution (Chicago: University of Chicago
Press, 1908), pág. 273.
7
Vide em especial ibid. pág. 404.

41
CUSTO E ESCOLHA

foi, aparentemente, a sua falha em articular essas idéias e, quiçá, a


sua petulância para com os ídolos da profissão de sua época.
Davenport certamente teria melhores chances tivesse ele sido capaz
de criticar as confusões mais flagrantes sobre a teoria do custo que
somente surgiu após a década de 20 8.

Knight e o Custo como Avaliação

É interessante notar que, antes de escrever qualquer um dos


estudos citados anteriormente, Frank Knight referia-se
expressamente à estimativa de custo como um processo de
avaliação inerente à própria escolha. "[O] custo de qualquer valor é
simplesmente o valor do qual se desiste quando ele é escolhido; é
apenas a reação ou a resistência à escolha que a transforma em escolha." 9
(Os caracteres em itálico existem originalmente.) Contudo, ao es-
tabelecer esta relação entre o custo de oportunidade e o processo de
decisão, Knight confundiu as questões fundamentais orientando
posteriormente a sua ênfase para o valor do produto alternativo, um
valor determinado, presumivelmente, não pelo indivíduo que faz a
escolha, porém por todo o processo de mercado.

Robbins, 1934

Em um estudo básico publicado em 1934 10, Lionel Robbins


reagiu contra a ênfase de Knight e de outros sobre o conceito de
produto alternativo de custo de oportunidade, tanto quanto o próprio

8
Para um sumário da história da teoria de custo no qual as idéias de Davenport são
apresentadas com destaque, vide Bob M. Keeney, The Evolution of Cost Doctrine
(Mimeografada, Mid-western Economics Association, novembro de 1967).

9
Frank H. Knight, Fallacies in the Interpretation of Social Cost, Quarterly Journal
of Economics, XXXVIII (agosto de 1924), 592f, reeditado em F.H. Knight, The
Ethics of Competition (Londres: Allen and Unwin, 1935), pág. 225.
10
L. Robbins, Certain Aspects of the Theory of Cost, Economic Journal, XLIV
(março de 1934), 1-18.0 interesse de Robbin por essas questões ficou videnciado em
seu estudo anterior, On a Certain Ambiguity in the Conception of tationary
Equilibrium, Economic Journal, XL (Junho de 1930) esp. 209-11.

42
AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA

Knight foi levado a fazê-lo em seus estudos de 1934 e 1935. Ao


reagir dessa forma, Robbins forneceu os fundamentos para um
conceito de custo de oportunidade que posteriormente veio a ser
identificado com a Escola Inglesa de Economia.
Tanto Knight em seu estudo de 1924 quanto Robbins
deixaram de entender a importância da diferenciação que estavam
estabelecendo. Robbins acreditava estar meramente esclarecendo
determinadas ambigüidades que surgiram em relação à ortodoxia
emergente da escola austríaca, cuja origem ele atribuía a Wieser.
Especificamente, Robbins arguia que o custo deve ser definido em
termos do valor excluído e não em termos do produto real excluído.
Ele demonstrou que, indo-se além do modelo do cervo-castor de
Smith, o produto real excluído não tinha muita importância. Os seus
exemplos ilustrativos foram os dos produtos finais gerados através
de insumos inteiramente diferentes ou através dos mesmos insumos
em coeficientes variados e fixos. Nessas condições, as variações na
demanda produzem variações no custo, que não podem ser
interpretadas em termos de alternativas reais de produtos excluídos.
Os custos modificam-se em função das variações dos valores
relativos dos insumos, valores esses obtidos a partir da demanda do
produto final.
Embora esses esclarecimentos fossem úteis e representassem
os principais pontos da argumentação de Robbins, eles não serão
motivo de debate no presente texto. Robbins introduziu várias
afirmações, mais ou menos como apartes, que envolvem um
conceito de custo básico diferente. Aparentemente, ele não viu
essas afirmações por esse prisma porque eram particularmente
óbvias para quem conhecesse Wicksteed e talvez, por outro lado,
não fossem relevantes em relação ao seu tema central. Refiro-me a
conexão explícita que fazia entre o custo e o próprio ato da escolha.
"O processo de avaliação é essencialmente um processo de escolha,
sendo que os custos representam o aspecto negativo desse
processou (P. 2, os caracteres em itálico não existem
originalmente.) "O principal requisito de qualquer teoria do custo é
a sua capacidade de explicar as resistências efetivas com que a

43
CUSTO E ESCOLHA

produção de qualquer linha da indústria se depara." (p. 5, os


caracteres em itálico existem originalmente.) "O produtor
independente pensa sobre o sacrifício que está fazendo por não
produzir uma outra coisa." (p. 5, os caracteres em itálico não
existem originalmente).
Infelizmente, após haver difundido essa afirmações
altamente provocativas em seu debate, Robbins passou a
obscurecer, quase que simultaneamente, o seu potencial de impacto.
Neste ponto, Robbins aparentemente adota o mesmo procedimento
que Knight adotara uma década antes. Na página imediatamente
consecutiva às duas afirmações citadas acima, Robbins declara: "A
condição para que os preços se igualem ao custo de produção, no
aspecto de valor, é tão essencial ao equilíbrio do sistema walra-
siano quanto a condição de que os produtos marginais sejam
proporcionais aos preços de fatores" (P. 6). A distinção sutil, porém
essencial entre o custo na ocasião do ato da escolha e o custo na
teoria prognóstica de comportamento econômico desaparece nessa
afirmação aparentemente ortodoxa e neoclássica.

Mises, Robbins e Hayek


e o Cálculo em uma Economia Socialista

Como sugeri no Prefácio deste livro, os seguidores


contemporâneos da escola austríaca podem reivindicar com certa
legitimidade que o conceito do custo de oportunidade atribuído a
Jevons, Wicksteed, Davenport e Knight, que finalmente se
desenvolveu em tradição na escola inglesa, foi pesquisado de modo
independente pelos seguidores anteriores da escola austríaca e nota-
damente por Ludwig von Mises. Em seu monumental, polêmico e
muito negligenciado tratado intitulado Human Action 11, Mises
apresenta uma teoria do custo de oportunidade que na verdade é
quase equivalente à totalidade do conceito da escola inglesa que
será descrito posteriormente. Neste ponto observa-se que apenas o

11
Ludwig von Mises, Human Action (New Haven: Yale University Press, 1949).

44
AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA

tratado da escola alemã, que fornece o embasamento para o trabalho


em língua inglesa, não fora publicado até 1940. Portanto, para o
período em questão, devemos examinar os estudos anteriores de
Mises. Além disso, deve-se fazer uma referência específica ao seu
estudo de 1920, no qual Mises argumentava ser impossível o
cálculo econômico cm uma sociedade socialista 12, e ao seu livro
publicado em seguida, em 1922 13.
A leitura moderna das contribuições anteriores de Mises
sugere que parte da força intuitiva de sua argumentação era
proveniente de um conceito de custo de oportunidade mais
sofisticado do que a sua capacidade de verbalizá-lo na ocasião. O
ataque de Mises à possibilidade do cálculo socialista é inteiramente
compatível com o conceito do custo de oportunidade que surgiu
posteriormente com maior amplitude, tanto na escola inglesa como
em seus próprios estudos. Embora não voltasse o enfoque de sua
argumentação anterior diretamente ao problema de custo, per se, o
caráter geral do debate de Mises está nitida e estreitamente
relacionado com os desdobramentos posteriores de sua teoria do
custo. A sua contribuição a essa teoria é certamente digna de
reconhecimento juntamente com a de Wicksteed e a de Knight. A
parte da importância de seus próprios trabalhos, a influência de
Mises pode ser observada no trabalho de Lionel Robbins e de F.A.
Hayek, o austríaco que foi transplantado para Londres, tornando-se
um dos principais personagens da tradição da escola inglesa.
Além de escrever o seu estudo de 1934, citado
anteriormente, Robbins também participou do amplo debate sobre a
possibilidade do cálculo econômico no socialismo 14. Qualquer

12
Die Wirtschaftsrechnung im Sozialistichen Gemeinwesen, Archiv fur
Sozialwissenschaften, 47 (1920), reeditado sob o título de Economic Calculation in
the Socialist Commonwealth, em F.A. Hayek (ed.), Collectivist Economic Planning
(Londres: Routledge, 1935).
13
Ludwig von Mises, Die Gemeinwirtschaft (Jena, Alemanha: Gustav Fischer,
1922). A segunda edição alemã surgiu em 1932. Mises adicionara um epílogo a essa
edição por ocasião de sua tradução de título Socialism (New Haven: Yale University
Press, 1951).
14
Lionel Robbins, The Great Depression (New York: Macmillan, 1934), esp. págs.
143-54.

45
CUSTO E ESCOLHA

avaliação de sua contribuição no presente momento deverá estar


intimamente relacionada com a avaliação do trabalho de Mises. É
muito provável que a argumentação de Robbins tenha se baseado
em um conceito mais sofisticado do que aquele que é discutido
expressamente, pode-se perceber em uma leitura moderna que,
juntamente com Mises e Hayek, Robbins poderia ter sido muito
mais eficaz se tivesse conseguido articular melhor a diferenciação
entre o custo mensurável objetivamente e o custo como um
elemento do processo decisório.
A contribuição específica de Hayek ao desenvolvimento de
uma teoria do custo, contida em seu debate sobre o cálculo
econômico em uma sociedade socialista é particularmente uma
colcha de retalhos. Na Introdução da sua famosa coletânea de
ensaios 15, Hayek prenuncia a sua ênfase posterior e mais
expressamente metodológica sobre a necessidade de diferenciação
entre o sentido subjetivo aparente dos dados que o indivíduo
escolhe no processo econômico e as informações objetivas
disponíveis para qualquer observador externo. Como poderemos
ver, o procedimento metodológico é essencial a todo e qualquer
entendimento genuíno de custo. Entretanto, Hayek, em 1935,
aparentemente não havia incorporado totalmente essa metodologia à
sua teoria fundamental. Em seu ensaio intitulado The Present State
of the Debate, que faz parte de sua coletânea, Hayek sugere
claramente que o custo de produção torna-se difícil de calcular em
um contexto socialista basicamente em virtude da ausência das
condições de equilíbrio competitivo onde o "custo de produção
possuiria, na realidade, um significado bastante exato" 16. Essa ên-
fase também evidente no trabalho de Robbins abriu o caminho para
a resposta eficaz de Lerner cujo simples argumento era para que se
adotasse uma norma no estabelecimento de preços dos custos de

15
F.A. Hayek (ed.), Collectivist Economic Planning, op. cit.
16
Ibid., pág. 226.

46
AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA

oportunidade marginais, independentemente da condição do


mundo. 17
No momento, nosso objetivo não é avaliar o debate sobre o
cálculo econômico em um contexto socialista, porém apenas
examiná-lo à luz das contribuições que faz para a teoria pura do
custo de oportunidade. A exceção de Lerner (cuja percepção era
muito mais profunda, além do fato de haver participado
pessoalmente da tradição da escola inglesa em desenvolvimento),
aqueles que defendiam que o cálculo econômico em um contexto
socialista era possível aceitavam uma definição objetiva de custo
sem qualquer exame crítico mais sério das questões que esta
poderia suscitar.

Hayek, Mises e a Economia Subjetivista

F.A. Hayek foi nomeado Professor Catedrático em Ciência


Econômica e Estatística em Tooke, na Escola Inglesa de Economia
em 1931 onde desempenhou a função até 1950. Ao lado de
Robbins, Hayek merece ser reconhecido como o gerador de grande
parte da tradição da escola inglesa na teoria do custo, uma tradição
que aparentemente emergiu gradualmente durante essas duas
décadas. Como sugerimos acima, a contribuição de Hayek foi
basicamente a de produzir os fundamentos metodológicos
subjacentes para trabalhos mais explícitos sobre custo de outros
autores, Ele apresentou a metodologia do subjetivismo com
autoridade convincente; seus ensaios ainda permanecem como
leitura recomendada quase trinta anos após a sua primeira pu-
blicação. E a teoria econômica de um modo geral certamente
poderia ter evitado várias confusões modernas se os ensaios de
Hayek tivessem tido maior disseminação e compreensão mais
ampla.

17
A.P. Lerner, Statistics and Dynamics in Socialist Economics, Economic Journal,
XLVII junho de 1937), 253-70.

47
CUSTO E ESCOLHA

Devemos fazer uma distinção entre a economia ortodoxa


neoclássica, que incorpora a revolução do valor subjetivo ou da
utilidade marginal na teoria de valor e na economia subjetivista
dos contemporâneos da escola austríaca, notadamente Mises e
Hayek. A dependência do preço (valor) em relação à Utilidade
marginal determinada subjetivamente pode ser inteiramente reco-
nhecida, enquanto, em sua essência, se preserva uma teoria objetiva
do custo. Segundo a famosa afirmação de Jevons, a utilidade
marginal depende da oferta, a qual, por sua vez, depende do custo
de produção. Como já tivemos a oportunidade de mencionar, essa
teoria é de natureza totalmente objetivista, embora seja óbvio que a
avaliação dos compradores e dos vendedores está incorporada
como parte dos dados objetivos. Os custos são determináveis ob-
jetivamente, embora a teoria não afirme que os custos por si sós
possam determinar o valor. Diferentemente da teoria clássica, falta
à explicação a causalidade unilateral, porém não lhe falta
objetividade. É essa objetividade que é descartada em sua
totalidade tanto por Mises como por Hayek. Nesse ponto eles
diferem intensamente dos antigos membros da escola austríaca,
embora não pareçam perceber a magnitude dessa distinção. Em
muitos aspectos, eles se parecem muito mais próximos de
Wicksteed do que de Wieser.
Não parece haver dúvida de que a economia subjetivista
tenha sido introduzida expressamente na escola inglesa por Hayek.
Em um estudo de importância fundamental publicado em 1937 18 ele
enunciou as características fundamentais da metodologia
subjetivista, características essas que elaboraria em detalhes
consideravelmente maiores em seus trabalhos posteriores 19. Em seu
estudo de 1937, Hayek reconhece o mérito de Mises em seu

18
F.A. Hayek, Economics and Knowledge, Economics, IV (1937), 33-54, reeditado
em Hayek, em Individualism and Economic Order (Chicago: University of Chicago
Press, 1948), págs. 33-56.
19
Os ensaios adicionais que surgiram em 1940,1941,1942 e 1943 são apresentados
na obra de dois volumes denominada de Individualism and Economic Order, op. cit.,
e The Counter-Revolution of Science (Glencoe, III.: The Free Press, 1952).

48
AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA

trabalho preliminar 20, publicado em alemão em 1933, cuja


publicação somente foi possível muito tempo depois (1960) e em
língua inglesa. O estudo inicial de Hayek fornece, de certo modo, a
metodologia "clássica" dos subjetivistas, uma metodologia essencial
a uma teoria do custo diretamente relacionada com a escolha que
será contrastada com a teoria do custo incorporada na ortodoxia
neoclássica.
A sutil distinção entre a economia de valor subjetivo e a
economia subjetivista adotada por Hayek e Mises permaneceu na
obscuridade enquanto a tarefa da teoria econômica limitava-se em
sua maior parte à explicação das interações de mercado. A
argumentação famosa de Jevons sobre a oferta serve de ilustração.
Enquanto os produtores individuais, em resposta a demanda dos
consumidores, forem os agentes cujo comportamento tentamos
explicar, não há necessidade de indagarmos se os custos de
produção são de natureza subjetiva ou objetiva. Os custos são os
obstáculos às escolhas dos produtores e os economistas podem
debater as "leis do custo" nesse contexto, sem que se suponha
possível a mensuração objetiva.
Com o advento da economia do "bem-estar," não
importando como ela possa ser definida, a imprecisão metodológica
admissível previamente deixara de ser satisfatória. Se um
determinado processo de interação de mercado levado às condições
ideais - concorrência pura ou perfeita - e empregado como padrão
na obtenção de condições que passam então a ser adotadas como
normas para interferir no processo real de mercado, a questão da
mensuração objetiva deve ser abordada diretamente. Caso os preços
"devam" ser igualados aos custos de produção, em conseqüência de
uma determinada política, deve-se supor que os custos sejam
objetivos na medida em que possam ser mensurados por outros
indivíduos além daquele que toma a decisão.

20
Ludwig von Mises, Grundprobleme der Nationökonomie (Jena, Alemanha:
Gustav Fischer, 1933), traduzido por George Reisman com o título Epistemological
Problems of Economics (New York: Van Nostrand, 1960).

49
CUSTO E ESCOLHA

Somente Hayek e Mises pareciam ter plena ciência desse


problema e da sua importância, embora muitos outros economistas
pareçam demonstrar uma vaga perturbação em relação ao mesmo.
A economia subjetivista, para Hayek e Mises, representa uma
negação expressa da objetividade dos dados que norteiam a escolha
econômica. O sujeito agente, o indivíduo que faz a escolha,
seleciona determinadas opções preferidas segundo os seus próprios
critérios, alcançando, na falta de modificações externas, o equilíbrio
econômico. Contudo, esse equilíbrio personalizado ou equilíbrio de
Crusoe mostra-se totalmente diferente daquele que descreve as
interações entre muitos agentes, muitos indivíduos que farão a
escolha. No último caso, as ações de todos os outros se
transformarão nas informações necessárias à escolha por um único
indivíduo. O equilíbrio não é descrito em termos de "condições"
determinadas objetivamente ou de relações entre magnitudes
específicas, por exemplo, preços e custos, mas em termos da
realização de expectativas consistentes que se reforçam
mutuamente. A diferença entre essas duas abordagens, a objetivista
e a subjetivista, é profunda, mas continua a ser ininteligível na con-
centração neoclássica sobre o processo de interação em um
mercado idealizado através do qual todos os indivíduos comportem-
se economicamente. Em um ambiente econômico imutável,
habitado por indivíduos puramente econômicos, as duas abordagens
tornam-se superficialmente idênticas. Em um universo no qual os
comportamentos não sejam puramente econômicos, onde ocorre a
escolha genuína, diferenças importantes surgem com muita nitidez.
Nesse momento crítico do desenvolvimento da teoria
econômica, devemos, penso eu, perguntar por que os argumentos
convincentes de Hayek tiveram tão pouco peso. Sem dúvida, a
economia objetivista continua a ser a estrela do dia e poucos são os
seus praticantes que se detêm a examinar sua base metodológica de
modo mais crítico. Sem dúvida alguma, são vários os motivos dessa
falha, porém a atenção indevida dedicada à definição de equilíbrio,
apesar de imensamente importante por si só, poderá haver atrasado
o processo de aceitação dos conceitos subjetivistas de natureza mais

50
AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA

geral. Os leitores neutros dos debates calorosos sobre o cálculo


econômico em contextos socialistas podem ter sido levados a pensar
que a questão central fosse realmente aquela que envolvia a
possibilidade de derivação equívoca dos critérios para as políticas
geradas a partir de circunstâncias de equilíbrio estacionário. Esta é
sem dúvida uma importante questão cuja crítica subjetivista fica
aqui obscurecida. Como já tivemos a oportunidade de observar
anteriormente, essa concentração orientada para o equilíbrio, pela
qual Hayek, Robbins e, em menor proporção, Mises são culpados,
permitiu que Lerner abandonasse todas as referências ao equilíbrio
geral em sua derivação das regras das políticas que exigem
expressamente a introdução de custos mensuráveis objetivamente.

A Importância Prática do Custo de


Oportunidade: Coase, 1938

Paralelamente às contribuições de caráter mais abstrato à


teoria do custo feitas por Robbins, Hayek e Mises, outros
elementos de uma tradição talvez mais autêntica da escola inglesa
surgiram em 1930. Eles refletem a aplicação direta de alguns dos
conceitos básicos de Wicksteed aos problemas com que se defronta
o homem de negócios. Essa abordagem de "bom senso" tinha suas
raízes na escola inglesa, no trabalho de Cannan, que insistiu
continuamente em iniciá-la com os problemas que porventura
existissem. Aparentemente, Cannan, embora aceitasse prontamente
o conceito de custo de oportunidade, não prestou nenhuma
contribuição específica à teoria do custo 21.
Essa abordagem comercial prática foi promovida
posteriormente por Arnold Plant, que aparentemente prestou uma
contribuição significativa porém indireta ao desenvolvimento da
tradição da escola inglesa. Em minha opinião, Plant não fez
nenhuma abordagem expressa à teoria do custo em qualquer de seus

21
Vide em especial a revisão da obra de Henderson intitulada Supply and Demand,
reeditado em An Economist's Protest, de Edwin Cannan (Londres: P.S. King, 1927),
págs. 311-14.

51
CUSTO E ESCOLHA

trabalhos publicados, entretanto as contribuições de seus alunos e


colegas refletem sua influência. Tanto R.H. Coase quanto G.F.
Thirlby, cujas contribuições estão sumariadas abaixo, foram
discípulos de Plant.
O contraste entre a definição-mensuração de custo do
contabilista e a do economista neoclássico é o padrão de
procedimento. Porém, este contraste – quando o significado de
custo de oportunidade é totalmente incorporado – adquire
características que ainda hoje em dia encontram-se fora do conjunto
de instrumentos da economia ortodoxa. Esse fato pode ser
claramente observado em uma série de artigos escritos por R.H.
Coase, publicados em 1938, que foi especialmente redigida visando
ao esclarecimento dos práticos em contabilidade 22. Esses
documentos ainda são do conhecimento de relativamente poucos
economistas modernos, apesar de sua abordagem excepcionalmente
clara dos problemas conceituais inerentes ao uso do termo "custo" e
de sua insistência enfática e necessária para que o custo seja
relacionado ao processo de escolha.
"A primeira recomendação que se faz com muita ênfase é
que a atenção esteja voltada para as variações que advirão caso uma
determinada decisão seja tomada, sendo que as variações
pertinentes às decisões comerciais
são as que surgem nos custos e/ou receitas." (Pág. 106.) "Deve-se
observar que os registros contábeis meramente apresentam valores
relacionados a operações passadas. As decisões comerciais
dependem de estimativas sobre o futuro." (Pág. 108.) "[0]s custos e
as receitas não podem ser expressos em termos monetários sem
ambigüidade, visto que os cursos de ação podem conter vantagens e
desvantagens de natureza não monetária, em decorrência da exis-

22
R.H. Coase, Business Organization and the Accountant, The Accountant (outubro-
dezembro de 1938). Esses artigos foram reeditados na obra de David Solomons (ed.),
Studies in Costing (Londres: Sweet and Maxwell, 1952), págs. 105-58.
Além de Coase, outros membros do grupo de jovens economistas de Plant eram R.S.
Edwards, R.F. Fowler e David Solomons. Esse grupo se interessava em dar à teoria
econômica uma maior importância prática nas operações comerciais e
particularmente na prática contábil.

52
AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA

tência de incertezas e das diferenças entre o momentos em que os


pagamentos são realizados e as receitas efetivadas." (Pág. 116.)
"O custo de fazer qualquer coisa é constituído das receitas
que poderiam ser realizadas caso essa decisão específica não fosse
tomada. Quando alguém diz que um determinado curso de ação não
'paga o seu custo', isso apenas significa que ele prefere algum outro
curso de ação - a receita de um indivíduo, quer de natureza
monetária, quer não monetária, será maior se ele não realizar o
custo. Este conceito particular de custos pareceria ser o único
conceito de utilidade na solução de problemas comerciais, dado que
a sua atenção está orientada para os cursos alternativos de ação que
se abrem para o comerciante. Os custos somente estarão cobertos se
o comerciante escolher, dentre os vários cursos de ação disponíveis,
aquele que gere o máximo de lucro. Para se cobrir os custos e
maximizar o lucro existem basicamente duas formas que
expressam um mesmo fenômeno" (Pág. 123, os caracteres em itá-
lico não existem originalmente.)
Uma análise criteriosa e moderna dos documentos iniciais de
Coase indicará que o conceito de custo incorporado a eles é
teoricamente diferente do conceito do paradigma neoclássico.
Coase vincula o custo à escolha de modo bastante explícito e rejeita
qualquer tentativa de classificar os custos em categorias - por
exemplo, custos fixos e variáveis - independentemente da
identificação da decisão em questão. Talvez, para o nosso objetivo,
a contribuição mais significativa esteja contida nas declarações
acima, apresentadas em caracteres itálicos. Qualquer oportunidade
de lucro que se encontre dentro do campo da possibilidade e seja
rejeitada transforma-se no custo de empreender o curso de ação
preferido. A despeito da necessidade de aceitarem esse resultado
direto do raciocínio aparentemente consistente de custo de
oportunidade, os economistas mostraram-se - e mostram-se -
extremamente relutantes em adotar este conceito. A inclusão de
todos os lucros anteriores como custos aniquila todo o aparato de
curva de custo que é parte normal das atividades de nosso dia-a-dia.
E, sem ele, de que modo poderíamos ensinar teoria elementar de
preço?

