Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CONSELHO EDITORIAL
Profa. Dra. Solange Martins Oliveira Magalhães (UFG)
Profa. Dra. Rosane Castilho (UEG)
Profa. Dra. Helenides Mendonça (PUC Goiás)
Prof. Dr. Henryk Siewierski (UnB)
Prof. Dr. João Batista Cardoso (UFG Catalão)
Prof. Dr. Luiz Carlos Santana (UNESP)
Profa. Me. Margareth Leber Macedo (UFT)
Profa. Dra. Marilza Vanessa Rosa Suanno (UFG)
Prof. Dr. Nivaldo dos Santos (PUC Goiás)
Profa. Dra. Leila Bijos (UnB)
Prof. Dr. Ricardo Antunes de Sá (UFPR)
Profa. Dra. Telma do Nascimento Durães (UFG)
Profa. Dra. Terezinha Camargo Magalhães (UNEB)
Profa. Dra. Christiane de Holanda Camilo (UNITINS/UFG)
Profa. Dra. Elisangela Aparecida Pereira de Melo (UFT)
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio
IDEOLOGIA E PODER:
uma análise do discurso dos jornais O Rio Branco e
Varadouro durante a Ditadura Civil-Militar (1977-1981)
1ª edição
Goiânia - Goiás
Editora Espaço Acadêmico
- 2020 -
Copyright © 2020 by Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio
Contatos:
Prof. Gil Barreto - (62) 98345-2156 / (62) 3946-1080
Larissa Pereira - (62) 98230-1212
Bibliografia
ISBN: 978-65-00-01173-9
CDU 070:321.6(811.2)
DIREITOS RESERVADOS
É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou
por qualquer meio, sem a autorização prévia e por escrito dos autores.
A violação dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido
pelo artigo 184 do Código Penal.
APRESENTAÇÃO................................................................................ 14
REFERÊNCIAS.................................................................................. 110
♦♦ Entidades...........................................................................................................113
“(...) o sentido de uma obra (ou dum texto) não pode fazer-se sozi-
nho; o autor nunca produz mais do que presunções de sentido (...).
Todos os textos dados aqui são como elos de uma cadeia de senti-
do, mas essa cadeia é flutuante”.
Roland Barthes
I
deologia e Poder é uma obra que nasceu de um anseio de com-
preender fragmentos de uma memória traumática vivenciada no
Brasil do período da Ditadura Civil-Militar. Se hoje esse momen-
to histórico ainda apresenta inúmeras lacunas em termos nacionais, mes-
mo já havendo se passado mais de meio século, em se tratando do Esta-
do do Acre esse hiato se torna ainda maior, dados os esparsos trabalhos
sobre o tema.
Durante quase uma década de estudos sobre essa temática, por in-
contáveis vezes ouvi de diversas pessoas, surpresas com os resultados da
pesquisa que então empreendia, questionamentos como: “Houve Ditadu-
ra no Acre? Mas isso não foi só lá nos outros estados do Brasil?”. Essas
indagações recorrentes foram a força motriz para que esta segunda edição
de “Ideologia e Poder” se concretizasse.
Ao observar os inúmeros estudos sobre a imprensa acreana que não
apenas citam esta obra mas também que deram continuidade aos questio-
namentos que ela levanta decidimos reeditá-la. Ao mesmo tempo, inten-
tamos contribuir com o debate sobre as questões em torno das relações
entre mídia e poder, além de abrir o espaço para novos questionamentos
que esta obra, pela própria natureza de sua proposta, não teve como in-
tenção abarcar.
I
deologia e Poder: uma análise do discurso dos jornais O Rio
Branco e Varadouro durante a Ditadura Civil-Militar (1977-
1981) é uma das mais belas e mais bem escritas obras sobre a
imprensa acreana. Uma mistura de literatura e jornalismo, incidindo na
linha tênue entre ambos, onde o saber das ideias e formulações é tempe-
rado pelos estudos culturais, buscando analisar “os discursos e suas con-
dições de produção”.
