Você está na página 1de 116

Apresentação

O patrimônio arquitetônico brasileiro, testemunha de nossa forma-


ção cultural e parte indissolúvel de nossa identidade múltipla e ao mesmo
tempo singular, vem sendo objeto, ao longo dos últimos anos, de grandes
esforços de instituições oficiais e de empresas – como a Petrobras – para seu
restauro e preservação. Claro que há muito trabalho pela frente, mas seria
injusto desmerecer o muito que está sendo feito.
Nem sempre, porém, uma ação de restauro é conhecida em suas minú-
cias pelo público e, inclusive, por estudiosos e especialistas no tema.
Por isso, é mais do que oportuna esta publicação, em que se regis­tram
os passos, técnicas e soluções empregadas nos trabalhos de restauração
da Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário, na cidade goiana de Pirenó-
polis – considerada a mais importante edificação do patrimônio brasileiro
ergui­da com a ancestral técnica da taipa de pilão. O livro mostra como
empre­gar, hoje, técnicas que ficaram no tempo, e não apenas a do barro
cru transformado em taipa e adobe, mas também os encaixes de madeira,
a cantaria de pedras, a fabricação de ferragens. Enfim, um compêndio de
como devolver a forma original de monumentos que integram o nosso
patrimônio.
Aliás, não se trata apenas de documentar em minúcias os bastidores
de um importante trabalho de restauro: este livro, na verdade, pode (e
deve) servir como uma espécie de guia para quem se interessar pela pre-
servação da nossa memória e do nosso patrimônio. Técnicos e especialistas
certamente poderão encontrar maneiras de multiplicar essa experiência
em outras obras de idêntica importância. Em outras palavras: não se trata
de documentar um trabalho, mas de compartilhar uma experiência, com a
expectativa de que ela possa contribuir com outras.
A Petrobras patrocina esta edição. Ao longo de sua trajetória de pouco
mais de meio século, até se transformar na maior empresa brasileira e uma
das maiores de todo o mundo, a Petrobras soube compartilhar experiências,
tirar o melhor proveito possível das lições dos pioneiros – ou seja, do pas-
sado – e abrir caminho para o futuro. Maior patrocinadora das artes e da
cultura no Brasil, a Petrobras põe especial empenho na hora de patrocinar
projetos que contribuam para a difusão do nosso patrimônio. Afinal, trata-
se de uma herança que pertence a todos nós, brasileiros. E que deve ser
democraticamente compartilhada entre todos.
Renascimento Assentada em posição de destaque no vale do Rio das Almas, a
Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário domina por quase três sécu-
da construção civil e do restauro. Um trabalho dessa natureza possi-
bilitou a investigação e a pesquisa aplicada. Da necessidade de criar
de um los a paisagem bucólica da cidade goiana de Pirenópolis. Monu- soluções veio a oportunidade de gerar novas técnicas e novos modos

patrimônio mento nacional e principal ícone do patrimônio histórico local, seu


valor transcende o de monumento arquitetônico e religioso. É a mais
do fazer.
O farto material documental produzido e a permanente partici-
importante referência memorial e urbana da cidade, que se estrutu- pação social, com informações, sugestões e críticas, foram determi-
rou em seu entorno. nantes para viabilizar esta publicação. O registro e difusão das téc-
Nesta publicação, o leitor vai percorrer a história de Pirenópo- nicas e métodos adotados serão de grande valia para todos aqueles
lis, desde os seus primórdios, das minas do arraial de Nossa Senhora envolvidos com o restauro e a recuperação de bens móveis e imóveis
do Rosário de Meia Ponte, até a atualidade, e mergulhar na vida da e de artes aplicadas.
Igreja Matriz em seus quase três séculos de existência. Vai-se encantar A importância do acervo fotográfico dos processos de traba-
com beleza natural da região da Serra dos Pireneus e com o rico patri- lho ficou evidente quando se percebeu que só era possível encarar
mônio cultural e artístico de seu povo. E, principalmente, vai conhecer o desafio da última restauração com base nos registros do restauro
o esforço de toda uma comunidade para restaurar a Igreja Matriz, de 1996-1999. Assim, a documentação de apoio tornou-se mais uma
atingida por um incêndio de grandes proporções, em setembro de das determinações desta nova empreitada. Enquanto a obra de 1996-
2002, apenas três anos após uma meticulosa e integral restauração. 1999 produziu cerca de 3 mil fotografias, a restauração de 2003-2006,
Como foi enfrentado o desafio de reerguer, literalmente das cin- graças ao advento da tecnologia digital, produziu cerca de 40 mil ima-
zas, a maior Catedral de Terra do Centro-Oeste brasileiro? Quais regis- gens, transformando num imperativo a tarefa de editar e publicar
tros dessa experiência merecem ser deixados como herança para a esta rica experiência.
salvaguarda do nosso patrimônio? Como foi a atuação de técnicos, O resultado final – uma caixa multimídia composta por um livro e
artistas, mestres e artífices? Em que se basearam para o cumprimento um DVD, com dois documentários das restaurações e o próprio livro
dessa missão? A estas perguntas nosso livro vai responder, exibindo em formato digital – foi produzido com preocupação essencialmente
uma das mais exitosas restaurações de templos no Brasil, vencedora didática, com o objetivo de fornecer material para estudantes, pes-
do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade em 2007. quisadores, professores e demais interessados nas artes e nas técnicas
Diante da tragédia, foi preciso transformar o que seria um can- do restauro.
teiro de obras convencional em um Canteiro Aberto: um canteiro O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional agradece
com a participação e o envolvimento da população, um canteiro com a todos que colaboraram na restauração da Igreja Matriz de Pirenó-
visitação permanente, um canteiro transparente, didático, seguro e, polis e na elaboração da presente publicação. São contribuições que
principalmente, franqueado a todos os cidadãos. não só qualificam e dignificam a preservação do patrimônio cultural
Não somente necessária, mas imprescindível, foi a pesquisa das brasileiro, como principalmente exibem o que é vital e o mais impor-
técnicas ancestrais aliada à tecnologia contemporânea, à disposição tante: a consciência e determinação do povo de Pirenópolis.

Luiz Fernando de Almeida


Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
A cidade Pirenópolis Da praça onde fica situada essa igreja
descontina-se um panorama que
talvez seja o mais bonito que já me
foi dado apreciar em minhas viagens
pelo interior do Brasil.
Saint-Hilaire, 1819
Pirenópolis A Igreja Matriz Nossa Senhora
do Rosário, consagrada à pa-
droeira da cidade, é parte de
um conjunto colonial reconhe-
cido por seu valor histórico-cul-
tural. Falar sobre o monumen-
to é, antes de tudo, desvendar
algumas das características do
sítio urbano que lhe deu ori-
gem e significado.
Pirenópolis chegou ao sécu­lo
XXI conhecida como um impor-
tante centro turístico nos rin-
cões de Goiás. Com apenas
2.300 km² e cerca de 20 mil
habitantes, a pequena cidade
tem no seu rico patrimônio his-
tórico, cultural e natural a sua
grandeza. E é o equilíbrio entre
essas dimensões a causa maior
O município possui oito do clima de paz e contempla-
Unidades de Conservação ção que torna o lugar propício
e cinco Reservas Particula-
para o repouso e o lazer.
res do Patrimônio Natural.
Entre as primeiras, estão o Apelidada de Capital da
Parque Estadual da Serra Prata, Atenas de Goiás, Pire-
dos Pireneus, o Monumento nópolis guarda, como herança
Natural Cidade de Pedra e
a Área de Preservação Am-
de suas origens, os segredos
biental dos Pireneus; e entre do prazer das coisas simples e
as reservas destacam-se a despojadas da vida, a despeito
Fazenda Arruda, a Reserva das iniciativas que, voltadas ao
Ecológica Vargem Grande e
os Santuários Vagafogo, Flor
desenvolvimento do turismo,
das Águas e Gabriel. vêm, aos poucos, transformando
a cidade.
Pousadas, restaurantes, ate-
Vista aérea de liês, lojas e serviços em geral,
Pirenópolis na década dando apoio aos predicados
de 1940. históricos e naturais, têm con-

14
A cidade

tribuído para melhor receber e acomodar um acrescentado um caminho exclusivo de pedestres. Em seguida foi ela- A antiga Casa de Câmara
grande número de turistas. A gastronomia borado o projeto de revitalização do Largo da Matriz, que prevê a e Cadeia foi construída em
também constitui um importante atrativo da construção de um novo edifício para abrigar a Casa Paroquial. E, em 1773. Após sua ruína, foi
cidade. Da fusão dos hábitos alimentares do 2007, foi entregue, totalmente restaurada, a Casa de Câmara e Cadeia, construída uma réplica em
1916 em um terreno à mar-
índio, do negro e do branco, derivou a variada tendo sido adaptado o pátio interno para abrigar exposições de cará- gem esquerda do Rio das
cozinha pirenopolina que, além de doces, ter temporário. Almas, próximo à ponte do
queijos, quitandas, licores e cachaças, destaca- Esse amplo processo de restauro veio ao encontro do tombamento Carmo. O terreno era parte
se pelos pratos com sabores exóticos feitos do conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico do centro histó- do antigo Largo do Hospício.
com espécies típicas do Cerrado goiano, como rico da cidade. O tombamento, promovido pelo Iphan em 1990, teve
o pequi e a guariroba. como objetivo a preservação da malha urbana e da singela arquite-
A pecuária de corte e de leite e o plantio tura colonial, face às conseqüências da acidentada topografia e da
– principalmente de tomate, milho, mandioca, dinamização e diversificação da economia.
soja, maracujá, mexerica e banana – dão sus- Com a melhoria dos acessos, a partir de meados do século XX,
tentação econômica para a cidade. gentes de várias localidades passaram a se dirigir à cidade em busca
Tendo como referências geográficas os das oportunidades de lazer.
rios e as montanhas, o patrimônio natural é A partir dos anos 70, algumas comunidades alternativas decidi-
representado por significativas áreas de prote- ram fixar-se em Pirenópolis. A Terra Nostra, chegada em 1979, orga-
ção ambiental, em meio a um quinhão de Cer- nizou uma cooperativa agrícola e também um ateliê. O ateliê pas-
rado ainda bastante preservado. A topografia sou a desenvolver artesanato em prata que, conhecido no Brasil e
acidentada e a abundância de cursos d’água no exterior, tem contribuído para formação de jovens na arte desse
dão ensejo a um sem-número de cachoeiras metal. Em 1985, a comunidade conhecida como Frater estabeleceu-se
que, delimitadas por uma flora diversificada, na Serra dos Pireneus. No vale, localizou-se a Omni e, mais acima da
servem aos banhos, ao descanso e também às serra, a Nirvana.
várias práticas esportivas. Para os amantes do
Apesar de absorver as novidades da cidade grande, Pirenópolis
turismo contemplativo, há os santuários eco-
seguiu preservando suas tradições, que fundem as celebrações religio-
lógicos, abertos às caminhadas e à observação
sas com elementos profanos do folclore local. Fazem parte do calen-
dos animais silvestres.
dário as festas de Corpus Christi; das Cavalhadinhas, encenação feita
À beleza natural somam-se as caracterís-
pelas crianças; do Divino Pai Eterno, realizada nos fins de semana de
ticas culturais e o valor histórico expresso no
junho; da Capela do Rio do Peixe, que ocorre em julho. A Festa do
urbanismo e na arquitetura, testemunhos do
Morro, em que uma procissão leva a imagem da Trindade ao pico
ser e do fazer no coração do País durante os
mais alto dos Pireneus, é realizada nas noites de lua cheia dos meses
últimos três séculos.
de julho.
Investimentos públicos têm sido destina-
dos à restauração do patrimônio arquitetônico Como preparativo dos festejos da Semana Santa, no Domingo de
e urbanístico, com o objetivo de sublinhar o Ramos, uma procissão de homens conduz, a partir da Igreja do Carmo,
caráter histórico e bucólico da cidade. Como a imagem de Nosso Senhor, enquanto uma procissão de mulheres sai
parte do projeto de recuperação do centro da Igreja Matriz com a imagem de Nossa Senhora. O encontro de
histórico, entre 1996 e 1999, foram restaura- ambas se dá em uma capelinha na Rua Direita.
dos o Cine Pireneus e o Theatro de Pirenó- Entre todas, a Festa do Divino Espírito Santo consagra-se como
polis, tombados pelo Instituto do Patrimônio a mais tradicional de Pirenópolis. Depois dos pousos nas fazendas,
Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1988. animados por cantorias, bebidas e comidas, as encenações transfor-
Integrando o cinema e o teatro, foi criada a mam a cidade em um verdadeiro teatro a céu aberto, que dá espaço
Nas páginas anteriores, vista aérea de
Praça dos Quintais, local de apoio e lazer des- a folguedos populares tradicionais como catira, congada, reinado, jui-
Pirenópolis na década de 1980. Acima,
respectivamente, procissão de fiéis no ano de tinado ao público espectador. zado, folias, pastorinhas e as queimas de fogos.
1890, Igreja Matriz no início do século XX e A ponte sobre o Rio das Almas foi total- Antecipando os festejos, as ruas da cidade são invadidas por
Largo da Matriz na década de 1950. mente recomposta no ano 2000, e foi a ela cavaleiros mascarados que, montados em galopantes cavalos, fazem

18 19
A cidade

muita algazarra. As máscaras de papel machê, em forma de cabeças


de animais e de demônio, feitas especialmente para a festa, chamam
a atenção dos visitantes, assim como as curiosas flores de papel que
adornam cavalos e cavaleiros.
No Domingo de Pentecostes, o Imperador – festeiro escolhido
entre os mais importantes cidadãos da região – é acompanhado, de
sua casa até a Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário, por um séquito
de meninas de branco – a procissão das virgens. Depois de uma missa
solene, ele e sua corte voltam para casa, onde há distribuição de boli-
nhos, pãezinhos e verônicas de alfenim para o povo. Banda de música
e fogos de artifício dão brilho ao evento, que é sucedido pelas Cava-
lhadas: uma encenação da disputa entre mouros e cristãos, em alusão
a Carlos Magno e aos Doze Pares de França, que termina com a rendi-
ção, a conversão e o batismo dos mouros.
De tradição medieval, a encenação foi introduzida na antiga vila
pelo padre Manuel Amâncio da Luz, em 1826, com o objetivo de cate-
quizar o gentio e os escravos.
Mas, apesar desse clima bucólico e passadista, Pirenópolis não
ficou imune aos efeitos do progresso. Entre 1933 e 1960, a construção
de Goiânia, e depois de Brasília, provocou o crescimento da cidade,
sobretudo pela intensificação do comércio do quartzito.
A pedra, usada na construção de edifícios e na pavimentação
urbana, já havia atraído, no século XIX, a atenção de Pohl, que em
seu livro Viagem no interior do Brasil relata: “A maior curiosidade
mineralógica da região de Meia Ponte é um quartzito elástico (...)
A referida rocha, que consiste em quartzo granuloso e talco em forma
xistosa, aqui origina uma encosta saliente, de grande massa”.
A modernidade trouxe consigo o cinema. E em 1936 o Theatro
Pireneus, construído seis anos antes pelo padre Santiago Uchoa, era
adaptado para a exibição de filmes. Passando a se chamar Cine Pire-
neus, o edifício neoclássico, projetado por Luís Fleury de Campos
Curado, teve sua fachada original alterada por Antônio Puglisi para
art déco, estilo identificado com a história do cinema mundial.
Segundo Cunha Matos, em Corografia histórica da província de Goiás,
Na verdade, os prenúncios do desenvolvimento chegaram à
o nome Meia Ponte adveio de uma pedra em forma de meio arco
projetada sobre o rio, acima da qual teriam sido lançados os paus cidade ainda no século XIX, mais precisamente em 1892. Os cientistas
para a passagem dos primeiros povoadores. da Comissão Cruls, encarregada dos estudos para a transferência da
Já para José de Souza Azevedo Pizarro e Araújo, o nome teria se capital do Brasil para o Planalto Central, visitaram Pirenópolis, onde,
originado de uma ponte com duas toras de madeira que, vitimada
entre outros levantamentos, aferiram a altitude do pico dos Pireneus:
pela correnteza, perdeu uma de suas peças.
E Luís d’Alincourt, em seu livro de 1811, Memória sobre a viagem do 1.385 metros.
porto de Santos à cidade de Cuiabá, diz que Bueno teria lançado uma Antes de 1890, Pyrenópolis de Goiás – nome dado em analogia aos
ponte sobre uma grande pedra chata que avançava até o meio da Pireneus da Europa – era Meia Ponte, uma denominação modesta que
correnteza.
condizia com a pequena vila que foi elevada à categoria de cidade em
Vista da Igreja Matriz a partir da ponte sobre o Rio 1853.
das Almas. Bairro do Carmo e Morro do Frater. Entretanto, as mudanças de nome e categoria não implicaram
Cavalhadas 2005. alterações significativas na malha urbana, nem na economia, que,