53
CUSTO E ESCOLHA

Segundo o modelo neoclássico rigoroso, os custos são


amplamente diferenciados dos lucros anteriores em virtude de não
estarem diretamente vinculados à escolha. Custos são desembolsos
mensuráveis objetivamente, aproximados pelo valor do produto
alternativo. Neste ponto, recomenda-se ter em mente os
fundamentos clássicos de análise. Os custos, na medida em que se-
jam objetivos e, portanto, mensuráveis externamente por alguém
que se encontre distante do processo de escolha, fornecem a base
para uma hipótese prognóstica sobre o comportamento de
indivíduos agentes (empresas) e, através dela, uma hipótese de
preços. O mundo neoclássico objetivista e o mundo subjetivista
londrino-vienense praticamente não se reconciliam.
A confusão foi aprofundada ainda mais pelas contribuições
de Robinson-Chamberlin e contribuições a ele relacionadas durante
o início da década de 30, justamente quando os conceitos mais
básicos da teoria do custo pareciam estar a caminho do
esclarecimento. Essas contribuições à teoria da empresa levando-a a
uma posição demasiadamente importante em um modelo que
parecia incorporar os conceitos de custo objetivistas em vez dos
subjetivistas. Se a finalidade da análise é "explicar" o
comportamento da empresa, a escolha deve ser alvo de atenção, não
se podendo relegar os custos à condição de objetos. Todo o aparato
marginalista de receita e de custo, a rigor, permanece tão somente
como parte de uma lógica central de escolha porque, para o
indivíduo que toma a decisão, tanto o custo quanto os benefícios
são avaliados em termos puramente subjetivos. Não causa espécie o
fato de que os modernos desenvolvimentos na teoria da empresa
tenham-se preocupado com o relaxamento da objetividade artificial
e aparente da sucessão de custos e receitas ao substituírem os
indicadores mais plausíveis de utilidade, ainda que de natureza
amplamente não operacional.
O trabalho inicial de Coase sobre a teoria da empresa situou-
se dentro de um contexto explanatório de escolha, sem as limitações
das contribuições mais aclamadas dos modelos de concorrência
imperfeita e de concorrência monopolista. Nesse contexto, Coase
demonstrou estar totalmente correto tanto em sua argumentação de

54
AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA

que os lucros anteriores deveriam ser incluídos no custo de


oportunidade quanto em sua insistência para que o custo fosse
considerado como aquele que pode ser evitado não se tomando uma
determinada decisão.
A despeito de suas importantes contribuições para o
esclarecimento do conceito do custo de oportunidade no contexto da
teoria da empresa, Coase não incorporou totalmente, em seus
estudos de 1938, a "economia subjetivista" de Hayek e Mises à sua
análise e tampouco estabeleceu uma distinção entre o seu conceito e
aquele incorporado à ortodoxia neoclássica 23.

G. F. Thirlby e The Ruler

Em termos acadêmicos, tanto Viena quanto a Cidade do


Cabo eram vizinhas próximas de Londres na década de 30 e, devido
à influência dos economistas que haviam sido transplantados para a
escola inglesa, a próxima contribuição importante à teoria do custo
surgiu na Cidade do Cabo. Basicamente sob a tutela de Arnold
Plant e de W.H. Hutt, desenvolveu-se uma tradição verbal na
Cidade do Cabo que ampliava a abordagem de Londres. Os
resultados publicados apareceram em 1946, em dois estudos de G.
F. Thirlby. Nesses estudos, Thirlby, que recebera treinamento na
escola inglesa e que retornara a Londres alguns anos depois,
prosseguiu com o processo de esclarecimento. Ele prosseguiu com
seus esforços de converter outros economistas ao que ele

23
Em seu último e mais conhecido estudo sobre o preço de custo marginalista, o
argumento de Coase a favor da tarifa multilateral era enunciado através do conceito
de custo de oportunidade desenvolvido em seus estudos iniciais. Sua ênfase, de
acordo com a interpretação de escritores posteriores, era, entretanto, voltada ao
conflito familiar entre os critérios de custo marginal e de lucratividade. Sua defesa
do custo de oportunidade na formação de preços mul-ti-part tem sido amplamente
ignorada. Vide R.H. Coase, The Marginal Cost Controversy, Economica XIII
(agosto de 1946), 169-82. Ao tecer comentários sobre o estudo de Coase, G.F.
Thirlby criticou a objetividade implícita do custo. Vide G. F. Thirlby, The Marginal
Cost Controversy: A Note on Mr. Coase's Model, Economica, XIV (fevereiro de
1947), 48-53.

55
CUSTO E ESCOLHA

considerava um aspecto mais aceitável e consistente do custo de


oportunidade, contudo sua argumentação parece haver sido
amplamente rejeitada.
Em seu primeiro estudo de 1946, Thirlby, da mesma forma
que Coase, associou as noções de custos do economista com as do
contabilista 24. Thirlby havia incorporado à sua análise a economia
subjetivista de Wicksteed e da escola de Viena contemporânea em
sua totalidade. Sua ênfase voltava-se à subjetividade dos custos. O
trecho a seguir, extraído de seus primeiros estudos, faz referências
algo detalhadas:
Para o subjetivista, o custo é entendido como relacionado
com uma oportunidade em perspectiva substituída pela
decisão administrativa de adotar um em vez de outro curso
de ação. Ele está inevitavelmente relacionado ao
comportamento do indivíduo. O indivíduo se depara com a
possibilidade de adotar um ou outro de (pelo menos) dois
cursos de ação, mas não ambos. Ele considera a importância
relativa que atribui subjetivamente aos dois cursos de ação e
estabelece que um dos cursos lhe é mais importante do que o
outro. Ele "prefere" um curso ao outro. A sua oportunidade
de aproveitar a alternativa menos preferida transforma-se no
custo presumível da adoção do curso de ação menos pre-
ferido. Ao decidir aproveitar o curso preferido, o indivíduo
incorre em custo - ele destitui a oportunidade alternativa. O
custo não é representado pelas coisas - por exemplo, o
dinheiro que fluirá ao longo de determinados canais em
decorrência da decisão; é a perda, prevista ou realizada, para
o indivíduo que toma a decisão, da oportunidade de usar
essas coisas nos cursos alternativos de ação. Evidentemente,
esse custo não poderá ser descoberto por um outro
indivíduo que eventualmente observe e registre o fluxo
dessas coisas ao longo desses canais. Custo não é algo que

24
G F. Thirlby, The Subjective Theory of Value and Accounting Cost, Economica,
XIII (fevereiro de 1946), 32-49.

56
AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA

possamos descobrir objetivamente desse modo; é algo que


existia na mente do indivíduo que toma a decisão antes do
início do fluxo, algo que muito provavelmente terá sido
percebido apenas vagamente...
O custo é efêmero. O custo decorrente de uma determinada
decisão perde o seu significado quando esta é tomada visto
que ela exclui o curso de ação altemativo 25 (Os caracteres
em itálico existem originalmente.)

A ênfase de Thirlby em relação à natureza efêmera do custo


diferencia o seu estudo das contribuições anteriores na tradição da
escola inglesa. Em estudo anterior, o próprio Thirlby renuncia à
defesa desse conceito, voltando a defendê-lo enfaticamente em
estudos posteriores. Observemos que, em certo ponto de seu estudo,
ele usa os termos "previsto ou realizado": Thirlby não consegue
perceber que a própria noção do custo realizado gera contradição,
como ele demonstraria posteriormente. Do mesmo modo, a sua
referência ao custo como sendo "percebido apenas vagamente"
implica que algo diferente do que foi percebido surge em algum
momento posterior da seqüência decisão-ação que poderá ser
denominada de custo.
O rigoroso raciocínio de oportunidade-custo de Thirlby em
relação à questão da importância e praticabilidade das chamadas
"regras" para o estabelecimento de preços era simples e direto. Foi
esse o teor de seu segundo estudo intitulado The Ruler 26. Thirlby
tornou evidente que estava relativamente desinteressado na tão
calorosamente discutida questão da "regra a ser adotada", uma
questão que obscurecia a análise do problema de "qualquer regra".
Da mesma forma que em outro estudo, sua ênfase orientou-se para
o fato de que o custo não era "algo objetivo no sentido em que
pudesse ser examinado minuciosamente". Apesar de se saber que os
padrões das definições e das medidas omitiam as avaliações das

25
Ibid., págs. 33-34.
26
G.F. Thirlby, The Ruler, South African Journal of Economics, XIV (dezembro de
1946), 253-76.

57
CUSTO E ESCOLHA

"oportunidades perdidas", Thirlby argumentou que, a menos que


essas avaliações fossem consideradas, nenhuma regra jamais
poderia ser aplicada para assegurar o atendimento satisfatório das
preferências dos indivíduos.
Ele rejeitou a diferenciação ortodoxa entre "longo período" e
"curto período," sendo bastante claro ao afirmar que "o custo
somente ocorre ao serem tomadas as decisões, isto é, em etapas de
planejamento" (Pág. 259.) Ele explicou a diferença entre o que
poderíamos chamar de níveis de cálculo de decisão, orçamento e
contabilidade. O custo é pertinente à decisão e deve refletir o valor
das opções excluídas. Entretanto, um orçamento reflete os aspectos
relacionados com a receita prevista ou antecipada e os gastos que
decorrem de uma determinada decisão. Seria um equívoco
considerar esses gastos previstos do modo como são apresentados
em um orçamento como custos. Todavia, o orçamento também deve
ser diferenciado do cálculo que mensura as receitas realizadas e os
gastos resultantes de um determinado curso de ação. Esta
diferenciação em si é muito simples, porém extremamente útil aos
nossos objetivos. Ela demonstra que a estrutura de aparência direta,
ou estrutura ex-ante 27, não é per se suficiente para assegurar a
adoção do conceito de custo apropriado. O orçamento é, por
definição, um documento de planejamento, uma projeção ex-ante
de eventos, que, porém, não equilibra as receitas antecipadas em
relação ao custo antecipado no respectivo sentido de oportunidade-
custo. O aspecto "custo" de um orçamento mensura os gastos
antecipados que deverão ser realizados em decorrência de um
determinado curso de ação escolhido previamente. Esse aspecto não
é capaz de refletir o valor dos cursos alternativos de ação que
poderiam ter sido escolhidos, exceto no caso excepcional em que
não se pudessem assegurar receitas alternativas superiores ao gasto
antecipado.

Não há nem deverá haver dificuldade em convencer os críticos que


o custo deva ser subjetivo no momento da escolha. Entretanto,
pode-se aceitar totalmente a opinião subjetivista a este respeito e
ainda pensar que, após a decisão, o custo se torna objetivo e,
portanto, mensurável. Em seu estudo anterior Thirlby poderá não se

27
N.T.: Ex-Ante — Expressão criada por Gunnar Myrdal que se aplica às
quantidades de investimento, poupança ou consumo planejado como ação para um
período que se inicia. Portanto, como são quantidades hipotéticas, funcionam como
rota para planos econômicos gerais, que serão depois confrontados com os cálculos
ex-post, realizados ao fim do período.

58
AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA

ter apercebido inteiramente do desaparecimento instantâneo do


custo ao ser tomada a decisão. Contudo, em The Ruler, esse ponto é
ressaltado. "[O] valor do custo nunca se tornará objetivo; isto é, ja-
mais será possível verificar se a previsão da receita alternativa
estaria correta visto que o empreendimento alternativo nunca terá
existido para produzir a receita alternativa efetiva (Pág. 264)."
Na mesma linha desses dois estudos de 1946, Thirlby
prosseguiu com suas idéias sobre custo, em sua maior parte,
segundo o contexto de uma teoria de organização comercial e
financeira. A despeito do fato de que uma grande parcela de suas
idéias centrais tivesse sido desenvolvida nos dois estudos anteriores,
algumas mudanças de ênfase são dignas de nota. Em um estudo de
1952, Thirlby defendia plausivelmente um reconhecimento mais
amplo de uma dimensão de tempo na análise econômica,
particularmente no que se refere ao processo decisório. "[Um]
período de tempo é despendido entre a decisão e a realização dos
resultados... Uma deliberação mental ou operação de planejamento,
seguida de uma decisão, antecede as operações comerciais pla-
nejadas." O reconhecimento desse fato "manteria diante de nossas
mentes o elevado grau de subjetividade no processo de
maximização e evitaria que atribuíssemos uma falsa
objetividade aos valores de custo e receita." 28
Em seu estudo posterior publicado em 1960, Thirlby sugere
que as modificações sutis na definição de custo geraram confusão
em relação ao custo social. "Esta mudança sutil no significado de
custo, da avaliação de seu próprio (do empresário) produto final
excluído ao ingresso monetário exigido por um curso de ação
selecionado, é uma mudança que leva a um outro conceito que traz
em seu bojo a suspeita de que o custo deva ser considerado como
custo social. Esta definição assemelha-se ao primeiro significado de
custo, segundo o qual ele deve ser um valor alternativo excluído,
porém diferente desse valor no sentido que ele não representa a
avaliação feita pelo próprio empresário em relação ao seu próprio
produto final excluído, mas as avaliações de outras pessoas

28
G.F. Thirlby, The Economist's Description of Business Behavior, Economica, XIX
(maio de 1952), 150.

59
CUSTO E ESCOLHA

(consumidores) em relação a produtos que poderiam ter sido


produzidos por outros empresários se não tivessem sido
excluídos." 29 Esta afirmação sumaria com precisão a distinção entre
a concepção de Londres sobre o custo de oportunidade e a
concepção ortodoxa atualmente defendida pela maior parte dos
economistas.

O Human Action de Mises

Como já observamos anteriormente, Ludwig von Mises foi um dos


principais criadores da economia subjetivista apresentada na escola
inglesa por Hayek. Seu trabalho influenciou Robbins e Thirlby. Já
tivemos a oportunidade de mencionar o trabalho anterior de Mises
sobre a possibilidade do cálculo econômico em um contexto
socialista e devemos fazer referência agora ao seu tratado intitulado
Human Action 30, publicado em inglês em 1949, porém baseado em
um trabalho em alemão, publicado em 1940. Nesse livro, Mises
discute o custo de forma explícita porém sucinta e o seu conceito
fundamental assemelha-se à concepção de Londres cuja
representação mais genuína se encontra no trabalho de Thirlby. De
um modo genérico, "os custos são iguais ao valor vinculado à
satisfação que se deve sacrificar para alcançar a meta visada" (Pág.
97.). "No fundo das muitas tentativas para determinar os preços não
mercadizáveis situa-se o confuso e contraditório conceito de custos
reais. Se os custos fossem uma coisa real, isto é, uma quantidade in-
dependente de critérios de valores pessoais, passível de
discriminação e mensurável, seria possível então que um árbitro
neutro determinasse a sua altura (...) ...Custo é um fenômeno de
avaliação. Custos são valores vinculados à satisfação mais valiosa
de um desejo que permanece insatisfeito." (Pág. 392.).

29
G.F. Thirlby, Economists' Cost Rules and Equilibrium Theory, Economica,
XXVII (maio de 1960), 150.
30
Von Mises, op. dt.

60
AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA

As idéias de Mises sobre o custo foram desenvolvidas


posteriormente por dois de seus seguidores americanos. Em seu
tratado de dois volumes intitulado Man Economy and the State,
Murray Rothbard adota um conceito subjetivista de custo
estreitamente relacionado com o de G. R Thirlby 31. Por outro lado,
talvez a única e a mais satisfatória incorporação do conceito de
custo relacionado à escolha, em um contexto de teoria de preço
geral, seja encontrada na obra de Kirzner Market Theory and the
Price System 32.

A Morte de uma Tradição?

Na escola inglesa, as idéias sobre custo desenvolvidas por


Robbins, Hayek, Coase, Thirlby e outros tornaram-se parte de uma
tradição verbal que se desenvolvia e incluía muitos participantes.
Contudo, os modernos seguidores dessa tradição parecem escassos
e apenas Jack Wiseman estaria totalmente habilitado para essa
tarefa. Em dois estudos básicos publicados na década de 50,
Wiseman tentou, como outros anteriormente, aplicar a lógica de
oportunidade-custo da escola inglesa aos problemas longamente
debatidos do estabelecimento de preços para o custo marginal. Ele
usou essa lógica como critério geral para a organização de uma
economia coletivisia e como critério específico para empresas de
utilidade pública 33.
Wiseman transferiu-se da Escola de Economia de Londres
para York em 1963 e Thirlby aposentou-se da vida ativa acadêmica
em 1962. Sem dúvida, ainda existem vestígios da tradição de
oportunidade-custo da escola inglesa, porém isso não influencia a

31
Vide Murray Rothbard, Man, Economy and the State (New York: Van Nostrand,
1962), esp. Vol. I, 290-308.
32
Vide I.M. Kirzner, Market Theory and the Price System (New York: Van
Nostrand, 1963), esp. Capítulo 9.
33
Jack Wiseman, Uncertainty, Costs, and Collectivist Economic Planning,
Economica, XX (maio de 1953), 118-28; e o seu estudo The Theory of Public
Utility Price - An Empty Box, Oxford Economic Papers, 9 (fevereiro de 1957), 56-
74.

61
CUSTO E ESCOLHA

corrente principal de ensino de teoria econômica nem as


contribuições eruditas dos membros dos corpos docentes. Nos
Estados Unidos, a influência de Mises e de seus seguidores da
escola de Viena contemporânea aparentemente situa-se à margem
da corrente moderna de teoria econômica. O conceito de custo de
oportunidade – que surgiu em decorrência das abordagens de bom
senso e dos austríacos subjetivistas –, o conceito que floresceu por
duas década na escola inglesa, parece ter sido derrotado em sua luta
por um lugar entre os paradigmas da economia moderna. Como
muitos outros enigmas da história intelectual, este não é de fácil
explicação. A argumentação não foi refutada e, dentro de seus
limites, permanece válida. Esperamos que a presente obra possa
produzir sua ressurreição parcial ao enunciar os fundamentos
metodológicos das duas teorias paralelas do processo econômico 34.

Apêndice do Capítulo 2
O Trabalho de Shackle Sobre Decisão

Qualquer pesquisa sobre as contribuições de Londres estaria


incompleta sem uma referência ao trabalho de G.L.S. Shackle. O
problema de integrar construções intelectuais no âmbito do próprio
pensamento está bem ilustrado neste caso. Shackle cursava a Escola
de Economia de Londres nos anos em que o conceito de custo de
oportunidade se desenvolvia, em vários de seus estudos, Thirlby
expressa sua gratidão a Shackle, tornando imediatamente evidente
que o tratamento de Shackle ao processo decisório está totalmente
compatível com a doutrina inglesa de custo de oportunidade. Porém
– e surpreendentemente – Shackle, pelo que se sabe, não
estabeleceu a relação óbvia entre o seu trabalho estimulante e
importante sobre decisão, incerteza e tempo com o trabalho sobre
custo de oportunidade realizado por seus contemporâneos da Escola

34
O manuscrito deste livro foi concluído antes que o autor pudesse ter acesso ao
artigo intitulado Cost, de A.A. Alchian, na International Encyclopedia of the Social
Sciences, 3 (New York: Macmillan, 1969), 404-15.

62
AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESA

de Economia de Londres. Shackle retorna à ortodoxia em seu


tratamento geral do custo per se.

Suas contribuições para a teoria da decisão podem, não


obstante, ser úteis ao esclarecimento da teoria do custo. Alguns
trechos extraídos de um de seus livros 35 são dignos de nota:
Quando um número qualquer de ações, diferentes entre si
pelo conjunto de resultados que lhes é respectivamente
atribuído, se encontra disponível e a escolha entre elas está a
critério do indivíduo que toma a decisão, os resultados desse
conjunto, cada um deles considerado como um todo, são
rivais entre si e mutuamente exclusivos. Em cada conjunto,
seus componentes também são hipóteses mutuamente
exclusivas. Portanto, esses resultados podem não estar
ligados a fatos, mas a coisas imaginadas pelo indivíduo que
toma a decisão. Eles existem em sua imaginação, não
depois, mas antes de seu compromisso em relação a um
determinado ato; sua existência está confinada ao momento
da decisão e é parte desse ato. [Pág. ix, x.]
O significado literal de decidir é cortar (...) um corte entre o
passado e o futuro [Pág. 3.] (...) Supomos que a escolha
dentre um conjunto de atos rivais disponíveis será feita em
função das conseqüências associadas aos atos de alguma
maneira e intensidade pelo indivíduo que toma as decisões.
Também supomos que as únicas conseqüências pertinentes a
essa escolha sejam as experiências do indivíduo que toma as
decisões.
(...) Por três motivos separados elas não podem ser
experiências provenientes de fora da mente do indivíduo que
toma a decisão, de fontes observáveis em princípio por
terceiros; elas não podem, em outras palavras, ser o que se
denomina habitualmente de experiências "reais" que exigem

35
G.L.S. Shackle, Decision, Order, and Time in Human Affairs (Cambridge:
Cambridge University Press, 1961), págs. ix, x. Citado com permissão da
Cambridge University Press.

63
CUSTO E ESCOLHA

a intervenção das percepções do mundo exterior através dos


sentidos; elas não podem ser 'novidade'. [Pág. 8.]
(...) Os resultados são produtos da imaginação [pág. 9]. Dada
a alegação de que os resultados, em comparação à decisão
que é tomada, são produtos da mente do indivíduo (não
importando se após algum tempo eles se transformarão em
realidade observável), nada poderá ser mais irrelevante.
[Pág. 10.]

As afirmações acima e muitas outras afirmações de Shackle


poderiam ser inseridas sem nenhuma modificação nas discussões de
custo de Coase e Thirlby. A falha de Shackle em trazer essas
importantes idéias ao seu próprio - porém mais elementar - debate
de custo indica que a teoria prognóstica baseada na teoria clássica
pode coexistir com a teoria lógica da escolha nos padrões de
pensamento de um único economista, mesmo que essas duas teorias
sejam incompatíveis entre si.

64
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

Custo e Escolha

Um século se passou desde a revolução provocada pelo


conceito do valor subjetivo na teoria econômica, porém a teoria
subjetiva de valor ainda não está totalmente reconciliada com a
derivação clássica da teoria objetiva. Conforme indicam as
observações sobre o desenvolvimento do conceito de custo de
oportunidade, os economistas ainda não estabeleceram uma distin-
ção cuidadosa entre a teoria prognostica ou científica e a teoria
lógica da interação econômica. Como os capítulos subseqüentes
poderão demonstrar, esta confusão metodológica é a fonte de
equívocos universais na economia aplicada. O tratamento e a
discussão de custo, especialmente em relação à escolha, fornecem
um contexto específico útil dentro do qual as questões metodo-
lógicas de caráter mais geral podem ser examinadas.

