11 SANTO ÂNGELO, JUNHO DE 2020
TURISMO
Um tesouro
histórico e
arqueológico em
São Nicolau
Fonte Missioneira foi descoberta à 423 metros das
ruínas do antigo templo da Redução de São Nicolau
Redação Catedral
O
município de São Nicolau
vem passando por desco-
bertas muito importantes
para a história do Esta-
do do Rio Grande do Sul e do Bra-
sil, além de um resgate da memória
jesuítico-guarani e uma oportuni-
dade para potencializar o turismo
regional. Uma delas é a da Fonte
Missioneira da Redução de São Ni-
colau, recentemente explorada pelo
coordenador do Grupo de Arte Sa-
cra jesuítico-Guarani da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Gran-
de do Sul (PUC/RS), e professor do
Programa de Pós-Graduação em
História da mesma universidade,
PhD. Édison Hüttner.
Cidade importante para a his-
tória do Rio Grande do Sul, por ter
sido a primeira Redução Jesuítica
fundada em solo gaúcho, Hüttner
diz que São Nicolau pode ser consi-
derada a primeira cidade urbana do
estado, por ter sido fundada em 3 de
maio de 1626, cerca de 111 anos antes
que Rio Grande (conhecida como a
mais antiga), que é datada de 19 de
fevereiro de 1737.
De acordo com o professor, a Re-
dução de São Nicolau é o primeiro
povoamento (índios-europeus) com
plano de urbanização, com constru-
ção de Igreja, com sua Agora (Praça
Maior), planejada pelo arquiteto Je-
suita Bartolomeu Cardanosa. “Nes-
tes primeiros anos a Redução já
contava com 280 famílias, e com o
templo foi se ampliando”, disse Hüt-
tner. Já a cidade de Rio Grande tem
origem no Forte Jesus Maria José
planejado pelo Engenheiro briga-
deiro José Da Silva País. Esta Colô-
nia constitui o núcleo da Colônia de
São Pedro do Rio Grande de São Pe-
dro, fundada oficialmente em maio
de 1737, embora a fundação da cida-
de retoma a data do início da cria-
ção do Forte Jesus Maria José, o que
pode comprovar que São Nicolau é a
cidade mais antiga do RS.
O pesquisador conta que, em
terras brasileiras, o primeiro tem-
plo dedicado ao santo, é o da Redu-
ção de São Nicolau, fundada pelo
padre Roque Gonzales e Miguel de
Ampuero da Província Jesuítica do
Paraguai em território da Coroa da
Espanha. O segundo templo fica na
cidade de Magé no Estado do Rio de
Janeiro, sendo uma capela fundada
em 6 de novembro de 1628, hoje Pa-
róquia São Nicolau. A informação
foi comprovada em artigo publicado
no II Congresso Internacional de Te-
ologia da PUCRS e que pode ser lido
em: https://doi.org/10.36592/978-
65-81110-15-4-22
A Fonte Missioneira
Quando investigava pistas da
escultura de São Nicolau, roubada
nos anos 60, Hüttner teve o primei-
ro contato com a Fonte Missioneira.
Ele conta que realizou uma viagem
ao município em novembro de 2016,
para buscar pistas da obra que fora
encontrada posteriormente por ele
em Santa Maria.
Em 2017, após finalizar as pes-
quisas realizadas na PUC e con-
cluir que se tratava realmente do
missioneiro São Nicolau retirado
do templo, o professor retornou ao
município e ouviu do Secretário de
Planejamento Lori Schiavo, a histó-
ria de um tal chafariz da época dos
Jesuítas, onde as pessoas bebiam
água mesmo em tempos de seca.
Levado ao local pelo próprio Schia-
vo, Hüttner constatou que se trata-
va de uma Fonte Missioneira ao ob-
servar algumas pedras de arenito da
época dos jesuítas desta Redução ao
redor e em cima da chapa. Por uma
abertura pode ver a parede de pe-
dras missioneiras, formando um re-
servatório retangular, sempre trans-
bordando por uma saída, com água
estalando na fonte por um cano.
Acompanhado do secretário de
Planejamento, Hüttner foi até o lo-
cal novamente em 6 de novembro
de 2019, quando desceu uma câme-
ra com uma corda para registrar as
primeiras imagens do interior da
FOTO: ÉDISON HÜTTNER/ARQUIVO PESSOAL
Abertura na chapa que cobre a fonte permitiu realizar imagens internas
FOTO: ÉDISON HÜTTNER/ARQUIVO PESSOAL
fonte. “Ao ver as fotos, com calma,
percebi ainda mais claro os detalhes
de uma Fonte Missioneira. As pa-
redes do tanque, a parte submersa,
era toda de pedras de arenito estilo
missioneira da época dos jesuítas”,
contou.
Assim, o professor da PUC des-
cobriu que na parte de baixo da cha-
pa há ferros e lajes de arenito segu-
radas por cimento e ferro; há um
cano de ferro solto; na parede do
tanque existe um cano de metal de
onde vem a água; e para sustentar a
chapa foi acrescentada mais quar-
to fileiras de pedras com argamassa
para aumentar o tanque. São pedras
do período das missões e outras
acrescentadas.