Tive o privilégio de ser convidado pela autora para escrever estas
modestas linhas, contudo, fica-nos a dúvida sobre quem é maior, a obra
para a literatura, os estudos da linguagem e para o jornalismo de forma
geral, por abordar temas tão complexos quanto apaixonantes com a ri-
queza de informações consistentes e a profundidade necessárias para uma
obra expressiva, valorosa e sem pedantismo, ou a autora, pelos trabalhos
que tem desenvolvido na sociedade riobranquense e a contribuição atuan-
te nas relações entre pesquisa, ensino e sociedade.
Maria Iracilda já escreveu obras como O Imaginário Social: estu-
dos dos editoriais nos jornais de Rio Branco – século XX; Habitantes e
Habitat; Sonhos em BVA - Volume I e II; e este, Ideologia e Poder. Sua
atuação é interessante porque enquanto prefacio este trabalho, que é fru-
to de sua Pós-Graduação em Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na
Amazônia/Ufac, no qual obteve nota máxima com distinção e louvor, te-
nho a grata surpresa de saber que a continuação dele, intitulada O Discur-
so nas Redes do Poder, já se encontra em sua segunda edição.
Lendo o título deste trabalho somos tentados a teorizar sobre o que
é ideologia e o que é poder, permeados por pensamentos logitudinais,
impelidos a nos lembrar de Homi Bhabha, Mircea Elíade, Stuart Hall,
A
imprensa constitui valioso material de pesquisa, pois parti-
cipa, produz e veicula representações da realidade, acompa-
nhando o percurso dos homens através da história. Por isso
mesmo, ela é alvo dos interesses dos grupos de poder, que a adulam, vi-
giam e/ou controlam. Por seu poder de irradiação, a imprensa, durante a
Ditadura Civil-Militar, sofreu várias investidas dos líderes militares, tanto
para endossar seu projeto de homogeneização de ideias, quanto para si-
lenciar as vozes dissonantes que resistiam ao processo de cerceamento de
liberdades imposto pelo regime.
Mais de 50 anos se passaram desde que surgiu no cenário nacio-
nal o regime ditatorial, entretanto, a análise das relações entre impren-
sa e poder neste período ainda constitui uma lacuna nos estudos sobre
a sociedade acreana. Buscamos, com este estudo, trazer à discussão os
acontecimentos que marcaram o contexto da Ditadura em âmbito na-
cional e acreano, contribuindo para o aprofundamento dos estudos re-
ferentes às interfaces do regime militar instaurado no Acre. Muitos es-
tudos já foram realizados enfocando o contexto sócio-político das dé-
cadas de 1970 e 1980 no Estado, entretanto, o viés da imprensa e de sua
participação nessas transformações sociais foi tema de raros e esparsos
trabalhos.
A partir de uma pesquisa realizada nas bibliotecas públicas exis-
tentes na capital acreana, encontramos apenas uma obra específica refe-
rente ao período da Ditadura Civil-Militar e sua relação com a imprensa
acreana, a qual se intitula Comunicação Alternativa e Movimentos So-
ciais na Amazônia Ocidental, escrita pelo Prof. Dr. Pedro Vicente Costa
Sobrinho. Neste livro, Costa Sobrinho (2001) resgata e analisa a contri-
cer nem funcionar sem uma produção, uma acumulação, uma circulação
e um funcionamento do discurso.
O contraste entre os editoriais dos dois periódicos leva-nos a perce-
ber que o discurso é artefato de manipulação e resistência. Por mais que
no jornal O Rio Branco imperasse a linha editorial vinculada à ideologia
dominante, alguns jornalistas não compactuavam com os cerceamentos
impostos pelo regime militar. Ao se observar as páginas amarelecidas pe-
lo tempo é possível entrever as rupturas, os movimentos de resistência e
o modo singular com que vários jornalistas driblaram a censura, como,
por exemplo, no caso da divulgação de notas sobre torturas nas delega-
cias acreanas e da violência que imperava nos conflitos de terras ocorri-
dos com a implantação da pecuária na década de 1970.