A Ciência Prognóstica da Economia

Desde suas origens clássicas, a economia reivindica o título


de ciência prognóstica. Isso significa a introdução de hipóteses
refutáveis teoricamente e que a contestação dessas hipóteses pode
exigir um reconhecimento final por profissionais e cientistas
competentes. A despeito dessa limitação, a ciência deve possuir
teor objetivo e empírico. Algo mensurável – ao menos teoricamente
– que permita a comprovação ou a contestação das principais
hipóteses. Os elementos básicos da teoria econômica são,
naturalmente, os atos dos seres humanos. A ciência se consiste nos
esforços para prever os efeitos no comportamento humano,
induzidos por modificações específicas no meio ambiente. A
operacionalidade requer uma mensuração objetiva das respostas
comportamentais.

65
CUSTO E ESCOLHA

Consideremos a proposição elementar de que os preços


relativos sobem quando os custos relativos aumentam, em
condições ceteris paribus 1. Esta proposição se origina do postulado
de que as pessoas comportam-se "economicamente", tentando
minimizar "custos" e maximizar "benefícios" ou "receitas".
Entretanto, este postulado permanece empiricamente vazio até que
seja dado um conteúdo descritivo específico aos "custos" e
"benefícios" ou às "receitas". O postulado comportamental é o do
homem econômico. Caso este postulado seja abandonado, as
previsões perdem seu poder.
É importante observar as limitações e os poderes desta teoria
prognóstica. Não existe a suposição implícita que o homem deva
comportar-se economicamente. Se interpretada adequadamente, o
poder da teoria fica limitado à elaboração de prognósticos baseados
na condição "como se", do comportamento real do homem num
sentido médio ou representativo. A suposição motivacional é vital
porque possibilita que o cientista empregue as magnitudes do custo
monetário observáveis objetivamente, sendo que a receita monetária
flui como uma representação das opções de escolha avaliadas
subjetivamente, segundo os padrões de comportamento dos
indivíduos. A experiência revela que essa teoria genuinamente
científica de comportamento econômico tem alcançado êxito
considerável. O comportamento do homem é efetiva e sufi-
cientemente econômico para permitir que muitas previsões sejam
comprovadas. Porém, o descuido em relação às limitações básicas
da teoria prognóstica tem gerado muitos erros na aplicação
normativa.
O modelo neoclássico ortodoxo do processo de mercado é
aquele em que os agentes comportam-se economicamente. A
medida que o modelo se aproxima da realidade, os fluxos de custo e
receita observados objetivamente representam opções de dimensões

1
N.T.: Ceteris Paribus - Expressão latina que significa "permanecendo constantes
todas as demais variáveis". Em economia, a expressão é utilizada quando se deseja
medir as conseqüências de mudanças de uma variável sobre outra, supondo-se as
demais inalteradas.

66
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

diferentes e avaliadas subjetivamente dentre as quais as escolhas


são efetivamente realizadas pelo indivíduo.
Em mesmo grau e idêntica proporção, pode-se prever qual o
relacionamento específico entre os custos e os preços observados
objetivamente para descrever o equilíbrio para o qual todo o
processo converge. Observemos especialmente que esses
relacionamentos, essas condições de equilíbrio são, por si mesmos,
previsões derivadas baseadas nos postulados de motivação do
modelo. Por exemplo, as igualdades entre os preços e os custos
marginais, como quantidades observadas objetivamente em
condições de equilíbrio inteiramente competitivo, são previsões
feitas por inferência, que dependem das suposições de
comportamento sobre as quais se assenta toda a teoria. Essas
igualdades são desprovidas de importância normativa e não
apresentam uma relação direta com a eficiência de alocação. A
desordem metodológica que se instalou na economia moderna
talvez seja revelada com maior nitidez atravessando-se sem
autorização a ponte existente entre as previsões feitas por
inferências à teoria genuinamente científica e as conclusões
normativas sobre eficiência que são geradas com tanta freqüência.
Isto pode ser ilustrado através de uma variação, semelhante
à utilizada por Knight em seus estudos citados anteriormente,
baseada no modelo mais simples, o modelo do cervo e do castor
elaborado por Adam Smith. As condições objetivas do modelo
permanecem as mesmas. É necessário um dia de trabalho para o
abate de um cervo, e de dois dias para o de um castor. Os custos
mensuráveis objetivamente formam uma razão de um para dois.
Faz-se uma previsão que os valores de troca se situarão em uma
razão de dois para um, razão esta que será descrita pelas igualdades
entre os custos e preços marginais. Suponhamos, contudo, que a
razão do preço relativo apresente uma tendência de deslocamento
na direção do nível de equilíbrio previsto; os preços não tenderão a
se igualar aos custos marginais. Mesmo o mais ingênuo dos
economistas do bem-estar poderá concluir, através da variação
acima, que a distribuição de recursos é ineficiente. Em vez disso,

67
CUSTO E ESCOLHA

esse economista provavelmente introduziria, como o fez Knight, a


possibilidade de que os caçadores, de um modo geral, tenham
alguns argumentos não pecuniários ou não econômicos em suas
funções de utilidade. Os custos marginais - uma vez que afetam o
comportamento da escolha - podem então não ser os mesmos que
as razões de tempo de trabalho simplesmente observadas. O
economista do bem-estar, supondo apenas que o mercado esteja
organizado de forma competitiva, conclui então que as igualdades
de preço e custo marginais estejam satisfeitas no equilíbrio que ele
observa, a despeito das variações em relação às previsões com
bases objetivas.
Todavia, ao recorrer aos argumentos não econômicos da
função de utilidade para retificar suas previsões falsificadas, o
economista desloca toda a análise, de uma teoria prognóstica para
uma de natureza não prognóstica e puramente lógica. Os fluxos de
custo-receita observáveis objetivamente não podem ser usados
como substitutos das alternativas avaliadas subjetivamente, nas
quais os elementos não econômicos sejam poderosos. As previsões
sobre as relações que caracterizam posições de equilíbrio são falsas.
Caso essas previsões não sejam realizadas, não existirá indicação de
ganhos em potencial no comércio. Portanto, não se poderá esperar
progresso algum em bem-estar advindo dos reajustes efetuados para
assegurar que as relações previstas sejam produzidas.
Todas estas implicações em relação à moderna economia do
bem-estar, não podem ser subestimadas. Minha argumentação
sugere que quase a totalidade desta subdisciplina tenha-se baseado
em simples confusão metodológica. Ela transformou as proposições
prognósticas em normas de exclusão, que vêm sendo utilizadas na
elaboração de propostas de políticas econômicas. Alguns dos
exemplos mais específicos desta confusão serão discutidos nos ca-
pítulos subseqüentes.
Por um lado, pode-se afirmar que o economista neoclássico
tenha sucumbido à tentação de imprimir à totalidade de sua teoria
uma generalização maior do que a sua metodologia teria capacidade
de garantir. Essa tentação tem sido aumentada pela teoria lógica
paralela e igualmente confusa da escolha econômica que, per se, é

68
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

de caráter inteiramente geral, carecendo de conteúdo prognóstico.


Esta teoria meramente lógica, nitidamente diferenciada da teoria
clássica em suas implicações prognósticas, tem suas origens nos
teóricos do valor subjetivo, contudo suas fontes mais explícitas são
representadas por Wicksteed, pelos austríacos posteriores e pelos
economistas associados com a Escola de Economia de Londres. Em
sua totalidade, foi essa a teoria econômica subjetivista defendida
por Hayek e Mises a que me referi anteriormente. É necessário
fazer alguma reconciliação entre a teoria genuinamente científica
do comportamento econômico e a lógica pura da escolha. A
concretização dessa reconciliação representa um dos maiores
objetivos do presente estudo exploratório no qual o conceito de
custo de oportunidade toma-se o dispositivo analítico de união.

O Custo na Teoria Prognóstica

Rigorosamente dentro da ciência prognóstica da economia, a


definição de custo pode ser considerada adequada na maioria dos
textos modernos, quase não havendo necessidade de modificação
em suas conceituações comuns. É o custo dos conhecidos
diagramas dos textos, a magnitude objetivamente identificável que é
minimizada. É o valor de mercado do produto alternativo que pode
ser produzido através de uma redistribuição racional dos recursos de
insumos para usos diferentes daqueles observados. Esse valor se
reflete nos preços de mercado para as unidades de recursos; assim
sendo, o custo é medido diretamente através dos gastos monetários
previstos.
Para quem o custo é importante? Esta questão torna-se
crucialmente importante. O custo, de acordo com a definição
acima, a rigor, defronta-se apenas com um autômato, o homem
puramente econômico, que habita o modelo do cientista. Esse é o
elemento inibidor de comportamento introduzido no modelo de
mercado puramente mecânico. A conversão de dados objetivos que
reflitam os gastos monetários previstos nas avaliações subjetivas
feitas no mundo real pelos indivíduos que decidem não são motivo

69
CUSTO E ESCOLHA

de preocupação para o adepto da teoria prognóstica. Num sentido


mais rigoroso, essa teoria não é, de forma alguma, uma teoria de
escolha. Os indivíduos não escolhem; comportam-se de modo
previsível em resposta às mudanças mensuráveis objetivamente em
seu meio ambiente.

O Custo em uma Teoria de Escolha

A distinção entre o conceito de custo no contexto


prognóstico, como esboçamos acima, e o conceito de custo em uma
teoria de escolha mais generalizada, como já pudemos articular -
embora não totalmente - no Capítulo 2, pode ser mais bem
ressaltado elaborando-se este segundo conceito. O elemento
essencial no presente conceito é a relação direta entre o custo e o
ato da escolha, uma relação que não existe na teoria prognóstica
neoclássica. Segundo as concepções inglesa e vienense, em
contrapartida, o custo torna-se o aspecto negativo de qualquer
decisão, o obstáculo que deve ser superado antes que uma
alternativa possa ser escolhida. O custo é aquilo que o indivíduo
que toma a decisão sacrifica ou abandona ao fazer uma escolha. O
custo é constituído da própria avaliação que o indivíduo faz do
prazer ou da utilidade cuja exclusão prevê como necessária em
decorrência da sua seleção de cursos alternativos de ação.
As implicações específicas a seguir surgem do conceito de
custo vinculado à escolha:
(1) A mais importante delas, o custo deve ser
experimentado exclusivamente pelo indivíduo que toma a decisão;
não é possível transferir o custo ou impô-lo a outras pessoas.
(2) O custo é subjetivo; existe apenas na mente, em nenhum
outro lugar, do indivíduo que toma a decisão.
(3) O custo baseia-se em expectativas; é necessário um
conceito de antevisão ou ex-ante.
(4) Jamais se poderá ter uma idéia real do custo em
conseqüência do próprio ato da escolha: não se desfruta algo a que
se renuncia.

70
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

(5) O custo não pode ser mensurado por um outro indivíduo


além do indivíduo que toma a decisão porque não se pode observar
diretamente a experiência subjetiva.
(6) Finalmente, o custo pode tornar-se obsoleto no próprio
momento da decisão ou escolha.
Em uma teoria de escolha, o custo deve ser considerado
como uma dimensão de utilidade. Contudo, na teoria prognóstica
ortodoxa, o custo é considerado como uma dimensão de
mercadoria. Esta distinção pode ser aplicada a cada um dos seis
atributos enumerados acima. Na teoria da escolha, o custo
representa a perda da utilidade prevista, resultante do sacrifício de
uma alternativa rejeitada. Visto as funções de utilidades serem
necessáriamente de ordem pessoal, o custo está diretamente
vinculado ao indivíduo que faz a escolha e não pode existir
independentemente desse indivíduo. Na teoria prognóstica de
comportamento econômico, o custo de produção de um "bem" é
representado pela quantidade de um outro bem que poderia ser
produzido em seu lugar. Desse modo, o custo existe
independentemente do processo de escolha, não havendo um
vínculo direto entre a escolha e a experiência do custo.
Assim sendo, o custo é uma questão puramente subjetiva em
qualquer teoria de escolha, enquanto que, em qualquer teoria que
implique previsões genuínas, o custo é objetivo. Para que o custo
possa influenciar a escolha, ele deverá basear-se em expectativas;
não poderá basear-se na experiência realizada - pelo menos
diretamente. Por outro lado, uma vez divorciado da escolha, o custo
torna-se um conceito físico; torna-se irrelevante o fato de o custo
ser mensurado antes, no momento ou após a efetivação do
compromisso. No modelo de Smith, o custo de um castor é igual ao
de dois cervos e esse pressuposto será válido enquanto existirem as
relações físicas postuladas; não há motivo para se fazer a distinção
entre as mensurações ex-ante e ex-post. Dada a natureza
tecnológica ou física do custo, obtido pela função de transformação
em espaço de mercadoria, as opções com que se depara o agente
podem ser "custeadas" por meio de um observador externo. O
observador não tem necessidade de psicoanalisar o caçador no

71
CUSTO E ESCOLHA

modelo de Smith. E o problema da obsolescência não aparece na


definição objetiva implícita na teoria prognóstica. Por outro lado,
em qualquer teoria genuinamente de escolha, o custo deve estar
demarcado de modo preciso no tempo visto estar vinculado ao
momento da escolha. Antes da escolha, o custo existe como uma
experiência subjetiva; após a escolha, esse aspecto desaparece do
custo. O que acontece ao indivíduo após ter feito sua escolha é uma
questão ainda a ser considerada.

O Custo Influenciando a Escolha


e por ela Influenciado

Os seis atributos de custos enumerados anteriormente são


importantes a qualquer escolha específica. Para que o custo possa
influenciar essa escolha, ele deve ser definido em termos desses
atributos. Não obstante, também devemos reconhecer que a escolha
também gera as suas conseqüências: os fatos ocorrem como
resultado de decisões. Ao ter-se comprometido com um deter-
minado curso de ação em vez de outro e efetuado alguma
estimativa racional dos custo que essa decisão representaria, o
indivíduo "sofre" as conseqüências. Ele poderá não se arrepender
de sua decisão anterior, porém, ao mesmo tempo, poderá submeter-
se à "dor" ou ao "sacrifício" ao ser-lhe necessário reduzir seus
níveis de utilidade. O fato de as escolhas terem sido feitas correta
ou equivocadamente quase não tem importância direta na
existência desse "custo" influenciado pela escolha.
Esse "custo" conseqüente à escolha é parcialmente
responsável pela confusão existente entre o custo na teoria
prognóstica e o custo na lógica da escolha. A respeito do que ocorre
após a escolha é que os economistas parecem estar se referindo ao
traçar suas curvas de custo nos quadros-negros e sobre o que os
contabilistas parecem estar-se preocupando. E necessário que o
"custo" influenciado pela escolha seja examinado mais meti-
culosamente.
Se "forçarmos" os princípios lingüísticos para que estes
acomodem o jargão ortodoxo, a melhor alternativa, no nosso

72
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

entender, parece ser permitir que o termo "custo" seja empregado


nesses dois sentidos nitidamente distintos em qualquer teoria de
escolha, e continuar a utilizá-lo em seu único significado na teoria
prognóstica de comportamento econômico. Assim sendo, teremos o
"custo que influencia a escolha" e o "custo por ela influenciado" na
teoria da escolha, definido como dimensão de utilidade, e teremos
também o "custo objetivo," definido rigorosamente na dimensão da
mercadoria, na teoria prognóstica. Deixemos então o custo objetivo
da ciência prognóstica e nos concentremos no custo que influencia
e escolha e que por ela é influenciado. Toda escolha compreende
ambos os conceitos de custo. Em primeiro lugar, existe o obstáculo
genuíno à escolha, o custo de oportunidade que era o centro das
idéias dos economistas cujas contribuições estão sumariadas no
Capítulo 2. Em segundo, existem os prejuízos em utilidade sempre
decorrentes de a escolha ter sido feita, sejam eles sofridos pelo
indivíduo que faz a escolha ou por terceiros, independentemente de
haver ou não substitutos mensuráveis objetivamente para esses pre-
juízos, por exemplo, desembolsos. Esses prejuízos são os resultados
da decisão, nunca a sua causa. Neste caso, o custo inibe a escolha;
no outro, o custo é gerado por ela. Esses conceitos de custo podem
ser discutidos mais detalhadamente em relação a várias das
distinções habitualmente feitas que, em última análise, são
falaciosas.

Custo de Oportunidade e Custo Real

A rigor apenas o custo que influencia a escolha representa


uma avaliação das "oportunidades" sacrificadas. Portanto, seria
razoável que limitássemos o uso do termo custo de oportunidade a
este conceito e inventássemos outras designações descritivas para o
custo influenciado pela escolha em uma lógica de escolha e para o
custo objetivo da teoria prognóstica. Contudo, em um sentido mais
amplo, qualquer uma das três concepções poderá ser tratada
expressivamente em termos de custo de oportunidade. Na
concepção da teoria de preço ortodoxa, segundo a qual o custo é
mensurado objetivamente através dos desembolsos monetários,

73
CUSTO E ESCOLHA

torna-se útil, para fins explanatórios, equiparar esses desembolsos


aos valores que os membros da sociedade atribuem aos produtos
finais alternativos que poderiam ter sido produzidos pelos mesmos
desembolsos orientados de modo diferente. Portanto, de certo modo
ambíguo, o custo efetivamente reflete "oportunidades perdidas".
Porém, vale mencionar que as "oportunidades perdidas" neste
contexto refletem de modo mais preciso o valor das opções em
potencial atribuído por terceiros em vez do próprio indivíduo que
faz a escolha.
O conceito de "oportunidades perdidas" também pode ser
aplicado aos resultados da escolha ou ao custo por ela influenciado.
Neste caso, o conceito está vinculado à escolha e as oportunidades
representam tudo o que "poderia ter sido", se analisadas após
tomada a decisão. Segundo essa percepção tardia, as opções podem
ter uma ótica diferente quando analisadas antes de efetivar-se o
compromisso. No contexto de pré-escolha ou de custo influenciado
pela escolha, as oportunidades perdidas serão aquelas que
"poderiam ser", na medida em que sejam consideradas e analisadas
durante o momento da própria escolha e refletidas no valor previsto
presentemente para os prejuízos em utilidade que devem ser
esperados. No contexto de pós-escolha ou de escolha influenciada
pelo custo, comparativamente, as oportunidades perdidas são
aquelas que poderiam ter sido desfrutadas na medida em que se
reflitam nos prejuízos em utilidade ou nos sacrifícios
experimentados. Poderá haver uma diferença psicológica
importante nos prejuízos em utilidades que envolvem o custo que
influencia a escolha e o que é por ela influenciado. No momento da
própria escolha, o custo será a avaliação do indivíduo que escolhe
em relação aos prazeres esperados a que deve renunciar após ter
efetivado o seu compromisso; o custo também será aquilo que o
indivíduo poderá evitar se escolher uma outra opção. Neste
contexto, o custo deve ser e permanecer um evento puramente
mental. A utilidade para o indivíduo que faz a escolha somente
estará reduzida na medida em que seja funcionalmente dependente
da utilidade esperada nos períodos de pós-decisão. Realizada a
escolha, o custo ainda poderá refletir a avaliação dos prazeres que

74
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

foram sacrificados, permanecendo um evento mental, contudo o


processo vai muito mais além. Entre as experiências que poderiam
ter sido evitadas podem estar aquelas que exigem uma submissão
explícita à dor, ao sofrimento, à privação, em algum significado
fisicamente importante do termo. Tendo assumido o compromisso
de pagar o que lhe tenha sido debitado em conta, o comprador
deverá quitar os seus débitos em seus vencimentos. A despeito
dessa expectativa possivelmente racional em relação a esse custo no
momento da escolha, o comprador ainda sofrerá alguma dor quando
tiver de quitar essas contas. Essa exposição puramente física aos
efeitos negativos impostos pela escolha adentra a avaliação
subjetiva da alternativa que poderia ter acontecido. Portanto, de
certo modo, a natureza do custo é diferente no contexto de custo
influenciado pela escolha e de custo que influencia a mesma,
embora ambos permaneçam no espaço de utilidade.
Ao tratarmos o custo em um contexto de custo influenciado
pela escolha ou de que influencia a mesma, em outras palavras, ao
permanecermos alinhados com a própria teoria da escolha, nos
aproximaremos mais da noção clássica de custo real do que da
concepção neoclássica. Tanto na forma de obstáculo em
contraposição à escolha quanto de uma indesejável conseqüência da
mesma, o custo representa o prejuízo em utilidade. De modo
relativamente diferente, se o custo estiver divorciado do processo de
escolha, como ocorre no contexto prognóstico neoclássico, ele não
terá nada de "real". Não haverá nenhuma dor, sofrimento ou
prejuízo em utilidade. Esta parece ter sido a base da distinção
conceitual entre o custo de oportunidade e o custo real que levou
Knight a afirmar que "...todas as referências a 'sacrifícios' (deveriam
ser) simplesmente omitidas" 2.

2
F.H. Knight, A Suggestion for Simplifying the Statement of the General Theory of
Price, Journal of Political Economy, XXXVI (junho de 1928), 355.

75
CUSTO E ESCOLHA

A Subjetividade dos Custos Históricos

Tenho me referido ao termo custo como "subjetivo" em


qualquer lógica de escolha e como "objetivo" em qualquer ciência
prognóstica. Em uma discussão preliminar de um outro estudo 3,
empreguei a terminologia subjetiva-objetiva de modo ambíguo
porque, naquela época, não era capaz de diferenciar separadamente
cada uma das dimensões de custo desses contextos relacionados
porém muito diferentes. Os custos, nos modelos econômicos prog-
nósticos, devem ser objetivos. Entretanto, se o custo é introduzido
em uma lógica de escolha, é evidente que será subjetivo. Essa
consideração tem sido repetida enfaticamente por alguns estudiosos
da Escola de Economia de Londres, cujos trabalhos já tivemos a
oportunidade de mencionar, destacando-se G. F. Thirlby.
As conseqüências da escolha, os resultados da decisão, são
introduzidos nas experiências do indivíduo como eventos avaliados
subjetivamente, mesmo que, como já mencionamos, possa também
haver repercussões físicas da decisão. Se um compromisso, ao ser
assumido, gera outros eventos, esses afetarão a utilidade do
indivíduo - de modo bastante independente do fato de que esses
eventos não podem ser evitados. O indivíduo sofre o prejuízo em
utilidade em conseqüência de uma decisão anterior mesmo que, em
última análise, ela tenha sido totalmente racional per se. Esse
sofrimento é um evento de natureza subjetiva seja ele o
arrependimento em relação ao que poderia ter sido ou a dor em
relação ao que é.
A rigor, somente esse custo de natureza subjetiva e
influenciado pela escolha pode ser inteiramente justificado em
relação ao conceito de "custo histórico" do economista ou aos
"custo passados" de Jevons. Devido ao fato que a escolha já foi
realizada, esse custo é irrelevante, exceto nos casos em que a

3
Vide, do autor, Public Debt, Cost Theory, and the Fiscal Illusion, em Public Debt
and Future Generations, James M. Ferguson (ed.) (Chapei Hill: University of North
Carolina Press, 1964), págs. 150-62.

76
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

experiência possa modificar as expectativas quanto às opções de


escolha no futuro.
Segundo esse aspecto de influência da escolha, o custo
estará relacionado à escolha ex post, porém não pessoalmente
vinculado ao indivíduo que toma a decisão. Esta importante
distinção deu sua própria contribuição à confusão existente na
teoria geral de custo. Como já observamos anteriormente em
relação ao primeiro atributo relacionado ao custo que influencia a
escolha, o custo de oportunidade deve ser experimentado pelo
próprio indivíduo que toma a decisão para que a escolha possa ser
influenciada de alguma forma. Torna-se evidente que, neste
contexto, o custo somente poderá ser experimentado pelo indivíduo
que faz a escolha; de outro modo, todo o conceito perde o seu
significado. Por outro lado, as conseqüências da escolha - as perdas
em utilidade sofridos como resultado de uma decisão - não
necessitam ser sofridas apenas pelo indivíduo que faz a escolha.
Dado o fato que essas conseqüências são sempre depreendidas após
a escolha, o próprio indivíduo que a faz poderá ser considerado
uma pessoa diferente uma vez depreendidas as conseqüências da
escolha. Entretanto, ainda que este conceito seja ignorado, não
haverá conexão formal entre o indivíduo que toma a decisão e o
indivíduo ou indivíduos que sofrem as perdas em utilidade em
decorrência da escolha. Aqueles que "arcam com as conseqüências"
– mesmo que o ato de arcar com elas seja uma experiência
subjetiva – não necessitam sofrer a "agonia da escolha".
Através de dados supostamente objetivos, extraídos da
dimensão de não utilidade, a economia neoclássica formula
previsões sobre as propriedades das relações de equilíbrio que
deverão ser estabelecidas pelos participantes no processo de
interação de mercado. Até que ponto a ênfase dedicada ao equilíbrio
permitirá alguma reconciliação entre os dois conceitos de custo,
entre o custo objetivo da ciência prognóstica e o custo puramente
subjetivo existente na lógica da escolha? Os gastos mensuráveis
objetivamente refletem as oportunidades preteridas apenas em
condições de equilíbrio pleno?