21
A cidade

baseada nas atividades agrícolas e mercantis, em atividade, foi fundada em 1893 por mestre Inicialmente, a Estrada Real, que ligava
continuava garantindo uma relativa prosperi- Joaquim Propício de Pina. Vila Rica a Parati, era o único caminho ofi-
dade e a preservação das tradições. Berço da imprensa goiana, a vila serviu de cial autorizado para a circulação de pessoas e
Data de 1899 a construção, por Sebastião sede para o mais antigo jornal do Estado de mercadorias. A esse juntou-se, nesse período,
Pompeu de Pina, do Theatro de Pirenópolis. Goiás – o Matutina Meyapontense. O perió- o chamado Caminho Novo, que, conhecido
Essa casa de espetáculos seguiu uma tradição já dico era publicado pela Typographia Oliveira também por Picada de Goiás, era uma via de
iniciada com o Theatro São Manoel, construído e circulou entre 1830 e 1834. escoamento mais rápido e seguro para porto
em 1860 por Manuel Barbo de Siqueira. Assim, elevada à condição de vila, em 10 do Rio de Janeiro.
Depois da morte do comandante da cidade, de julho de 1832, Meia Ponte “soube preservar O historiador Paulo Bertran lembra que
comendador Joaquim Alves de Oliveira, em seu íntegro patrimônio de tradições sagradas; “em Luziânia, a Estrada Real do Rio de Janeiro
1851, a agricultura e o comércio tropeiro per- tinha orgulho de sua origem, os brasões de sua podia despejar diretamente para oeste, para
deram forças, fazendo com que alguns comer- antiguidade, o luxo de suas relíquias, a sensibili- Meia Ponte, onde encontrava outra estrada
ciantes locais se transferissem para o arraial dade de suas razões históricas, o argumento de importante pelo pioneirismo: a que ligava São
de Sant’Ana das Antas (atual Anápolis), de seu passado, a ufania de sua coerência”, como Paulo às minas de Goiás”.
topografia plana e acesso mais fácil. Com a bem descreve o historiador Jarbas Jayme. Essa via – a mais extensa estrada oficial da
mudança das rotas comerciais, a pequena vila Também à privilegiada localização devia- história do Brasil –, aproximando o Oceano
enfrentou um processo de isolamento. se a prosperidade de Meia Ponte, situada Atlântico de Goiás e Mato Grosso, cruzava com
A retração econômica e a estagnação a 15º 30’ de latitude sul, “numa região de outro caminho que, vindo da Bahia, possibilitava
urbana vieram interromper um período de grande salubridade, e na interseção das estra- o acesso a Meia Ponte também pelo leste.
progresso, antes garantido sobretudo pela das do Rio de Janeiro, Bahia, Mato Grosso e Embora mais longo, o Caminho da Bahia
produção do Engenho de São Joaquim – à São Paulo”, como bem notou o viajante Saint- era considerado melhor do que os demais por
época a maior empresa do Centro-Oeste e Hilaire ao passar pela cidade em 1819. ser “menos dificultoso, por ser mais aberto
um dos maiores engenhos do Brasil –, de pro-
priedade do referido comendador. Nas terras
da fazenda, além de cana-de-açúcar, planta- Fazenda Babilônia, em 2007.
vam-se mandioca, para a produção de fari-
nha, e algodão, cuja fibra, considerada uma
das melhores do mundo, era exportada para
a Inglaterra.
Durante a primeira metade do século
XIX, a economia, movida pela atividade agrí-
cola, tinha na fertilidade do solo o seu princi-
pal sustento: “As terras da paróquia de Meia
Ponte são apropriadas a todo tipo de cultura,
até mesmo a do trigo”, escreveu o viajante
francês Saint-Hilaire. As favoráveis condições
desse período deram ensejo a um significativo
desenvolvimento cultural.
A primeira orquestra da povoação, que
Nas páginas anteriores, cavaleiro mouro surgiu graças à dedicação do poeta e músico
durante as Cavalhadas, com a Igreja Matriz José Joaquim Pereira da Veiga, funcionou
em restauro ao fundo. Acima, pastorinhas
até 1840. Seguindo seu rastro, veio a Banda
na Rua Direita em frente ao Cine Pireneus,
três mascarados durante as Cavalhadas de Euterpe, que, criada em 1868, seria dirigida
Pirenópolis e Banda Phoênix na ponte de até 1935 por Antônio da Costa Nascimento, o
madeira sobre o Rio das Almas. Tonico do Padre. A Banda Phoênix, ainda hoje

24 25
Desenho de Tonico do Padre,
do final do século XIX, com a
antiga Casa de Câmara
e Cadeia ao fundo, já
demolida.
A cidade

para as boiadas, mais abundante para o sus- viajantes, políticos e naturalistas que ousavam eixo fundador que somente iria adquirir um Nossa Senhora do Carmo (concluída em 1754),
tento e mais acomodado para as cavalgaduras adentrar o Centro-Oeste. Destes, perpetua- caráter mais urbano a partir de 1754, com a na margem direita do Rio das Almas; e a de
e para as cargas”, como relata o padre Anto- das em textos e desenhos, ficaram impressões construção da igreja de mesmo nome. Nossa Senhora da Boa Morte da Lapa (con-
nil em sua obra Cultura e opulência do Bra- sobre a natureza e os costumes da região. O prolongamento da Rua do Rosário para cluída em 1760). Por essa época, o arraial já
sil, publicada em 1711. Por isso, superando as Em 1827, o botânico William John Burchell além do Córrego da Prata estabeleceu outra apresentava o perímetro correspondente ao
proibições impostas pelas autoridades reais, registrou sua estadia em aquarelas e aguadas. diretriz de crescimento. A proximidade entre centro histórico hoje tombado.
esta estrada tornou-se uma importante via Entre 1818 e 1823, passaram pela cidade o essa rua e a área de mineração e o fato de ali
de mão dupla, por onde ia o ouro de Goiás e natu­ralista Auguste de Saint-Hilaire e o botâ- ser edificada, em 1743, a Igreja Nossa Senhora A Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, construída
entre 1743 e 1747, não suportou alterações em suas torres
vinha o gado da Bahia. nico Johann Emanuel Pohl. do Rosário dos Pretos sugerem que essa porção
no início do séc. XX e ruiu. O local é marcado atualmente
A condição de entreposto comercial e Além disso, a presença dos diferentes urbana tenha sido ocupada inicialmente pelos por um coreto.
também de entroncamento viário teve impor- caminhos acarretou pequenas alterações na escravos que labutavam no garimpo.
tantes conseqüências sobre a vila. Meia Ponte malha urbana original. A povoação expandiu- Duas outras igrejas, erigidas entre 1750 e Na página anterior, ponte de madeira sobre o
tornou-se um pouso natural para os diversos se em direção à Rua do Bonfim, extensão do 1760, marcariam novos limites urbanos: a de Rio das Almas. À esquerda, Rua do Rosário no
centro histórico de Pirenópolis, em fotografia e
desenho. Acima, casario da Rua do Rosário.

30 31
Diferentemente das povoações minei- testável que, sob muitos aspectos, Meia Ponte
ras do período do ouro, Meia Ponte, embora mereceria, mais que Vila Boa, tornar-se a capi-
dotada do necessário aparato secular e reli- tal da província de Goiás”.
gioso, era desprovida de qualquer luxo. Pos- A partir de 1732, já transformada em
suía a simplicidade e o despojamento das solu- distrito, Meia Ponte passava a adquirir uma
ções práticas voltadas ao atendimento digno configuração radial que se diferenciava do
das necessidades do seu cotidiano. Talvez por povoamento primitivo. De linhas arquitetôni-
isso, tenha chamado a atenção do naturalista cas imponentes e despojadas, a Igreja Matriz
francês Saint-Hilaire, que escreveu em seu Nossa Senhora do Rosário, primeira constru-
relato de viagem publicado em 1847: “Tem ção religiosa do arraial, assumia a condição de
praticamente o formato de um quadrado referência urbana, já que passava a ser o cen-
e conta com mais de trezentas casas, todas tro de um movimento centrífugo em direção à
muito limpas, caprichosamente caiadas, cober- margem do rio.
tas de telhas e bastante altas para a região. Poucos anos antes, havia somente a Rua
Cada uma delas, conforme o uso em todos os das Bestas (atual Rua Direita), para onde
arraiais do interior, tem um quintal onde se se dirigiam os tropeiros e viajantes recém-
vêem bananeiras, laranjeiras e cafeeiros plan- chegados. Ligando o Largo da Matriz a um
tados desordenadamente. As ruas são largas, pouso improvisado à margem do Córrego
perfeitamente retas e com calçadas dos dois Lavapés, esse eixo longitudinal pioneiro era,
lados. Cinco igrejas contribuem para enfeitar ao mesmo tempo, a razão e a origem do
o arraial”. núcleo emergente.
As casas, das mais ricas às mais modes- Se a descoberta das minas locais pode ser
tas, eram feitas de adobe ou pau-a-pique, atribuída a Urbano do Couto Menezes, compa-
e as diferenças ficavam por conta de alguns nheiro de Bartolomeu Bueno da Silva, deveu-
detalhes decorativos. Os telhados de duas ou se provavelmente a Manuel Rodrigues Tomar
quatro águas tinham os elementos estruturais a criação do pequeno povoado na margem
– frechais, baldrames e esteios – pintados em esquerda do Rio das Almas. A despeito das con-
cores vivas, acompanhando as portas e janelas trovérsias quanto à origem do nome e à data de
de madeira e vergas retas. As plantas apresen- fundação, Meia Ponte, que remete à travessia
tavam geralmente um corredor central que, do rio onde se desenvolvia a mineração, surgiu,
ligando a porta de entrada ao quintal, per- possivelmente em 1727, como Minas de Nossa
mitia a comunicação entre os diversos cômo- Senhora do Rosário de Meia Ponte.
dos. Os edifícios públicos eram construídos em
taipa de pilão.
Como notou o historiador Paulo Bertran,
devido “à centralidade da vila e ao fato de
ser povoada principalmente por portugueses
natos”, Meia Ponte reunia condições suficientes
para ser a sede da província de Goiás. Todavia,
a Carta Régia de 11 de fevereiro de 1736 deter-
minou que fosse apenas promovida a arraial,
enquanto Sant’Ana tornar-se-ia a capital, com Nas páginas anteriores, casa no Largo da Matriz
o nome de Vila Boa de Goiás (atual cidade de onde viveu Tonico do Padre. À direita, vista da
Goiás). A escolha, porém, não agradou a todos. Rua do Rosário.
Ainda em 1819, Saint-Hilaire notava ser “incon- Nas páginas seguintes, vista noturna da cidade.

34
A cidade

O monumento Igreja Matriz


Nossa Senhora
Só do convívio com os monumentos
e com sua história poderá nascer
do Rosário a estima sincera que eles devem
inspirar. Esse sentimento será como
O incêndio o de apego às pessoas e às coisas
familiares.
Rodrigo Melo Franco de Andrade

38 39
Igreja Matriz Depois da criação da Irman­­
dade do Santíssimo Sacramen­
Nossa Senhora ­to, começava, em 1728, a cons­
do Rosário trução da Igreja Matriz Nossa
Senhora do Rosário, em torno
da qual iriam se concentrar, por
séculos, os principais eventos
religiosos e festivos da cidade.
A privilegiada localização
da igreja e a beleza das paisa­
gens ao seu redor chamavam a
atenção dos viajantes que che­
gavam a Goiás no século XIX.
“Da praça onde fica situada
essa igreja, descortina-se um
panorama que talvez seja o
mais bonito que me foi dado
apreciar em minhas viagens
pelo interior do Brasil”, relatou
o viajante francês Saint-Hilaire
em 1819.
Contrastando com a pe­que­­
na Meia Ponte, erguia-se uma
A fachada principal é com- verdadeira Catedral de Terra,
posta por um quadrado hoje o maior e mais antigo
encimado por um triângu-
patri­­­mônio histórico do Estado.
lo. No centro do térreo, a
porta de entrada é contor- A monumentalidade do edi­fí­
nada por um portal singelo cio e o ritmo acelerado da cons­
e tem acima duas janelas ao trução do arcabouço arquite­
nível do coro. Duas torres a
tônico – inédito para a época
ladeiam e são subdivididas
verticalmente por três qua- – somente se justificam pela
drados. coincidência com o auge da
Pedro Corrêa do Lago, 2002 mineração na região.
Guardiã de vidas e mortes,
em 1732, a Matriz já acolhia os
Fachada principal da pagãos para o sacramento do
Igreja Matriz. batismo. Dois anos depois, com

40
O monumento

imagens entronizadas em seus provisórios Um trono central, para o pouso da ima­


altares, fazia-se em sepulcro para o descanso gem da padroeira Nossa Senhora do Rosário,
eterno dos mais ilustres. e dois nichos laterais à meia altura formavam
A planta eram quatro retângulos: no pri­ o altar-mor que, concluído em 1761, demons­
meiro, e maior, a nave; no segundo, separado trava um barroco diferenciado pelo sóbrio uso
do anterior pelo arco cruzeiro, a capela-mor; dos ornatos.
no terceiro e quarto, respectivamente, a sacris­ Espirais em ouro de concha envolviam os
tia e o consistório. O mesmo Saint-Hilaire assim fustes dos pares de colunas que, apoiadas por
a descreveu: “A igreja paroquial, dedicada a quartelões, sustentavam o capitel e, acima
Nossa Senhora do Rosário, é bastante ampla deste, o entablamento. Dando continuidade
(...) Suas paredes, feitas de adobe, têm 12 pal­ às colunas, os arcos faziam o coroamento.
mos de espessura e são assentadas sobre ali­ Duas talhas – compostas por angras, volutas
cerces de pedra”. e folhas de acanto – ornavam o espaço entre
Contrariamente à descrição de Saint- arcos, que exibia ao centro a representação de
Hilaire, à exceção dos adobes no frontão e nos uma custódia.
altos das torres, a igreja foi erguida em taipa Coroamentos em forma de concha, sobre
de pilão com alicerce em cantaria. Como piso, planos decorados por florais em laminações
havia apenas o chão de terra, batido pelo vai­ de ouro, compunham os nichos laterais locali­
vém dos fiéis. zados nos intercolúnios.
À rapidez nos começos sobreveio o vagar Nessa mesma época, um forro encarre­
nos acabamentos: com o declínio da minera­ gava-se do rebaixamento do arco cruzeiro.
ção em Meia Ponte, as obras no interior da E quatro janelas, à maneira de tribuna, passa­
igreja iriam se arrastar por muitas décadas. vam a fazer parte das paredes da capela-mor,
Móveis, gelosias e padieiras sobre as janelas enquanto abriam-se portas para o acesso à
e portas do consistório somente seriam acres­ sacristia e ao consistório.
cidos em 1757, ano em que também foram A camarinha seria acrescida ao corpo prin­
colocados os pisos ladrilhados e o esgoto ao cipal do edifício somente em 1763. Apesar de
redor da igreja. não existirem registros sobre o acréscimo da
Em 1758, além do assoalho da capela-mor, altura das torres, consta do Livro de Termos
que implicou a elevação do nível do piso da da Irmandade uma deliberação, desse mesmo
nave, a Irmandade autorizou a colocação de ano, referente à construção de uma torre do
caibros nas torres. Data dessa época a doação lado do nascente.
de 100.000$000 que, deixada em testamento De acordo com prospecções recentes, a
pelo padre Manuel de Azevedo Pinto, iria pro­ base de cantaria e as paredes de taipa da
piciar a construção do púlpito. igreja, que constituem um bloco monolítico,
Dois anos depois, as janelas do coro não apresentavam indícios de que a referida
ganhavam postigos, e o consistório, assentos. torre tivesse sido erguida posteriormente.
Ao mesmo tempo, cores cobriram portas e Como está comprovado que a igreja
janelas e também as cortinas do sacrário. possuía originalmente duas torres, a cons­
O sacrário foi emoldurado por frisos dou­ trução de uma nova somente seria justifi­cada
rados e coroado por volutas e conchas. Sobre pela possibilidade de a primeira ter ruído.
o vermelho do fundo, florais em ouro de con­ Ao encontro dessa hipótese está a constatação
Maquetes da Igreja Matriz e detalhe do cha desenhavam a cortina adornada com fran­ de que a gaiola de aroeira não fazia parte da
medalhão do forro da capela-mor. jas e borlas. edificação primeira da Matriz. Detalhes dos altares.

