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MUNHOZ, Sidnei.

Fragmentos de um possível diálogo com Edward Palmer Thompson e com


alguns de seus críticos. Revista de Historia Regional. Departamento de História – UEPG, vol. 2,
nº 2, inverno 1997. p. 153-185.

THOMPSON, Edward Palmer. Patrícios e Plebeus. In: ______. Costumes em Comum: estudos
sobre a cultura popular tradicional. Tradução Rosaura Eichemberg. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998. p. 25-85.

Tem-se dois textos que trabalham a perspectiva de Edward Palmer Thompson, historiador
inglês da conhecida New Left. As separações, para fins de racionalidade da leitura, podem feitas em
dois conjuntos: a primeira, relacionada ao texto de Sidnei Munhoz, traz uma perspectiva tanto
relacionada à vida politicamente ativa de Thompson, levantando também alguns debates no interior
da esquerda inglesa, quanto faz algumas pontuações contextuais sobre os momentos em que o
historiador escreve e publica suas obras, pensando na noção histórica de “produto de seu tempo e
espaço”; a segunda, já um texto direto de Thompson, posteriormente inserido na obra “Costumes
em Comum”, que tem o objetivo de demonstrar algumas das questões empíricas, teóricas e
metodológicas utilizadas na construção da narrativa histórica (da obra), na qual os apontamentos
diretos podem ser melhor feitos e definidos.
Sobre o autor (e atentando-se ao primeiro texto): nascido em 1924 na Inglaterra, teve
infância e juventude influenciada em boa parte pela convivência com seus familiares,
principalmente o irmão, Frank Thomspon, assassinado por fascistas búlgaros, e a mãe, Theodosia,
escritora/poeta (não são feitas menções diretas a seu pai). Essa convivência teve grande importância
em definir boa parte de seu início de ativismo, tanto na reconstrução da Bulgária e Iugoslávia,
trabalhando nas estradas de ferro ou na participação direta nas batalhas da Segunda Guerra
Mundial, quanto na definição, inicialmente, de uma carreira pautada nas Letras, sendo professor de
escola noturna (que era dedicada a trabalhadores). Foi a partir de 1955, com a publicação de seu
trabalho sobre William Morris, que passou a flertar com a ocupação de historiador. Fundou algumas
revistas, sendo a mais famosa a New Left Review em 1959. Conhecido por aportar trabalhos e
conceitos que buscavam flexibilizar a noção ortodoxa vigente do marxismo a ele contemporâneo,
era conhecido como marxista humanista. Foi com essa característica (e talvez por conhecer mais de
perto algumas questões voltadas à realidade da classe trabalhadora que os apertados círculos
acadêmicos) que passou a considerar o conceito de classe mais que uma característica analítica per
se, mas sim como uma ação (humana) de “fazer-se”, o que é destaque na sua publicação de 1963,
“The Making of the English Working Class”, na qual ele introduz a sua noção de “experiência”. É
por este contexto, próximo aos anos 1957-1963, que algumas desavenças com outros pensadores da
esquerda passam a se formar, em especial com Nairn e Anderson, tornando-se profundas ao
decorrer dos tempos, como as demonstradas nas respostas que Thompson e Anderson dão à crise da
sociedade britânica em 1964 (pautadas na perspectiva histórica de análise, deste por meio
“estrutural” e aquele, da “ação humana como agente transformador” p. 160). Teve como período de
estudos históricos o século XVIII, principalmente, apesar de alguns momentos de pausa na década
de 1980 quando de seu envolvimento com o movimento antiarmamentista europeu. Publica
Costumes em Comum, obra que vai trazer revisões sobre seus artigos que discutem o século XVIII,
alguns apontamentos sobre as críticas e outros novos artigos e que traz, por exemplo, o capítulo
Patrícios e Plebeus, segundo texto de hoje. Thomspon morre em 28 de Agosto de 1993.
Sobre o texto de Thompson, Patrícios e Plebeus, Munhoz aponta que foi escrito no ano de
1974 e “discute as relações paternalistas entre a gentry e as plebes, no decorrer do século XVIII” (p.
161). Essas relações perpassam uma contracenação entre os dois grupos sociais, na qual a existência
de uma hegemonia cultural e um certo tipo de dominação era sempre balanceada com ações de
resistência por parte dos trabalhadores, que forçavam certas concessões e obrigações por parte da
gentry. Toda essa dinâmica de toma lá dá cá, foi fundamental para a constituição histórica, como
processo, de uma delimitação dos conflitos, numa existência harmoniosa (não pacífica). O título é
uma questão que sempre me chamou a atenção pelo fato de, pensando em termos ou noções
históricos, levantar títulos da Roma Antiga. Não sei até que ponto essa questão realmente se funda