Nossa intenção, neste livro foi aliar os estudos da linguagem aos
estudos da história, por isso dialogamos com as ideias de Michel Fou-
cault sobre o discurso enquanto espaço atravessado pelas relações de po-
der. Para Foucault, o discurso não se resume àquilo que traduz as lutas ou
sistemas de dominação, mas é aquilo pelo qual o sujeito luta, o poder do
qual queremos nos apoderar.
A contribuição do pensamento de Foucault se faz, principalmente,
pela relação que estabelece entre saber e poder, ao afirmar que a concep-
ção de discurso transcende o sentido “literal” dos enunciados, buscando
numa relação com a exterioridade perceber o não dito, as condições de
produção, o funcionamento e o porquê de o que foi dito ter sido expresso
de uma e não de outra forma.
Escolher partir do editorial jornalístico é lidar com o que há de
mais refinado no discurso dos jornais. Não que as demais categorias jor-
nalísticas sejam menos importantes, mas o editorial é maquinalmente ar-
quitetado, por estar a cargo de expressar a posição oficial dos grupos de
interesses que comandam o jornal. Um editorial mal estruturado discur-
sivamente poderia comprometer gravemente a própria permanência do
jornal nas bancas. A partir da pretensão de representar fielmente a vida
social, essa modalidade textual permite uma apreciação específica dos
acontecimentos, auxiliando na produção da realidade dentro do jornal
através da criação de sentidos e interpretações para os acontecimentos
da vida social.
OS DISCURSOS E OS EDITORIAIS
A
mídia apresenta-se como uma das principais agências sim-
bólicas, fazendo circular imagens da sociedade e de legiti-
mação das posições políticas, produzindo sentidos por meio
de um constante retorno de representações que compõem o imaginário
social. A legitimação desse discurso, portanto, vai buscar sua origem no
passado coletivo, que se organiza em uma tradição.
Durante o período em que vigorou o regime militar no Brasil, os
meios de comunicação estiveram sob permanente vigilância dos órgãos
de censura, através dos quais os militares impunham o silenciamento pela
proibição de vozes discordantes. Um discurso monolítico, que os autoin-
titulava salvadores da pátria, era um dos meios mais eficazes para silen-
ciar as vozes discordantes, expressando o medo da voz do Outro.
A noção de Outro é aqui entendida como o “estrangeiro”, o “que
vem de fora”, a representação de tudo que há de diferente, portanto, aqui-
lo que deve ser temido, por não ser compreendido. No caso da Ditadu-
ra Civil-Militar, o Outro é o “sujeito subversivo”, todos aqueles que se
opõem ao regime. Assim, diante da ameaça das vozes dissonantes, a vio-
lência, imposta de forma simbólica ou através das armas, a tortura e a
censura foram ações arquitetadas pelos líderes do regime militar para si-
lenciar os que discordavam da palavra única ou das ações cometidas em
seu nome.
Cada sociedade tem seus próprios “procedimentos gerais da verda-
de”. Os vários discursos que circulam na sociedade, sejam eles de ordem
política, religiosa, econômica, médica, não podem ser dissociados dessa
prática que determina para os sujeitos que falam tanto propriedades sin-
gulares quanto papéis preestabelecidos. Os discursos midiáticos, assim,
ganham legitimidade quando proferidos por pessoas que detêm o saber/
poder em uma sociedade, ficando, na maioria das vezes, silenciadas as
vozes dos oprimidos.
Embora silenciada, não significa que a voz dessas pessoas excluí-
das da ordem do discurso não exista. Não se deve ignorar que a existên-
cia do poder não aniquila a possibilidade de resistência. O próprio apa-
gamento desse discurso marginal denuncia os procedimentos de controle
dos detentores do poder.
Mesmo sendo maioria, os pobres são banidos do espaço de dis-
cussão dos jornais. As raras vezes em que os jornais faziam menção des-
tes era para tachá-los de bárbaros, subversivos, baderneiros, geralmente
em notícias de “motins”, como nas greves de professores, de “invasões”,
conflitos de terras na zona rural e nos bairros que então se formavam, ou
ainda nas matérias sensacionalistas de crimes bizarros, publicadas em pri-
meira página dos jornais de maior circulação na capital acreana.