77
CUSTO E ESCOLHA

Custo e Equilíbrio

Se toda a economia não estiver operando em condições de


pleno equilíbrio competitivo, poderão ocorrer lucros-perdas. Desse
modo, os gastos observados não podem ser considerados como
reflexos das oportunidades preteridas dos indivíduos que tomam a
decisão em qualquer outro contexto geral. Por outro lado, em
condições de equilíbrio pleno, os gastos observados representam
diretamente a contribuição máxima dos recursos em diferentes
usos.
Portanto, à medida que os indivíduos que fazem a escolha se
comportam economicamente, os gastos observados refletem, ainda
que indiretamente, os genuínos "custos de oportunidade". A
aparente reconciliação aqui existente chega às raias da tautologia,
contudo, o principal objetivo da teoria econômica que considera o
custo como importante fator é demonstrar de que modo as escolhas
realizadas em contextos que não são de equilíbrio podem gerar mu-
danças em direção ao equilíbrio. As escolhas realizadas em
condições de desequilíbrio devem ser informadas por custos de
oportunidade que, mesmo indiretamente, não podem ser
representados pelos gastos mensurados. Em condições de
desequilíbrio, os custos de oportunidade decorrentes da adoção da
decisão "errada" devem incluir os lucros preteridos com a rejeição
do curso de ação alternativo.
O marginalismo apresenta uma solução apenas parcial a esse
problema. Se um indivíduo se comporta de modo econômico, se
não há oportunidades de lucro em outros pontos do sistema e se
todas as decisões podem e devem ser feitas marginalmente, a
derivação de custo marginal na teoria ortodoxa representa o genuíno
"custo de oportunidade" de uma decisão de produção. Isso significa
que todas as escolhas são realizadas em condições de equilíbrio,
num contexto de planejamento a curto prazo, onde as decisões de
produção através das empresas permanecem conceitualmente
divorciadas do restante da economia. Entretanto, é essencial que
cada uma das condições de qualificação seja atendida caso o custo
marginal mensurado seja empregado para representar objetivamente

78
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

o elemento subjetivo que participa efetivamente do cálculo de


escolha do indivíduo.
Se, por outro lado, o indivíduo incorporar considerações de
natureza não pecuniárias ou não econômicas à sua decisão, se
houver lucros a serem auferidos em outras atividades além da
atividade em questão, se houver a possibilidade de ajustes discretos
em vez dos ajustes marginais, então o gasto marginal mensurado
objetivamente não será uma expressão genuína do custo de
oportunidade porque a condição "se" pode significar uma inibição
ao comportamento de escolha não suscetível à mensuração
objetiva.
Uma teoria de escolha exigirá necessariamente uma estreita
relação entre a importância dos custos mensurados objetivamente,
em condições de equilíbrio a longo ou a curto prazo, e a presença
ou ausência de incerteza. Diante da incerteza, a avaliação das
opções pelo indivíduo que faz a escolha pode ser diferente das
avaliações de qualquer observador externo, mesmo que as
condições para qualificação sejam atendidas. Portanto, ratifica-se
aqui a subjetividade inerente do custo em qualquer teoria de
escolha.
Os conceitos de equilíbrio apresentados nesta seção e até
este ponto são os da teoria prognóstica neoclássica. Isso implica que
as descrições de equilíbrio assumem a forma de relacionamentos
definidos objetivamente entre as variáveis nas dimensões de não
utilidade. Os preços devem apresentar relações específicas com os
custos. Se nos for satisfatório permanecer dentro de uma teoria de
escolha de natureza mais genérica, porém, em última análise, não
prognóstica e puramente lógica, o conceito de equilíbrio poderá ser
modificado. O equilíbrio da "economia subjetivista", defendido por
Hayek, é descrito de modo comportamental. Ele é alcançado
quando os planos dos participantes do processo de interação
econômica estão mutuamente satisfeitos. Embora os preços
mantenham-se nesse equilíbrio para apresentarem alguma relação
com os custos, eles não possuem significado objetivo, portanto não
podem ser utilizados como critérios na determinação de preços em
um dado aspecto de eficiência ou de bem-estar.

79
CUSTO E ESCOLHA

O Custo dos Bens Públicos

A ciência prognóstica da economia postula que o homem


comporta-se "economicamente". Ele o faz para minimizar o "custo"
em algum aspecto objetivamente identificável. Empregando uma
curiosa inversão, alguns economistas aplicam o postulado de
comportamento, que se tem revelado útil na elaboração de previsões
positivas, como normas na teoria da escolha. Na economia
aplicada, na teoria de política econômica ou economia do bem-estar
nos deparamos com normas definidas em termos de relações
específicas entre "custos" e "preços", relações que incorporam
magnitudes objetivas mensuráveis conceitualmente. Na prática, mas
talvez descuidadamente, o cientista da economia aplicada bem
como o teórico da economia do bem-estar aceitam o
comportamento do homo economicus como um critério de valor.
Em seu entusiasmo na aplicação da teoria econômica, não a uma
análise das interações institucionais mas à escolha real, essas
pessoas propõem indiretamente que os indivíduos que fazem a
escolha, isolada ou conjuntamente, deveriam minimizar os gastos
mensuráveis objetivamente. Esse erro é fundamental e se estende
desde a estimativa da renda nacional até a economia do
departamento de defesa 1.
Apenas algumas das muitas aplicações poderão ser
analisadas na presente obra em maiores detalhes; mas elas talvez
sejam suficientes para ressal tar a importância das diferenciações
metodológicas que tenho enfatizado. De modo arbitrário, limitarei o

1
Para uma discussão crítica da mensuração do produto interno, baseada em uma
análise relacionada, porém nitidamente distinta da análise desenvolvida no presente
livro, vide S.H. Frankel, The Economic Impact on Under-Developed Societies
(Cambridge: Harvard University Press, 1953), esp. Capítulo III.

80
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

meu debate a três áreas separadas. No presente capítulo, examinarei


os vários problemas que surgem em decorrência da aplicação do
conceito de "custo" a bens públicos ou da coletividade. Em seguida,
apresentarei um debate sobre algumas das dificuldades encontradas
na economia do bem-estar de Pigou ∗ e no processo decisório não
mercadizável.

A Teoria da Incidência de Tributação


Cabe à teoria da incidência de tributação a parte do leão da
atenção dedicada às finanças públicas neoclássicas, especialmente
entre os estudiosos de língua inglesa. Um exame superficial desta
literatura sugere que a sua meta é responder a questões como: Quem
paga os bens e serviços públicos? Quem arca com o ônus final do
pagamento, segundo instrumentos tributários específicos? De que
modo a alocação do "custo" ou "ônus" varia em diferentes tipos de
tributos?
Os dois termos "custo" e "ônus" parecem ser usados quase
como sinônimos. A suposta objetividade dessas magnitudes é mais
ou menos tida como correta. Afinal, a receita cobrada pelo tesouro
pode ser contabilizada. Alguém deve ficar sujeito a esse "custo";
alguém deve liberar o comando sobre o poder aquisitivo que, por
sua vez, representa recursos reais. Determinados tributos geram
"um ônus excessivo" sobre a cobrança efetiva da receita e superior a
ela, contudo esses tributos também são quantificáveis
objetivamente, pelo menos teoricamente. Tem-se dedicado muito
pouca atenção ao possível relacionamento existente entre os
tributos, como os custos dos bens públicos e os tributos na escolha
desses bens.
A análise de incidência e de transferência de tributação
examina o comportamento de escolha dos indivíduos e das
empresas, contudo não é o comportamento de escolha que se
relaciona com o financiamento dos bens públicos ou a escolha


N.T.: Arthur Cecil Pigou, 1877-1959, economista inglês da linha neo-clássica,
discípulo e sucessor de Alfred Marshall na cadeira de Economia Política em
Cambridge.

81
CUSTO E ESCOLHA

dentre as várias opções tributárias. Supõe-se que o indivíduo ou a


empresa estejam sujeitos a uma modificação imposta nas
alternativas de escolha privadas ou do mercado. Neste caso, os
impostos podem afetar o custo em um contexto que influencie a
escolha, tornando evidente o fato que a teoria da incidência de
tributação careceria de conteúdo não fosse este o caso.
Consideremos o conhecido parâmetro do imposto fixo. Neste caso
não ocorre transferência alguma; não se questiona a incidência de
tributação. Porém, é óbvio que exista um "custo" para os bens
públicos, pago pelo indivíduo, e que a "escolha" deva ser realizada.
Comparemos este exemplo com o do imposto de consumo,
digamos, sobre bebidas alcoólicas. Neste caso, o tributo, se
transferido pelo vendedor, modifica as opções com que se defronta
o comprador prospectivo, visto que o "custo" de adquirir bebida
aumenta. É aqui que a teoria prognóstica ou positiva revela toda a
sua força. Devido ao fato que tanto o objeto de consumo quanto o
numéraire podem ser prontamente identificados como "bens" na
função de utilidade do indivíduo e uma vez que, anteriormente ao
tributo, as taxas de aquisição para todos os "bens" podem ser
consideradas em equilíbrio, o aumento objetivo mensurável no
custo, refletido no aumento em preço provocado pelo tributo pode
ser considerado como representativo do aumento no custo subjetivo
que efetivamente inibe a escolha do consumidor em relação à
mercadoria tributada. Entretanto, seria errôneo relacionar o aumento
induzido pelo tributo no preço dos bens de consumo - daí, em seu
"custo" para o comprador - com o "custo" inteiramente diferente do
bem público que as receitas de tributos representam de algum
modo. Isso nos leva às questões iniciais. Em sua forma
tradicionalmente desenvolvida, a teoria da incidência de tributação
visa realmente à determinação do custo dos bens públicos? A
análise ortodoxa de transferência e incidência de tributação ocupa-
se quase que exclusivamente das alterações induzidas pela
tributação nos custos da atividade privada de produção,
investimento e consumo e das previsões do efeito dessas mudanças
sobre o comportamento.

82
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

Se a análise não gera informação alguma sobre os custos dos


bens públicos, que valor terá? Se o economista pode, com
confiança, determinar todos os efeitos de um tributo, supõe-se que
ele seja capaz de classificar esse tributo em relação a outros em
uma determinada escala de eqüidade ou de eficiência. Nesta tarefa,
o economista concebe a sua função como a de orientador do
indivíduo que faz a escolha, assim, influenciando indiretamente a
escolha realizada dentre os instrumentos de tributação.
Aparentemente esse conceito mostra-se suficientemente direto até
que se reconheçam os resultados às vezes estranhos do pressuposto
da mensurabilidade objetiva dos custos. Ao avaliar as
conseqüências -ou conseqüências previstas - da arrecadação de um
tributo, o economista estará tentando determinar as mudanças
mensuráveis nos valores das variáveis descritivas empiricamente,
como preços, quantidades e níveis de emprego? Ou estará tentando
determinar as avaliações dos indivíduos em relação a essas
mudanças?
Consideremos um exemplo simples. Suponhamos que o
preço de uma garrafa de bebida alcoólica seja igual a $10 antes da
incidência da tributação e que um determinado indivíduo adquira
10 unidades por ano, perfazendo um gasto total anual de $100. É
estabelecido um imposto de consumo de $1; observa-se que o preço
no varejo aumenta com o valor do tributo, para $11; e a taxa de
compra anual desse indivíduo cai para 9 garrafas, perfazendo um
gasto total anual de $99. Supondo-se uma curva linear de demanda
sobre a faixa pertinente, o economista afirmará que o "ônus" do
tributo está calculado em $9,50, sendo que $9 são canalizados
através do tesouro e 50¢ são considerados como um "excesso de
ônus". Em termos familiares, assume-se simplesmente que o
indivíduo "prefira" um tributo fixo, que exija o pagamento de
apenas $9. Portanto, segundo os princípios da economia do bem-
estar, o economista sugere a conveniência do imposto fixo como
um substituto para o imposto de consumo 2. Para chegar a essa

2
No momento, não me preocupam as várias qualificações modernas desta
proposição, sendo que todas elas são extraídas de alguma versão secundária muito

83
CUSTO E ESCOLHA

conclusão, o economista deve supor que o contribuinte esteja


interessado exclusivamente nas mudanças pós-tributação em sua
posição e que, de outro modo, ele se mostre indiferente em relação
aos instrumentos de tributação. Porém, é evidente que existem
muitos motivos pelos quais o contribuinte poderá não avaliar os
instrumentos alternativos de tributação da mesma maneira que o
economista do bem-estar os avalia. O contribuinte poderá, em
primeiro lugar, optar por arcar com o custo mensurável maior
aplicável através do imposto de consumo devido a uma faixa de
opções pessoais de maior amplitude que esse tipo de tributo
permite. A característica dessa opção poderá muito bem
contrabalançar o "excesso de ônus". Em segundo, o contribuinte
poderá preferir a aplicação do imposto de consumo para as bebidas
alcoólicas por motivos suntuários, mesmo que esteja ciente de que
ele também arcará com um excesso de ônus. A redução nas
compras de bebidas por terceiros, induzida pela tributação, poderá
ser mais do que suficiente para modificar a posição relativa desse
tributo na escala de preferências do contribuinte 3.
Mesmo que o economista não se mostre interessado nas
avaliações dos contribuintes, cuja possível participação na escolha
fiscal pode ser importante de algum modo, e tenha por base uma
"função de bem-estar social" obtida externamente para estabelecer a
sua classificação de instrumentos de tributação, as questões
levantadas acima não desaparecerão e esse economista terá grande
dificuldade em defender o "custo" mensurável objetivamente que
surge da análise ortodoxa de transferência de tributação como um
critério para a classificação dos dispositivos tributários se esse

limitada. Minha crítica é válida mesmo no caso em que todas as condições de bem-
estar sejam inteiramente atendidas em outro ponto do sistema.
3
Em um trabalho anterior, tentei relacionar os efeitos dos diferentes instrumentos
fiscais sobre o comportamento do indivíduo no processo fiscal. Vide, do autor, My
Public Finance in Democratic Process (Chapel Hill: University of North Carolina
Press, 1967). Vide também Charles Goetz, Tax Preferences in a Collective Decision-
Making Context (Dissertação para Doutorado, não publicada, Alderman Library,
University of Virginia, 1964).

84
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

"custo" não estiver relacionado, de algum modo, com as próprias


reações e avaliações do indivíduo.

Os Custos e o Processo Decisório


Fiscal: O Modelo Democrático

Quais são os "custos" dos bens públicos no sentido genuíno


do custo de oportunidade ou do custo que influencia a escolha? A
própria questão vincula os custos diretamente à escolha e requer
imediatamente alguma identificação do agente que escolhe. A
ligação entre a estrutura de decisão política e as finanças públicas
não pode ser evitada. Supõe-se que a teoria tradicional da incidência
de tributação seja útil por fornecer bases para escolhas mais bem
informadas de instrumentos tributários. Porém não é possível
discutir essas escolhas sem que se identifique o indivíduo que as
faz. Quem decide? A resposta depende da forma pela qual as
decisões políticas são tomadas. Isso é suficientemente óbvio,
contudo o que passa despercebido freqüentemente é o fato de o
"custo" variar significativamente em relação à grande e variada
quantidade de estruturas decisórias.
Consideremos, primeiramente um modelo simplificado de
decisão coletiva, que nos permita associá-lo com De Viti De
Marco. Nesse caso, o indivíduo que toma a decisão fiscal é o
consumidor-beneficiário prospectivo dos bens públicos e o
contribuinte prospectivo. Esse modelo tem recebido várias
denominações, como "individualista", "cooperativo", e
"democrático" de diferentes estudiosos. A sua maior vantagem está
no fato de que a escolha através dele se parece muito com aquela
realizada pelo indivíduo em seu comportamento de mercado. O
indivíduo opta por ser tributado para assegurar os benefícios do
bem público. O que o indivíduo sacrifica ao fazer a escolha? Ao
fazer a escolha, o indivíduo sacrifica a possibilidade de evitar o
desembolso tributário efetivo; e, conseqüentemente, ele sacrifica a
satisfação trazida por aqueles bens que poderiam ter sido
adquiridos com o desembolso previsto. O valor subjetivo atribuído

85
CUSTO E ESCOLHA

a esses bens alternativos é um importante custo que influencia a


escolha. Isso é suficientemente aparente, porém haverá qualquer
motivo para se pensar que o desembolso monetário, mesmo que se
pudesse ser previsto com precisão, reflita a barreira subjetiva à
decisão do indivíduo?
Como nossa análise anterior indicou, para que esse
desembolso antecipado possa mensurar, ainda que indiretamente, o
custo subjetivo, deve-se supor que não haja nenhuma oportunidade
de lucro em outras partes da economia, inclusive no setor público.
Entretanto, há uma complicação adicional a ser reconhecida, que,
apesar de mencionada anteriormente, não foi discutida em maiores
detalhes. Os bens coletivos não são adquiridos individualmente.
Nenhum indivíduo pode ajustá-los a seus desejos; todos devem
aceitar um mesmo resultado. Na melhor das hipóteses, o aspecto
tributário de uma decisão é um vetor cujos componentes
representam os impostos que recaem sobre cada membro do grupo.
Consideremos então o cálculo decisório da pessoa que participa
dessa escolha fiscal "democrática." Ela "votará a favor" de um
desembolso em relação a um determinado bem público que deverá
ser compartilhado por todos os membros da comunidade. Quais os
custos que influenciarão essa escolha? Quais as opções
genuinamente sacrificadas que a pessoa rejeita? Se não aprovar o
desembolso orçamentário proposto, o próprio desembolso tributário
do indivíduo pode ser evitado e, de acordo com as suposições
rigorosamente limitadoras sobre a ausência de lucro em outros
locais, pode-se considerar que esse desembolso previsto reflita
indiretamente pelo menos uma parte do custo. Entretanto, ao
rejeitar a proposta orçamentária, o indivíduo também evita ou opta
por evitar todas as outras conseqüências da decisão coletiva. Sob o
aspecto de custo, essas conseqüências previstas são os pagamentos
de tributos feitos por outras pessoas além do indivíduo específico
cuja escolha estamos examinando. Se esse indivíduo avaliar
positivamente as satisfações sacrificadas que outros poderiam
adquirir com esses desembolsos, surgirá então algum elemento de
custo. O custo que influencia a escolha, como obstáculo à
aprovação pelo indivíduo de uma decisão sobre bens públicos,

86
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

somente pode ser mensurado através da sua própria participação


prevista nos pagamentos de tributos em casos extremos nos quais o
indivíduo não atribui nenhum valor ao fato de aliviar o "sofrimento"
dos outros.
Se essa suposição se aplicar para um participante em uma
situação de escolha de grupo, ela deverá aplicar-se a todos os
demais. Desse modo, o pagamento total de tributo, que é previsto,
mensurado em termos monetários, poderá ser uma estimativa
totalmente imprecisa do custo "social" do desembolso orçamentário
em questão. O custo que influencia a escolha em relação a cada
participante e, portanto, a todos os participantes em um dado
sentido aditivo, poderá ser extremamente superior à estimativa
produzida através da soma simples da participação de cada
indivíduo.
Isso não implica que os aspectos decisórios de grupo estejam
limitados ao aspecto custo. Justamente pelas mesmas razões, o
indivíduo reconhecerá que os benefícios prospectivos de um
desembolso proposto para bens públicos não incluirão apenas os
benefícios que o indivíduo pretende assegurar particular e
individualmente, mas também o fato de o valor que ele atribui aos
benefícios previstos fluir para terceiros a medida em que estes
participam do bem de consumo comum. Exatamente como o
aspecto de custo, toda e qualquer estimativa de benefícios previstos
obtida pela simples adição de participações isoladas muito
provavelmente apresentará grandes margens de erro.
O reconhecimento dos pontos acima sugere que a moderna
análise de custo-benefício, que parece orientada para gerar algumas
medidas de custos "sociais" e benefícios genuínos a partir de
projetos propostos, possui uma adequação limitada. A suposição de
que os custos previstos mensurados se igualarão aos benefícios
previstos mensurados implica que o grupo deve se situar de algum
modo em uma margem de indiferença nessa sua escolha coletiva ou
"social", a favor ou contra o projeto. Contudo, como já demonstra-
mos, não existe motivo, por mais remoto que seja, para esse tipo de
inferência, ainda que isolada das importantes questões de
distribuição que até agora não foram levantadas. Mesmo que a
tributação proposta venha a recair igualmente sobre todos os

87
CUSTO E ESCOLHA

contribuintes e os benefícios propostos sejam igualmente com-


partilhados, não caberá suposição alguma de que a razão de
unidade mensurada entre custo e benefício deva implicar
indiferença na escolha pelo grupo.

Os Custos e o Processo Decisório:


O Modelo Autoritário

Os custos que influenciam a escolha de bens públicos variam


segundo a localização do poder real de decisão dentro da
coletividade. Mesmo no mais ingênuo dos modelos democráticos,
no qual se suponha que o indivíduo que toma a decisão seja ele o
contribuinte fiscal prospectivo ou o beneficiário prospectivo em
algum sentido "representativo", os verdadeiros custos de
oportunidade devem abranger a avaliação pelo indivíduo das
satisfações sacrificadas por outros. O próprio fato de a decisão ser
coletiva assim o requer. É evidente que, quando modelos decisórios
de maior complexidade são introduzidos, o aspecto não pessoal dos
custos torna-se mais significativo. Para ilustrar os conceitos acima,
podemos voltar nossa atenção ao extremo não democrático do
espectro e examinar uma estrutura decisória autoritária.
Suponhamos que todas as decisões da coletividade sejam
tomadas por uma única pessoa investida de poderes ditatoriais.
Limitando nossa análise às finanças públicas, quais são os custos
que influenciam a escolha neste contexto? Quais os obstáculos à
decisão do ditador sobre a arrecadação de um tributo para financiar
uma determinada despesa pública? Em última instância, ele
pessoalmente não arcará com qualquer participação no tributo a ser
criado. Os "custos" que poderiam ser evitados por uma decisão de
não impor o tributo são, portanto, exclusivamente representados
pela avaliação do ditador, das satisfações que ele próprio
asseguraria com a ausência do tributo. Em um contexto decisório
como este, o emprego do desembolso ou pagamento previsto para
representar indiretamente o custo que influencia a escolha parece
quase que desprovido de significado. Como já mencionamos acima,
a análise de custo-benefício pode gerar estimativas altamente

88
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

imprecisas, mesmo nos modelos democráticos menos sofisticados,


devido ao fato de os aspectos coletivos tanto dos custos quanto dos
benefícios serem ignorados. Entretanto, os resultados desse tipo de
análise não deixam de ter seu significado. Em comparação, a
análise de custo-benefício do tipo ortodoxo, ao ser aplicada ao
modelo autoritário, torna-se absurda uma vez que não se espera que
nenhuma parte do desembolso previsto seja compartilhada pela
pessoa que realiza a escolha.