42 43
O monumento

Por volta dessa época, um grande traba­ No ano seguinte, foi solicitado ao mestre
lho de drenagem teria sido feito no terreno Manuel José Pereira que procedesse à refundi­
onde foi implantada a Matriz: sob o edifício ção do sino original, datado de 1758.
teriam sido construídos três dutos, em forma As imagens de Santo Antônio de Pádua,
de leque, para a canalização de água servida, São Miguel e São Francisco de Paula – em
segundo o historiador Jarbas Jayme. Se essas talhas de madeira de origem portuguesa –
informações estiverem corretas, as escava­ foram entronizadas nos provisórios retábulos
ções podem ter sido causa provável do desa­ laterais em 1773.
bamento da torre do nascente. Outro motivo No início do século XIX, a decadência das
seria uma possível instabilidade da alta torre, minas goianas e o empobrecimento da cidade
agravada pela ação dos ventos. se refletiam em sua igreja maior. Em 1814,
Em 1766, Reginaldo Fragoso de Albu­ Cunha Mattos, em sua Corografia histórica da
querque foi chamado a realizar a pintura do província de Goiás, descreveu a igreja como
frontispício do altar-mor. No mesmo período, “grande, bela e maltratada, com dois altos
foram também pintados a camarinha, a sacris­ campanários, cinco altares e bons ornamen­
tia e o consistório. Três anos mais tarde, o tos. É matriz de todas as da freguesia”.
altar-mor seria recuado para ampliar o espaço Nos anos seguintes, muito pouco foi feito
da capela-mor. em benefício da conservação da Matriz. Em
Remontam a 1770 as esculturas das está­ 1817, foram confeccionadas seis varas para o
tuas dos anjos com trombetas e os entalhes do pálio, usando-se a prata de moedas, de uma
arco cruzeiro.
Revestido por uma sanefa e encimado por
um medalhão, o arco cruzeiro representava
uma cortina com franjas e borlas douradas
que, apanhada nas laterais, caíam até meia
altura. Sobre um vermelho escuro, velatu­
ras florais simulavam, na madeira, um suave
tecido adamascado. Na parte superior, uma
tarja dourada e policromada, ornada por
rocalhas, volutas e folhas de acanto, trazia as
letras M e A, símbolos de Nossa Senhora.

Nas páginas anteriores, anjo corneteiro do arco


cruzeiro. À esquerda, arco cruzeiro e capela-
mor. À direita, vista frontal do altar-mor.

47
O monumento

salva, de uma cruz do globo do sacrário e de nesse sentido, em 1838, o telhado desabou
uma naveta. E, em 1826, a Matriz recebeu, por sobre a arcada do altar-mor, durante uma
doação, uma coroa de prata com emblema da missa celebrada pelo vigário Joaquim Gonçal­
pomba do Divino Espírito Santo em ouro. ves Dias Goulão.
William John Burchell, que passou pela O fato acabou deflagrando o movimento
região em 1827, deixou desenhos da Matriz em favor de uma grande reforma da Matriz.
com torres mais altas do que a configuração Por iniciativa do comendador Joaquim Alves
contemporânea. Provavelmente, as gaiolas de Oliveira, doador também de uma vultosa
de madeira foram executadas com intuito de quantia, foi organizada uma subscrição popu­
reforçar a estrutura das elevadas torres obser­ lar que, tendo arrecadado 3.195 contos de réis,
vadas por Burchell. permitiu realizar a recuperação do edifício.
A igreja é assim descrita na obra Patrimô- Os elementos artísticos da Matriz, com
nio construído: as 100 mais belas edificações suas formas inerentes a um barroco tardio,
do Brasil: “A igreja é uma construção de taipa
com uma estrutura de madeira que se insinua
nos paramentos das fachadas, formando tra­
mas com pilares, vigas e cimalhas”.
Em 1832, foi deliberada a execução de Abaixo, sacrário e retábulo lateral direito
grandes reparos na igreja. Como nenhuma Santana. Na página anterior, andaimes para
providência mais efetiva tivesse sido tomada restauração dos altares.

49
O monumento

quase um rococó, parecem não fazer parte do tos de frontão no topo das colunas laterais.
estilo colonial brasileiro que marca a arquite­ O nicho, com um trono em forma de cântaro,
tura do edifício. possuía um perfil rendilhado dourado. Uma
O estilo barroco, que se desenvolveu ple­ pintura, integrada por guirlandas, recobria o
namente no Brasil durante o século XVIII e per­ camarim, em cujo coroamento havia a inscri­
durou até o início do século XIX, deixou como ção Charitas.
legados na Matriz os relevos feitos em madeira No retábulo colateral do lado da epístola,
– talhas – recobertos por pinturas policromá­ quatro colunas marmorizadas, rematadas com
ticas e laminações em ouro; e os ornatos em capitéis jônicos, sustentavam o entablamento.
forma de rocalhas, volutas e folhas de acanto. Um jogo de volutas invertidas e fragmentos de
Desta reforma iniciada em 1838 resul­ pilares encimados por pináculos conferia uma
taram supostamente os retábulos laterais e feição peculiar ao conjunto, composto ainda
colaterais. por uma sanefa ornada por lambrequins.
A obra Patrimônio construído: as 100 mais Matizes de azul, cinza e vermelho davam des­
belas edificações do Brasil assim descreve o taque aos frisos e relevos dourados do retá­
interior da Matriz: “Na nave, dois altares colo­ bulo, que abrigava os altares. Rendilhas dou­
cam-se em escorço nas laterais do arco cruzeiro radas emolduravam o camarim, decorado por
e os outros dois são adossados às laterais da florais feitos com ouro de concha sobre fundo
nave. Os retábulos desses altares são de feição vermelho.
simplificada, vernaculares, apresentando colu­
nas de fuste reto, cilíndricos e coroamento
com frontão curvo (...) São enriquecidos pela
pintura de cores suaves, com os dourados
montando volutas e elementos vegetais ade­
ridos às superfícies das madeiras”.
No retábulo lateral da epístola, um nicho
central, emoldurado por duas pilastras com
coroamento em arco, era ladeado por dois
vãos laterais arrematados por elementos poli­
cromados e frisos dourados. Texturas marmo­
rizadas em tons de azul e vermelho davam
acabamento a colunas, arco e entablamento,
enquanto os planos laterais, o camarim e o
coroamento eram decorados por elementos
florais sobre fundo azul. Guirlandas completa­
vam a decoração do retábulo.
Dois pares de colunas limitavam o retá­
bulo lateral do evangelho. Em arco de canga,
o remate superior deixava à mostra fragmen­

À direita, detalhe do forro da capela-mor. Na


página anterior, forro da capela-mor.

51
O monumento

O retábulo colateral do lado evangelho


possuía as mesmas características escultóricas
do seu par fronteiro, diferindo apenas no tra­
tamento pictórico, em que predominavam os
tons de cinza e azul.
Em 1842, terminadas as obras, a igreja
adquiriu sua feição contemporânea. Uma
grande porta central, seis janelas, um frontão
com um óculo, e duas torres simétricas, pouco
mais altas que o restante do conjunto, marca­
ram a vista frontal da Matriz.
Além do jogo de alturas dos telhados e das
duas janelas da camarinha, na fachada poste­
rior, esteios e madres subdividiram o plano da
alvenaria em quadros menores.
Refere-se também a esse período a aquisi­
ção de alguns pequenos pertences, tais como
a chave do sacrário, a cruz de prata, o damasco
e as franjas para as cortinas.
Entre 1863 e 1864, foram executadas as
pinturas do forro da capela-mor e do trono.
Na abóbada de berço, que encimava a capela-
mor, pinceladas de azuis, vermelhos e verdes
sobre o branco davam visibilidade às imagens
pintadas pelos artistas meia-pontenses Inácio
Pereira Leal, Antônio da Costa Nascimento
(conhecido como Tonico do Padre) e o jovem
Francisco Herculano de Pina.
Dez quartelões engastados em um muro-
parapeito faziam a sustentação do entabla­
mento e também dos vasos de flores, de cujos
suportes pendiam as guirlandas que conferiam
leveza à ornamentação.
Na perspectiva, a imagem de Nossa
Senhora do Rosário, envolta por flocos de
nuvens, dominava o centro do grande meda­
lhão, emoldurado por variados ornatos como
rocalhas, volutas, folhas de acanto e flores.
Uma tarja inscrita arrematava a parte superior
do medalhão.
No forro do camarim, sobre as claras pare­
des azuis, velaturas de um anil profundo deli­ Na página anterior, retábulo de São Miguel.
neavam os florões ao modo de um rendado. Acima, detalhe da restauração do forro e
Legenda das imagens Por sobre essa superfície, pequenos buquês de medalhão Santana.

53
O monumento

rosas davam um acabamento policromático Por seus predicados, a Igreja Nossa Senhora
ao conjunto arrematado por uma delicada do Rosário foi tombada, pelo então Serviço
cimalha, que fazia a ligação entre o forro e as do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
paredes. (Sphan), em 3 de julho de 1941. Constante do
A talha cinza claro do retábulo recebeu Livro Histórico, folha 27, inscrição nº 165, a
frisos e detalhes em tons azulados e ainda ele­ decisão teve como base o Decreto nº 25, de 30
mentos em relevo ornados com folhas de ouro de novembro de 1937. O tombamento cons­
brunido. Florais dourados encobriam parcial­ tituiu o reconhecimento oficial do caráter de
mente as faces acinzentadas. monumento da Matriz.
Provavelmente por volta dessa época Sob a orientação do Instituto do Patrimô­
foram feitos também reparos no piso, já que nio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), foram
um mezanelo datado de 1877 foi encontrado realizados reparos na Matriz nos anos de
na igreja. 1973, 1977 e 1979. Obras maiores de restau­
Como não existem registros de reformas ração, incluindo-se pintura e drenagem, entre
significativas após essa data, pode-se supor outras, foram feitas em 1974-1975, 1976, 1981
que, além do telhado, as torres também e 1984-1986.
tenham sofrido intervenção, adquirindo então Finalmente, entre 1996 e 1999, a Matriz,
sua feição atual. vitimada por sérios problemas decorrentes da
Na segunda metade do século XIX, foram ação do tempo e dos predadores, foi objeto
realizados apenas pequenos reparos e lim­
pezas, e a colocação, em 1866, do relógio
da torre, que seria substituído, em 1885, por
outro, de pêndulo.
Em 1936, à revelia da Irmandade e por
ordem de um substituto do vigário local, a
Matriz sofreu uma significativa mutilação:
Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o con- Qualquer que seja o valor intrínseco de um bem ou as cir-
junto dos bens móveis e imóveis existentes no País e cuja cunstâncias que concorram para constituir a sua importân- demoliu-se o púlpito anteriormente assentado
conservação seja de interesse público, quer por sua vincula- cia e significação histórica ou artística, ele não se constituirá próximo ao paredão esquerdo da nave.
ção a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu em um monumento a não ser que haja uma expressa decla- No entanto, a despeito da irregularidade
excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfi- ração do Estado nesse sentido. A declaração de monumento
dos serviços de conservação, a Matriz atraves­
co ou artístico. nacional implica a sua identificação e registro oficiais.
Decreto nº 25, de 30 de novembro de 1937, artigo 1º Normas de Quito, 1967 sou quase três séculos, carregando consigo o
símbolo vivo da cultura pirenopolina.
Ainda que sem a glória e o fausto das
igrejas mineiras do período aurífero, o monu­
mento chama a atenção de todos: à grande
dimensão opõem-se o despojamento e a sim­
plicidade. Enfim, a grande catedral goiana
possui escala e feição compatíveis tanto com
a expressiva religiosidade de seus fiéis quanto
com o modesto arraial que lhe deu origem.

Detalhe da torre do batistério em restauro,


vista lateral da igreja e andaime fachadeiro.
Nas páginas anteriores, vista frontal do
relógio da torre sineira, durante o restauro. Pináculo na imagem à direita.

57
O monumento

de um minucioso processo de recomposição, Entre o caibramento e as telhas, foi colo­


enquadrando-se no primeiro princípio do cada uma manta de feltro asfáltico, mantendo-
restauro definido por Brandi: “A restauração se um colchão de ar de aproximadamente
constitui o momento metodológico do reco­ 3 centímetros. Finalmente veio o rete­lhamento
nhecimento da obra de arte, na sua consistên­ com peças industriais, como calha, e artesanais,
cia física e na sua dúplice polaridade estética como bica, presas com arame galvanizado para
e histórica, com vistas à transmissão para o evitar o deslizamento.
futuro”. Gaiolas de madeira foram revisadas, sendo
Após um diagnóstico criterioso, foram ela­ substituídas peças deterioradas e introduzidas
borados pelo Iphan os projetos necessários ao cantoneiras metálicas para promover o reforço
início das obras. Com o êxito na captação dos das junções estruturais. Portas, janelas, esca­
recursos, os trabalhos voltaram-se para a con­ das e forros foram recuperados, assim como
solidação estrutural; a recomposição de reves­ os assoalhos da nave e da capela-mor, integra­
timentos, pinturas, esquadrias, escadas, forros dos em 1758 pelas tampas dos 158 túmulos ali
e pisos; a impermeabilização da cobertura; a existentes.
imunização contra o ataque de insetos; e o Nos forros, o trabalho começou pela
restauro dos elementos artísticos. recomposição da estrutura, com a confecção
de algumas cambotas. Depois de higieniza­
Das ações preliminares constou a organi­
das e imunizadas, procedeu-se à consolidação
zação do canteiro de obras, sobretudo no que
dos suportes, à fixação de policromia e dou­
dizia respeito à disposição dos tapumes e à
ramento, ao nivelamento das perdas e à rein­
montagem dos andaimes, que levou em conta
tegração policromática e, finalmente, à apli­
a localização e as dimensões do edifício e sua
cação do verniz apropriado para neutralizar a
importância no contexto urbano.
ação do tempo.
Sob a mira das câmeras encarregadas do
No alto dos andaimes, hábeis artistas,
registro sistemático, vieram então as meticu­
manipulando lixas, pincéis, espátulas, formões
losas demolições parciais, seguidas pelas pros­
e cinzéis, iam desvelando as pinturas do teto
pecções, necessárias à descoberta dos modos
da nave da Matriz. Com o restauro dos dife­
do fazer, e pelos testes em busca da qualidade
rentes matizes, a imagem de Nossa Senhora do
técnica e da interação entre materiais existen­
Rosário, envolta por flocos de nuvens, ganhava
tes e novos materiais. destaque no centro do medalhão. E, no cama­
A retirada do entelhamento, para lava­ rim, ressurgia a representação do Espírito
gem telha a telha, marcou o início dos traba­ Santo circundado por nuvens e querubins.
lhos da cobertura. Tesouras, caibros, frechais No arco cruzeiro, depois da substituição
e cachorros foram recuperados; guarda-pós, de peças danificadas, os ornamentos em talha
substituídos; calhas e rufos, refeitos. readquiriram sua feição original. Também os
Sob a supervisão do Instituto Brasileiro anjos, assentados sobre o entablamento do
do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis arco, foram recompostos para que, com o som
(Ibama), procedeu-se à imunização das madei­ de suas trombetas, pudessem anunciar a gló­
ras e à construção de uma barreira química ria divina.
de proteção contra os agentes predadores. Tratou-se então da restauração dos retá­
Os ocos deixados pelos cupins foram preen­ bulos laterais e colaterais. Depois da higieni­
chidos com uma mistura de cera de abelhas, zação das peças, partiu-se para a fixação de
serragem e pequenos pedaços de madeira, ou policromia e douramento, a estabilização de
Detalhes do telhado em restauro e forro. por meio da injeção de paralóides. peças descoladas, a revisão de altares e a con­ Pintura externa da torre sineira.