Diante deste conturbado contexto, convém perguntar: Por que es-
sas tensões sociais não estão explícitas nos jornais? Quais os reais objeti-
vos dos grupos que comandavam a mídia escrita local ao promover essa
homogeneização de discursos? Evidentemente para se manter no poder.
Era de interesse dos donos do poder manter a “ordem” na estrutura social,
continuar manipulando as camadas mais baixas da população através da
produção de “ideias” que legitimassem sua dominação. Assim, através da
preservação de certos valores culturais, as elites dominantes procuravam
manter coesos grupos de interesses diversos.
Ao levantar esses questionamentos, entretanto, não estamos ape-
lando a uma visão fatalista e reducionista, o que estamos afirmando é que
as ideias dos grupos detentores do poder são as que têm se demonstrado
em maior evidência através da história, justamente porque são essas elites
que detêm a concessão dos meios de comunicação de abrangência exten-
siva a um maior número de pessoas em termos de doutrinação.
É certo que existem ideias múltiplas e diversas a esta dominação,
mas, muitas vezes, acabam sendo sufocadas pela crueldade do discurso
midiático homogeneizador. Mas, ao contrário do que se pensa, a resistên-
cia existe, embora não circule pelos espaços protagonizados pela grande
elite. Se o discurso dos grupos dominantes predominou na imprensa escri-
ta acreana, os próprios silenciamentos existentes nesses jornais apontam
para os procedimentos de exclusão dos pobres da “ordem do discurso”.
Por mais que o discurso dos jornais atrelados ao poder oficial apre-
sentasse as populações excluídas socialmente como “invasoras” das “pro-
priedades alheias”, “baderneiros” e “responsáveis” pela marginalidade
que aumentava na capital acreana, as vozes desses sujeitos “resistiram”
ao processo de apagamento que vigorou durante a Ditadura Civil-Militar
e chegaram até nós, encontrando uma outra forma de vir à tona que não as
estruturas de poder que tentaram silenciá-las, sendo possível percebê-las
nas entrelinhas do que foi dito e escrito a respeito desses sujeitos sociais.
Para Foucault, existem três noções imprescindíveis para se com-
preender o discurso e suas manifestações no corpo social: a verdade, o
saber e o poder. Esses três conceitos estão indissociavelmente interliga-
dos, através de práticas contextualmente específicas. Foucault (1996) tra-
balha de forma inovadora as definições de poder e saber, ao afirmar que
o poder não é algo que se possui ou detém, mas sim, algo que se exerce.
Nesse sentido, o poder não precisa, necessariamente, se apresentar como
repressivo, pois se assim o fosse estaria constantemente ameaçado. É pre-
ciso que esse poder se efetive de maneira simbólica, através da produção
de imagens e sua disseminação como verdade nas várias esferas sociais.
Segundo Foucault, nenhum poder é absoluto, tampouco existe um
poder indestrutível, que determina a dominação de um grupo sobre outras
pessoas; o poder deve ser concebido como uma estratégia, cujos efeitos
de dominação não devem ser atribuídos a uma apropriação, mas a um ela-
borado jogo de manobras, táticas, técnicas e funcionamentos. Logo, onde
há poder há também resistência. É preciso considerar que todas as estru-
turas de poder são marcadas também por fissuras. Nesse sentido, o poder
se estende por todas as camadas sociais, embrenhando-se pelos interstí-
cios mais profundos das relações em sociedade.
Nesse sentido, o saber está intimamente relacionado com o poder,
pois saber gera poder e o poder gera mecanismos de saber para constituí-
-lo, legitimá-lo e garantir sua manutenção. Nessa perspectiva, tudo está
envolto em relações de saber/poder que se sobrepõem num jogo dialógi-
corpo de escritores dos jornais era composto, em sua maioria, por pessoas
que exerciam funções junto ao aparelho estatal, além de representantes de
partidos políticos, seringalistas e altos comerciantes da região.