Os Custos e o Processo Decisório:


Os Modelos Mistos

Em qualquer contexto político da realidade, as decisões


coletivas são tomadas através de processos institucionais que
geralmente refletem uma mistura dos modelos puramente
democráticos e puramente autoritários. A maioria dos indivíduos
participa direta ou indiretamente do processo decisório de grupo,
todavia, determinadas pessoas participam mais ativamente do que
outras. Isso quer dizer que a eficácia dos próprios indivíduos e dos
grupos em influenciar o processo decisório apresenta uma grande
variação nesse contexto. Os custos que influenciam os cálculos de
escolha de um determinado indivíduo dependem, sobretudo, de seu
grau de participação personalizado ou individualizado em um
pagamento ou desembolso previsto e da avaliação que faz desse
desembolso em termos do sacrifício de suas próprias satisfações.
Além disso, o indivíduo deve avaliar as satisfações que, em sua
opinião, outros deverão sacrificar à medida que fiquem sujeitos ao
processo de tributação. Somente no caso em que cada um dos
participantes do processo decisório de grupo julgasse as satisfações
sacrificadas de todos os outros como tão importantes quanto as
suas, a distribuição dos pagamentos previstos de tributos não traria
influência alguma aos "custos", à medida que estes influenciassem
ou modificassem as decisões. Se cada indivíduo,
independentemente de seu poder sobre as decisões coletivas,
avaliasse subjetivamente cada dólar previsto para o pagamento do
tributo pago pelas outras pessoas como se fosse seu, nem a

89
CUSTO E ESCOLHA

distribuição do poder decisório, nem a distribuição das


participações no tributo poderiam modificar os custos que se
apresentam como obstáculos à escolha. Neste caso restrito, as
mensurações ortodoxas de custo-benefício poderiam ser
representações razoavelmente precisas dos custos e benefícios que
influenciam a escolha. Os meros requisitos deste modelo bastam
para evidenciar a sua manifesta absurdidade" 4.
Os defensores das estimativas de custo-benefício poderão
contestar, afirmando que as decisões coletivas, não importando
como nem por quem sejam tomadas, devem ser dirigidas através
das comparações de projeto que as estimativas revelam. O objetivo
da análise de custo-benefício que este argumento sugere não é
demonstrar os verdadeiros custos de oportunidade em um contexto
em que o custo influencia a escolha, e sim delimitar as regras para
escolha. Porém por que os custos mensuráveis objetivamente
devem ser considerados capazes de refletir o "custo social" em
qualquer um dos significados razoáveis do termo? As avaliações
dos indivíduos devem receber a devida importância em qualquer
tentativa de obtenção de declarações normativas, todavia essas
avaliações apresentam uma relação direta muito pequena com os
desembolsos mensurados pelos vários motivos mencionados, sendo
os mais importantes os de distribuição. Neste ponto, o defensor da
ortodoxia do custo-benefício poderá rejeitar a limitação implícita de

4
É interessante observar que os analistas sofisticados de custo-benefício
reconhecem a importância da distribuição das quotas tributárias (ou quotas de
benefício), enquanto simultaneamente deixam de reconhecer a importância da
distribuição do poder decisório. A omissão desse segundo efeito de distribuição
provém, é claro, do paradigma segundo o qual os "custos" existem como magnitudes
objetivamente quantificáveis, não relacionadas com o processo de escolha. Dentre
os estudiosos da economia aplicada do bem-estar que examinaram a metodologia da
análise de custo-benefício, apenas Roland N. McKean parece ter consciência da
existência desse tipo de problema. Vide seu estudo, The Use of Shadow, Prices em
Samuel B. Chase, Jr. (ed.) Problems in Public Expenditure Analysis (Washington,
D.C.: Brookings Institution, 1968), págs. 33-65. Para uma discussão específica sobre
a importância da distribuição das quotas de tributo ou de benefício, vide o estudo de
Burton A. Weisbrod Income Redistribution Effects and Benefit-Cost Analysis, págs.
177-208 do mesmo volume.

90
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

seu procedimento estimativo em relação a fluxos de custos e


benefícios mensuráveis objetivamente. Ele poderá sugerir a
inclusão de algumas estimativas de características de alternativas
avaliadas subjetivamente nos custos e benefícios previstos, porém
incomensuráveis objetivamente. Por meio desse procedimento,
entretanto, toda a análise é sutilmente convertida, daquela capaz de
produzir um acordo em potencial entre os cientistas competentes a
um exame de caráter puramente subjetivo, não para os indivíduos
que tomam a decisão, mas para o economista que oferece a sua
orientação normativa. O especialista em custo-benefício deve
contentar-se com apenas uma das alternativas acima. Ele não
poderá reivindicar uma precisão "científica" para as suas
estimativas a menos que se limite rigorosamente às magnitudes
observáveis objetivamente. Contudo, se adotar este último
procedimento, ele não poderá afirmar que as suas estimativas
refletem normas razoáveis nas quais as escolhas "sociais" se
baseiam.

A Escolha Entre Projetos

Até agora, nossa atenção limitou-se ao aspecto de custo de


uma possível decisão de criar um tributo com a finalidade de
financiar um projeto governamental específico. Essa mesma
escolha envolve um custo bastante diferente daquele que aparece
quando várias escolhas diferentes são consideradas. Um deles é o
da escolha de um entre muitos projetos públicos. Nesse caso, o
custo que influencia a escolha será bastante diverso daquele que
integra a decisão de criar o tributo. A cada decisão específica
vincula-se um custo de oportunidade singular, dependendo das
características específicas da decisão.
Os economistas observam com freqüência que os
verdadeiros custos de oportunidade dos projetos empreendidos
deixam de existir durante os períodos de desemprego em massa.
Porém, recomenda-se o devido cuidado na interpretação do
significado preciso dessa conclusão e no exame das particularidades
da decisão em questão. Primeiramente, consideremos a decisão de

91
CUSTO E ESCOLHA

emitir moeda ou não para financiar despesas, públicas ou privadas,


durante uma fase de profunda recessão. As alternativas que se
apresentam são, em primeiro lugar, não se tomar providência
alguma em relação à deficiência na demanda agregada e, em
segundo, financiar novas despesas através de tributação ou de
empréstimos públicos. Uma vez que se suponha que existem re-
cursos não empregados, a emissão de moeda não gerará pressões
inflacionárias. Estando o indivíduo que decide adequadamente
informado, para ele não haverá "custos reais", no sentido das
satisfações que serão sacrificadas em relação a si próprio ou aos
outros. Dado que qualquer um dos cursos alternativos de ação,
mesmo que traga um fluxo de benefícios idênticos, gerará esses
custos reais, esse indivíduo se inclinará a escolher a alternativa da
emissão de moeda. No caso desta escolha, seria correto afirmar que
não há ou não deverá haver obstáculo algum ao custo. Se,
entretanto, a despeito da existência de recursos não empregados, for
escolhida a alternativa da tributação como dispositivo de
financiamento, a escolha então envolverá um custo. Os usos al-
ternativos que se poderá fazer do dinheiro arrecadado em tributação
são sacrificados pelo indivíduo que toma a decisão e pelos outros ao
se escolher a alternativa de tributação. Assim, essas opções
sacrificadas devem ser avaliadas no momento da escolha. A
existência de desemprego poderá reduzir os custos que influenciam
a decisão em relação aos benefícios que influenciam a escolha da
nova despesa, porém não se pode negar a existência dos "custos
reais".
A escolha financeira que faz parte do potencial decisório de
emitir moeda ou de financiar novas despesas através de outros
recursos deve estar claramente diferenciada da decisão de gastar,
que surge quando se deve fazer a escolha dentre os projetos.
Primeiramente, existe a escolha de usar a verba para ampliar os
gastos do setor privado ou do setor público. A escolha de um
projeto para o setor público implica um custo de oportunidade que
está representado pelas satisfações previstas que serão sacrificadas
pelos possíveis aumentos dos gastos no setor privado e que
poderiam ser geradas pelas mesmas verbas. Mesmo tendo sido feita

92
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

a opção pelo projeto do setor público, uma outra escolha deve ser
confrontada, o que também implica um custo que influencia a
escolha, um obstáculo à decisão. Uma vez emitida a moeda e to-
mada a decisão de ampliar as despesas do setor público, deve-se
enfrentar a escolha entre as diferentes utilizações para a verba. O
custo que influencia a escolha de um novo edifício para os correios
representa o valor subjetivo que o indivíduo que toma a decisão
atribui a um novo edifício para a escola que poderia ser construído
em seu lugar. A conhecida afirmação "Os edifícios para os correios
construídos durante a década de 30 custaram muito pouco em ter-
mos das alternativas sacrificadas" tende a ser enganosa. Na
realidade esses projetos implicaram custos de oportunidade
verdadeiros para as pessoas que tomaram a decisão. Esses custos
eram representados pelos valores esperados para outros projetos
públicos e privados que jamais foram levados adiante. A emissão
de moeda, na medida em que tenha sido realizada diante das condi-
ções vigentes na década de 30, foi a escolha que deveria ter custado
muito pouco em termos das alternativas sacrificadas.

Os Custos do Financiamento
da Dívida de Bens Públicos

Em nenhuma outra área a confusão elementar sobre a teoria


do custo tem estado em maior evidência do que nos cáusticos
debates sobre a incidência da dívida pública. Na verdade, foi
precisamente através do meu próprio envolvimento na controvérsia
do ônus da dívida moderna e de meus esforços subseqüentes para
reconciliar meus conceitos com os de renomados companheiros
economistas que minha atenção se voltou para a teoria do custo 5. O
problema do ônus da dívida ilustra, por um lado, a necessidade de

5
Em meu livro anterior, minhas idéias sobre custo eram confusas. Vide, do autor,
Public Principles of Public Debt (Homewood, III.: Richard D. Irwin, 1958). Um
tanto atrasado, em resposta à crítica, esbocei as diferenças na teoria da dívida em
relação às confusões da teoria do custo. Minhas contribuições, juntamente com
outros estudos, são apresentadas em James M. Ferguson (ed.), Public Debt and
Future Generations (Chapei Hill: University of North Carolina Press, 1964).

93
CUSTO E ESCOLHA

diferenciarmos entre o custo que influencia a escolha e o que por


ela é influenciado e, por outro lado, a necessidade de relacionarmos
o custo diretamente à escolha.
Consideremos primeiramente a opinião amplamente
defendida por economistas sofisticados antes de 1958. Afirmava-se
que o "ônus real" do financiamento da dívida de bens públicos, os
verdadeiros custos de oportunidade, deveria ser experimentado na
ocasião em que os recursos reais fossem efetivamente empregados.
No caso da dívida da II Guerra Mundial, o aço foi usado para a
fabricação de armas em 1943 e não em outro período posterior.
Parecia então ser um contra-senso manifesto, uma violação do
raciocínio mais elementar de custo de oportunidade declarar que o
ônus da dívida pública fora "transferido para as gerações futuras".
Por mais difícil que tenha sido defender essa opinião em
1969 (a despeito do patrocínio continuado dessa causa em debates
menos sofisticados apresentados em textos didáticos), o raciocínio
ortodoxo em relação ao custo de oportunidade, que mensura os
custos reais em termos dos recursos reais quantificados
objetivamente e que se concentra em custos independentemente das
particularidades da decisão, nos leva de modo bastante lógico a essa
teoria. Quem desiste do comando dos recursos reais obtidos para
uso público em condições de financiamento de dívida? A resposta
óbvia será: aqueles que adquirem os instrumentos de débito junto ao
Erário público. Esses compradores de obrigações não apresentam a
mínima preocupação em relação à decisão de financiar a dívida; a
escolha desses compradores limita-se ao simples fato de adquirir
títulos da dívida pública ou outros investimentos do setor privado
ou bens de consumo. Essas pessoas certamente não tomam parte na
escolha fiscal. Não se pode dizer que elas sofram o "custo" dos bens
públicos que a emissão de títulos da dívida pública financiará. Para
determinar o verdadeiro custo dos bens públicos, o custo que
influencia a escolha fiscal, devemos examinar as opções fiscais. O
que será evitado se a dívida não for contraída e se os bens públicos
não forem produzidos?
Se a dívida pública não é contraída, se os títulos dessa dívida
não são emitidos, o indivíduo que toma a decisão, juntamente com

94
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

outros indivíduos na coletividade, evita a necessidade de executar o


serviço e a amortização da dívida em períodos futuros. Os custos da
concretização da dívida, no sentido em que possam influenciar uma
decisão sobre as opções fiscais, devem se refletir na avaliação
subjetiva desses gastos subseqüentes da pessoa que decide. Quanto
aos custos que influenciam a escolha, estes se concentram no
momento da escolha e não em períodos posteriores durante os quais
o gasto efetivo deva ser realizado. Porém os custos subjetivos que a
influenciam somente existem em função da percepção pelo
indivíduo que toma a decisão de que será necessário realizar gastos
em período futuro. A concentração do custo que influencia a
escolha no momento da decisão se origina do simples fato de que a
decisão é tomada; esse custo não possui nenhuma relação com o
fato de que os recursos sejam utilizados no período inicial nem é
influenciado por esse fato.
Os custos influenciados pela escolha no caso de projetos
cuja dívida é financiada, os prejuízos em utilidade em decorrência
da escolha, são sofridos exclusivamente nos períodos posteriores à
decisão. Esses pagamentos efetivos, que podem ser mensurados
monetariamente, podem reduzir as utilidades de pessoas diferentes
daquelas que participam da decisão. De certo modo, esse ônus da
dívida é sempre um peso morto, sendo que a sua localização no
tempo não apresenta nenhuma relação com qualquer período
durante o qual os projetos públicos geram os seus benefícios.
Dentre os estudiosos que contribuíram para o debate moderno sobre
a teoria da dívida pública, alguns reconhecem que, em comparação
com o financiamento através da tributação, a questão da dívida
pública gera um "ônus" relativo sobre as gerações futuras.
Entretanto, chegam a essa conclusão porque afirma-se que a dívida
pública reduz a formação de capital em muito maior grau que o
financiamento através da tributação. Desse modo, as "gerações
futuras" herdarão um estoque de capital um pouco menor nas con-
dições atuais de financiamento da dívida pública do que herdariam
em condições de financiamento de despesas públicas semelhantes
através da arrecadação tributária. Esta linha de argumentação, que

95
CUSTO E ESCOLHA

pode ser associada a Vickrey e Modigliani 6, também se baseia na


falha em relacionar o custo com a escolha. Independentemente do
fato de a formação de capital privado ser ou não ser relativamente
reduzida pelo financiamento da dívida ela é irrelevante quanto à
localização do ônus da dívida nos períodos posteriores à escolha.
Mesmo que toda a verba alocada para a compra dos títulos fosse
retirada do consumo de então, os custos subjetivos da questão do
débito ainda se constituiriam na avaliação, pelo indivíduo que toma
a decisão, dos prazeres que deveriam ser sacrificados por ele
próprio e por outros em períodos futuros, quando os desembolsos
para o serviço e a amortização do débito tivessem de ser feitos. A
decisão de um comprador prospectivo de títulos da dívida pública é
evidentemente pertinente à taxa de formação de capital, porém não
é a mesma decisão que a do vendedor prospectivo de títulos da dívida
pública. Se o comprador de títulos da dívida pública retira a verba
de um investimento privado corrente, ele estará impondo um "ônus"
a seus próprios herdeiros em períodos futuros, sendo que o
reconhecimento desse fato representará o obstáculo à sua escolha.

6
Vide as contribuições dos mesmos em Ferguson, op. cit. Um erro semelhante é
cometido por Feldstein e ratificado por Prest e Turvey em sua revisão da análise de
custo-benefício. Segundo Feldstein, o custo de um projeto depende em parte do fato
de as verbas serem ou não retiradas do consumo atual ou de investimentos.
Entretanto, na medida em que as mensurações de custo-benefício tenham qualquer
utilidade, deve-se supor que os indivíduos dos quais a verba se origina, neste caso
presume-se que seja através de tributação, estejam em equilíbrio entre os
desembolsos para o consumo e para investimentos. Neste caso, as utilidades em
relação a cada dólar estão equalizadas na margem.
Como sugerimos anteriormente, a menos que se suponha esse equilíbrio pleno, toda
a abordagem, que, na melhor das hipóteses, é limitada, toma-se inútil. Vide M.S.
Feldstein, Opportunity Cost Calculations in Cost-Benefit Analysis, Public Finance,
XIX (1964) 126, como já citado em A.R. Prest e R. Turvey em Cost-Benefit
Analysis: A Survey, Economic Journal, LXXV (dezembro de 1965), págs. 686-87.
É interessante o fato de que Davenport parece ter-nos alertado indiretamente sobre
esse erro há meio século. Ele ressaltou que os custos para um mutuário (aquele a que
deve renunciar para assegurar a verba) não apresentam nenhuma relação direta com
o custo para o mutuante (aquele a que deve renunciar ao tomar uma decisão de
consumo com poupança). Existem duas escolhas diferentes e, portanto, dois custos.
Vide H.J. Davenport, Value and Distribution (Chicago: University Press, 1908),
pág. 260.

96
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

Se ele retira a verba do consumo corrente, nenhum ônus será


imposto. Contudo, o que devemos ressaltar aqui é que a escolha
dessa pessoa está nitidamente separada e diferenciada daquela feita
pelo indivíduo que se decidiu pela emissão dos títulos. A ênfase nos
aspectos de formação de capital na dívida pública parece surgir de
uma confusão em relação aos resultados não de uma, mas de duas
decisões, e aos cálculos não de um, mas de dois conjuntos de
indivíduos que decidem.

O Teorema da Equivalência de Ricardo

Ricardo formulou o teorema de que uma pessoa racional


deveria manter-se indiferente entre a arrecadação de um tributo
extraordinário e a emissão de um empréstimo público de igual
valor. Em seu modelo, Ricardo supunha que o indivíduo possuía um
horizonte de tempo infinitamente longo e que os mercados de
capitais eram perfeitos no sentido em que um indivíduo poderia
obter um empréstimo a uma mesma taxa que a coletividade. Nessas
condições, o indivíduo poderia, sem nenhum custo, transformar
uma dessas duas alternativas fiscais na outra através de transações
no mercado de capitais. Segue-se que o indivíduo deveria manter-se
indiferente em relação a elas.
Assim, a análise é elementar e óbvia. Porém uma análise
semelhante poderia ser estendida a qualquer ato de escolha
individual. Se, por exemplo, o indivíduo é informado que sempre
poderá trocar uma laranja por uma maçã através do mercado, ele
permanecerá indiferente entre um presente representado por uma
laranja ou por uma maçã, dada a possibilidade da transformação
sem custos. Entretanto, isso não implica que uma laranja seja igual
a uma maçã na avaliação subjetiva do indivíduo. Essa igualdade
somente surgirá se for permitido ao indivíduo ajustar as quantidades
compradas e vendidas em um ponto tal que o equilíbrio de
comportamento seja plenamente alcançado. Em situações isoladas
de desequilíbrio, não se pode assumir a existência dessa igualdade
na avaliação subjetiva. Desse modo, se aplicarmos o conceito às
alternativas representadas pela dívida pública e pela tributação, o

97
CUSTO E ESCOLHA

indivíduo permanecerá indiferente em virtude de poder realizar


transformações sem nenhum custo, mas não pelo motivo que as
duas alternativas sejam de igual valor em sua consideração
subjetiva das mesmas.
O reconhecimento desse simples conceito sugere que a
conversão da alternativa de dívida pública para um equivalente de
valor atual poderá não mensurar ou representar com precisão o
verdadeiro custo que influencia a escolha, embutido na questão da
dívida. Caso se observe que o indivíduo escolha a alternativa da
dívida pública, isso será uma indicação que o custo está abaixo
daquele representado pela alternativa da tributação, que é definido
como igual ao valor presente dos encargos de futuros serviços e das
amortizações da dívida. Não se pode inferir que a escolha do
indivíduo seja marginalista. Os custos de oportunidade que
influenciam a escolha, a avaliação subjetiva do sacrifício de
prazeres em períodos futuros, podem estar substancialmente abaixo
do valor representado pelo valor corrente capitalizado das obri-
gações de pagamento necessárias. Somente nos casos em que seja
possível supor que o indivíduo tenha ajustado totalmente os seus
padrões de despesa com poupança para igualar a sua própria taxa de
desconto em prazo à taxa de mercado é que se pode afirmar que o
indivíduo deve se encontrar em uma margem subjetiva de
indiferença entre os dois instrumentos fiscais. Na verdade, são
precisamente as diferenças entre as avaliações subjetivas de instru-
mentos de valor corrente igual com dimensões de tempo diferentes
que levam o indivíduo a se comportar na direção do equilíbrio
pleno.
Do ponto de vista metodológico, certamente seria impróprio
enunciar implicações de escolha entre instrumentos de valores
correntes iguais, bens ou obrigações, a partir das características de
equilíbrio para cuja direção está voltado o comportamento de
escolha.

98
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

Capitalização de Tributação

O teorema de Ricardo se relaciona a uma aplicação de teoria


fiscal separada que a teoria de custo consistente poderá esclarecer.
Exatamente o que os teóricos fiscais querem dizer quando afirmam
que um tributo poderá ser totalmente capitalizado em determinadas
condições? O cálculo aritmético é simples e direto: o valor atual do
bem sujeito ao novo tributo é anotado de modo a refletir o peso dos
tributos futuros previstos como encargos sobre a renda. O
comprador do bem, após o momento da capitalização, não arcará
com parcela alguma do ônus tributário; este recairá exclusivamente
sobre o proprietário do bem por ocasião da imposição do tributo.
Não haverá equívoco algum nessa afirmação sucinta da
análise ortodoxa, se as condições através das quais a capitalização
pode ocorrer forem cuidadosamente estipuladas. Contudo,
freqüentemente se supõe que o "ônus" do tributo seja
experimentado subjetivamente somente quando da anotação do
valor de capital do bem, não ocorrendo nenhum outro sacrifício
posterior de utilidade. Essa suposição se baseia em confusões
elementares. O momento da capitalização corresponde ao momento
da escolha, segundo nossa discussão anterior sobre o custo.
Podemos aclarar ainda mais nossa análise se imaginarmos que um
proprietário de um bem faça uma escolha que implique renúncia,
em tributação ou em qualquer outra forma, a uma parte do fluxo de
renda futuro desse bem. Teremos então um custo de oportunidade
que influenciará a escolha, uma avaliação puramente subjetiva das
opções que devem ser sacrificadas devido ao fato da renúncia a
reivindicações de renda em período futuro. Porém, como ocorre
com a questão da dívida pública, esse custo subjetivo aparece
apenas em virtude da expectativa de que, em períodos futuros,
algum pagamento sobre a renda deva ser efetuado, alguma
satisfação em potencial, alcançada através do uso da renda, deva
ser sacrificada. Realizada a escolha e aplicado o tributo ou outra
reivindicação qualquer sobre a renda gerada pelo bem, advirão
conseqüências que podem incluir a necessidade contraída de se
efetuar os pagamentos exigidos. Na decisão tomada anteriormente,

99
CUSTO E ESCOLHA

esses custos tornam-se os custos influenciados pela escolha, que


tanto podem ser mensurados objetivamente quanto avaliados
subjetivamente. O proprietário do bem experimenta prejuízos em
utilidade nesses períodos posteriores, que não podem ser
eliminados através do processo de capitalização, visto que, na
verdade, a previsão desses prejuízos em utilidade em período futuro
representa a única base para os custos subjetivos experimentados
durante o momento da escolha ou da capitalização.
Às vezes a distinção entre a transferência do ônus entre os
proprietários de bens e a localização temporária desse ônus pode ser
objeto de confusão. A capitalização concentra o ônus da tributação
sobre o proprietário de um bem no momento da arrecadação inicial.
Contudo, a expressão "no momento" refere-se ao padrão de
propriedade, não ao ônus da tributação. Mesmo se o proprietário
vender o bem imediatamente após a capitalização plena, ele ainda
experimentará os custos influenciados pela escolha nos períodos
subseqüentes.
Tanto na capitalização tributária quanto na escolha
econômica comum existem dois custos, não apenas um, cuja
diferenciação é necessário fazer. De forma inteiramente análoga ao
custo que influencia a escolha cm qualquer decisão, existe a
percepção puramente subjetiva que os fluxos futuros de renda serão
reduzidos. Este fenômeno é experimentado na sensação de avaliar
as oportunidades de prazeres futuros que tenham sido excluídas
repentinamente. De forma análoga ao custo influenciado pela
escolha, existe o prejuízo experimentado em utilidade, que havia
sido previsto e que possui o seu equivalente objetivo nas obrigações
de pagamento assumidas. O proprietário do bem não pode,
portanto, capitalizar totalmente os futuros pagamentos de tributos
no sentido em que ele sofra todo o ônus real no momento da
imposição dos mesmos e em quaisquer circunstâncias. Não haverá
absolutamente nada de contraditório nessa conclusão uma vez
inteiramente reconhecida a dualidade do custo em qualquer escolha.
O custo previsto não é nem pode ser o substituto de um ônus
efetivamente experimentado. Esses dois conceitos tampouco podem

100
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

possuir dimensões equivalentes. "O covarde morre mil vezes antes


da sua hora."