58 59
O monumento

solidação de suportes. Limpas as superfícies, vieram o nivelamento das


perdas e a reintegração cromática, sendo necessária, em alguns casos,
a remoção de camadas sobrepostas que encobriam os douramentos.
Depois de os retábulos recobrarem suas características originais,
veio a recomposição da imaginária. Assim, a imagem de Sant’Anna
voltou a ocupar o seu lugar no nicho central do retábulo lateral da
epístola, onde se tornava novamente legível, no arco de coroamento,
a inscrição S. Anna Sucurre Miseris. Também as imagens de São João
Batista e São Gonçalo foram recolocadas nos nichos laterais devida­
mente restaurados.
O retábulo lateral do lado do evangelho foi recomposto para rece­
ber as imagens de São Francisco de Paula, Santo Antônio de Pádua
e Santo Emídio. A talha de Nossa Senhora das Dores foi reparada e
assentada no seu trono para que se fizessem lembrados e venerados
os sofrimentos de Maria.
Logo se fez arrumado também o retábulo colateral da epístola,
em cujos altares foram abrigados novamente São Miguel e Nossa
Senhora da Penha e, sob esses, a imagem do Senhor Morto. Uma pea­
nha, fixada à parede de fundo, trazia a imagem de São Miguel.
O retábulo colateral do lado evangelho, depois da reacomoda­
ção dos seus entalhes de madeira, recebeu o reavivamento da pintura
de outrora, que fazia fundo para a imagem do Sagrado Coração de
Jesus.
Procedimentos semelhantes foram adotados no altar-mor, onde
se fizeram presentes os serviços de retenção das trincas, substituição
de peças deterioradas pela ação dos cupins, reordenação das peças
deslocadas e remoção da camada de purpurina dos elementos de
talha. Com a restauração da pintura do frontispício, datada de 1766,
o altar-mor readquiriu a integridade e o colorido originais.
A imagem da padroeira Nossa Senhora do Rosário, trazida de
Portugal no século XVIII, fez-se renovada, voltando a ocupar o trono
escalonado no altar-mor da Matriz que lhe fora consagrada.
Pequenos arranhões no reboco trouxeram à tona o barrado azul
das paredes da capela-mor que, possivelmente pintado em 1863,
estava ocultado sob camadas de reboco e pintura.
Com a igreja já quase pronta, faltavam as luzes, que iriam enfati­
zar o contraste entre o branco das paredes e o esmero dos detalhes.
Assim, o edifício foi dotado de iluminação e também de sonorização
para os eventos litúrgicos. Conforme as normas vigentes, alarmes e
extintores integraram o sistema de prevenção contra incêndios.

Nas páginas anteriores, trabalho dos restauradores no altar-mor da


igreja. À esquerda, restauro do anjo corneteiro do arco cruzeiro.

63
O monumento

Em nome da integridade física do monumento, cupins, abelhas,


morcegos e pombos foram desalojados ou eliminados. Restaram tão-
somente as corujas-da-torre – as suindaras – cujo nome advém do ins­
tinto de fazerem ninhos em construções altas. Um corujódromo, cons­
truído na torre do batistério, consolidou a convivência pacífica entre
a igreja e as aves.
Um renovado mobiliário urbano, representado por guarda-cor­
pos, escadaria e bancos, somando-se a uma adequada cobertura pai­
sagística, passou a compor a Praça da Matriz, ora com a iluminação
renovada.
A absorção da mão-de-obra local, que constou dos princípios
da obra, fez gerar empregos, reter recursos na cidade e, sobretudo,
melhorar o nível técnico-profissional. Engenheiros, arquitetos, restau­
radores, mestres-de-obras, operários e serventes tiveram a oportuni­
dade de experimentar uma saudável e profícua convivência, em que
prevaleceu a busca pelo aperfeiçoamento constante na execução de
cada tarefa.
O registro diário das várias etapas de trabalho e a documenta­
ção fotográfica profissional permitiram o acompanhamento sistemá­
tico das obras de restauro, deixando como legado um importante
acervo de imagens que passaram a integrar a secular história da Igreja
Matriz.
Outro princípio, mantido durante a execução dos trabalhos, foi
a participação da comunidade. Desde o primeiro momento, a obra
manteve-se aberta à visitação pública, com exposições didáticas, orga­
nizadas com o objetivo de esclarecer cada aspecto do restauro. Como
visitantes ou prestadores de serviços, estudantes universitários marca­
ram presença constante na obra.
Rodrigo Melo Franco de Andrade, fundador do Iphan, sintetiza
bem a idéia: “Só do convívio com os monumentos e com sua história
poderá nascer a estima sincera que eles devem inspirar. Esse senti­
mento será como o de apego às pessoas e às coisas familiares”.
Com o programa Tocando a Obra, a música invadiu os espaços
da Matriz ainda inacabada. Músicos, artistas, técnicos e cidadãos em
geral puderam apreciar os muitos concertos, que se estenderam ao
longo dos dezoito meses dedicados aos trabalhos de restauro no inte­
rior do edifício.

Cartaz do programa
Tocando a Obra. Na
página seguinte, planta
de situação do Largo
da Matriz e fachada
principal da Igreja
Matriz.

64 65
O incêndio Na madrugada do dia 5 de
setembro de 2002, teve início
o incêndio que vitimou a Igreja
Matriz Nossa Senhora do Rosá­
rio. A baixa umidade e o forte
vento alimentaram o fogo que,
iniciado na sacristia, consumiu
rapidamente muitas partes do
monumento.
Pouco havia a ser feito para
evitar ou minimizar as perdas,
já que o lançamento ostensivo
de água, ao provocar choque
térmico, poderia causar o conse­
qüente desabamento das pare­
des. Alheios aos riscos e moti­
vados por nobres sentimentos
cristãos, membros da comuni­
dade conseguiram salvar vinte
das imagens do templo, entre
as quais a da padroeira.
Ao amanhecer, a cidade
As causas do incêndio nunca eram tristezas e lágrimas... e a
foram esclarecidas. O que se velha igreja fumegante se fazia
sabe é que o fogo se iniciou
em cinzas.
na sacristia, onde havia irre-
gularmente vários botijões De início, à cidade restou
de gás , uma pequena fábri- chorar a perda de sua impor­
ca de vela e algumas ligações tante igreja e lamentar o vazio
elétricas improvisadas. O in-
aberto na paisagem com a
quérito da Polícia Federal foi
arquivado por não conseguir decadência do seu monumento
determinar uma única causa maior. Aos poucos, um zunzun­
para o incêndio. zum foi tomando conta das
ruas e das casas. Silvio Caval­
cante, do escritório técnico do
A Matriz em chamas Iphan em Pirenópolis, assim se
no dia 5 de setembro manifestou: “Após o impacto
de 2002. do grave incêndio, que destruiu

66
boa parte da Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário em setembro de
2002, apenas três anos depois de uma meticulosa obra de restaura­
ção, ficou a questão: como a cidade enfrentaria a perda parcial de seu
maior ícone arquitetônico e urbano?”

O choque com a perda e a vontade de participar dos destinos da


cidade fizeram com que as opiniões se multiplicassem e alcançassem
posições extremadas. Havia os que apostavam na construção de uma
réplica fiel da velha Matriz e outros que, duvidando do sentido de se
recuperar o monumento, defendiam a simples manutenção do que
chamavam de “ruína”.
Essa polêmica em torno do destino do monumento sugeria, de
certa forma, a retomada do discurso teórico sobre o tema da res­
tauração, que se desenvolveu na Europa no início do século XIX.
O francês Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc (1814-1879), que defendia
uma atitude intevencionista, o restauro estilístico, entendia que o res­
taurador deveria colocar-se no lugar do arquiteto para poder dedu­
zir as partes originais dos edifícios danificados. Para ele, “restaurar
Imagens da Igreja um edifício não é mantê-lo, repará-lo ou refazê-lo: é restabelecê-lo
Matriz no dia seguinte em um estado completo que pode não haver jamais existido em um
ao incêndio. momento determinado”.

68
Legenda das imagens
O monumento

Em seus estudos, que resul- Ao contrário, o inglês John Ruskin (1819-1879), adotando uma pos­ investigação do sentido ou dos sentidos atribuídos pela sociedade ao
taram nos livros Dictionnai- tura considerada romântica, condenava qualquer tipo de intervenção, monumento histórico permite fundar uma prática”.
re raisonné de l’architecture mesmo aquelas necessárias para adaptar o edifício a um novo uso. Com base nisso, a posição de consenso do Instituto do Patrimô­
française (1856) e Entretiens
Engajado, juntamente com William Morris (1834-1896), em associa­ nio Histórico e Artístico Nacional foi apoiar a imediata reinserção do
sur l’architecture (1858-1872),
Viollet-le-Duc tinha como ções em favor da preservação de testemunhos materiais pela auten­ volume na paisagem urbana e promover a sua restauração.
objetivo a reintegração da ticidade, considerava como destino de todo monumento a ruína e a O respaldo para o enfrentamento do restauro da Matriz encon­
unidade primeira do edi- desagregação progressiva. Segundo ele, “a restauração é a destruição tra eco na tese defendida por Camilo Boito (1836-1914). Com uma
fício, excluindo as partes
do edifício. É como tentar ressuscitar os mortos. É melhor manter uma postura conciliatória e alerta aos progressos da ciência, Boito adotou
inseridas em épocas poste-
riores. Admitia, no entanto, ruína do que restaurá-la”. a concepção da restauração dos monumentos baseada na noção de
a recomposição baseada na Essas referências teóricas contraditórias deram ensejo a muitas autenticidade defendida por Ruskin, mas também reconheceu, como
analogia tipológica com ou- Viollet-le-Duc, a prioridade do presente em relação ao passado e a
perguntas e reflexões dos técnicos responsáveis pela manutenção
tros edifícios, o que poderia
da integridade e autenticidade do monumento. Seria a Matriz uma legitimidade da restauração.
significar a modificação da
estrutura e de aspectos for- ruína? O que seria uma ruína?
mais da obra em função da Quem propõe uma resposta é Silvio Cavalcante: “Para existir a
unidade de estilo.
ruína, é necessário e indispensável decorrer algum tempo, ou seja, o
arruinamento se dá, de forma progressiva, com o fluir do tempo. Com
a Matriz o que ocorreu foi um acidente grave, um violento incêndio
que rapidamente consumiu boa parte da igreja, sem que houvesse
sequer espaço para a ação do tempo. Assim, a Matriz não se tornou
ruína”.
Essa postura encontra eco na interpretação de Cesare Brandi
(1906-1988): “Só se poderá chamar de ruína algo que testemunhe um
tempo humano, mesmo que não seja exclusivamente relativo a uma
forma perdida e recebida pela atividade humana”.
De acordo com essa análise, e com a própria acepção de Ruskin, a
ruína seria a conseqüência natural de uma degradação progressiva, o
que, em absoluto, não foi o caso da Matriz.
Descaracterizada assim a condição de ruína, com base sobretudo
na integridade das imensas paredes que insistiram em se manter fir­
mes, a justificativa para a opção de restaurar a Matriz coincide com
as recomendações da Carta de Burra, Austrália (1980), segundo as
quais “a restauração deve ser efetivada quando constituir condição
sine qua non de sobrevivência de um bem cuja integridade tenha sido
comprometida por desgastes ou modificações acidentais”.
Mas o sinal definitivo para o restauro da Matriz veio da própria
Nas páginas
anteriores, Igreja comunidade pirenopolina. Afirmava-se então a necessidade de man­
Matriz no dia seguinte ter vivo não somente um templo, mas, principalmente, o símbolo
ao incêndio. maior da cultura de um povo que, havia cerca de trezentos anos,
À direita, sino, relógio vinha festejando, a partir da Igreja Matriz, a sua Festa do Divino Espí­
e porcelana, destroços rito Santo.
do incêndio.
A manifestação espontânea da sociedade de Pirenópolis em defesa
Nas páginas seguintes,
vista da Igreja Matriz do monumento não deixou dúvidas quanto ao sentido a partir do
com a cobertura qual seria fundada a prática da restauração. Dessa forma, cumpria-se
metálica. também o postulado de Alois Riegl (1858-1905), segundo o qual “só a

72 73
O restauro O salvamento emergencial A restauração deve servir para
mostrar novos aspectos em relação à
Os materiais e as técnicas vernáculas significação cultural do bem. Ela (...)
deve parar onde começa a hipótese.
As teorias do restauro
Carta de Burra, Artigo 14, 1980
O acervo documental

A tecnologia contemporânea

A obra de restauro
O salvamento Salvar a Matriz. Este era o principal sentimento de toda a comuni-
dade pirenopolina e, de fato, o que o Iphan decidiu levar adiante como
emergencial projeto. Decisão tomada, caminho traçado, providências encaminha-
das, era preciso então correr contra o tempo. E resguardar, o quanto
antes, o imenso corpo ferido da estação das chuvas que não tardaria
a chegar à região. Isso posto, o Iphan imediatamente implantou o que
chamou de UTI, uma “Unidade de Terapia da Igreja”, que pretendia
cuidar da Matriz como de um doente grave e preparar o monumento
para o futuro e delicado “ato cirúrgico” de restauração.
E logo coberturas provisórias de lona passaram a proteger as
paredes remanescentes. Em seguida, foi montada a estrutura externa
de proteção, um grande telhado metálico que, concluído às pressas,
seria o elemento capaz de, ao mesmo tempo, mitigar o impacto visual
causado pelo sinistro e resguardar as diversas etapas de reconstrução
e restauração. Sobre um gradil metálico, o monumento recebeu tam-
bém uma tela de náilon, um branco véu que trouxe a luz.
Com isso, ressurgiu um volume que, lembrando o anterior, pare-
ceu devolver à cidade a alma do seu mais sagrado símbolo. Das cinzas
veio a esperança... e foi como se a velha Matriz, apaziguando os cora-
ções, antecipasse no cenário pirenopolino a sua própria ressurreição.
Entre outubro e novembro de 2002, fez-se ainda o escoramento
emergencial. Esse procedimento, realizado a partir de três ações:
fechamento dos vãos das janelas e portas; travamento da estrutura de
madeira da fachada posterior; e preenchimento dos vãos dos esteios
danificados, localizados nas torres, destinava-se a garantir a estabili-
dade da edificação.
Em seguida, foram traçadas as diretrizes e efetivadas as medidas
para a remoção seletiva e o armazenamento dos escombros. Para o
cumprimento dessa etapa, providenciou-se a construção de um depó-
sito e a aquisição de tinas metálicas, auxiliares na tarefa de separação
dos diferentes materiais.
Durante esse processo, foram encontradas peças de possível inte-
resse museológico, como portais de janelas e portas, peças de telhado
etc. As ferragens, devidamente separadas, passaram por um minu-
Na página seguinte, cioso processo de análise e classificação.
escoramento da porta Em dezembro de 2002, foram concluídas a instalação dos tapumes
lateral. e a preparação do canteiro de obras, com definição de espaços para

78
abrigo de materiais e equipamentos, instalações para os operários,
almoxarifado e escritório técnico. Além do estabelecimento de um
sistema de fluxos de pessoas e materiais, foram definidas áreas espe-
cíficas para o material resgatado: setor terra, para o armazenamento
de adobe, telhas, tijolos etc.; setor de material peneirado de pequeno
porte, com valor museológico, em depósito fechado; setor de mate-
riais de médio porte, com valor museológico; e setor de material de
grande porte, a céu aberto.

Nas páginas ante-


riores, parede oeste
da Matriz. Ao lado e
na página seguinte,
escoramento de portas
e janelas.