Um outro aspecto a ser analisado neste período inicial da impren-
sa riobranquense é a grandiloquente estrutura de marketing, destinada a
promover o distanciamento do sujeito de sua origem e condição histórica,
uma vez que os imigrantes, em sua maioria, nordestinos e sírio-libaneses,
eram personagens que aqui chegavam trazendo consigo uma experiência
própria de seu lugar de origem. Os grupos dominantes, utilizando-se des-
te recurso, tinham como objetivo unificar o imaginário social, fazendo
com que grupos heterogêneos compartilhassem os mesmos ideais. Assim,
a produção jornalística do início do século XX buscava, através da mitifi-
cação dos heróis e da região, fixar a força de trabalho no território, defen-
dendo os interesses do capital monopolista internacional, da exportação e
apropriação de matérias-primas.
Durante as primeiras décadas do século XX, a produção jornalís-
tica local optou por uma linguagem rica em opiniões e juízos de valor,
apresentando forte caráter doutrinário através da exaltação dos fatos e
personagens da história regional e local. Tal fato justifica-se pelos inte-
resses determinados por meio das condições de formação da sociedade
local.
As manchetes dos jornais dessa época versavam prioritariamente
sobre a mitificação da região e de seus heróis, propaganda dos coronéis
da borracha, partidos políticos ou associações às quais os jornais estavam
subordinados, além da defesa da autonomia do Território. As principais
notícias arranjadas na capa do jornal, eram geralmente, de cunho político;
informativos diversos; anúncios de utilidade pública; notas de aniversá-
rio, num esboço do que viria a se tornar a coluna social; eventos culturais,
textos literários; etc. Algumas matérias eram extensas, necessitando de
continuação nas páginas internas do jornal, pois o que importava não era
apenas noticiar o fato, mas também as reflexões desenvolvidas pelo reda-
tor. O acontecimento era contado com riqueza de detalhes, principiando
com introduções complexas, para se chegar ao entendimento da impor-
tância dos fatos.
A
Ditadura Civil-Militar representou uma grande mudança
nas relações entre mídia e poder político. O discurso da im-
prensa e a propaganda foram instrumentos utilizados pelos
líderes militares para promover suas ideias de “defesa dos interesses da
nação”. Após a deposição de João Goulart, os novos donos do poder pas-
saram a articular suas ações no sentido de estruturar um elaborado pro-
grama ideológico que assegurasse a legitimação de seu domínio.
Diante da necessidade de afirmação de seu poderio, os militares
precisavam contar com algo além da força, eles elegeram como sua arma
mais poderosa o discurso. De acordo com Freda Indursky, é justamente
por apoiar-se em uma pretensa “naturalidade” e “familiaridade” que uma
ditadura se sustenta. É essa normalidade que representa a maior violência
dos regimes ditatoriais, a violência “simbólica, representada em seu efei-
to de senso comum, de discurso social estável, e fato de opinião pública,
de não alteração da vida comum”.
Os líderes militares necessitavam dialogar com as elites e as cama-
das médias da sociedade para reforçar estratégias de convencimento que
validassem suas ações. Assim, foi necessário “conhecer” os valores tidos
por válidos para esses grupos sociais para, então, criar estratégias de per-
Segundo Elder Andrade de Paula, a luta pela terra era uma cons-
tante e os governos procuravam usar de todos os meios para expulsar as
populações que nela habitavam.
A
década de 1970 trouxe grandes mudanças nas atividades
econômicas do Acre, que se refletiram de forma latente na
organização social do Estado. Com o apoio do então gover-
nador Wanderley Dantas, os planos dos governos militares de transformar
o Acre de um grande seringal em uma vasta fazenda agropecuária come-
çavam a se firmar.
Mesmo antes da chegada dos grupos econômicos do Centro-Sul do
país, as terras acreanas já se encontravam concentradas nas mãos de pou-
cos, devido à decadência dos seringais nativos. Com a venda, ou, muitas
vezes, grilagem dos antigos seringais, na década de 1970, quase totalida-
de das famílias que viviam no campo não detinham legalmente a posse da
terra. Em menos de uma década, o Acre tornou-se alvo da especulação de
terras. Nos principais hotéis da capital acreana era intenso o trânsito de
verdadeiros profissionais da agiotagem, especialistas em repassar terras
adquiridas de terceiros.