101
CUSTO E ESCOLHA

Custo Privado e Social

A igualdade entre o custo marginal privado e o custo


marginal social representa o critério alocativo da economia do bem-
estar de Pigou 1. Esse princípio permanece aceitável para a maior
parte dos economistas do bem-estar. Considera-se que a tributação e
o subsídio corretivos sejam requisitos para o atendimento das
condições ideais necessárias na presença de efeitos externos. O
assunto de debate a ser tratado no momento limita-se ao conceito de
custo implícito no critério da política de Pigou; por esse motivo,
não há necessidade de revisarmos trabalhos mais recentes sobre a
teoria da externalidade, alguns dos quais atribuem importantes
qualificações às normas pigouvianas 2. O presente capítulo tem por
objetivo demonstrar que os princípios de Pigou deixam de
estabelecer a distinção entre os custos que podem influenciar a
escolha e os custos mensuráveis objetivamente.

1
O critério que identifica a igualdade entre o produto marginal privado e o produto
marginal social reduz o critério de custo quando este é descrito em termos de custo
de oportunidade. O deixar de adotar um curso de ação que traga benefícios externos
pode ser considerado como o equivalente analítico de adotar um curso de ação que
traga custos externos. Em sua própria formulação, Pigou valeu-se da terminologia de
produto quase exclusivamente, embora tenha-se referido a ambos os tipos de
divergência. Vide A.C. Pigou, The Economics of Welfare (4a edição; Londres:
Macmillan, 1932), esp. págs. 131-35.
2
Notadamente, R.H. Coase, The Problem of Social Costs, Journal of Law and
Economics, III (outubro de 1960), 1-44; Otto A. Davis e Andrew Whinston,
Externality, Welfare, and the Theory of Games, Journal of Political Economy, LXX
(junho de 1962), págs. 241-62.

102
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

Análise Sumária
Consideremos um exemplo comum no qual o
comportamento de uma pessoa (ou de uma empresa) causa
deseconomias, não a si mesma mas a outros indivíduos. Essas
deseconomias representam a perda de "bens" para outros, sem que
haja uma compensação através dos procedimentos comuns de
mercado. A aplicação da norma de Pigou sugere que os custos
impostos externamente aos indivíduos que não fazem parte do
processo decisório devam ser incluídos nos cálculos do indivíduo
que toma a decisão. Esses custos devem ser adicionados aos
próprios custos internos do indivíduo que decide, custos que se
supõe que este indivíduo leve em conta. O dispositivo geralmente
proposto é a imposição de um tributo sobre o desempenho da
externalidade que gera a atividade, um tributo equivalente aos
custos externos por unidade que a atividade imponha. Outros
dispositivos às vezes propostos são providências de natureza
institucional, projetadas de modo a internalizar a externalidade. Em
todos os casos, o objetivo é dar aos custos que informam ou
influenciam o indivíduo que toma a decisão a adequação necessária
em relação aos custos "sociais" verdadeiros. Os modelos
permanecem individualizados no sentido em que os custos "sociais"
são calculados através da simples adição dos indivíduos
pertencentes à comunidade ou grupo em questão.

Um Exame mais Minucioso

Segundo a teoria de Pigou, a mudança nos "custos"


resultante da aplicação expressamente recomendada de um tributo
modifica o comportamento da pessoa atuante de modo a gerar
"eficiência". Porém, qual o significado do termo "custos" nesse
contexto? Esse arcabouço de Pigou nos fornece talvez o melhor e
mais singular exemplo da confusão reinante entre os conceitos de
custo objetivos formulados classicamente e os conceitos de custos
subjetivos que influenciam a escolha do indivíduo.
Consideremos, em primeiro lugar, a determinação de
quanto do tributo corretivo deverá ser aplicado. Essa quantidade
deve ser igual aos custos externos sofridos por outras pessoas,
exceto aos do indivíduo que toma a decisão, em conseqüência dessa

103
CUSTO E ESCOLHA

decisão. Esses custos são experimentados por indivíduos que


poderão avaliar os seus próprios prejuízos resultantes em utilidade:
eles poderão muito bem especular sobre o que "poderia ter
ocorrido" se não houvesse a deseconomia externa que sofrem.
Entretanto, para que possamos estimar a dimensão do tributo
corretivo, alguma mensuração objetiva deve ser empregada em
relação a esses custos externos. Porém o analista não disporá de
referência alguma a partir da qual possa elaborar estimativas plau-
síveis. Dado que as pessoas que sofrem esses "custos" - aquelas
afetadas externamente - não participam da escolha que os gera,
simplesmente não há meios de determinar, mesmo indiretamente, o
valor que atribuem ao prejuízo em utilidade que poderia ser
evitado. No exemplo clássico, quanto a dona de casa cuja roupa
para lavar está suja devido à fumaça teria de pagar para mandar
removê-la do ar? Até e a menos que ela realmente se depare com
essa escolha, qualquer estimativa deverá permanecer inteiramente
arbitrária. Os danos provocados pela fumaça não podem ser, nem
mesmo remotamente, calculados com base nos desembolsos
estimados que seriam necessários para produzir "limpeza" no ar.
É evidente que se pode definir fisicamente o que seja "ar
limpo", a dificuldade não está na impossibilidade de definir
unidades em um sentido fisicamente descritivo. Contudo,
independentemente de definição, não se pode permutar ou
comercializar "ar limpo" isoladamente entre cada indivíduo. Cada
pessoa deve simplesmente ajustar-se ao grau de pureza do ar
existente em seu meio ambiente. Não existe a possibilidade de se
efetuar ajustes marginais em relação às quantidades do "bem" de
modo a gerar um equilíbrio que evite as diferenças interpessoais
nas avaliações relativas.
A figura 1 ilustra meu argumento. Não há meios que
permitam ao analista determinar objetivamente se a dona de casa se
encontra na posição A, B, ou C no diagrama, não obstante torna-se
evidente que o prejuízo em utilidade, tanto marginalmente quanto
no total, poderá ser significativamente diferente nos três casos. Não
existe uma base de comportamento que permita a observação das
avaliações para esse caso. A figura 1 também sugere que, se as

104
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

funções relativas à preferência do indivíduo possuírem propriedades


comuns, as avaliações em separado dos mesmos provavelmente
variarão em proporção direta ao patrimônio-renda de cada um deles.
A dona de casa mais abastada dará maior valor ao a r limpo do que
a dona de casa menos favorecida. A razão é óbvia. A deseconomia
externa "danos causados pela fumaça" não pode ser
"recomercializada" entre as pessoas. Se isso fosse possível, a dona
de casa menos favorecida poderia mostrar-se disposta a assumir
uma parcela adicional dos danos em troca de uma compensação
monetária de parte de sua vizinha de mais posses. Porém, visto que
tal troca não poderá ocorrer, ela deverá simplesmente ajustar-se à
proporção dos "pontos ruins" em seu meio ambiente.

"ÓTIMO"

"BOM"

FIGURA 1

A mensuração objetiva dos custos impostos externamente


parece mais viável nos casos em que a remoção do agente nocivo
possa gerar mudanças na função de produção das empresas. Se as
unidades danificadas estivessem produzindo empresas, não
indivíduos, não haveria necessidade de maiores complicações com a
avaliação dos prejuízos de utilidade. Pode-se observar que uma
mudança no índice de "poluição" altera o índice de desembolso re-
querido para a produção de bens e serviços comercializáveis. Uma

105
CUSTO E ESCOLHA

vez que esses bens e serviços comandam os preços nos mercados, a


mensuração objetiva de seus valores será possível 3. Para que a
tributação corretiva, equivalente aos custos impostos externamente
a outros (que devemos supor que sejam mensuráveis objetivamente,
a despeito dos problemas observados acima), possa produzir as
mudanças em comportamento previstas pela análise de Pigou, os
custos internos com que se depara o indivíduo que toma a decisão
também devem ser mensuráveis objetivamente, ao menos de modo
indireto. A análise pressupõe implicitamente que, na ausência da
tributação corretiva, as escolhas são orientadas através dos
desembolsos monetários efetuados na aquisição dos insumos em
transações comuns de mercado. Entretanto, como já pudemos
comprovar, não existe um respaldo lógico para essa suposição em
casos mais genéricos. Os desembolsos monetários observados não
necessitam refletir os custos que influenciam a escolha, os
verdadeiros custos de oportunidade analisados pelo indivíduo que
decide.
Existe uma inconsistência evidente. A norma de Pigou tem
por meta alinhar os custos marginais privados, uma vez que
influenciam a escolha, com os custos sociais, uma vez que são
mensuráveis objetivamente. A introdução de dispositivos de
correção adequados somente será possível no caso da men-
surabilidade objetiva. Porém em que condições pode-se assumir que
os custos mensuráveis objetivamente, externos e internos, reflitam,
com uma precisão razoável, os custos que o indivíduo que
realmente toma a decisão levará em consideração. Em condições

3
É provável que esse ponto ajude a determinar a origem da confusão. Marshall e
Pigou desenvolveram o conceito de externalidade dentro do contexto dos modelos
interempresariais, assumindo de modo implícito a existência de estruturas
competitivas. Como poderemos observar, a adequação dos custos mensuráveis
objetivamente fica limitada mesmo neste modelo, mas os erros apresentam uma
classe diferente de magnitude em relação àqueles que surgem quando as
externalidades se referem a uma interação interpessoal ou a uma interação
interempresarial na qual as funções de utilidade são empregadas. A possibilidade de
mensuração objetiva dos custos externos não garante, evidentemente, que a política
de aplicação de uma tributação corretiva seja desejável. Em condições de
concorrência, essa política pode ser defendida plausivelmente dentro de certos
limites. Em comparação, a tentativa de aplicação de tributação corretiva em uma
empresa que gere a externalidade poderá ser mais nociva do que benéfica. Sobre esta
questão elementar, vide, do autor. External Diseconomics, Corrective Taxes and
Market Structure, American Economic Review, LIX (março de 1969), págs. 174-77.

106
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

ideais de equilíbrio competitivo, os custos que podem ser


mensurados pelo observador tendem a substituir razoavelmente as
avaliações subjetivas das pessoas que decidem. Porém, quase por
definição, os efeitos externos não se impõem nessas condições.

Custos Internos, Equilíbrio e Quase-Rendas

Recomenda-se especificar cuidadosamente as condições nas


quais se considere que esses desembolsos mensurem, mesmo que
indiretamente, a barreira subjetiva que se contrapõe à escolha. São
as seguintes essas condições: (1) o indivíduo ou empresa deve
encontrar-se em pleno equilíbrio competitivo em relação à atividade
que gera a deseconomia externa; (2) nesse nível de equilíbrio de
atividade e apenas nesse nível, as perdas são evitadas e nenhum
lucro é auferido; e (3) não há perspectiva de lucro em mais nenhum
lugar da economia. Nessas condições, os custos que podem ser
evitados são simplesmente os desembolsos que devem ser
efetuados. O indivíduo ou a firma dispõem de apenas uma
alternativa de ação para evitar a perda. Essa alternativa seria não
agir. Nesse caso, ele evita o desembolso que o ato decisório
considerado na sua totalidade ou marginalmente requer. Torna-se
evidente que não agir é o curso de comportamento mais atraente,
uma vez que todas as outras opções devem gerar perdas líquidas.
É importante observar que as quase-rendas não podem
existir na situação de equilíbrio competitivo que o modelo requer.
Portanto, o dispositivo de capitalização dos potenciais de recursos
diferenciais em quase-rendas para igualar os custos entre cada uma
das empresas separadamente não pode ser utilizado. Para que ele
possa existir, a relação entre os custos que influenciam a escolha e
os desembolsos mensuráveis objetivamente dependerá crucialmente
da ausência de quase-rendas. Se essas rendas existirem, tanto no
que diz respeito ao comportamento pessoal de um indivíduo ou à
atividade produtiva de uma empresa, não se poderá supor que os
desembolsos previstos sejam capazes de mensurar os custos de
oportunidade subjetivos, aqueles que devem influenciar o
comportamento real de escolha. A conexão indireta entre os custos

107
CUSTO E ESCOLHA

de oportunidade subjetivos e os desembolsos mensurados objetiva-


mente que esse equilíbrio estabelece é destruída. A causa é que na
presença de "quase-rendas", ou indivíduo ou a empresa dispõem de
mais de um curso alternativo de ação que evitará perdas. As "quase-
rendas" ou suas equivalentes produzem um respaldo que possibilita
um maior significado aos elementos subjetivamente apropriados do
cálculo da decisão. Como Frank Knight pôde reconhecer ainda que
imperfeitamente em seus estudos de 1935 4, a tolerância para
quaisquer aspectos não pecuniários presentes no cálculo da escolha
de um indivíduo ou de uma empresa causa um efeito desastroso no
emprego de desembolsos mensuráveis como substitutos dos custos
de oportunidade que, de falo, influenciam o comportamento de
escolha. Para os nossos objetivos neste momento, a tolerância
permitida para as "quase-rendas" ou seus equivalentes destrói a
lógica fundamental das normas políticas de Pigou. Simplesmente
não há meios de diferenciar satisfatoriamente os custos de
oportunidade subjetivos que influenciam a decisão e os
desembolsos mensuráveis objetivamente sofridos pelo indivíduo
que decide e pelos outros indivíduos afetados externamente em
decorrência dessa decisão.

Um Exemplo Ilustrativo

A maior parte da análise crítica pode ser esclarecida através


de um simples exemplo ilustrativo. Suponhamos que eu, o autor,
aprecie a caça à raposa e que mantenha um canil para os meus cães
de caça próximo à minha residência. Pretendo adicionar mais um
cão de caça à minha matilha, que já é grande; e conheço, com
razoável precisão, o preço de mercado para cães de caça. O preço
de cada cão é, digamos, $100.
Meu vizinho mora próximo ao canil e está exposto ao ruído
produzido pelos cães. Assim, ele e sua família sofrerão uma perda

4
F. Knight, Notes on Utility and Cost (Obra mimeografada, University of Chicago,
1935). Publicada sob a forma de dois artigos em alemão no Zeitschrift für
Nationalökonomie (Viena), Band VI, Heft, 1 , 3 (1935).

108
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

em utilidade previsível caso eu resolva adquirir mais um cão. Para


fins de análise, suponhamos que esse dano externo causado ao meu
vizinho possa ser avaliado em $45, provavelmente por um
observador perito no assunto, pelo meu vizinho e por mim mesmo.
Suponhamos então que eu antecipe os benefícios incrementais do
cão adicional em $160. Esse valor ultrapassa significativamente o
preço de $100. Suponhamos também que não haja canais
alternativos para os gastos que me permitam garantir benefícios
marginais líquidos. Nessas circunstâncias, os custos de
oportunidade gerados pelos prazeres que devo evitar em
decorrência de fazer o gasto podem ser, grosso modo, estimados em
$100. Contudo, além desses custos, posso muito bem incluir no meu
cálculo decisório os prazeres que meu vizinho terá de sacrificar em
conseqüência da aquisição de mais um cão. O seu sofrimento
previsto, tanto quanto o meu, pode ser um obstáculo à minha
decisão.
Suponhamos que eu tente atribuir da melhor forma possível
um valor a essa própria utilidade prevista para o meu vizinho e que
obtenha o valor de $45, o qual, como já observado acima,
representa grosso modo o valor que o próprio vizinho atribui à
ação. O obstáculo à minha escolha, o meu custo que influencia a
escolha, incorporará dois elementos. Em primeiro lugar, existe a
avaliação de usos alternativos do gasto previsto, o qual, nas
condições postuladas, mensuramos em $100. Em segundo, há a
avaliação que faço dos prazeres antecipados que meu vizinho deve
sacrificar, nesse caso $45. Nestas circunstâncias, prosseguirei com
a realização da compra, uma vez que o valor dos benefícios
marginais antecipados, $160, ultrapassa a avaliação das alternativas
sacrificadas, $145.
Observemos que no comportamento postulado, estou agindo
de acordo com o critério de Pigou, ora denominado de norma ética
de comportamento privado. Literalmente, estou considerando meu
vizinho como a minha própria pessoa; meus cálculos decisórios
internos refletem com precisão "o custo social marginal" como um
obstáculo à decisão, a despeito da ausência de qualquer imposto
corretivo. Todavia, também devemos notar que no caso da escolha

109
CUSTO E ESCOLHA

relacionada em questão se observará que impus um custo externo ao


meu vizinho pelo qual não o compensarei. Caso um economista da
linha de Pigou fosse solicitado a fornecer orientação ao governo, é
provável que recomendasse que me fosse aplicado um imposto
corretivo, sobre o total dos custos externos, em nosso exemplo $45.
Fica claro que, a menos que os componentes de meus custos de
oportunidade subjetivos sejam diretamente modificados por tal
imposto, o efeito me fará mudar de decisão. Os custos que uma
decisão positiva implica serão então calculados em
aproximadamente $190. Em face dos mesmos, devo abster-me da
aquisição do cão, a despeito da distorção "social" ou alocativa que
essa abstenção possa gerar. No exemplo acima, o imposto corretivo
tende a converter um resultado de escolha socialmente desejável em
indesejável.
Meus componentes internos de custo de oportunidade podem
ser modificados pela aplicação do imposto. Tenho plena ciência de
que estou sendo tributado pela expressa razão que o meu
comportamento pressiona a economia externa. Posso reduzir o valor
que atribuo aos prazeres do silêncio sacrificados por meu vizinho.
Essa reação terá maior probabilidade se for estipulado que a receita
do imposto será tributo serão transferida diretamente ao meu
vizinho. Essa conexão estreita e, mais importante ainda, o
conhecimento do objetivo do imposto corretivo não recebem o
devido destaque na literatura de Pigou nem parecem descrever,
ainda que remotamente, o comportamento de escolha. Na melhor
das hipóteses, podemos reconhecer alguma substituição entre o
imposto e a valoração subjetiva do componente "externo" do custo
de oportunidade; certamente não haverá motivo para esperarmos
algo como uma compensação plena.
Neste exemplo simplificado, a suposição feita é que eu
atribua às alternativas preteridas dos outros um valor mais ou
menos equivalente às minhas. Porém, não necessitamos pressupor
esse exemplo de altruísmo extremo para chegar à conclusão que o
imposto corretivo gera resultados ineficientes. No caso da escolha
relacionada, discutida no exemplo, mesmo que eu atribua um valor
de apenas $16 aos prazeres preteridos por meu vizinho, o imposto

110
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

corretivo de $45 me levará a escolher o resultado ineficiente, ou


seja: ($100 + $16 + $45 = $161 > $160). Este valor torna-se ainda
tanto menor quanto mais reduzida for a "quase-renda" pessoal ou o
"excedente marginal". Suponhamos, por exemplo, que minha
estimativa de benefícios marginais seja de apenas $146 e que eu
atribua um valor de somente $2 aos prazeres preteridos de meu
vizinho. Assim, meus custos que influenciarão a escolha, após a
aplicação de impostos, serão iguais a $147 ($100 + $2 + $45), e
excederão meus benefícios marginais antecipados. Serei então
conduzido à escolha social ineficiente, embora a ineficiência
diferencial seja menor do que nos casos em que eu atribua um valor
ligeiramente maior às perdas em utilidade antecipadas para outros
indivíduos.

A Economia Pigouviana e a Ética Cristã

O exemplo acima sugere que uma defesa da aplicabilidade


da norma política pigouviana poderá estar na hipótese
comportamental de que cada pessoa age rigorosamente de acordo
com os seus próprios interesses materialistas "privados", cuja
definição está desprovida de um sentido mais amplo. Pode-se supor
que o seu próprio comportamento esteja inteiramente livre das
influências dos efeitos que exercem sobre outras pessoas. Pode-se
então argumentar que, nessas condições, o conflito demonstrado
entre a política corretiva e a obtenção da eficiência alocativa não
apareceria. Como demonstraremos na seção a seguir, mesmo esta
suposição restritiva não é capaz de resgatar a análise pigouviana.
Porém, neste ponto, a legitimidade da própria hipótese deve ser
submetida a um exame mais rigoroso.
Inicialmente, a hipótese comportamental nada mais parece
do que uma extensão da hipótese do "homem econômico", que
vaga pela teoria econômica preditiva. Todavia, um exame mais
minucioso revela que o requisito neste ponto é muito mais
restritivo. Na teoria econômica tradicional de mercado, a suposição

111
CUSTO E ESCOLHA

comportamental implícita é a da "ausência de altruísmo" 5, esclare-


cida primeiramente por Wicksteed. Essa suposição meramente
enuncia que, de um modo geral em média, os indivíduos ou as
empresas engajadas num comportamento típico ao de mercado
deixam de considerar os interesses diretos daqueles que
representam o lado contrário do contrato de comércio. O "homem
econômico" de Wicksteed pode ater-se à ética cristã sem neurose
alguma, dado que lhe é possibilitado escolher, se desejar, integrar
ao seu padrão de comportamento algum reconhecimento dos
interesses de todos os seus semelhantes, exceto daqueles com quem
esteja negociando diretamente. Ele poderá seguir "amando o seu
próximo", desde que este não esteja negociando com ele. Na
relação de externalidade, por definição, a troca deixa de ocorrer.
Seria razoável pensarmos que é justamente nesse tipo de relação
que padrões de comportamento genuinamente benevolente
poderiam ser observados. Na verdade, pode-se argumentar
plausivelmente que em praticamente todo o nosso comportamento
fora de mercado existe um potencial de externalidade e que o
funcionamento normal da sociedade depende crucialmente de uma
certa reciprocidade em termos de respeito. Se o direito de
propriedade não estiver muito bem definido, será difícil o
estabelecimento de arranjos típicos aos de mercado. As próprias
formas de comportamento parecem dedicar, pelo menos "da boca
para fora", algo além do interesse próprio definido estreitamente. O
pedido: "Importa-se que eu fume?" seria um exemplo clássico da
preocupação com o próximo.
As divergências em relação aos padrões de comportamento
baseados em funções de utilidade estreitamente materialistas
parecem ser praticamente universais apenas sob a existência de
relações de externalidade pessoais. Em outras palavras, o
argumento contra a hipótese do estreito interesse próprio somente se
aplica inteiramente quando a relação de externalidade potencial
estiver limitada a um número de pessoas criticamente reduzido.

5
N.T.: O termo 'ausência de altruísmo' é amplamente utilizado na modelagem
matemática dessas idéias e refere-se à importância que o agente econômico atribui,
num dado momento, à utilidade de outros agentes.