82
Os materiais e as A esta altura, todos os procedimentos necessários à salvaguarda do
que restara Matriz já haviam sido tomados. Mas para equipe respon-
técnicas vernáculas sável ainda viria muito trabalho. Terminado o salvamento emergen-
Arquitetura de cial, foi o momento de todo se reunirem – técnicos, restauradores,
engenheiros, arquitetos, representantes da sociedade civil –, ao longo
terra, madeira, de meses, para rever conceitos, técnicas, teorias, discutindo sempre
pedra e metais a melhor forma de proceder ao restauro da igreja. De fato, a obser-
vação cuidadosa dos despojos da Matriz sugeriria um mergulho na
origem das técnicas e dos materiais vernáculos que, por gentes de
várias cores e mundos, contribuíram para edificar o nosso patrimônio
histórico.
Da África, veio à luz a tradição oral da arquitetura de terra, disse-
minada pelos mouros e tão bem assimilada pelos escravos africanos;
e também a arte de fundir e bem moldar o ferro para produzir sofis-
ticados artefatos. A península ibérica deixou como marca a habili-
dade dos mestres carpinteiros portugueses que, íntimos no trato com
a madeira, deixaram-nos um precioso legado de entalhes e encaixes
aprendidos durante a confecção das naus que cortaram os oceanos a
partir do século XIV. E, ainda, o tradicional ofício lusitano que, sobre
as pedras lavradas, compuseram as seculares cantarias.
Na Matriz, a presença da arquitetura de terra foi marcante, tanto
Tratou-se de ir desvendan­
do o monumento a partir de nas espessas e monolíticas paredes de taipa de pilão, responsáveis
suas entranhas semi-expos­ pelo arcabouço estrutural; nas alvenarias de adobe, presentes nas
tas, de ir fundo na busca do vedações das torres e na parte superior da fachada principal; ou nas
significado daquela Catedral
de Terra e Madeira, uma cu­
telhas coloniais. Como lembra Vasconcelos: “O uso da taipa de pilão
rio­­­sa e instigante fusão ibero- foi muito difundido nos primeiros séculos da colonização desapare-
africana, materializada em cendo quase por completo no século XVIII (...). Seria nas regiões de
terras goianas nos tempos São Paulo e Goiás que a taipa obteve maior aplicação”.
do Brasil Colônia.
Silvio Cavalcante
Terra do local, areia e argila constituíam a matéria-prima básica
da taipa de pilão. Misturas com estrume de curral, fibras vegetais
ou mesmo crina animal serviam para armar o barro com uma trama
interna. Cal e sangue de boi também entravam para aumentar a liga
Ao lado, detalhe do ou a consistência do barro. Úmida e amassada, a mistura era colocada,
assentamento do
em camadas, em formas móveis de madeira, chamadas taipais, para
adobe. Nas páginas
86 e 87, encaixe de depois ser socada.
madeira com detalhes Uma curiosidade acerca da execução da taipa de pilão pode ser
do peito de pombo. expressa pelo dito popular: “Para fazer uma boa taipa, a terra tinha

84
O restauro

de ser carregada por um coxo e batida por um doido”, o que chama nas soleiras, que costumavam emoldurar os por toda a África, os objetos de metal, além
a atenção para a necessidade de respeitar a vagareza no transportar locais de passagem na Igreja Matriz. Aos mes- do valor utilitário, possuíam um caráter sim-
e assentar e o vigor no pilar o barro, de forma a conferir maior resis- tres canteiros portugueses, peritos no corte da bólico. Por isso, o ferreiro ou forjador, mem-
tência às paredes. pedra, devem-se também as cantarias presen- bro da fechada corporação que trabalhava o
Por meio do barro cru, amassado com os pés e compactado em tes nos alicerces da Igreja. ferro, gozava, no continente africano, de uma
fôrmas de madeira, a terra produziu também os grandes blocos que, Se a metalurgia trazida da África pelos situação de prestígio, confundindo-se muitas
postos a secar primeiro à sombra e depois ao sol, formaram as alvena- escravos esteve presente desde o início da vezes com o médico-feiticeiro.
rias de adobe. construção da Matriz, materializada nas inú- A pesquisa que nortearia todo o processo
meras ferramentas como enxadas, macha- de restauro da Matriz teria o propósito de
dos, enxós, formões, ponteiros, foi na fase de “conservar e revelar os valores estéticos e his-
acabamento da obra que as peças metálicas tóricos do monumento”, fundamentados “no
ganharam esplendor na forma de grades, respeito aos materiais e às técnicas originais”,
fechaduras, chaves, cremonas, travas, dobra- conforme a Carta de Veneza (1969).
diças etc. A execução das técnicas vernáculas não
Forjados a ferro e fogo, esses artefatos per- seria possível não fosse Pirenópolis um celeiro
petuaram, por meio das mãos e da técnica dos de artesãos dos diferentes ofícios. Na cidade,
artesãos escravos, as técnicas aprendidas com a arte no trato dos materiais, aprendida ao
os povos árabes. Na tradição, que se espalhou longo da vida isolada nos rincões do Goiás e
perpetuada de geração a geração pela tra-
dição oral, chegou ainda viva ao século XXI.
Estava vivo o que preconiza a Declaração de
Tlaxcala, México (1982): “O esforço para iden-
tificar, encorajar, manter em vigor e reforçar
Abaixo, preparação de madeiras e ferragens no espírito das comunidades o prestígio e o
recolhidas do rescaldo do incêndio. Na página valor do uso de tais materiais e técnicas, justa-
anterior, assentamento de tijolos. mente onde eles existem, é urgente”.

E, como barro cozido, também era assim com parte das telhas
que cobriram a Igreja Matriz, cujas formas e dimensões guardavam
as referências antropomórficas das coxas dos escravos sobre as quais
eram moldadas. Meia-cana, canal ou portuguesa são diferentes desig-
nações das peças de barro côncavas (bica) e convexas (capa) que, no
Brasil, em reconhecimento à marca do tempo, ficaram conhecidas
como telhas coloniais.
A madeira, que teve ampla e variada utilização durante os perío­
dos da Colônia e do Império, foi também importante na construção
da Matriz. De madeira se fez quase tudo: portas, janelas, tesouras,
assoalhos, forros, balcões, balaústres, escadas, altares, o mobiliário e
a imaginária em geral. De madeira, foram feitos ainda os esqueletos
que, chamados de gaiolas, serviram de estrutura para as torres e para
as fachadas principal e posterior.
Usada ora como estrutura, ora como ornamentação, a pedra,
afeiçoada manualmente, marcou presença nos arcos, nas vergas e

88 89
As teorias do Os desafios conceituais possibilitariam um inevitável mergulho tanto
nas teorias como nos diversos exemplos de intervenções em monu-
restauro mentos atingidos por graves acidentes como guerras e terremotos.
O estudo das escolas inglesa, francesa e italiana do restauro traria
uma melhor compreensão da aventura pioneira em defesa do patri-
mônio histórico e artístico brasileiro, muito bem representada pelos
mestres Lúcio Costa, Rodrigo de Mello Franco e Oscar Niemeyer.
Figuras célebres como John Ruskin, William Morris, Eugéne Viollet-
le-Duc, Camilo Boito, Alois Riegl e Cesare Brandi marcariam presença
constante no imaginário da equipe técnica durante todo o processo
de trabalho.
Com o respaldo de um denso referencial teórico, seriam analisadas
e discutidas as várias soluções empregadas na Europa do pós-guerra:
nos monumentos das duas Alemanhas; na recuperação do centro
urbano de Varsóvia pós-nazismo; na reconstrução, após um acidente,
da Torre de San Marco em Veneza. Estudar-se-ia ainda o ocorrido em
Dubrovnik, na costa da Croácia, onde uma guerra étnico-religiosa
destruiu a cidade patrimônio cultural da humanidade.
Ademais, seriam também assimilados os conceitos desenvolvidos
no pós-guerra, quando os monumentos destruídos passaram a ser vis-
tos não apenas como documentos, mas como portadores de significa-
ção social e simbólica, e quando o restauro, além de um ato científico,
passou a ser também um ato crítico.
Afinal, a pergunta que não queria calar: no caso da Matriz de
Pirenópolis haveria um restauro ou uma reconstrução?
Tanto a reinserção do volume na paisagem como a reapropriação
de um importante ícone simbólico e cultural conduziriam à certeza de
se tratar de um campo de domínio do restauro.
Por mais cuidadosa que seja a manutenção, um monumento não
se mantém por toda a eternidade sem as inevitáveis ações de conser-
vação e restauro das características que lhe conferem originalidade e
legitimidade. Podem ser trocadas as portas desgastadas pelo tempo,
a cobertura, seu tabuado, sua pintura, sem que isso signifique uma
reconstrução.
Na Matriz, a ancestral taipa de pilão, resistindo às intempéries do
Na página seguinte, tempo e à agressão do fogo, falava mais alto e indicava a sua própria
torre do batistério. recomposição para que o tempo pudesse melhor avaliar sua trajetória.

90
O restauro

Como disse Alois Riegl (1858-1905), não


existe apenas uma postura universalmente
aceita em relação à dicotomia entre destrui-
ção e conservação; o que há são várias solu-
ções alternativas.
E, se cada caso é um caso, na Matriz cabe
reafirmar sua verdadeira restauração. Restau-
ração de sua função simbólica, social e cultural,
de sua importância arquitetônica e urbana, de
sua primazia na paisagem, de seu papel histó-
rico e, sobretudo, de sua condição de obra de
arte contextualizada no tempo e no espaço.
Para Cesare Brandi, um dos mais ferrenhos
defensores do restauro crítico, “a restauração
constitui o momento metodológico do reco-
nhecimento da obra de arte, na sua consistên-
cia física e na sua dúplice polaridade estética e
histórica, com vistas à sua transmissão para o
futuro (...) e deve visar ao restabelecimento da
unidade potencial da obra de arte, sem come-
ter um falso artístico ou um falso histórico”.

Na página anterior, colocação de andaimes


metálicos para registro fotográfico no interior
da Igreja Matriz. À direita, estrutura de madeira
das torres.

93
O acervo Além dos estudos referentes às teorias, aos materiais e às técnicas, uma
farta e significativa documentação, acumulada durante o restauro de
documental 1996-1999, indicava os caminhos para, recuperando as técnicas verná-
culas, resgatar a feição da Matriz, sobretudo considerando os recursos
contemporâneos de tratamento e reprodução da imagem.
Um acervo digital de aproximadamente três mil imagens e um
sítio próprio da Igreja Matriz, disponíveis constantemente no can-
teiro, serviria para dar apoio e conferir legitimidade às estratégias
construtivas implementadas durante o processo de restauro.
A montagem dessa base de dados constituiria, desde o início, uma
estratégia capaz de combater o empirismo que, baseado em suposições
sobre o chamado estado original da obra, poderiam resultar em meras
recriações fantasiosas, deturpadoras da verdadeira obra de arte.
O treinamento de profissionais vinculados à obra e andaimes mon-
tados especialmente para tal fim permitiriam que o banco pudesse ser
continuamente abastecido com o registro de todos os procedimentos
técnicos desenvolvidos ao longo da restauração.
De acordo com Luca Beltrami (1854-1933), defensor do restauro
histórico, o monumento é considerado um documento em si próprio,
e a restauração deve ser baseada em dados de arquivos, fotografias
etc. e na análise da própria construção.
O valor dos documentos e do próprio edifício, reconhecido desde
o início pela equipe técnica que empreendeu o restauro da Matriz,
está respaldado na Carta de Burra, Austrália (1980), em vários artigos:
“Artigo 13 – A restauração só pode ser efetivada se existirem dados
suficientes que testemunhem um estado anterior da substância do
bem; Artigo 14 – (A restauração) se baseia no princípio do respeito ao
conjunto de testemunhos disponíveis, sejam materiais, documentais ou
outros e deve parar onde começa a hipótese; Artigo 19 – a reconstrução
deve se limitar à reprodução das substâncias cujas características são
conhecidas graças aos testemunhos materiais e/ou documentais”.
Além do acervo fotográfico e dos registros escritos, o vídeo O
toque do tempo, feito durante o restauro de 1996-1999, constituiria
uma fonte privilegiada de informação. As filmagens, feitas durante o
Na página seguinte, processo de restauração concluído em 2006, resultaram em um novo
reprodução da imagem vídeo, intitulado Canteiro aberto, que, além do registro das ativida-
de Nossa Senhora. des desenvolvidas no canteiro, contém entrevistas com os profissio-

94
O restauro

nais envolvidos no restauro da Igreja Matriz.


Parte deste material pode ser encontrada no
disco anexo a este livro.
Duas maquetes, uma técnica, de madeira,
e uma artística, feita em barro; uma animação
eletrônica e duas fotografias esféricas do inte-
rior da igreja integrariam a documentação pro-
duzida sobre e a partir da Igreja Matriz. Estes
materiais eletrônicos, integram igualmente
esta publicação, sempre no disco anexo.

Fachada do Canteiro Aberto.

97
A tecnologia Tão logo ficaria clara também para os técnicos a intenção de fazer uso
dos meios tecnológicos disponíveis, capazes não somente de levar o
contemporânea
processo de restauração a um bom termo como também de garantir
ao monumento uma resistência física que o permitisse chegar íntegro
às futuras gerações.
Essa atitude vai ao encontro da tese do restauro científico defen-
dida por Cesare Brandi, segundo a qual a restauração é um ato crí-
tico-cultural do presente e, portanto, condicionado pelos valores do
presente: “Não será necessário insistir mais para afirmar que o único
momento legítimo que se oferece para a restauração é o do próprio
presente da consciência observadora, em que a obra de arte está no
átimo e é presente histórico, mas é também passado e, a custo, de
outro modo, de não pertencer à consciência humana, está na história”.
E Brandi cita Carbonara: “o restauro é um ato crítico (...) atento ao
juízo de valor necessário para superar, frente ao problema específico
das adições, a dialética das duas instâncias, a histórica e a estética”.
Essa concepção, que impõe a responsabilidade do ato de restauro
e confere legitimidade a um uso crítico dos meios contemporâneos
no processo de restauro, encontra respaldo no Artigo 10 da Carta de
Atenas (1969): “Quando as técnicas tradicionais se revelarem inade-
quadas, a consolidação do monumento pode ser assegurada com o
emprego de todas as técnicas modernas de conservação e construção
cuja eficácia tenha sido demonstrada por dados científicos e compro-
A restauração será o restabe-
lecimento da substância de vada pela experiência”.
um bem a um estado ante- Assim, quando fundamentada no respeito ao material original, a
rior conhecido; ela se distin-
manutenção de um patrimônio histórico caracteriza uma operação de
gue pela introdução na subs-
tância existente de materiais restauração. E, desde que não ofensivas ao aspecto visual e estético,
diferentes, sejam novos ou as técnicas adaptadas para garantir integridade física e a perenidade
antigos. do monumento devem ser aceitas e recomendadas.
Artigo 1º, Carta de Burra, Aus-
trália, 1980
Os laboratórios e oficinas que seriam montados no canteiro cons-
tituiriam oportunidades únicas para reciclagem e treinamento da
mão-de-obra local nos afazeres construtivos contemporâneos. A ex-
perimentação e as constantes discussões entre operários e técnicos,
Na página seguinte, bem como a utilização de novos e modernos materiais, contribuiriam
andaimes no interior para a criação de um clima de troca salutar para o aprimoramento das
da Matriz. técnicas de restauro.

98
O restauro

Finalmente, formuladas as referências teóricas, que contribuíram


para fundamentar o início do restauro, e discutidos – ampla e pontu-
almente – os direcionamentos preliminares, tratou-se de encaminhar
os procedimentos necessários à obtenção dos recursos materiais para
o empreendimento.
Por intermédio da Sociedade dos Amigos de Pirenópolis (Soap)
e pelas Leis de Incentivo à Cultura e Goyazes, foi então elaborado
um projeto que, após aprovação pelo Conselho Nacional de Cul-
tura (MinC/Pronac) e pela Agência Goiana de Cultura Pedro Ludo-
vico (­Agepel), possibilitou a captação dos recursos que permitiram dar
Abaixo, detalhes do
início às obras. Caixa Econômica Federal (CEF), Centrais Elétricas de
escoramento. Na
página seguinte, Goiás (Celg), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
plantas da Igreja (BNDES) e Petróleo do Brasil S.A. (Petrobras) uniram-se para permitir a
Matriz. recuperação do patrimônio.

100 101
A obra de restauro Em outubro de 2003 começava a Restauração da Igreja Matriz Nossa
Senhora do Rosário, que se estenderia até março de 2006. A Socie-
dade dos Amigos de Pirenópolis (Soap), organização responsável pela
proposição do restauro, convidou para executar os trabalhos a Cons-
trutora Biapó, a mesma da restauração anterior e que, justamente por
isso, já havia acumulado considerável volume de informação sobre o
monumento.
Sem perda de tempo, tratou-se de arrumar o canteiro: amplia-
ção do escritório técnico e benfeitorias na cantina e no almoxarifado
foram algumas das medidas que visavam assegurar melhores condi-
ções de trabalho. Uma guarita específica para o controle da visitação
pública foi construída na lateral esquerda, enquanto uma cobertura
provisória serviria para abrigar, na lateral direita, os adobes oriundos
dos desmontes e os trabalhos de carpintaria. Com o remanejamento
dos locais para armazenamento dos materiais resgatados e a delimi-
tação de espaços para a guarda de novos materiais, grande parte da
praça em frente à Matriz foi liberada para o uso da população.
Medidas referentes à segurança do trabalho e à quantificação
dos materiais necessários ao início da obra fizeram parte também das
ações preliminares. Depois que um alambrado marcou os novos limi-
tes do canteiro e que as placas passaram a informar sobre os patro-
cínios e os responsáveis pela obra, a repintura das telhas metálicas
trouxe a vitalidade do recomeço.
Da montagem da infra-estrutura necessária aos trabalhos, fez par­
te também o preparo de tanques para a hidratação da cal virgem.
Mas talvez o fato mais inusitado dessa fase da obra tenha sido
a construção do andaime móvel, logo apelidado carinhosamente de
Girafa de Tróia. A idéia, expressa em croquis e maquete, foi seguida
de outros desenhos com a intenção de adequar as peças às medidas de
madeira disponíveis no mercado. Uma modificação aqui, outra acolá,
com o intuito de melhorar o desempenho e facilitar a execução, e o
gigante finalmente saía do papel.
Composto de diversos módulos ligados por escadas, o andaime
ganhou guarda-corpo, corrimão e fixações para cintos de segurança.
Um assoalhado garantiu o nivelamento do piso da nave central para o
Na página seguinte, assentamento dos trilhos sobre os quais o aparelho iria deslizar e, com
Girafa de Tróia. isso, evitar os transtornos de montagem e desmontagem, facilitar o

102
acesso às paredes, ao frontão e ao telhado e garantir a segurança dos
operários.
Depois dos prelúdios, o próximo passo seria dar cabo ao desmonte
das alvenarias danificadas e aos trabalhos de estabilização estrutural.
Os primeiros alvos dessa consolidação foram as torres que, talvez pela
altura, impunham um desafio a mais.
Paralelamente, avançavam os trabalhos de prospecção e análise
e iam sendo desvendadas a história do monumento e das técnicas
que possibilitaram sua edificação. À equipe técnica – que teve, desde
o início, uma preocupação extrema com a apropriação dos saberes

À direita, detalhes
dos trilhos da
Girafa de Tróia. Na
página seguinte,
reestruturação da torre
do batistério.