Apesar do grandioso “boom” especulativo ocorrido na primeira
metade da década de 1970, através do qual as terras do Acre passaram a
atrair os investidores do Centro-Sul do país, as notícias dos conflitos de
terra nos jornais acreanos eram extremamente escassas. Não era interes-
lutar por melhores condições de vida e contra o regime militar, como per-
cebemos pelos dizeres do cartaz da foto a seguir (“Abaixo a LSN” – Lei
de Segurança Nacional):
cado Municipal, “uma sede perdida entre barracas de banana, laranja, ba-
tatas e ovos” (Estivadores: um suor que não rende. Varadouro. Rio Bran-
co - AC, jul. 1977, Ano I, n. 2, p. 13). A reivindicação de um terreno para
a construção da sede do Sindicato dos Estivadores de Rio Branco foi vei-
culada no jornal O Rio Branco dois anos depois, tendo em vista o perigo
de a mesma desabar com a queda dos barrancos do rio Acre.
Capa de
Varadouro
(Ano I, n. 08,
mar./1978)
destacando
a temática
de defesa da
Amazônia.
Fonte: Museu da
Borracha.
Capa do jornal
Varadouro
(maio/1978,
Ano I, n. 9)
enfatizando
a temática
indígena.
Fonte: Museu da
Borracha.
riu da ‘rua’ e trabaio pros ‘paulista’ porque quéri é tirar saldo pra
comprá panela, muda de roupa, prá mulher e pros filhos, perfume,
uma eletrola, um rádio...
Prá botá coisas de valor dentro da casa é preciso trabaiá em ser-
viço de empeleitada. Trabaio mas é pros ‘paulista’ da Cinco Es-
trela. (Agropecuária Cinco Estrelas S.A. da Viação Aérea Cruzei-
ro do Sul). (Caxinauás ou “farofas-frias”. Varadouro. Ano I, n. 4,
set. 1977, p. 15).
Hoje em dia, faz de conta que nóis não temos nada. Eu queria
que fosse lá ao menos um empregado da Funai. Está cercando
tudo onde nóis mora, fazendo campo, botando roçado, onde nóis
mora. Nóis estamo ficando sem terra prá fazê nada. (Índios vi-
vem acoxados. Varadouro. Rio Branco - AC, set./1978, Ano II,
n. 12, p. 17).
ção dos índios é ainda mais complexa, devido às grandes diferenças que
as compõem”, sendo essencial perceber que tanto brancos quanto indíge-
nas têm o mesmo direito a “algo melhor do que uma política de acultura-
ção forçada e de extinção cultural planejada”.
O desejo de “integrar o índio ao processo de desenvolvimento bra-
sileiro” defendido pelo Ministro do Interior no editorial em questão de-
monstra-se, também, na afirmação de que o ensino bilíngue para os indí-
genas era perda de tempo e dinheiro, devendo ser ensinado a eles apenas a
língua portuguesa. A intenção do governo federal de “aculturar” os povos
originários do Brasil pela imposição da língua revela-se uma eficaz for-
ma de dominação pelo saber produzido pelo branco. Com o aprendizado
da escrita, expande-se o nível de distanciamento tempo-espaço, criando-
-se uma perspectiva de passado, presente e futuro na qual a apropriação
reflexiva do conhecimento pode ser desmembrada da tradição designada
(GIDDENS, 1991, p. 44). A aprendizagem da escrita, nesse sentido, re-
presenta mais que a passagem de uma tradição ágrafa para uma cultura
dita “moderna”, representa, antes de qualquer coisa, uma violência sim-
bólica, em que se tenta vender a “necessidade” de os indígenas participa-
rem do processo de “civilização” e domesticação imposto pelos brancos.
O editorial intitulado “O índio no debate atual” apresenta uma di-
versidade de vozes, finalizando com votos de um trabalho “auspicioso” à
equipe administrativa da FUNAI, que acabara de se instalar no Acre. Não
tardaria, entretanto, para ficar patente que os votos da imprensa local não
teriam um fácil cumprimento, tendo em vista que o jogo de interesse em
torno das terras ocupadas pelos povos indígenas no Acre suscitaria ainda
muitas disputas e contradições.