112
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

Em grupos mais numerosos, por comparação, a incorporação dos


interesses dos "outros" no cálculo de utilidade dos indivíduos será
muito pequena ou mesmo nula. Nesse caso, o indivíduo não possui
ou não poderá possuir "próximo" algum em qualquer sentido real de
comportamento, a despeito da presença de "efeitos de
proximidade". Nessas condições, restauram-se pelo menos
parcialmente a lógica de Pigou e as implicações de sua política. O
indivíduo que despeja lixo nas ruas não residenciais da cidade
grande provavelmente não estará muito preocupado com os efeitos
desse seu comportamento sobre os outros. Isso sugere que, nesses
casos, os dispositivos corretivos, implícitos na análise de Pigou, não
devem gerar conflito em relação às normas alocativas habituais,
desde que, evidentemente, todas as demais condições exigidas para
a sua aplicabilidade sejam atendidas 6.

O Estreito Interesse Próprio e as Alternativas


de Quase-Rendas de Oportunidade

A seção anterior sugeriu que um dos meios de resgatar a


lógica da política de Pigou reside em fazer que a hipótese explícita

6
Neste momento, talvez deva ser observada a interessante diferença em ênfase
revelada por cientistas políticos e economistas cujos debates enfocam
essencialmente as mesmas interações de comportamento. Em política, a ênfase
principal volta-se tradicionalmente para a obrigação política no dever assumido pelo
indivíduo de agir de acordo com "o interesse público". Isso representa uma tentativa
de aprimorar os resultados através da modificação da função de utilidade do
indivíduo no sentido de que o mesmo dê um maior valor às utilidades dos outros.
Apenas recentemente as possibilidades de se realizarem mudanças institucionais que
canalizem a escolha privada na direção de produzir resultados sociais mais
desejáveis têm recebido alguma atenção.
Em compensação, na economia as mudanças de política ou institucionais têm sido o
centro das atenções. Relativamente pouca discussão tem sido devotada às normas de
comportamento individual. Como demonstra a nossa análise, fundamentando-se na
hipótese implícita de que o indivíduo aja segundo o seu próprio e restrito interesse,
os economistas desenvolvem normas de política que se podem revelar inaplicáveis
caso esse postulado comportamental subjacente não espelhe a realidade.
Para um debate inicial sobre essa diferença entre as duas disciplinas, vide, do autor,
Marginal Notes on Reading Political Philosophy, apresentado no Apêndice I da obra
de James M. Buchanan e Gordon Tullock, The Calculus of Consent (Ann Arbor:
University of Michigan Press, 1962; Edição em Brochura, 1965).

113
CUSTO E ESCOLHA

de que nenhum fator relacionado com "consideração pelos outros"


possa influenciar o indivíduo que gera os custos externos.
Entretanto, mesmo com essa limitação sobre as funções de utilidade
individuais, haverá conflitos entre as aplicações das normas de
política e os critérios de eficiência se houver um potencial de
"quase-rendas" para os cursos alternativos de ação. Isso também
pode ser demonstrado através do exemplo ilustrativo simples que já
discutimos.
No uso inicial do exemplo, supusemos que não houvesse a
perspectiva de "lucros" para qualquer outra oportunidade de gosto.
Nesse caso, e somente nele, o gasto em moeda esperado em
recursos e insumos, isto é, $100, reflete com precisão o componente
interno dos genuínos custos de oportunidade, e o imposto marginal
esperado de $45, o componente equivalente exigido externamente.
Nesse modelo, a hipótese adicional de que a pessoa que escolhe-
decide não atribui valor algum aos níveis de utilidade alcançados
por outros indivíduos nem às mudanças nesses níveis provocadas
por seu próprio comportamento restaurará a consistência entre a
lógica da política pigouviana e as normas gerais de eficiência.
Devemos demonstrar então que, mesmo que preservemos a hipótese
do estreito interesse próprio em relação ao comportamento
individual, qualquer relaxamento da hipótese sobre "lucros" ou
"quase-rendas" em cursos alternativos de ação destruirá todo o
aparato de políticas.
Consideremos a situação na qual existam perspectivas de
"lucro" antecipado em oportunidades alternativas de gasto.
Suponhamos que, ao considerar a aquisição do cão de caça
adicional, para o qual estimo um benefício marginal de $160, eu
espere um gasto em insumos mensurados em $100, porém que
também antecipe que poderia investir $100 em uma outra linha de
atividade que gerasse um benefício marginal esperado, que avalio
subjetivamente em $115. Nesse caso, $115, e não $100, será o valor
que melhor representará o meu custo de oportunidade que
influencia a escolha, ou seja, o obstáculo à escolha antes da
imposição do imposto. Suponhamos então que o imposto corretivo
de $45 seja aplicado à aquisição marginal e, da mesma forma que

114
CUSTO PRIVADO E SOCIAL

anteriormente, imaginemos que isso reflita precisamente a própria


avaliação de meu vizinho em relação aos danos externos que ele
sofrerá em decorrência de minha ação. Deduz-se que a melhor
mensuração para os "custos sociais"- aqueles que devem recair
sobre todos os membros do grupo e que são o resultado da escolha
marginal - seja igual a $160. Esse valor reflete meus próprios custos
de oportunidade marginais, agora estimados em $115, mais os
custos externos que recaem sobre meu vizinho, estimados em $45.
Em virtude de os custos sociais e os benefícios sociais decorrentes
da minha aquisição de mais um cão de caça serem estimados em
$160, as normas alocativas habituais sugerem que eu deva
permanecer indiferente quanto à decisão. Observemos, contudo, que
essa indiferença não seja incluída em meu próprio cálculo de
escolha após a aplicação do imposto corretivo sobre minha compra
marginal. Agora, comparando as alternativas, meus custos que in-
fluenciam a escolha serão iguais a $166,75 e não $160. Eu não
apenas devo avaliar o gasto previsto em termos das alternativas
preteridas, isto é, $115, como também o gasto fiscal marginal
esperado cm termos das alternativas preteridas que o pagamento
tornará impossível alcançar. Se o "lucro" esperado em relação ao
gasto de $100 em um curso alternativo de ação é igual a $115,
podemos estimar que os custos que influenciam a escolha
pertinentes ao imposto de $45 sejam de aproximadamente $51,75.
A escolha deixa de ser marginal em meu próprio cálculo decisório;
o imposto corretivo fez com que os custos de oportunidade que
influenciam a escolha - custos privados - ultrapassassem os custos
sociais marginais. Devo então efetuar um ajuste exagerado em meu
comportamento, mesmo considerando os argumentos mais restritos
de interesse próprio em minha função de utilidade.

Conclusão

Devo salientar que o presente capítulo não foi elaborado


com a intenção de realizar uma análise geral crítica das normas
políticas de Pigou. Tal análise exigiria uma abordagem de muitas
das questões interessantes que foram ignoradas nas considerações

115
CUSTO E ESCOLHA

que teci. Meu objetivo é utilizar este ramo conhecido da teoria da


economia aplicada para demonstrar a conveniência de esclarecer os
conceitos básicos de custo de oportunidade. Para aqueles que
aceitam e entendem totalmente as contribuições das escolas inglesa
e de Viena, as inconsistências internas da lógica de Pigou serão
aparentes. Para aqueles que tenham sido treinados nos paradigmas
neoclássicos do custo de oportunidade, o reconhecimento dessas
inconsistências poderá exigir uma análise dos exemplos
elementares. Não é fácil questionar preceitos consagrados tra-
dicionalmente. Além disso, nas várias versões que elaborei do
presente capítulo, foi-me difícil evitar que a análise deslizasse para
o tipo de metodologia convencional que freqüentemente emprego
em outros estudos. O resultado poderá ter uma aparência complexa,
a despeito da natureza elementar das questões consideradas. Com
efeito, a incorporação do conceito de custo de oportunidade da
escola inglesa implica a transformação de uma das pedras basilares
da teoria econômica. Somente quando essa modificação fundamen-
tal estiver concluída o progresso orientado para a mudança de toda
uma superestrutura poderá ser experimentado de modo mais amplo.
Enquanto isso, apenas os aspectos mais expostos dessa
superestrutura - a análise do bem-estar de Pigou, por exemplo -
poderão ser diretamente relacionados com determinadas falhas em
uma das pedras de base de toda a teoria.

116
O Custo Sem os Mercados

Se os preços são estabelecidos através de um processo de


mercado, as decisões dos compradores e vendedores se basearão em
comparações de custo-benefício. Antes que qualquer escolha seja
realizada, os benefícios previstos devem ser superiores ao custo de
oportunidade. Caso seja possível um ajuste contínuo, cada
participante se movimentará na direção do equilíbrio
comportamental no qual o benefício marginal previsto se iguala ao
custo de oportunidade marginal. Nesse contexto puramente
individualista, não se faz necessário o questionamento do
significado exato de custo ou benefício. A análise oferece uma
lógica à decisão racional individual e o custo é simplesmente aquilo
que é excluído pela escolha positiva no momento da própria
escolha.
Como salientou Hayek, o equilíbrio em uma interação de
mercado é categoricamente diferente do equilíbrio comportamental
do indivíduo que participa dessa interação. No segundo caso,
deverá haver uma ausência de ganhos do comércio dentro da faixa
percebida de escolha do indivíduo. No primeiro deverá haver uma
ausência de ganhos do comércio, no total ou marginalmente, a
partir da ação adotada entre todos os indivíduos, sendo que cada
um deles vê as perspectivas de comércio com outros como parte de
seu próprio conjunto de escolha. Para que se possa estabelecer o
equilíbrio de mercado, cada participante deve encontrar-se em seu
próprio equilíbrio de comportamento, porém o oposto não é
necessariamente verdadeiro. Isto é, cada indivíduo pode alcançar o
equilíbrio comportamental no momento da escolha, contudo, a
menos que as decisões de diferentes indivíduos apresentem uma
relação singular entre si, o equilíbrio de mercado não ocorrerá. O
CUSTO E ESCOLHA

fato de esse equilíbrio deixar de ocorrer dará início a mudanças no


equilíbrio comportamental dos indivíduos, que afetarão escolhas
posteriores.

Preços, Custos e Equilíbrio de Mercado

Quais as relações entre "preços" e "custos" em condições de


equilíbrio pleno de mercado? Para cada um dos participantes, o
benefício marginal previsto será igual ao custo de oportunidade
marginal, ambos mensurados em termos da avaliação subjetiva do
indivíduo. Observa-se que todas as pessoas se deparam com preços
relativos uniformes; essa condição é necessária à eliminação dos
ganhos do comércio. Dado que cada um dos participantes se
encontra em pleno equilíbrio de comportamento, cada pessoa
deverá se deparar com o mesmo custo marginal. Na qualidade de
participante da demanda, o indivíduo ajusta as suas compras de
modo a assegurar-se de que o benefício marginal previsto seja igual
ao preço. Logo, os benefícios marginais previstos de um bem,
mensurados em dinheiro em espécie, são iguais para todos os
consumidores. Na qualidade de fornecedor, o indivíduo ajusta suas
vendas de modo a assegurar-se de que as oportunidades previstas
excluídas, o custo de oportunidade marginal, mensurado em
dinheiro em espécie, sejam iguais para todos os fornecedores.
Em condições de equilíbrio pleno de mercado, os preços
tendem a igualar-se aos custos de oportunidade marginais. Porém,
nesse momento, os custos são inteiramente análogos aos benefícios
marginais da parte da demanda. Somente os preços possuem
conteúdo empírico objetivo, nem as avaliações marginais dos
consumidores nem os custos marginais dos fornecedores (as
avaliações marginais das alternativas excluídas) podem ser
utilizados como base na determinação de preços. O motivo é que
ambos são postos em igualdade com os preços através de ajustes de
comportamento de ambos os lados do mercado. Os preços não são
postos em igualdade no caso de certos fenômenos determináveis
objetivamente e mensuráveis empiricamente, que ocorrem no
mercado, no lado da demanda ou no da oferta.

118
Através dessa lógica elementar de processo de mercado,
retornamos ao modelo clássico dos bens de oferta fixa, o modelo
que foi generalizado com o advento da teoria do valor subjetivo.
Aqui não existe "teoria" de valor de troca normal com conteúdo
positivo. A análise pode "explicar" os resultados, fornecer uma
lógica da interação; falta-lhe a hipótese prognóstica.

O Preço do Serviço dos Recursos


como Custo do Produto Final

Os produtos finais, entretanto, não ficam disponíveis em


quantidades fixas e, com a introdução dos serviços de recursos, a
objetividade do custo tende a ser utilizada novamente. Os preços
para os serviços produtivos são estabelecidos em um processo de
mercado. Esses preços, da mesma forma que os preços de produtos
finais, podem ser observados empiricamente. Os preços para os
serviços de recursos são obtidos através das avaliações que se
fazem dos produtos finais, que se baseiam reconhecidamente em
elementos subjetivos. Porém, todo o mercado atua de modo a
estabelecer preços observáveis que, por sua vez, parecem constituir
os custos dos produtos finais objetivamente reais. O custo de
produção com que se deparam as empresas produtoras também são
os preços das unidades de recurso recebidas por agentes de
fornecimento. Portanto, no caso de mercados de produtos finais, os
ajustes do lado da oferta parecem oferecer uma fuga da lógica em
direção à realidade empírica. O abastecimento atua dessa forma
para transportar os custos para condições de igualdade com os
preços; os custos representam as avaliações marginais das
alternativas excluídas que são expressas por todo o mercado, em
termos monetários. Pelo menos no que tange aos preços de produtos
finais, parece que retomamos ao mundo quase-clássico da
causalidade unilateral.
Porém, mesmo em condições de equilíbrio pleno de
mercado, a objetividade do custo de oportunidade é apenas
aparente. Como Frank Knight já havia indicado corretamente em
CUSTO E ESCOLHA

seus estudos de 1934 e 1935, mesmo em equilíbrio pleno, os preços


dos serviços de recursos somente refletem os custos se as vantagens
ou desvantagens não pecuniárias estiverem ausentes das escolhas
dos agentes fornecedores do recurso. Se os retornos pecuniários fo-
rem a motivação exclusiva dos fornecedores de recursos, o preço
observado para uma unidade de recursos efetivamente representará
o custo de oportunidade que influencia a escolha para essa unidade,
mesmo que indiretamente. Se, por outro lado, os elementos não
pecuniários se fizerem presentes nas decisões dos fornecedores dos
recursos, o custo das unidades de recurso que influencia a escolha
não será observável nos preços monetários pagos pelos recursos.
Desaparecerá então a relação aparente entre os recursos finais já
quitados, em um sentido objetivo, e os preços observados pagos
pelos serviços desses recursos.
Na verdade, isso não afeta a análise padrão da interação de
mercado nem modifica as inferências de bem-estar que podem ser
alcançadas pelo entendimento do ajuste da concorrência. Desde que
os indivíduos de ambos os lados do mercado possam expressar suas
preferências através de ajustes contínuos de comportamento, os
elementos não pecuniários estarão inteiramente incorporados à
solução que possa resultar. Os preços tenderão a se igualar aos
custos de oportunidade marginais. O que será destruído pela
presença de elementos não pecuniários na escolha é a objetividade
espúria dos custos mensurados pelos preços dos serviços de
recursos.
Entretanto, esses preços podem incorporar elementos não
pecuniários apenas em relação a determinados fornecedores de
recursos e não necessariamente a todos. Se houver uma quantidade
suficiente de fornecedores situada na margem da indiferença dentre
todos os empregos que geram retornos pecuniários equivalentes, os
preços de serviços de recursos representarão com precisão os custos
de oportunidade marginais, a despeito dos fornecedores
inframarginais que habitualmente fazem a escolha baseando-se nas
compensações de naturezas não pecuniária e pecuniária.
Inframarginalmente, os elementos não pecuniários da escolha não
afetam a relação entre os preços observados para o serviço de

120
recurso e os custos marginais dos produtos finais. Porém, isso
apenas se aplica aos custos marginais; não é possível mensurar os
custos médios com precisão através dos desembolsos observados
para insumos de recursos. Mesmo que os elementos não pecuniários
não estejam presentes nas escolhas efetivas realizadas à margem do
ajuste e, logo, não incluídas nos custos de oportunidade marginais,
a presença de elementos não pecuniários nas escolhas feitas nas
faixas inframarginais de oferta assegura que os desembolsos
observados não mensurarão os custos totais. Isso não altera os
resultados alocativos do processo de interação de mercado, porém
significa efetivamente que o emprego dos desembolsos previstos ou
observados na mensuração dos custos totais - custos que devem ser
comparados aos benefícios previstos para poder fundamentar as
decisões alocativas não mercadizáveis - pode gerar graves
equívocos.

Equilíbrio de Mercado, Custos e Quase-


Rendas

Na ausência de elementos não pecuniários nas escolhas dos


fornecedores de recursos, os desembolsos observados, associados
aos serviços de recursos, aparentemente possibilitam um meio de
mensuração, ainda que indireto, dos custos de oportunidade que
influenciam a escolha em relação a esses fornecedores se o sistema
se encontrar em pleno equilíbrio competitivo. Todavia, as condições
para equilíbrio requeridas pelo contexto acima são muito mais
rigorosas do que aquelas necessárias para outros fins. Todos os
fornecedores de recursos devem situar-se em uma margem de
indiferença em relação a empregos alternativos; as quase-rendas
não podem estar presentes. Caso determinadas unidades de recurso
aufiram quase-rendas, os desembolsos observados para os serviços
de recursos não refletirão com precisão os custos que influenciam a
escolha dos proprietários dos recursos no que tange às escolhas de
natureza interocupacional ou interindustrial.
Os preços do serviço de recursos são estabelecidos nas
margens apropriadas de emprego; a concorrência entre os
CUSTO E ESCOLHA

compradores faz com que unidades similares aufiram retornos


semelhantes. A semelhança na produtividade interna ou
intraindustrial não implica, contudo, semelhança na produtividade
de empregos alternativos ou interindustriais. Os recursos podem
especializar-se de modo diferenciado em determinadas indústrias.
Quando isso ocorre, as quase-rendas aparecem. Na verdade, a
existência dessas quase-rendas não viola a lógica da interação de
mercado. Em condições de equilíbrio, os preços se igualarão aos
custos, porém os custos devem estar vinculados às decisões es-
pecíficas que sejam tomadas. Ao vender os seus serviços a uma
única empresa dentro de uma indústria competitiva, o possuidor
dos recursos sacrifica um retorno que poderia obter de qualquer
outra empresa na mesma atividade. As quase-rendas não estão
presentes nesta situação, uma vez que o possuidor dos recursos
mostra-se indiferente em relação à contratação de seus serviços por
diferentes empresas. Contudo, a escolha do emprego desses
serviços pode ocorrer na presença das quase-rendas. As
remunerações sacrificadas fora da atividade industrial podem ser
inferiores àquelas que podem ser obtidas através de uma única
firma dentro da atividade industrial. Assim, os preços serão iguais
em relação a todos os custos que informam as escolhas dentro da
atividade industrial. Entretanto, à exceção do fornecedor
marginalista, os preços pagos por recursos de serviços - os
desembolsos - serão superiores à avaliação marginal dos retornos
alternativos em potencial que serão sacrificados fora da atividade
industrial, mesmo em condições de pleno equilíbrio de mercado.
A existência dessas quase-rendas inframarginais não altera
os resultados alocativos do processo de mercado devido ao fato de
desaparecerem na margem. No caso da decisão interempresarial ou
interindustrial, o fornecedor do recurso marginal encontra-se em
pleno equilíbrio. O desembolso observado que lhe é feito pela
empresa mensura com precisão a sua avaliação das opções
sacrificadas. O receita dos fornecedores inframarginais em quase-
rendas foi tema de um importante debate ocorrido há meio século
para o qual Allyn Young contribuiu ao demonstrar a irrelevância
dessas receitas em relação à eficiência alocativa.

122
Porém, os problemas surgem quando se tenta utilizar as
propriedades do processo de mercado como linhas mestras ou
normas para o processo decisório não mercadizável. Nesse sentido,
deve-se considerar a relação existente entre as quase-rendas
inframarginais e os "custos".

O Custo do Efetivo Militar, um Exemplo

O exemplo a seguir ilustra alguns dos principais pontos do


presente capítulo. Suponhamos que o governo solicite a orientação
profissional de um economista. Deseja-se conhecer qual é o "custo"
de manutenção de um efetivo militar de determinada qualidade e
quantidade. A comparação das estimativas dos benefícios em
relação a esse "custo" provavelmente gerará informações que
permitirão que se tomem decisões alocativas sobre a quantidade do
efetivo militar a ser utilizado. Para simplificar o problema,
suponhamos que se necessite de uma determinada quantidade de
soldados. Essas unidades são homogêneas para os fins militares a
que se destinam.

FIGURA 2

O X
Na figura 2, suponhamos que S represente a curva de oferta
de soldados e X a quantidade necessária. Assumimos que a curva de
oferta seja conhecida com exatidão pelo consultor e que ela
represente uma relação dos preços mínimos (salários) que seriam
necessários para produzir as várias quantidades indicadas.
Inicialmente, suponhamos também que todos os soldados em
perspectiva estejam motivados exclusivamente pelas compensações
pecuniárias previstas. Neste caso, a curva S também representa os
retornos que esses militares sacrificarão em linhas alternativas de
emprego. O fato de a curva de oferta inclinar-se para cima indica
uma produtividade diferente nos empregos alternativos a despeito
da uniformidade das unidades que produzem o serviço militar.
Caso o governo se comporte como uma indústria
inteiramente competitiva na aquisição do efetivo militar, o seu
desembolso previsto será mensurado através do retângulo OXPY.
Entretanto, esse desembolso superestima os "custos" relacionados
com as escolhas ocupacionais em perspectiva em virtude das quase-
rendas inframarginais. A área sombreada RPY não faz parte dos
custos totais que influenciam a escolha. Se o valor representado
pela área sombreada for incluído no aspecto de custo em uma
comparação de custo-benefício, o resultado estará prejudicado,
mostrando-se contrário à alocação do recurso para essa finalidade.
Essa conclusão será válida, independentemente dos meios pelos
quais o governo adquire o seu efetivo militar, desde que utilize
exclusivamente contratos de aquisição. Se, por motivos de
eqüidade, o governo pagar um salário uniforme para todos os
soldados, a despeito do aparecimento das quase-rendas
inframarginais, o desembolso será superior aos "custos," porém
parte dele representará então um subproduto da alocação dos
recursos. A menos que essa característica seja incluída no cálculo
de custo-benefício, muito poucos recursos serão alocados a todos os
preços de fornecimento em ascensão para projetos ou instalações
públicas. Nesse caso, o emprego do conceito de desembolso
previsto para mensurar "custos" refletiria o erro de Pigou
demonstrado eficazmente por Young.
Se, nas escolhas ocupacionais dos fornecedores de recursos,
houver elementos de natureza não pecuniária, a curva de oferta
deixará de mensurar as remunerações dos soldados em perspectiva
em relação a outros empregos. Essa curva pode ser traçada,
digamos A na figura 2, que efetivamente reflete as remunerações
pecuniárias. Da forma que está traçada, a curva dos retornos
alternativos em relação à "verdadeira" curva da oferta sugere que as
diferenças de caráter não pecuniário passam de positivas a
negativas com o aumento da quantidade. Esse fenômeno apresenta
uma dificuldade mais séria ao economista, que deverá estimar os
custos gerados pela presença das quase-rendas marginais. Se os
aspectos não pecuniários da escolha puderem ser desprezados, a
área sob a curva real de oferta efetivamente mensurará "custos", e
essa área poderá ser delineada por aproximação através dos dados
observados das remunerações oferecidas por empregos alternativos.
Contudo, na presença dos elementos de natureza não pecuniária,
essa maneira indireta de estimar por aproximação os custos que
influenciam a escolha deixa de existir. O fato de algumas
estimativas de remunerações alternativas superestimarem ou
subestimarem os custos dependerá da quantidade estipulada. De
acordo com a figura 2, o resultado seria uma superestimativa para
as quantidades orientadas para a esquerda da faixa de quantidade e
uma subestimativa para as quantidades orientadas para a direita
dessa faixa.
Todas as mensurações de custo discutidas até agora, sejam
diretas ou indiretas, somente terão significado se o governo
adquirir as unidades de recursos em uma série de composições
semelhantes às do mercado com os indivíduos que deverão fornecer
os serviços. Os soldados devem vender os seus serviços
voluntariamente. Caso o recrutamento dos soldados ocorra de qual-
quer outro modo, as considerações de custo ora discutidas
necessitam ser reexaminadas. Na ausência dos elementos de
natureza não pecuniária na escolha de cada um dos indivíduos
selecionados, os custos de oportunidade de uma força militar
recrutada seriam mensurados através das remunerações que os
membros desse efetivo poderiam assegurar em empregos não
militares 1. Isso implicaria que cada membro da força se mostraria
indiferente em relação a um emprego de natureza militar ou não
militar se as remunerações no emprego militar fossem equivalentes
àquelas dos empregos não militares. Como já pudemos observar,
existe um requisito muito mais rigoroso do que aquele necessário
para eliminar a significatividade dos elementos não pecuniários nas
decisões alocativas em um processo semelhante ao do mercado.
Nesse processo, os elementos não pecuniários não necessitam
modificar os resultados alocativos desde que uma quantidade
suficiente de ajustadores marginalistas permaneçam indiferentes em
relação às diferenças não pecuniárias entre cada um dos empregos.
Porém, caso as remunerações sacrificadas devam mensurar os
custos que influenciam a escolha, essa indiferença deve estar
manifesta em cada um dos fornecedores de recursos, não apenas
naqueles considerados como os ajustadores marginalistas. O
desaparecimento dos elementos não pecuniários do processo de
escolha nas margens de comportamento livremente ajustadas, como
o desaparecimento das quase-rendas nas margens, restaura a
importância alocativa dos preços de recursos-serviços como
medidas aproximadas dos custos de oportunidade marginais.
Entretanto, isso somente trará alguma utilidade se os serviços de
recursos forem adquiridos por meio de composições contratuais
ordinárias.