104
A participação da comunidade
A comunidade pirenopolina participou de todos os momentos do processo de restauração da sua Igreja
Matriz. Primeiramente, na vontade expressa de ver o seu patrimônio maior restaurado. Depois, nas
diversas reuniões com a equipe técnica, em que, conforme relata Silvio Cavalcante, “as coincidências e
as contradições entre suas postulações contribuíram tanto para conscientizar sobre a complexidade e a
responsabilidade do ato de restauro como para amparar as decisões do canteiro”. E, finalmente, com sua
marcante presença no canteiro, garantida pela implementação da visitação guiada, com a demonstração
viva das ações em curso. Outra prova do envolvimento da comunidade é o fato de ter sido a restauração
proposta pela Sociedade dos Amigos de Pirenópolis (Soap), organização da sociedade civil composta por
pessoas da própria cidade.
Um forro leve, feito de lona azul e tela branca, preso aos vãos dos pilares metálicos da grande cobertura, foi
instalado na ala direita do edifício, no antigo consistório, para criar a ambientação adequada à exposição
Canteiro Aberto.
A fragilidade da torre sineira não a impediu de, mais uma vez, dar sustentação aos sinos que, embora
provisórios, tomados de empréstimo da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, conclamaram o povo para o
evento.

Canteiro Aberto Norteado desde logo pelos princípios de comunicação


social e pela garantia de participação da comunidade
no processo de restauro, em outubro de 2003 nasceu o
Canteiro Aberto, com o claro propósito de, “respeitando
os princípios da conservação e sobre a base de todo o tipo
de indagações prévias, restituir ao objeto, nos limites do
possível, sua legibilidade e suas condições de uso”, nos
termos da Carta de Washington (1987).
Os tapumes transparentes e uma exposição instalada no
interior da igreja tinham como objetivos principais informar
e sensibilizar a sociedade marcada pelo impacto decorrente
do acidente. A preocupação com a transparência e com
a participação da comunidade no acompanhamento dos
trabalhos foi um dos princípios fundadores do restauro
da Matriz, que coincidem com o disposto no artigo 7º na
Carta de Quebec (1982): “As pessoas que se envolverem
em ações para a preservação do patrimônio têm sempre
a responsabilidade de disseminarem informação sobre A participação e o comprometimento dos habitantes da cidade são indispensáveis ao êxito da salvaguarda
esse patrimônio, de implementarem procedimentos para e devem ser estimulados. Não se deve jamais esquecer que a salvaguarda das cidades e bairros históricos
a garantia da circulação das idéias, de incentivarem a diz respeito primeiramente a seus habitantes.
participação da comunidade”. Carta de Washington, 1986
Logo na abertura, a mostra contava a história da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário, fazendo Durante o tempo da obra, a exposição Canteiro Aberto
referência também aos muitos pirenopolinos que, ao longo do tempo, foram seus fervorosos fiéis. De lá, transformou-se em um evento itinerante, que passou a se
por uma improvisada passarela-mirante, os visitantes podiam tanto observar o andamento dos trabalhos deslocar pelos ambientes do edifício, conforme as necessidades
no corpo principal do edifício, como atravessar a nave e continuar o caminho até a ala esquerda. Ali, na de liberação dos espaços para a atuação das frentes de trabalho.
antiga sacristia, junto às negras imagens do incêndio, fazia-se a luz da ciência que, manifestada por meio Das salas laterais, instalou-se na nave central e, desta, retornou
dos painéis e corpos de prova dos estudos e ensaios, abria as portas para a esperança de recuperação da às salas anteriores. Essas mudanças, a que correspondiam
velha Matriz. também atualizações dos elementos expostos, acabavam por
Inaugurada no dia 29 de maio de 2004, com a presença de autoridades estaduais, municipais e dos criar, na pequena Pirenópolis, pretextos para justificar novas
patrocinadores da obra, a exposição foi visitada, no primeiro dia, por mais de quinhentas pessoas. visitas. E lá estava a comunidade atenta aos cuidados com o
Um questionário disponível na exposição foi a forma encontrada para uma consulta popular sobre a solu- seu mais importante patrimônio material.
ção para os elementos artísticos, um desafio a ser enfrentado na fase final do processo de restauro. Em suas idas e vindas e distintas ambientações, a exposição
Canteiro Aberto foi visitada por mais de 52 mil pessoas.

A sobrevivência desses testemunhos só estará


assegurada se a necessidade de sua proteção for
compreendida pela maior parte e, especialmente
pelas gerações jovens, que por eles serão res­
ponsáveis no futuro.
Manifesto de Amsterdã, 1975

A preservação e o apreço do patrimônio cultural permitem, portanto, aos povos defender a sua soberania
e independência e, por conseguinte, afirmar e promover sua identidade cultural.
Declaração do México, 1985
O barro empregado devia construtivos vernáculos que remetiam à própria condição original do
ser escolhido e, se bem que monumento – impunha-se a consciência de que o processo de res-
a técnica de sua escolha não tauro dependia, ainda, de outros três princípios: a incorporação do
se tenha conservado com
saber tradicional; o uso dos recursos contemporâneos de produção,
detalhes, pois dependia dos
artesãos que a praticavam e tratamento e reprodução da imagem, e o domínio de sistemas cons-
da tradição oral, sabe-se que trutivos atualizados.
deveria incluir determinada No caso da Matriz, cujas paredes alcançavam alturas de até 12
mistura de terra com areia e
metros, era preciso redescobrir a mistura adequada para a taipa de
argila, pelo menos para que
se conseguisse maior agluti- pilão; embora fosse conhecida, os livros pouco ensinavam sobre a
nação e menor possibilidade medida certa que precisaria ser utilizada para conferir resistência às
de desintegração, como ra- paredes da igreja.
chaduras e fendas.
Assim, para aprofundar o estudo sobre a composição da mistura,
Sylvio de Vasconcellos
o próprio canteiro abria espaço para um Laboratório de Terra, onde
diversos ensaios de resistência dos materiais e aderência entre a taipa
remanescente e a nova seriam realizados.
Para se avaliar mais especificamente a resistência à compressão,
foi montado, na área do altar-mor, um grande taipal que, subdivi-
dido em oito células independentes, foi enchido com terra – retirada
de paredes de taipa da própria igreja – de diferentes granulações e
texturas, ou com misturas em proporções diferentes de terra e cal
virgem.
O resultado dos testes, feitos com um equipamento chamado
penetrômetro, que permite medir a resistência ou a dureza de um
corpo ou de uma superfície, demonstrou que o bloco de taipa que
apresentou maior resistência foi integrado por 80% de terra cole-

Nas páginas
anteriores, entrada da
Exposição Canteiro
Aberto. À direita,
recomposição de taipa.
Na página seguinte,
estruturação da gaiola
da torre.

112
O restauro

tada no depósito da Igreja, acrescida de 20% de cal, socada com pilão de cal foi aplicada à alvenaria antiga antes da execução da taipa nova.
grande. Entre os dois tipos de mistura de cal – uma com areia grossa e outra
Com o intuito de aprimorar a técnica, foram testados ainda outros com areia fina –, a primeira apresentou aderência superior em relação
tipos de pilão, que permitiam o apiloamento em diferentes ângulos e à segunda.
espaços, e outro taipal, que possibilitava a confecção de blocos maiores. Seguiram-se novos experimentos, agora com a inserção, nas pare-
Uma primeira verificação da aderência entre a taipa nova e a rema- des de taipa remanescentes, de diferentes fibras de náilon e de fibras
nescente foi feita por meio do teste de chapisco, em que uma aguada de vidro, e os orifícios preenchidos com taipa e feixes de náilon apre-
sentaram melhor aderência do que os ocupados com fibras de vidro.
Enquanto era feita a identificação e a localização dos testemu-
Testes com traços para a taipa realizados no canteiro nhos dos níveis de piso na nave central e no altar-mor, tinham início,
1. Terra pura, do depósito de terra da igreja, socada com pilão grande; a partir de um dos pilares, os trabalhos de prospecção da estrutura da
2. Terra pura, do depósito de terra da igreja, com pilão pequeno; torre do batistério. Durante esses procedimentos, uma curiosidade:
3. 95% de terra do depósito da igreja, acrescida de 5% de cal virgem seca, socada com pilão pelo tipo de corte feito na pedra, verificou-se que o referido pilar
pequeno; havia sido instalado após a execução das fundações de pedra e da
4. 90% de terra do depósito da igreja, acrescida de 10% de cal virgem seca, socada com alvenaria de taipa.
pilão pequeno;
Andaimes metálicos, montados no interior das torres sineira e do
5. 85% de terra do depósito da igreja, acrescida de 15% de cal virgem seca, socada com
batistério, permitiam avaliar sua estabilidade. A desmontagem de
pilão pequeno;
partes do terceiro pavimento, de ambas as torres, deu-se em função
6. 80% de terra socada do depósito da igreja, acrescida de 20% de cal, socada com pilão
pequeno; da desagregação parcial da alvenaria.
7. 95% de terra do depósito da igreja, acrescida com 5% de cal, socada com pilão grande; Depois das alvenarias, foi a vez da retirada do madeiramento.
8. Terra pura, vinda da limpeza e abertura dos buracos dos pés de pilar da torre sineira, Os cantos externos da torre do batistério foram abertos para remo-
socada com pilão grande. ção das madeiras queimadas, sendo a limpeza dos vazios seguida de
Maior resistência à penetração: traço 8 aguadas de cal.

114 115
O restauro

Enquanto as peças em bom estado iam sendo separadas e identi- e a outra, terra remanescente da igreja, em camadas entremeadas
ficadas para reutilização, as danificadas eram descartadas e contabili- com uma tela plástica. A tela, gerando uma linha de força, impediu a
zadas para posterior substituição . necessária coesão entre as camadas socadas em dias diferentes.
A continuidade da estabilização das gaiolas da torre do batisté- E fez-se mais um experimento. A manutenção da tela plástica
rio deu ensejo a novos testes, tendo sido inclusive cogitada a possi- entre as camadas e a continuação do apiloamento, após um período
bilidade de uma solução mista, em que o travamento ficaria a cargo de 24 horas, resultaram em dois corpos de prova: um com terra nova
de amarrações metálicas. Das discussões entre a equipe técnica e os e outro com a terra da igreja.
carpinteiros resultou a opção por um sistema de encaixes de madeira A seguir, uma base de concreto foi preparada para receber uma
com amarrações, entre o travamento e o pilar, em todos os sentidos. parede de taipa – desta vez com o acréscimo de apenas 7 centímetros
Estudadas antes em separado, madeira e taipa deveriam agora por dia. O propósito era permitir a observação do comportamento
funcionar integradas: a consolidação das torres dependia de uma base diário das trincas. Os dois ventiladores de teto, instalados acima da
de taipa que receberia as peças de madeira. Fez-se, então, um novo fôrma, provocavam uma secagem muito rápida da taipa, ocasionando
ensaio, com a confecção de soquetes especiais para o apiloamento da trincas.
taipa. Após a desmontagem dessa parede-teste, foi iniciada a constru-
Em seguida, no interior da torre do batistério, foi feita a concre- ção de outra parede, dessa vez sem o uso de ventiladores.
tagem em uma cavidade correspondente a um dos pilares, procedi- Com o objetivo de descobrir a terra mais próxima da original usada
mento que apenas seria estendido aos demais buracos após a devida na igreja, foi repetido o teste do vidro. Às amostras coletadas em jazi-
avaliação. das da cidade juntou-se a terra trazida da cascalheira do Morro Grande,
Com a retirada dos testemunhos dos esteios do coro, fez-se o pro- no município de Corumbá, retirada de uma profundidade maior que a
longamento dos trilhos para a passagem do andaime móvel, ora capaz do material normalmente comercializado em Pirenópolis.
de chegar até a porta principal da igreja. Ao mesmo tempo, concluía- As técnicas, até então desenvolvidas no Laboratório de Terra,
se o corpo do aparelho: o aumento do número de rodas implicava foram postas primeiramente em prática na torre do batistério. Para
uma melhor distribuição das cargas, e uma alta escada possibilitava o garantir maior aderência, as trincas pré-existentes na taipa antiga
acesso aos cinco andares. foram abertas, sendo inseridos, nos orifícios, feixes de fios de náilon,
Assim, a Girafa de Tróia estava definitivamente pronta para os logo apelidados de “rabos de cavalo”.
novos desafios, antes escondidos nos altos do grande corpo sacro. Quando a taipa nova alcançava a altura dos fios de náilon, estes,
Enquanto isso, no Laboratório de Terra, prosseguiam os trabalhos previamente chumbados na alvenaria antiga, eram abertos. A taipa,
dedicados à reconstituição da técnica para a execução de um taipal: que continuava a ser executada com a inserção do náilon, encarregava- Detalhes da colocação
uma fôrma feita de tábuas horizontais de ipê deveria se movimentar se então da vedação das cavidades deixadas pelos antigos esteios. do rabo de cavalo.
no sentido vertical quando a taipa atingisse a altura limite.
A deformação desse primeiro molde levou à confecção de um
novo que, reforçado com pranchões de madeira, deu origem à pri-
meira camada de taipa. No entanto, a continuidade do apiloamento
até a borda da fôrma deixou dúvidas quanto ao material – terra não
original da igreja – utilizado no ensaio.
A comparação entre a terra oriunda da igreja e a proveniente das
cascalheiras da cidade veio com o teste do vidro, cujos objetivos eram
averiguar a composição do material original utilizado na construção
da igreja e descobrir o tipo de terra nova que melhor se adequaria ao
edifício.
Depois de uma semana de apiloamento, a parede resultante, ao
atingir a altura de 2,20 metros, apresentou deficiências quanto à coe-
são entre as diferentes camadas de 7 centímetros de espessura.
Um novo procedimento foi tentado com uma fôrma pequena
de madeira, dividida em duas partes iguais: uma recebeu terra nova

116 117
Mais adiante, tinha início o travamento,
com entalhes do tipo macho e fêmea, entre
as madres externa e interna. Solo-cal fluido
serviu para preencher a região entre a a
madre e a parede, já que no térreo da torre
do batistério não havia espaço suficiente
para o apiloamento da taipa.
Depois de concluído o travamento
interno, chegou o momento de preparar as
colunas de andaimes para possibilitar a colo-
cação e as emendas dos esteios, na altura do
piso do coro.
Os mesmos procedimentos referentes
aos travamentos horizontais dos pilares
internos foram adotados no segundo pavi-
mento. E, a partir da colocação do anel de
travamento do terceiro piso, seguiu-se o
desmonte das instáveis paredes laterais dos
altos da torre.
Ao mesmo tempo em que os ensaios
no Laboratório de Terra e os desenhos das
peças dos travamentos internos antecipa-
vam os próximos atos, os diferentes atores
ocupavam seus espaços nas diversas frentes
de ação. Os pedreiros dedicavam-se à con-
tinuidade da estabilização das alvenarias,
enquanto os carpinteiros davam feitio aos
protótipos de madeira e os serralheiros já
se preparavam para forjar os aparelhos de
reforço dos pilares.
Sobre a base de concreto, uma peça de
ferro à espera do pilar de madeira fazia com
que os alicerces, tornando-se menos vul-
neráveis à ação do tempo, assegurassem a
integridade da velha catedral de terra.
Tratados contra a ação do cupim, os
pilares iam paulatinamente sendo coloca-
dos sobre os aparelhos de apoio, já devida-
mente limpos e submetidos à aplicação de
zarcão verde.
Com a demolição das alvenarias do ter-
ceiro pavimento, iniciaram-se também os
trabalhos de estabilização interna da torre
sineira. Os mesmos procedimentos de reti-