Em editorial acerca de conflitos entre posseiros e indígenas da et-
nia Apurinã, na área do Km-45 da BR-317, em Boca do Acre, o jornal
O Rio Branco transcreve o teor de uma nota redigida por representantes
do Comitê de Diálogo entre Índios e Colonos do Acre - CDIC. Esse Co-
mitê surgiu como resultado de um amplo debate durante a “Semana do
Índio de 1980”, sobre a questão das lutas entre indígenas e colonos e en-
tre indígenas e seringueiros. Faziam parte do Comitê: indígenas da et-
nia Apurinã, representantes do Sindicato Rural de Rio Branco, Comissão
Pró-Índio do Acre, Comissão Pastoral da Terra, Movimento de Defesa do
rar apenas como números de uma estatística que a cada dia crescia mais.
À medida, porém, que os grupos políticos, econômicos e sociais que de-
tinham o poder passaram a perceber que os moradores dos bairros perifé-
ricos começavam a habitar áreas privilegiadas, começaram a empreender
o processo de expulsão dessas populações pobres para áreas impróprias
para moradia. Assim, restava a essas populações construir suas habita-
ções em áreas afastadas, como as margens dos rios ou as proximidades
dos aeroportos. Em relação aos “aeroportos”, vale destacar o processo de
ocupação urbana que se deu na área próxima ao Aeroporto Salgado Filho,
o qual funcionou de 1939 a 1974, e, posteriormente, à área próxima ao
Aeroporto Presidente Médici, funcionando de 1974 até meados da déca-
da de 1990. Como não dispunham de dinheiro para comprar terreno em
terra firme, muitos acabaram construindo suas casas em terrenos nos bar-
rancos do rio Acre.
O perigo de desbarrancamento dessas casas com a chegada do in-
verno era uma preocupação constante dos moradores de bairros como
Cidade Nova, Papouco e Triângulo, só para citar alguns. Além de esta-
rem expostos aos problemas advindos com as alagações, essas popula-
ções precisavam lidar com a ameaça de expulsão pelos proprietários dos
terrenos, pelo Estado e pela Polícia.
Uma das estratégias da especulação imobiliária praticadas por
grandes proprietários de terrenos na “periferia” consistia em deixar uma
grande extensão de terrenos baldios e lotear um terreno mais adiante.
Quando as pessoas começavam a erguer suas moradias no local mais
afastado, com o tempo, o mínimo de infraestrutura começava a surgir no
local. Consequentemente, ocorria a valorização do terreno baldio, que po-
dia ser, então, vendido em condições extremamente favoráveis. À popu-
lação trabalhadora que ia morar no terreno mais afastado restava sofrer
as dificuldades do trajeto maior para o trabalho ou da falta de transporte,
de iluminação pública, de água encanada. O processo de ocupação dos
novos bairros que surgiam na “periferia” de Rio Branco pode ser melhor
compreendido através do editorial a seguir:
BEZERRA, Maria José. Álbum da Cidade de Rio Branco. Rio Branco: 1993.
RIBEIRO, José Afonso Soares; VIEIRA, Lúcia Bandeira Vieira; KAGY, Si-
mone Helena Brana. O Governo Geraldo Mesquita e os conflitos pela posse
da terra no Acre (1975-1979). Rio Branco: Ufac, 1993. Monografia – Depar-
tamento de História, Ufac, Rio Branco.
SOUZA, Carlos Alberto Alves de. História do Acre: novos tempos, nova
abordagem. Rio Branco: Editora Carlos Alberto Alves de Souza, 2002.
Entidades
Biblioteca da Ufac
Biblioteca Pública Estadual
CDIH da Ufac
Memorial dos Autonomistas
Museu da Borracha
Ideologia e poder: uma análise do discurso nos jornais “O Rio Branco” e “Va-
radouro” durante a Ditadura Militar (2007, 2020).
O discurso nas redes do poder: as vozes nos editoriais dos jornais “O Rio
Branco” e “Varadouro” (2010; 2020).