O Custo da Criminalidade: um Outro


Exemplo

Apenas recentemente os economistas têm dedicado um


pouco mais de atenção ao crime e ao castigo, porém pode-se prever
com muita segurança que esse tema esteja se tornando um

1
Esta definição dos custos de oportunidade em situações de recrutamento é
apresentada por George Stigler em seu texto altamente respeitado sobre a teoria
micrcroeconômica. Stigler afirma: "O custo de um soldado para uma economia,
contudo, está em seu produto sacrificado em condições de civil, e esse custo não é
diretamente influenciado por sua taxa de remuneração". Vide George Stigler, The
Theory of Price, (3a Edição; New York: Macmillan, 1966), pág. 106.
importante campo de pesquisa. Inúmeros estudos relacionam a
extensão da análise econômica, por um lado, às decisões dos
criminosos e, por outro lado, às decisões dos que fazem cumprir a
lei. Ambos os tipos de decisões situam-se nitidamente fora de um
contexto de equilíbrio de mercado. A implicação de meu debate é
que todos os custos que o economista possa vir a identificar
necessitam apresentar muito pouca relação com os custos que
servem como obstáculos efetivos às decisões. O reconhecimento
desse fato não destrói necessariamente a utilidade da análise eco-
nômica. Os custos que o economista quantifica podem estar
relacionados direcionalmente com aqueles que inibem a escolha.
Nesse caso, mudanças no nível dos custos objetivados (por
exemplo, modificações nas probabilidades de condenação e no
rigor da pena) produzem efeitos sobre a quantidade de crimes
cometidos. Neste ponto, surgem graves problemas ao se tentar
estabelecer normas mais explícitas para a política, como por
exemplo, ao se discutir as condições de maior favorabilidade ou de
eficiência.
Parte do recente e excelente estudo de Gary Becker pode ser
usada como exemplo 2. Ao discutir as condições de maior
favorabilidade, Becker argumenta que, se o custo de captura e
condenação de transgressores for zero, o valor marginal das multas
impostas aos criminosos deverá ser equivalente ao valor marginal
do mal que a transgressão provoca. Este modelo é confessadamente
limitado, porém, mesmo assim, a conclusão de Becker somente é
válida com a suposição especial sobre o comportamento de escolha
do criminoso em perspectiva. Ao contemplar uma transgressão,
deve-se supor que o criminoso exclua de seus cálculos qualquer
tipo de consideração sobre o dano causado a terceiros. Deve-se
supor que isso não constitua obstáculo à sua decisão; não é parte de
seu custo que influencia a escolha. Se, por qualquer motivo, esse
elemento for incluído como custo verdadeiro, a norma proposta por
Becker passaria além dos limites. Determinados tipos de crimes
considerados de "interesse social" seriam evitados impondo-se as
condições de Becker. (A análise de agora é praticamente idêntica
àquela feita em capítulo anterior com referência à análise de

2
Gary Becker, Crime and Punishment: An Economic Approach, Journal of Political
Economy, LXXVI (março-abril de 1968) págs. 169-217.
Pigou.) Mais provavelmente e de modo mais significativo, a
quantidade ideal de transgressões estaria assegurada se as multas
marginais permanecessem consideravelmente inferiores aos danos
marginais causados a terceiros. Em outras palavras, para o
criminoso que incorpora em seu custo algum tipo de consideração
sobre o mal que seu crime provoca a terceiros, o ponto no qual "o
crime poderá não compensá-lo" será atingido muito antes do ponto
no qual o economista que o observa anota o desaparecimento do
lucro líquido.
O esclarecimento do conceito de custo poderá acarretar
certas implicações interessantes e relativamente importantes em
relação à atividade criminal, ou mesmo em relação à atividade não
criminal que seja, por qualquer motivo, considerada suspeita ou
imoral. Na proporção em que a consideração dos males em
perspectiva causados a terceiros, ou, na verdade, qualquer restrição
de ordem moral à decisão, variará de acordo com a localização e o
grau de incidência da transgressão contemplada, variará também o
custo de oportunidade da infração. Logo, podemos esperar que os
crimes cometidos na comunidade local do transgressor, contra
pessoas com que este tenha um maior contato, normalmente
implicariam um maior obstáculo de custo devido à restrição moral
sobre o agente dessa situação. Deduz-se então que as multas ou
penalidades exigidas para se chegar a um determinado nível de
contenção poderão ser algo menores nesses casos do que em outros.
Isto é, os crimes cometidos localmente deveriam estar sujeitos a
multas inferiores àquelas relativas a crimes idênticos cometidos
fora da comunidade e contra "estrangeiros". Outras implicações
semelhantes podem ser estabelecidas. Via de regra, as penalidades e
as multas para crimes comparáveis poderão ser menores nas pe-
quenas localidades e maiores nos grandes centros. Além disso e de
modo muito importante, as sentenças para os crimes contra a pessoa
ou a propriedade em um mesmo grupo étnico ou religioso podem
ser mais brandas do que as sentenças para os crimes contra a pessoa
ou a propriedade de membros de um grupo étnico ou religioso
diferente daquele a que o criminoso pertence.
O Processo de Escolha Artificial

O problema mais grave na extensão do significado alocativo


básico do custo de oportunidade que influencia a escolha para as
decisões que devam ser feitas fora do processo de mercado tem sido
ignorado até aqui. A discussão precedente limitou-se a um exame
do significado do custo em um contexto fora de mercado e a
algumas das dificuldades encontradas nos cálculos estimativos. O
problema do processo de escolha em si não é levantado aqui, em-
bora tenha sido abordado sucintamente no Capítulo 4.
No exemplo do efetivo militar apresentado anteriormente,
supusemos, sem um escrutínio mais crítico, que, se os custos
pudessem ser estimados, as escolhas que deveriam finalmente ser
feitas se baseariam nessas estimativas. Isso tende a remover todo o
conteúdo comportamental do processo de escolha. Ademais, é
essencial que se esclareça a diferença entre os "custos verdadeiros"
e os "custos que influenciam a escolha fora de mercado". O ponto
básico a ser salientado é simples: os custos relevantes ao processo
decisório devem ser aqueles que se relacionam com as decisões
tomadas. A própria natureza da escolha fora de mercado garante
que os "custos" não podem ser os mesmos confrontados na escolha
de mercado.
O emprego de serviços de recursos sob qualquer forma
implica um custo aos possuidores dos recursos; esse custo se
consiste na própria avaliação que os possuidores de recursos fazem
das próprias opções sacrificadas, uma avaliação feita no momento
do compromisso. É esse o "verdadeiro" custo de oportunidade que
se incorpora ao processo de mercado e é esse custo, pelo menos nas
margens de ajuste, que se alinha aos preços do produto final. O
resultado é a eficiência alocativa. Contudo, nesta interação todas as
escolhas são feitas pelos que provocam a demanda e a oferta, sendo
cada um responsável pelos resultados de seu comportamento. O
possuidor de um recurso que decide colocar seus serviços à
disposição de uma utilização A em vez de B terá de conviver com
sua decisão. Na medida em que sua própria utilidade influencie o
seu comportamento, esse indivíduo agirá sob pressão para tomar a
"decisão" correta, uma vez que a sua utilidade será a magnitude
afetada em decorrência de uma decisão "incorreta." Se um
indivíduo que decide em uma situação de mercado deixa de se
beneficiar das oportunidades em potencial, que posteriormente se
revelarão como altamente desejáveis, ele sofre a sensação de perder
oportunidades. Essas experiências que "poderiam ter sido" serão
reconhecidas como seus próprios prejuízos.
Esta estrutura decisória não pode existir em situações fora do
contexto de mercado. Se os "verdadeiros custos" da utilização de
recursos pudessem ser mensurados (digamos por um observador
onisciente, capaz de ler todas as funções de preferência) juntamente
com os "verdadeiros benefícios", a eficiência alocativa no uso não
mercadizável dos recursos apenas poderia ser assegurada se o
indivíduo que decide agisse de acordo com critérios artificiais de
escolha. Isto é, a eficiência alocativa somente poderá surgir se o
indivíduo que decide efetivamente resolve agir, sem obedecer a um
padrão de comportamento, como um autômato seguindo regras.
Esta diferença é amplamente reconhecida e tão antiga quanto a
defesa aristotélica da propriedade privada. Porém, devo admitir que
ela não orienta de modo efetivo e crítico a essência da análise
econômica que apresento em virtude da ampla confusão reinante na
teoria elementar de custo. Apenas recentemente, através dos
esforços de estudiosos (como Alchian, Coase, Demsetz, McKean e
Tullock) que começam a desenvolver os rudimentos de uma teoria
econômica de propriedade, é que podemos encontrar um exame
mais detalhado da relação entre os resultados previstos e a estrutura
decisória através da qual as decisões são feitas.

O Cálculo e a Escolha Socialista

Os defensores da escola de Viena e seus pseudo-defensores


– Mises, Hayek e Robbins – que se envolveram na disputa pela
possibilidade de efetuar o cálculo socialista no grande debate dos
anos entre as grandes guerras, contribuíram para o desenvolvimento
da teoria de custo de oportunidade e reconheceram implicitamente a
distinção básica ora enfatizada. Porém, esse aspecto particular da
argumentação desses estudiosos ficou obscurecido por uma ênfase
relativamente excessiva às dificuldades de cálculo que os indiví-
duos socialistas encarregados de decidir enfrentariam. De fato,
essas dificuldades são extremamente importantes, além disso, os
problemas de informação com os quais se depara o planejamento
econômico centralizado são realmente gigantescos, como a
experiência nos tem demonstrado. Porém, de um modo relativo, a
crítica mais representativa da organização econômica socialista
aponta para as dificuldades do processo de escolha. Mesmo que o
Estado Socialista descobrisse um oráculo capaz de levar à perfeição
todos os cálculos, mesmo que reveladas todas as funções de
preferência e todas as funções de produção fossem estabelecidas
com precisão, a eficiência alocativa somente poderia surgir se os
indivíduos que efetivamente decidem fossem transformados em
eunucos da economia. Se esses homens pudessem ser motivados a
comportar-se, tomar decisões de acordo com critérios de custo
diferentes de seus próprios critérios, a sua estrutura decisória
poderia tornar-se exeqüível. Em outras palavras, mesmo que os
problemas de cálculo sejam inteiramente desprezados, o sistema
socialista somente poderá gerar eficiência em seus resultados se
seus indivíduos puderem ser treinados a tomar decisões que não
incorporem os custos de oportunidade com os quais eles se
deparam individual e pessoalmente.
É gritante o contraste entre as hipóteses comportamentais
implícitas feitas por aqueles que defendem os impostos corretivos e
subsídios pigouvianos para enfrentar as deseconomias e economias
externas e as hipóteses comportamentais implícitas feitas por
aqueles que argumentam que a organização socialista pode gerar
resultados eficientes. Como já pudemos observar no Capítulo 5,
para que as propostas políticas de Pigou possam atingir os seus
próprios objetivos declarados, os indivíduos que geram
externalidades devem comportar-se de modo a maximizar os seus
próprios e restritos interesses econômicos. Não se pode supor que
os efeitos do comportamento dessas pessoas sobre os níveis
previstos de utilidade dos demais influenciem seus comporta-
mentos. Em comparação, deve-se supor que o administrador ideal
da empresa socialista aja exclusivamente com base em critérios não
individualistas. Não se pode permitir que a sua própria utilidade
influencie as decisões que toma; ele deve fazer a escolha de acordo
com os custos e os benefícios previstos para toda a comunidade; a
sua própria posição na comunidade deve ser tratada como se fosse a
mesma de qualquer outro membro. Enquanto o homem pi-gouviano
deve ser rigorosamente o homo economicus no sentido mais
restrito, o burocrata socialista deve ser o homo não economicus no
sentido mais puro. Esses dois tipos de homens, que podem apenas
ser caricaturas das pessoas reais, têm sido citados como exemplo
em inúmeros debates sérios sobre políticas do mundo real.
O contraste entre as hipóteses de comportamento implícitas
nessas duas entidades relacionadas da literatura é notável por si só,
porém ainda mais notável em relação aos nossos objetivos é a fonte
comum da confusão. Em seus aspectos contrastantes, tanto as
políticas corretivas pigouvianas quanto a economia socialista
idealizada são produtos intelectuais da confusão sobre a teoria de
custo. Ambas têm suas raízes na economia clássica, com as suas
objetivações de custos. Os custos somente podem estar divorciados
da escolha se puderem ser objetivados; e somente estando
divorciado da escolha é que o contexto institucional-organizacional
no qual o indivíduo que faz a escolha habita não terá influência
sobre os custos. De acordo com o esquema socialista, os custos
derivam das relações físicas entre insumos e produtos. Essas
relações são mensuráveis externamente e podem fornecer os
fundamentos para as regras dos administradores de empresas. A
valoração apenas entra no cálculo se o público consumidor, através
de seu comportamento, estabelecer preços de demanda que se
tornam as realidades objetivas. A valoração subjetiva que deve
subsidiar cada escolha é negligenciada.
Os Custos na Escolha Burocrática

Os burocratas que decidem são seres humanos. Esse simples


fato começa agora a ser reconhecido nas teorias sobre burocracia 3.
O indivíduo que se depara com várias opções deve fazer uma
escolha, e o custo que inibe a decisão será a sua própria avaliação
das opções que devem ser sacrificadas. Pode-se estabelecer regras
para orientá-lo na adoção de critérios que reflitam as realidades
econômicas subjacentes. Em um mundo de total certeza, não existe
o problema da decisão. Um computador poderá fazer todas as
"escolhas", se é que elas podem existir nesse contexto. Uma das
principais confusões que conduzem à falsa objetivação dos custos
tem sido a ampliação da suposição de conhecimento perfeito da
teoria do equilíbrio competitivo para o campo da análise das
escolhas em situações de não equilíbrio, sejam elas feitas em um
processo de mercado ou não. A verdadeira escolha se apresenta
apenas em um mundo de incertezas e, naturalmente, todas as
escolhas econômicas devem ser feitas nesse contexto. Toda e
qualquer análise da escolha burocrática deve basear-se no
reconhecimento desse fato simples.
Imaginemos o modelo mais simples possível. Suponhamos
que um funcionário público deva decidir entre dois cursos de ação,
a e b . Esses cursos de ação podem representar qualquer coisa,
inclusive a produção de n ou de n + 1 unidades de produção.
Qualquer um dos eventos, x o u y , poderá acompanhar cada curso
de ação. Novamente, esses eventos podem assumir praticamente
qualquer forma, inclusive o estado da demanda do consumidor na
margem. Em seguida, suponhamos que o resultado total da
comunidade para cada um dos resultados possíveis seja estimado
com precisão e que sejam os indicados pelos valores das quatro
células da figura 3 4.

3
Vide Gordon Tullock, The Politics of Bureaucracy (Washington, D.C.: Public
Affairs Press, 1965).
4
Estas estimativas são necessariamente ex-ante: apenas um resultado poderá ser
realmente observado após a escolha.
_____________ X y
a 100 20
(6) (2)
b 50 60
FIGURA 3 (4) (5)

A escolha entre a e b na verdade dependerá das


probabilidades subjetivas atribuídas a x e y . Suponhamos que o
indivíduo que faz a escolha atribua uma probabilidade equivalente
a cada evento. Através da aritmética, torna-se evidente que o valor
esperado para toda a comunidade será maior em relação a a do que
a b. Contudo, alterando-se os coeficientes de probabilidade, de (0,5
e 0,5) para (0,4 e 0,6), o valor esperado para a comunidade toma-se
mais elevado em relação a b do que a a . Em caso de incerteza
verdadeira, o indivíduo que toma a decisão deve considerar essas
probabilidades subjetivas; não há um conjunto de coeficientes
determinado objetivamente. Ao reconhecermos esse fato, toma-se
evidente que não há meios de avaliar o desempenho do indivíduo
que faz a escolha, nem externamente, nem após a escolha. Cada um
desses dois indivíduos poderá escolher de modo diferente ao se
deparar com conjuntos idênticos de alternativas. Não existe uma
"escolha correta" e independente das probabilidades subjetivas
atribuídas. Em nosso exemplo, um dos indivíduos poderá rejeitar b
porque o seu custo excede aos retornos previstos; o outro poderá
rejeitar a pelo mesmo motivo. Não existe um meio que permita a
um observador externo ou auditor decidir após o fato qual dos dois
indivíduos ateve-se mais às "regras".
Essa dificuldade na avaliação da eficiência do processo
decisório fora do contexto de mercado sugere que o padrão
institucional de premiação e castigo possa ser modificado para que,
independentemente das escolhas que venham a ser realizadas, se
garanta que o indivíduo que escolhe receba algum incentivo pessoal
para se comportar de acordo com os critérios de maximização
"social". Essa medida substituirá a motivação ex-ante ao
comportamento do indivíduo no "interesse público" pelas tentativas
desorientadas e inúteis de julgar ou acompanhar os resultados após
o fato. A necessidade de algum tipo de coordenação entre a
estrutura de custo-benefício com que se depara o indivíduo que
decide e a "verdadeira" estrutura de custo-benefício de toda a
comunidade tem sido cada vez mais reconhecida tanto na teoria
quanto na prática.
Entretanto, esse dispositivo institucional está
necessariamente limitado e, por inúmeros motivos, não é capaz de
resolver totalmente o dilema da escolha econômica não
mercadizável. A escolha fora do contexto de mercado não pode, por
sua própria natureza, duplicar a escolha de mercado até e a menos
que o padrão de propriedade-responsabilidade da primeira seja
totalmente equivalente ao da segunda; uma realização que, na
verdade, poderia eliminar todas as diferenças institucionais entre as
duas.
Como exemplo inicial, suponhamos que uma estrutura
individual de custo-benefício seja introduzida do modo indicado
pelos termos entre parênteses da figura 3. Pelo menos em termos
ordinais, as compensações relativas para o indivíduo que toma a
decisão coincidem com as compensações da comunidade. Contudo,
se o indivíduo atribuir probabilidades subjetivas iguais a x e a z, o
seu próprio cálculo de custo-benefício o levará a selecionar b em
vez de a. Naturalmente, o conjunto de números foi elaborado
deliberadamente para que indicasse este resultado, porém deve ficar
claro que a equivalência ordinal entre a estrutura de compensação
do indivíduo que toma a decisão e a d e toda a comunidade não é
suficiente para assegurar maior consistência nas escolhas.
Sugere-se então a proporcionalidade. Se as compensações
pessoais ao indivíduo que decide, sejam elas negativas ou positivas,
forem rigorosamente proporcionais às de toda a comunidade, as
escolhas feitas segundo critérios de valor esperado gerarão a
coordenação exigida. Neste ponto, a importância da maximização
do valor esperado como regra para o comportamento de escolha do
indivíduo deve ser questionada. Já está amplamente comprovado o
fato que um indivíduo somente maximizará o valor presente se não
obtiver nenhuma utilidade ou desutilidade em correr riscos e se a
utilidade marginal da renda para ele for constante através de toda a
faixa de resultados relevantes. Se a utilidade marginal da renda
declina através dessa faixa e se o indivíduo que faz a escolha não se
mostra averso nem inclinado a correr riscos, ele tenderá a
demonstrar alguma preferência pela alternativa mais segura, um
pouco da diferença "não pecuniária" favorecerá a alternativa b na
ilustração numérica da figura 3. A questão que surge então é se essa
diferença não pecuniária com que se depara o indivíduo que toma a
decisão, e cujas compensações são proporcionais àquelas para toda
a comunidade, necessita ser ou não a mesma que "deveria" informar
a decisão tomada do ponto de vista da comunidade. Como Domar e
Musgrave salientaram em relação a outro ponto de vista 5, o
indivíduo cuja estrutura de compensação seja apenas uma quota
proporcional daquilo com que poderia se deparar em situação de
propriedade plena se inclinará a correr mais riscos. O motivo é
óbvio. Dado que a diferença não pecuniária somente aparece em
decorrência do declínio da utilidade marginal da renda, o fato de a
faixa de resultados ser menor em condições de compensações
parcialmente proporcionais do que em condições de responsa-
bilidade e propriedade plena garante alguma redução nessa
diferença.
Um elemento adicional e importante inclina-se a trabalhar
em sentido contrário. Em uma dada estrutura de compensações
individuais apenas proporcionais em relação às compensações de
toda a comunidade, as diferenças absolutas entre o valor previsto
das alternativas são menores para o indivíduo que toma a decisão do
que para a comunidade; e as diferenças nos custos de oportunidade
das duas alternativas separadas são menores. Considerando-se o

5
E.D. Domar e R.M. Musgrave, Proportional Income Taxation and Risk-Taking,
Quarterly Journal of Economics, LVIII (maio de 1944), págs. 388-422, reeditado
pela American Economic Association, Readings in the Economics of Taxation
(Homewood, III.: Richard D. Irwin, 1959), págs. 493-524.
raciocínio acima, parece evidente que o comportamento tenderá a
responder menos em relação às mudanças nas condições
subjacentes da escolha burocrática do que as mudanças nas
condições de escolha de mercado. O indivíduo que decide nessas
condições não é capaz de perceber as mudanças dos sinais com a
mesma sensibilidade que teria no primeiro caso. Se também re-
conhecermos e considerarmos a resposta do comportamento como
sensível a limiares, via de regra, essa diferença em comportamento
será ainda mais pronunciada 6.
Esses elementos separados ressaltam o fato de que a
proporcionalidade entre a matriz de custo-benefício do indivíduo
que toma a decisão e a da comunidade não garante uma
aproximação entre os resultados de escolha obtidos em situações de
mercado e os obtidos em regimes de escolha burocrática. O custo
com que se deparam os agentes que escolhem deve permanecer ine-
rentemente distinto nas duas estruturas decisórias, e são essas duas
estruturas que constituem o obstáculo fundamental ao alcance da
eficiência em situações de escolha fora do contexto de mercado.

6
Devletoglou argumentou persuasivamente que todo comportamento humano deve
ser analisado em termos de um modelo sensível a limiares. Vide Nicos Devletoglou
e P.A. Demetriou, Choice and Threshold: A Further Experiment in Spatial Duopoly,
Economica, XXXIV (novembro de 1967) págs. 351-71.

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