118
O restauro

rada do madeiramento danificado, limpeza das locas dos pilares, externa da camarinha e em um portal interno da sala do consistório.
estabilização das alvenarias, concretagem das fundações dos pilares O exemplar original havia sido retirado no restauro de 1996-1999 e
e colocação dos aparelhos metálicos de apoio, já adotados com êxito estava guardado no escritório do Iphan em Pirenópolis. Esse elemento
na torre gêmea, foram repetidos na torre sineira, onde, durante a veio a servir de molde para o entalhe de madeira que passaria a com-
prospecção na cantaria externa, foram encontrados vestígios de uma por o novo portal.
antiga escada. Mas o grande desafio ainda estava por vir: o fogo, cavando a
E logo as atenções voltavam-se para o fundo da nave, onde a espessa parede, havia deixado, entre outras marcas, uma impressio-
camarinha já clamava pela estabilização de suas estruturas. nante espécie de arco de taipa acima da porta à direita da nave.
Feitas as prospecções das fundações, foram sendo retirados, um a A solução para o problema poderia se dar por meio do preenchi-
um, os pilares de madeira das gaiolas interna e externa. Uma limpeza mento do vazio com taipa ou pelo desmonte do arco. A possibilidade
deixou prontas as bases para receber o concreto ciclópico e, depois do de uma fraca aderência da taipa nova à porção remanescente, com
chapisco dos pilaretes de concreto e do nivelamento do piso interno, o conseqüente risco de desestabilização estrutural em uma parte tão
chegava-se ao entalhe e à colocação dos esteios. vulnerável da parede, levou à segunda opção.
O futuro da Matriz pedia uma pausa para as medidas preventivas: Assim, o arco de taipa tinha que ser retirado sem, no entanto,
asfalto para os esteios enterrados, inseticida e óleo de linhaça para as comprometer o restante da parede que permanecia firme. Todas as
peças de madeiras da ossatura das gaiolas. Assim também, a secular providências foram tomadas para que a deconstrução do imenso bloco
história do monumento reclamava seus direitos: a limpeza do entu- de terra não causasse seqüelas ao já tão avariado corpo sagrado: pró-
lho tinha que ser criteriosa, pois as madeiras íntegras deveriam ser ximo ao arco, nas faces interna e externa, uma cama de madeira foi
aproveitadas, bem como toda a terra da taipa original teria que ser montada para amortecer o impacto da queda da terra no chão; e os
recolhida, triturada e peneirada para ser reutilizada nas novas taipas pilares metálicos, localizados em frente ao arco de terra, foram prote-
e adobes. gidos por colunas de andaimes.
Na página anterior, Um detalhe interessante nessa etapa ficou por conta da verga da Finalmente, tudo pronto para o corte hidráulico, tão esperado por
Laboratório de Terra. porta externa da camarinha – um tipo de verga que só existia na porta todos os operários e membros da equipe técnica. Um... dois... três... e

120 121
O restauro

o possante jato de água, ao ferir a taipa, fez o maciço de terra voltar curto e seguro. As experiências adquiridas no cativar e domar a terra Todos os esteios e madres
ao pó. já permitiam pensar numa fábrica dos adobes de pilão para completar da torre do batistério foram
Depois do desfazer, o refazer: o pó, ressuscitando em uma nova as porções de alvenaria ausentes. imunizados com veneno con­
tra cupim e óleo de linhaça.
taipa, ia lentamente se apossando do novo lugar deixado vazio. Depois da experiência com os taipais, o novo encontro entre as
As peças que ficam em con-
Agora era preciso cuidar do verdadeiro arco que emoldurava a artes da madeira e da terra exigia ainda mais da maestria carapina tato com a taipa receberam
porta lateral direita. Feita com terra seca misturada com seixo de – termo de origem tupi que designa carpinteiro. Agora, tratava-se aplicação de asfalto frio.
fundo de rio, a chamada taipa de formigão localizava-se sob o berço de entalhar, em cedro, uma fôrma, que, chamada popularmente de
do arco. Os primeiros passos foram a retirada da taipa de formigão ganapa, substituía a coxa dos escravos na modelagem das telhas de
e o desmonte do escoramento de tijolos, feito durante o salvamento barro. Feito a partir do exemplar de uma telha industrializada, o
emergencial. Novas escoras de madeira, para assegurar a integridade molde destinava-se à produção artesanal das telhas-capa da igreja,
do arco, permitiram os trabalhos de desmontagem e concretagem das em um claro contraponto com as telhas-bica de origem industrial.
partes danificadas. Com a consolidação entre as gaiolas interna e externa, dava-se
Faltava ainda preencher o buraco existente acima desta porta. continuidade à estabilização estrutural da torre do batistério. Andai-
Após o deslocamento das pedras para o local, foi providenciada uma mes metálicos ao redor da torre, que facilitariam também as emenda
primeira argamassa que, feita de areia e cal, não apresentou a neces- dos pilares, serviam para os trabalhos de prospecção e remoção das
sária aderência. A solução veio finalmente com uma argamassa de madres externas.
terra, areia e cal, com traço 2:1:1. Depois de impermeabilizadas, as madres foram fixadas em seu
Na região acima do arco, o preenchimento interno com adobe foi locais definitivos, sendo os espaços entre a madeira e a taipa preen-
suspenso depois que a prospecção na porta lateral esquerda confir- chidos com uma massa de concreto, sobre a qual seria levantada uma
Nas páginas
mou tratar-se de uma região oca. nova alvenaria.
anteriores, desmonte
do escoramento Mal as tarefas iam sendo desemcumbidas pelos hábeis operários Enquanto prosseguia o apiloamento da taipa para o fechamento
da porta central da e já os técnicos, dando tratos à bola, preparavam novos desafios. Das dos pavimentos superiores, era iniciada a recuperação da janela facha-
Matriz. fôrmas de fazer a taipa para os moldes de fazer o adobe foi um passo deira do segundo pavimento e a porta de acesso ao batistério.

124 125
O restauro

A remoção dos escoramentos da janela foi feita em duas etapas: Procedeu-se, ainda, ao fechamento das trincas e também dos ori-
em primeiro lugar, a retirada dos adobes localizados acima do arco de fícios localizados na taipa original, abertos para a colocação de peças
tijolo cerâmico; em segundo, a remoção do escoramento de madeira. novas de madeira, de chumbadores ou, ainda, de taipais.
A esquadria dessa janela foi executada a partir de um molde da verga E eis que os caprichos com a madeira voltaram a ocupar mãos e
curva, na escala de 1:1, e uma fôrma foi especialmente confeccionada mentes: ao desenho da escada da camarinha somaram-se a execu-
para execução da taipa das bonecas da referida porta. ção do barroteamento do piso por trás do altar; do entalhe e colo-
Mas o desafio maior na torre do batistério ficou por conta da cação dos pilares de sustentação da padieira; do assentamento da
montagem da abóbada de tijolo, uma peça espacial executada exa-
viga principal, com entalhe tipo ganzepe; e da preparação das tábuas
tamente de acordo com a técnica original do século XVIII. Confeccio-
da padieira que, após cortadas e lixadas, receberam encaixes do tipo
nados os moldes de madeira, vieram os saiméis, tijolos que deram
meia-madeira.
origem à curva. Sobre estes, as aduelas foram progressivamente reco-
Prontas as peças, era chegada a hora da colocação das padieiras,
brindo a superfície côncava até atingirem o fecho da arcada.
tanto na passagem da camarinha para a escada de acesso à sala térrea
Liberados da torre do batistério, os andaimes metálicos, ora mon-
tados na torre sineira, permitiam a continuidade dos trabalhos de do consistório, como acima das janelas da parede posterior.
estabilização estrutural. A taipa original da parede-meia com a camarinha deu lugar a
Com exceção dos espaços entre as madres internas e as paredes novos experimentos. Para a consolidação das trincas, empregou-se
que, na torre sineira, foram preenchidos com taipa, os demais pro- uma bomba injetora de concreto – a chamada bomba-sapo, alimen-
cedimentos de consolidação entre os travamentos interno e externo tada com uma mistura de terra acrescida de 20% de cal. E, com o
seguiam os passos já trilhados em relação à torre do batistério. objetivo de aumentar ainda mais a resistência das paredes, optou-se
Na camarinha, além da consolidação entre as gaiolas interna e pelo acréscimo de baba de cupim sintética à mistura da taipa, na pro-
Nas páginas
externa, dava-se seguimento à execução das alvenarias de pedra e porção de 200 mililitros para cada 15 litros de água.
anteriores, operários
trabalhando na adobe. Nessa parte da igreja, a pedra foi usada no alicerce e no con- Fruto da moderna tecnologia bioquímica, o aditivo, conhecido
camarinha e na traforte da parede lateral esquerda, ao passo que os vãos da parte popularmente pelo nome de baba de cupim, corresponde a uma celu-
fachada posterior. posterior foram preenchidos com adobe. lose sintética, que passou a ser produzida industrialmente a partir de

128 129
O restauro

pesquisas sobre os cupins e suas engenhosas lica servia de armadura para a camada de concreto, sobre a qual fia-
construções com o barro cru. das de adobes encarregar-se-iam dos remates da alvenaria.
Eis que a obra adquiria agora um cará- Com a locação das travas superiores da torre, os contraventamen-
ter sinfônico: num ritmo quase frenético, tos, recém-entalhados, já tomavam seus lugares. Vieram os contra-
os diferentes timbres de máquinas e instru- feitos e logo acima as ripas, sobre as quais se acomodaria a sinuosa
mentos de ofício comandavam os toques superfície das telhas de barro. Com o emboço das telhas e a instalação
de todos. Enquanto os muitos adobes iam dos rufos, a torre do batistério recuperava seu cobrimento.
sendo executados em frente à igreja e os tai- E mais um tempo para o cuidado com as madeiras. Após a aber-
peiros levavam adiante a delicada tarefa de tura de jaibros macho e fêmea nos pilares internos à alvenaria da
completar com taipa as avarias das paredes torre, todo o madeiramento exposto, depois de imunizado, foi tra-
originais de terra, os carpinteiros já escul- tado com óleo de linhaça.
piam nas madeiras as mais variadas peças. Apesar das diferenças localizadas, o êxito dos trabalhos na torre
Cachorros, frechais e caibros, para os telha- do batistério indicou o caminho seguro para prosseguir. Dessa vez, as
dos das torres, e arcos de canga, para as pri- palavras de ordens – consolidar, travar, entalhar, completar, contra-
meiras janelas, seguiam à risca os desenhos ventar, montar e outras tantas modalidades do fazer – passavam a
decalcados dos registros fotográficos e das ecoar por todos os cheios e vazios da torre sineira.
peças remanescentes. Também os serralhei- Repetia-se o afã ininterrupto e concomitante das ações: a aplica-
ros, acompanhando a lida, davam forma às ção de injeções de solo-cal fluido (uma mistura líquida de terra, cal e
braçadeiras metálicas que seriam colocadas baba de cupim sintética) nas trincas da taipa coincidia com o preen-
nas extremidades dos imensos tirantes de chimento dos vazios ao redor das peças responsáveis pelo travamento
madeira. entre as gaiolas internas e externas.
Na orquestração dos feitos e por fazer, Só a chegada das chuvas conseguiu provocar alguma alteração na
aos técnicos cabia o zelo pela harmonia e cadência dos trabalhos: a colocação das salientes cimalhas nos arre-
o domínio dos tempos. Uma atenção agu- mates do telhado foi adiada para esperar que os cedros estivessem
çada, ao mesmo tempo no passado e no completamente secos e prontos para receber os entalhes.
presente, servia para fiscalizar, avaliar e cor- Muitos operários dedicavam-se também à camarinha. Uns na
rigir. Mas o andamento da obra implicava ir faina de assentar os adobes; outros na cura das avarias da parede
além: somente o criar, o desenhar e o plane- partilhada com o altar-mor; outros mais, no corte das tábuas para o
jar antecipavam os passos seguintes. piso. Ao mesmo tempo, havia os que se desencumbiam do içamento
E assim os tempos iam dando forma das madres, que mais adiante ocupariam seus lugares.
aos espaços. Distribuídos pelos pavimentos, E mais um compasso de espera por imposição da técnica. A colo-
o conjunto de gentes e ferramentas, asso- cação das madres nessa região só deveria ocorrer após a definição dos
ciando as peças aos lugares, ia desvendando níveis dos frechais do telhado da nave. Outra providência relacionada
o enorme quebra-cabeça. à regularização dos níveis foi a fixação, ao longo do topo das paredes
Tão logo as madeiras eram entalhadas laterais da camarinha, de pranchas de madeira, sobre as quais seria
e transportadas por estes e aqueles, e já nas colocada uma camada de concreto.
alturas uns montavam os caibros que, encai- Ao mesmo tempo, a fachada principal tornava-se objeto da aten-
xados entre os espigões e os frechais, pas- ção dos técnicos. Pequenas dúvidas, quanto à locação das janelas,
savam a compor a estrutura do telhado da foram logo sanadas e transformadas no sinal positivo para o início
torre. E outros, mais abaixo, trabalhavam da colocação dos primeiros arcos de canga. Enquanto isso, pedreiros,
no acabamento das bonecas e na consolida- num trabalho paciente e minucioso, seguiam tampando, com o auxí-
ção das janelas. lio da bomba injetora, os interstícios entre os tijolos de adobe. Nas páginas
Sobre os arcos de tijolos, feitos segundo À medida que iam sendo retiradas as escoras de madeira e que anteriores, chapisco e
molde vindo da carpintaria, uma tela metá- as cicatrizes das paredes iam desaparecendo, a grande fachada ia reboco da torre sineira.

132 133
O restauro

Fórmula da taipa aditivada: deixando à mostra os seus cheios com paredes e os seus vazios de Pedreiros, carpinteiros e técnicos estavam agora irmanados na
10 litros de água + 20 latas
janelas. tarefa de preparar a base para o pouso da cobertura da nave central.
(18 litros) de terra + 4 latas
(18 litros) de cal + 2 litros de Mais trabalho e também mais emoções. Durante a troca da madre Primeiro as fôrmas e o assentamento da taipa, depois as pranchas de
baba de cupim + 1 lata (18 li- sob o óculo, para a consolidação do frontão, um dos pedreiros encon- madeira, mais adiante a armação de ferro para o lastro de concreto,
tros) de cimento. trou um ninho das corujas suindaras, antigas moradoras da Matriz. e logo o topo das paredes estaria devidamente nivelado para receber
Uma pausa para rememorar a presença das simpáticas guardiãs, e a estrutura do telhado.
o arco cruzeiro entrava na ordem de serviço. Preenchimento de trincas, Dos desenhos, o protótipo feito com linhas... e deste, o molde em
assentamento de adobes, concretagem do topo das paredes-septo, madeira, sobre o qual se debruçaram os olhares aguçados no intento
encaixe dos frechais, e logo seria içada a primeira tesoura-teste. de perseguir as derradeiras falhas. Afinal, a crença no acerto permi-
Também da porta lateral esquerda ocupavam-se ainda técnicos tia até uma eventual ausência dos técnicos, já que agora cabia tão-
e operários: uma limpeza entre o arco e a cama de madeira deixava somente aos mestres carapinas a missão de reproduzir, nas 24 tesouras,
livre o espaço para o novo arco de tijolos que, baseado em um molde as artes em madeira que iriam descansar nos altos da nave central.
de madeira, seria executado depois da consolidação das alvenarias. Mas não somente das tesouras ocupavam-se então os carapinas.
As preocupações com a falta de prumo e com o abaulamento das Ao telhado maior faltavam ainda guarda-pós, ripas, caibros, contra-
paredes da nave central e do arco do cruzeiro levaram a mais pesqui- feitos, contraventamentos. Da aproximação do metal com a madeira
sas: cinco testes de taipa e um de concreto foram realizados com o resultariam ainda os cachorros, cujos perfis deveriam se submeter ao
intuito de encontrar a melhor forma de apoio para os frechais. feitio ditado por um molde metálico.
Depois do exame dos prós e dos contras, prevaleceu a opção pela Encaminhadas as muitas tarefas referentes aos entalhes das peças
taipa que, aditivada com a mistura de cimento e baba de cupim e do telhado, inclusive a lavra das madeiras para os pesados tirantes,
entremeada com tela plástica, porporcionaria o suporte dos frechais aos carpinteiros era exigida agora uma coordenação ainda mais fina,
externos da nave-central.