Conforme Hüttner, a Fonte Mis-
sioneira da Redução de São Nicolau
compreende: a) água que sai pelo
cano; b) o tanque e/ou reservatório
com pedras da época dos jesuítas
que guarda esta água.
Condição da água
e próximos passos
Sobre a construção, o pesquisa-
dor explica que as paredes do tan-
que da parte submersa na água são
construídas com blocos (pedras de
arenito missioneiras, bem alinha-
das e compactas. O piso do tanque
está coberto de terra, pois a chapa
possui uma abertura que permite a
entrada de sujeita, tornando a água
imprópria para o consumo.
Conforme Hüttner, a Fonte Mis-
sioneira da Redução de São Nicolau
está em plena atividade, sua água
pura jorra do cano sem parar, mes-
mo em épocas de seca. Será neces-
sário realizar uma limpeza para
retirar sujeiras do fundo do reserva-
tório, limpar ao redor da fonte, rea-
lizar uma plena reforma e garantir
Geral
Imagem da
parte interna
da fonte,
que permitiu
identificar
pedras
jesuíticas
a segurança do espaço. “Será neces-
sário escavações arqueológicas para
valorizar o local e buscar outras pe-
ças missioneiras”, afirma o profes-
sor da PUC, que ainda enfatiza que
a comunidade local e turistas pode-
rão usufruir da água da Fonte Mis-
sioneira de São Nicolau, que é um
tesouro histórico e arqueológico.
Importância histórica
Hüttner pontua que toda Re-
dução Jesuítica tinha suas fontes
para sustentar o povoamento, ani-
mais e agricultura. A que foi desco-
berta fica à 423 metros das ruínas
do antigo templo da Redução de
São Nicolau. “Acredito que as fontes
era a referência, o local apropriado
para a todas as reduções. Os Jesuí-
tas com certeza utilizaram esta fon-
te de água abundante, e para isto
construíram este reservatório, raro
e único nesta Redução de São Nico-
lau. Talvez existam outros. Estes ti-
pos de tanques e reservatórios reve-
lam fontes missioneiras.”, esclarece
o pesquisador.
Na época, a então superinten-
FOTO: ARQUIVO PESSOAL
Professor da PUC e pesquisador Édison Huttner
dente do IPHAN/RS, a arquiteta e
especialista em Patrimônio, Julia-
na Erpen, foi conhecer a fonte e des-
tacou sua potencialidade para São
Nicolau, para a história das Redu-
ções Jesuíticas e para o turismo que.
“A importância desta fonte, a qual
abasteceu milhares de guaranis na
primeira Redução Jesuítica do Rio
Grande do Sul, requer um olhar es-
pecial para que seja integrada e con-
textualizada ao Sítio Arqueológico
de São Nicolau”, disse Juliana.
O secretário de Planejamento do
município, Lori José G. Schiavo, foi
quem contou ao professor sobre a
fonte e o acompanhou, em nome do
Executivo Municipal durante todas
as visitas. Ele afirma que trata-se de
uma redescoberta. “A população an-
tiga (antes de 1970) de São Nicolau,
toda era usuária do chafariz como
era chamado, para se suprir de água
potável, pois como não havia rede
de distribuição de água, a comuni-
dade era abastecida com poços de
balde e, nas épocas de estiagem a
fonte jesuítica era o socorro dos ha-
bitantes locais”, conta.
Posteriormente, a fonte deve-
rá ser integrada oficialmente como
corpo do Sítio Arqueológico de São
Nicolau, potencializando o turismo.
Agora, o município deverá promo-
ver um estudo para encaminhar um
projeto de tombamento à Câmara
de Vereadores. Após aprovado, de-
verá ser registrado no Livro Tombo
da Prefeitura Municipal, ficando o
ente público responsável pela guar-
da e cuidado do local.
O prefeito de São Nicolau, Ricar-
do Klein, afirma que agora deverá
buscar junto aos órgãos competen-
tes, como o IPHAN e ao Ministério
do Turismo, recursos para retirar o
concreto colocado pela Corsan anti-
gamente e fazer escavações no local.
“Isso precisa de tempo e recursos,
mas o que depender de nós, gestores,
faremos o possível para poder dar
continuidade ao trabalho”, afirmou.
Klein acredita que a redescober-
ta da fonte é importante histórico
e turisticamente para o município,
que já possui o Sobrado da Família
Silva e o Sítio Arqueológico de São
Nicolau tombados.
“Quando um município cresce,
todos os municípios crescem tam-
bém. Esta Fonte Missioneira que
pertencia a Redução de São Nicolau
valoriza todos nós. Valoriza as popu-
lações indígenas”, ressalta Hüttner.
O professor Édison
Hüttner diz que a
Fonte Missioneira da
Redução de São Nicolau
é uma inspiração para
buscar novas fontes.
Além desta, existem
a da Redução de São
Miguel das Missões e
do Santuário do Caraaó.
“Mas onde está a fonte
da Redução de Santo
Ângelo? De São Luiz
Gonzaga? Devemos
buscá-las!”, finalizou o
pesquisador.