em uma analogia ou se é apenas um jogo de palavras (que certamente Thompson costuma praticar,
vide exemplo do “The Making”) para demonstrar construções sociais de grupos, ou algo que esteja
além das minhas possíveis relações (Gentry, como conceito, é discutido no capítulo em questão,
mas não vejo o mesmo de Patrícios, ou esta estaria se referindo a patriarcado? O mesmo para
Plebeus. Enfim, dúvidas).
Na leitura direta de Thompson, portanto, já pode-se perceber os objetivos do capítulo (logo
na primeira frase, na verdade): a relação entre a gentry e os trabalhadores pobres. Partindo dessa
problemática, o autor vai esmiuçar suas questões. A primeira, sobre os termos que acaba de buscar
relações. E logo depois, em um movimento parecido, sobre o uso do termo “patriarcal” ou
“paternalismo”. Assim, vai buscar estabelecer uma leitura ordenada sobre as definições desses
conceitos e a realidade que envolvia a Inglaterra do século XVIII, na qual Thomspon chega a
concluir que “longe de uma sociedade patriarcal segura de si, o que o século XVIII presencia é o
velho paternalismo prestes a entrar em crise”, mesmo que sendo mais uma “inconveniência” que
uma “ameaça” (p. 45). É neste sentido que põe em evidência uma questão metodológica clara de
verificação (ou prova real) da história: se se sustentam sobre as fontes e as práticas nelas
demonstradas ou não.
Portanto, estabelece algumas questões bem claras: primeiro sobre o que se configura como
gentry e pobres, bem como dentre todos os grupos sociais que envolviam, ou a observar o
patriarcalismo no período estudado. Nesse sentido possa ser percebido, por exemplo, em como
alguns conceitos acabavam por, na visão de Thompson, serem forçosamente estruturalistas (como
do patriarcado), pois não concebiam questões voltadas à ação humana, as relações sociais em si, ou
que traduziam a hegemonia em sentido literal, totalitário (polêmico sim), na qual a sociedade
poderia ser dividida entre aqueles que agiam (ativos) e os que meramente obedeciam (passivos), de
forma dicotômica. Os processos de resistência que explora para considerar o freio ao laissez-faire
ou a “velha política”, da desmantelação da sociedade antiga ao surgimento da nova, pautados nas
ações dos pobres e no paradoxo da “revolta conservadora” (acho que “revolução” não seria bem
utilizado aqui) são exemplos notáveis de como a realidade não se encaixa em moldes analíticos
(talvez um dos objetivos, a demonstrar, do autor).
Assim, o mote do estudo proposto é desenvolver uma base empírica para se desvendar as
relações sociais que permeavam os patrícios e os plebeus (o que deixa de levar em conta os médios,
como o autor mesmo afirma). Essa base demonstra um modus operandi pautado na hegemonia
cultural, em que se tem funções paternalistas e teatrais dinâmicas com rebeliões, insubordinações e
resistências que se retroalimentam e compõem o tecido social do século XVIII inglês. Tal tecido,
todavia, apesar de pautado em uma constituição cultural, não é, por tal afirmativa, imaterial, já que
se ressalta às diversas demonstrações das formas de relacionamento entre os grupos sociais
indicativos, isto é, não que as condições econômicas de classe são nulas (apesar de ainda não se ter
uma consciência, estrutura ou organização), mas que são configuradas e estão relacionadas às
formas culturais de produção/reprodução. Um contexto de transição entre modos de economia,
política, sociedade e cultura diversos que acaba por não ser capaz de se alinhar a paradigmas
científicos de explicação, mas sim que expressa suas próprias dinâmicas (seja em “paternalismos”,
na fé, na hegemonia, na resistência, na fração do topo ou na intacta estrutura de dominação, nas
formas de ofício ou organização dos trabalhadores, etc.).
Talvez um trecho do capítulo seja exemplar: “O que tenho tentado mostrar, talvez
repetidamente, é que cada elemento dessa sociedade, considerado em separado, pode ter
precedentes e sucessores, mas que, considerados em conjunto, formam uma soma que é maior que a
soma de suas partes: é um conjunto estruturado de relações, em que o Estado, a lei, a ideologia
libertária, as ebulições e as ações diretas da multidão, todos desempenham papéis intrínsecos a esse
sistema, e dentro de limites designados por esse sistema, que são, ao mesmo tempo, os limites do
que é politicamente ‘possível’ e, num grau extraordinário, os limites do que é também intelectual e
culturalmente ‘possível’” (p. 77) e acabam por serem estruturados em formas próprias que
envolvem a hegemonia cultural, que não é unicamente impositiva, mas perpassa dinâmicas das
relações sociais entre gentry e plebe.

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