134 135
A cal é um aglomerante que adequada ao trato com os leves e delicados ornatos como as cimalhas
endurece em presença do e os lambrequins para os remates do frontão.
gás carbônico do ar. A quei- Afastados dali, os ajudantes davam início à hidratação da cal vir-
ma da rocha calcária, proces-
gem – processo popularmente chamado de queima. Era preciso cuidar
so de calcinação, ocorre nos
fornos industriais. O termo para que a massa branca diluída na água não entrasse em contato
queima da cal é usado po- com o ar durante os três meses em que deveria ficar armazenada.
pularmente para designar o Na região do coro, outros operários concretavam os pilares de sus-
processo de hidratação da
tentação e davam seguimento à consolidação da taipa original, tanto
cal virgem.
por meio da aplicação de injeção de solo-cal líquido nas trincas como
do preenchimento, com taipa, dos locais de engaste da viga do coro.
Paralelamente, os arcos das portas da torre sineira eram limpos
com jatos de água para receberem as telas metálicas destinadas a
armar as camada de 15 centímetros de concreto. Acima destas, foram
realizados, nos sentidos transversal e perpendicular, septos de tijolos,
que auxiliariam na execução da taipa.
Mas eis que, contrariando a tradicional divisão do trabalho no
canteiro, os operários teriam de se livrar momentaneamente dos seus
afazeres de rotina: a operação de transporte dos tirantes de madeira
exigia a colaboração de todos, pois somente o braço coletivo faria
com que as toneladas de madeira, adentrando o espaço da igreja,
pudessem alcançar sua morada definitiva.
De volta a seus postos de trabalho, os carpinteiros trataram de
ultimar a produção das tesouras, que logo seriam içadas. Um sistema
em ziguezague serviria para o travamento das tesouras, enquanto um

À direita, detalhes do
encaixe de madeira.
Na página seguinte,
encaixes múltiplos de
madeira.

136
aparelho metálico de apoio contribuiria para a fixação, por meio de
parafusos, dos tirantes nos frechais do telhado.
Na capela-mor, o içamento das tesouras foi dificultado, já que o
pé-direito da região impossibilitou o acesso do andaime móvel.
As chuvas trouxeram novas mudanças nos tempos, e também nos
espaços: as tesouras cederam lugar aos adobes. Devido à umidade
excessiva, os adobes de pilão passaram a ser produzidos no interior da
nave-central enquanto uma cobertura de lona foi improvisada para a
continuação da montagem das tesouras em frente à igreja.
Uma nova convocação geral afastaria novamente os operários
de seus deveres específicos. Todos, auxiliados pelo andaime móvel e
pelas padiolas, deveriam solidarizar-se no mutirão de carregamento e
alçamento das telhas até cobertura, de onde seriam distribuídas pelas
águas do telhado.
Poucos detalhes faltavam então para que a cobertura da nave-
central ficasse pronta. Depois de montadas e fixadas, as calhas próxi-
mas às torres foram pintadas com tinta emborrachada. Os elementos
faltantes – como cimalha, lambrequim e mãos-francesas – viriam pôr
termo ao acabamento da imponente cobertura.
Na capela-mor, além do fechamento do tímpano da fachada pos-
terior com tijolos de adobe, houve o encaixe dos cachorros e o telha-
mento do frontão. Nesse ínterim, na carpintaria, confeccionavam-se

Ao lado, desenhos das


tesouras. Na página
seguinte, detalhes da
colocação do telhado.

138
os moldes para posterior execução do forro e da escada de acesso à
camarinha. Além disso, as tábuas do assoalho foram fixadas nos bar-
rotes, e depois imunizadas.
Também a sacristia tornava-se palco de novas ações. Além do
assentamentos de marcos de portas e janelas, com devidos comple-
mentos de alvenarias de tijolos e taipa, foi executada uma nova taipa
sobre as paredes externas. Limpos os topos e umedecida a taipa ori-
ginal, seguiu-se a aplicação da aguada de cal, a fixação dos rabos-de-
cavalo e, finalmente, o apiloamento.
Sobre torres de andaime, uma plataforma foi montada na região
da sacristia para garantir melhores condições de trabalho aos operá-
rios encarregados de retirar, da parede de taipa contígua à capela-
mor, os resquícios da viga do telhado e os antigos frechais. O mesmo
método seria posteriormente adotado para a remoção de viga similar,
remanescente no telhado do consistório.
Em seguida, foram fixados os novos frechais nas duas paredes
laterais: as peças internas receberam encaixes e as externas, o acaba-
mento de peito-de-pombo. Depois de os caibros serem encaixados à
meia-madeira e parafusados no frechal da parede direita e somente
encaixados no frechal da parede esquerda, foram fixados os cachorros
e as ripas, tendo sido impermeabilizadas com piche as peças que fica-
riam em contato com a taipa.
Todavia, era na nave-central que se desenvolviam as tarefas de
maior impacto.
Tratava-se do engaste da grande viga de sustentação do coro
que, com um comprimento de 13,35 metros, era composta de três
partes. Depois de erguida a peça central de 9 metros, suas extremi-
dades ganharam os entalhes dos encaixes para ligação com os pilares
do coro e com as duas outras peças laterais. Cavidades abertas nas
paredes de taipa tornaram-se o reduto para o lastro de concreto que
serviria de espera para a viga.
De um dos lados, os barrotes de sustentação do piso do coro foram
engastados nessa viga, por meio de encaixes do tipo ganzepe de
nível. Do outro, os que atingiam a parede do frontão foram inseridos
na taipa. Pronto o barroteamento, veio o assoalhado que, do coro,
estendia-se às torres. Cavilhas de madeira – técnica bastante íntima
aos carapinas pirenopolinos – serviram para a fixação das tábuas aos
barrotes.
Uma vez mais era preciso recomeçar os ensaios, agora relativos
às misturas para o chapisco e o reboco. Após os experimentos, con-
cluiu-se que a argamassa mais adequada ao chapisco seria feita com
Na página seguinte, cimento, cal e areia lavada, traço 1:2:8; e o reboco levaria cimento,
aspecto geral do cal, saibro, areia lavada, traço 1:2:1:8. Primeiro a cal seria misturada
telhado da nave. à areia saibrosa e, após uma semana, seria acrescentado o cimento.

140
O restauro

Próximo às calhas, seria adicionado impermeabilizante ao reboco e,


nas salas lateriais, o contrapiso seria feito com cimento, brita e areia,
traço 1:4:5.
No teste prático do reboco, feito em uma das paredes do depó-
sito, foi usada uma desempenadeira de arestas abauladas, que contri-
buía para conferir à superfície uma feição menos regular. O êxito do
método fez com que ele fosse estendido a todas as paredes rebocadas
da igreja.
Dos dois testes para a pintura das paredes externas, optou-se pela
mistura de cal e cola branca, na proporção de uma lata (18 litros) de
solução de cal para cada 50 mililitros de cola.
Ao mesmo tempo em que eram desenvolvidos os ensaios dessas
misturas, a oficina de carpintaria ocupava-se de um modelo dos pei-
tos-de-pombo, que seriam encaixados nas extremidades das madres
das torres. Mas havia também outros tantos serviços: os arcos de canga
de diversas portas; as ripas para o consistório; os pilares e banzos da
escada da torre sineira e do consistório, que dá acesso à camarinha, e
as tábuas destinadas aos forros da capela-mor e da nave-central.
E continuava a produção dos adobes de pilão... quando um novo
fato inusitado veio desviar a atenção de todos. Devido a uma racha-
dura, cuja tendência era aumentar com a ação do vento, a palmeira
mais alta, localizada ao lado esquerdo da igreja, teve de ser emergen-
cialmente estaida com cabos de aço.
Com o término da colocação dos adobes, as paredes internas das
torres começaram a receber revestimento com aguada de cal, chapisco
e um novo reboco. A parte do revestimento concluída era molhada,
no dia seguinte, para retardar a cura da massa. As depressões signi-
ficativas na taipa foram corrigidas com a fixação de telas de estuque
do tipo deployé.
Com a locação dos pilares de apoio e a marcação dos níveis de
piso, foram iniciados os trabalhos de execução da escada da torre do
batistério, que seriam concluídos após o encaixe e aparafusamento
dos banzos, e a colocação dos degraus.
Em seguida, o mestre carpinteiro assumia a coordenação do sofis-
ticado trabalho de execução das cambotas do forro da capela-mor e
do arco cruzeiro. Com base nos desenhos eletrônicos, veio o molde
1:1, em compensado de madeira, e logo a montagem in loco. Após a
realização de dois protótipos, dava-se início à confecção das 18 cam-
botas definitivas que, montadas no interior do consistório, foram fixa-
das às tesouras da capela-mor.
O caminho estava traçado. As cambotas, sobre as quais foram apa-
rafusadas as tábuas, deram forma também ao forro do arco cruzeiro.
Em ambos os lados da estrutura, foi executada e rebocada a alvenaria Nas páginas anteriores,
de tijolos cerâmicos maciços. chapisco e reboco.

144 145
O restauro

Durante a retirada do escoramento da Depois do assentamento das caixas de passagem no aterro, vieram
porta que liga a camarinha ao consistório, os eletrodutos, as caixas de tomada nas paredes, e, depois do corte na
o desmoronamento de um trecho de parede taipa da parede frontal, para a colocação dos quadros de força e da
trouxe uma descoberta! Marcas de ferra- tubulação, fez-se a passagem da fiação.
mentas na antiga taipa indicavam que parte À medida que partes da igreja iam assumindo suas feições, impu-
dessa parede teria sido demolida para aber- nham-se algumas decisões importantes como, por exemplo, a de man-
tura da porta, o que constitui um indício de ter aparentes as cantarias de pedra de três paredes do consistório e
que a camarinha tenha sido anexada poste- a alvenaria de taipa da quarta parede, mantendo-se nesta última as
riormente à construção do volume principal marcas deixadas pelos arrochantes dos taipais.
da igreja. Aos idos da Matriz era preciso somar os tempos do agora, fazendo-
Tanto na sacristia como no consistório, se do passado histórico um fato do presente.
enquanto operários empenhavam-se na fina­
lização dos serviços relacionados à recupe-
ração das taipas antigas e ao nivelamento
dos topos das paredes, outros removiam o
reboco calcinado das paredes internas cujas
superfícies, depois de submetidas à ação de
escovas de aço, receberam aguadas de cal,
chapisco, reboco e pintura.
Também às peles das fachadas foram
dispensados os mesmos cuidados. Depois da
remoção dos instáveis rebocos, aguadas de
cal, seguidas de chapisco e reboco, prepara-
vam as superfícies para receber a alva pátina,
tão característica dos edifícios que marcam
nosso passado colonial.
Finalmente, as salas da sacristia e do
consistório foram desempedidas dos gran-
des blocos de concreto das fundações dos
pilares metálicos, que vinham sustentando
a cobertura provisória desde o salvamento
emergencial.
Antes do telhamento, que sucedeu à
colocação das ripas, os topos das paredes da
sacristia e do consistório receberam piche, e
as peças de madeira foram imunizadas com
veneno anti-cupim e óleo de linhaça.
Na sacristia, e depois no consistório,
alguns mezanelos serviram de guia para a
paginação do piso. Nesses locais, antes de À esquerda,
acabamentos
assentado o contrapiso, foram iniciadas as
internos da Igreja
instalações elétricas. Os locais onde a base
Matriz. Nas páginas
de cantaria havia sido desmanchada para anteriores, vista da
passagem das tubulações foram recompos- fachada posterior em
tos com alvenaria de pedra. acabamento.

148 149
Os alegros de antes transformavam-se agora em adágios: um
ritmo bem mais lento tomava conta do canteiro, onde tinham lugar as
providências derradeiras. Operando a ruidosa betoneira, os serventes
revezavam-se no preparo das várias misturas: cal e cola branca para a
pintura, argamassa para o reboco, concreto para o contrapiso e massa
para o assentamento dos mezanelos.
Paralelamente, estava sendo feito o reboco das paredes inter-
nas das torres, precedido dos procedimentos usuais de aplicação de
aguada de cal, fixação da tela deployé onde os desníveis na taipa
assim o justificassem e chapisco.
Nas torres, tomavam corpo as escadas. Com linha e tábuas provi-
sórias, protótipos de banzos serviam para testar a inclinação das peças
e os respectivos encaixes em madres e pilares, num procedimento que
guiou a montagem de todas as escadas da obra.
Aroeiras remanescentes, lixadas para retirada das superfícies ene-
grecidas pelo fogo, foram reutilizadas na escada externa da torre
sineira, montada com base em documentos do restauro de 1996-
1999.
No alto das torres, aos cachorros eram fixadas as tábuas da cima-
lha, enquanto era feito o emboçamento dos espigões.
Em cima e em baixo, os últimos acabamentos iam, aos poucos,
resgatando a feição da sacristia e do consistório. Enquanto os pisos
ganhavam mezanelos e assoalhos de madeira, devidamente polidos
com cera incolor, os telhados recebiam guarda-pós e rufos, a que
sobreviriam as telhas e o emboçamento.
Também no consistório, surgia a escada de acesso à camarinha,
em quase tudo similar às demais. Encaixes, abertos no banzo direito,
serviram para fixação dos umbrais que, ancorados também nos cai-
bros da cobertura, contribuíram para dar estrutura à parede de taipa
a ser ali executada.
As antigas cantarias, deixadas aparentes no consistório, foram
limpas e embrechadas, sendo suas ausências complementadas com
alvenarias de pedra. Um restaurador foi chamado à obra para as
orientações específicas sobre a consolidação da pintura parietal rema-
nescente no local. A superfície, limpa com pincel e borracha escolar,
foi tratada primeiramente com injeções de primal dissolvido em água,
na proporção 1:2. Em seguida, uma solução de moviol, na proporção
de 1:3, foi aplicada com pincel sobre a pintura.
Com o fechamento das valas para a execução do alicerce e a pas-
sagem da tubulação de esgoto do novo banheiro, a camarinha rece-
beu reboco nas paredes internas e novos mezanelos no piso.
Nas páginas
anteriores, escada À nave, faltavam as portas principal e laterais, cujas folhas, decal-
da torre sineira em cadas dos documentos existentes, foram confeccionadas com base
execução. Na página nas medidas dos respectivos arcos de pedra. Os cravos metálicos para
seguinte, camarinha. fixação dos portais, feitos de acordo com os modelos originais, foram

152
O restauro

encaixados nos chumbadores, peças de madeira assentadas dentro


das paredes de pedra.
E ainda um teste para a fixação das tábuas do forro da capela-mor.
Sobre uma estrutura de reforço, colocada entre os vãos das tesouras, o
tabuado seria fixado em uma longarina, presa, por sua vez, em peças
transversais às tesouras.
Depois de imunizadas as cambotas, fixou-se uma tábua central de
19 centímetros, depois uma de 13 centímetros, e assim por diante...
alternando-se as duas larguras de tábuas, o forro da capela-mor foi,
paulatinamente, sendo fechado.
Todavia, restava uma tarefa lenta e difícil para que se desse o
forro por concluído: a execução do reforço das tábuas. Arcos, feitos
com ripas de ipê dispostas no sentido transversal das tábuas, foram
colocados nos entremeios dos vãos entre as tesouras.
O revestimento do arco cruzeiro foi objeto de um novo teste: uma Manta de fibra de vidro do
manta de fibra de vidro foi aplicada sobre as tábuas que formam o arco cruzeiro: para uma área
de aproximadamente 30 cm²
arco, por meio de uma mistura de resina e catalisador. de fibra de vidro, foram
Concluídos os estudos-base, partiu-se para o acabamento da utilizados 100 ml de resina
estrutura do arco cruzeiro, que consistiu em estender o revestimento (para laminação gama 313)
de madeira do intradorso até o nível do piso. Chumbadas nas pare- com 50 gotas de catalisador.
A mistura se transforma em
des em que as colunas do arco cruzeiro ficariam justapostas, peças de gel em dez minutos.
madeira receberam longarinas que, por sua vez, serviram de apoio
aos ripões de madeira dispostos horizontalmente.
Reentrâncias nas paredes foram preenchidas com taipa, e alve-
narias, em tijolos cerâmicos maciços, concluíram o fechamento acima
do arco do cruzeiro. As paredes foram rebocadas e pintadas com uma
mistura de cal e cola branca.
A cantaria da nave, devidamente limpa com jatos d’água e escovas
de aço, seria deixada aparente como testemunho do artesanato colo-
nial em pedra. Como acabamento, apenas a solidarização das partes
desprendidas, com resina de poliéster insaturado. Os intradorsos dos
arcos das portas principal e laterais receberam reboco e caiação.
Depois da limpeza do aterro e da marcação dos níveis e alinha- O Instituto Brasileiro do
mentos, foi feito o apoio para o barroteamento dos pisos da nave e Meio Ambiente e dos Re-
cursos Naturais (Ibama) fez
da capela-mor. Barrotes transversais e longitudinais, fixados aos blo-
uma doação de tábuas de
cos de alvenaria e concreto por meio de pinos de aço, formavam o cedro e pranchões de mogno
desenho das antigas campas, sobre as quais seria assentado o assoa- ao Iphan.
lho de ipê. Aberturas retangulares nessas campas da nave e da capela-
mor, à semelhança das que existiam antes do incêndio, garantiam a
ventilação da região abaixo do piso. Nas páginas
Marcando presença no cenário da cidade, pouco faltava para anteriores, fixação de
pintura parietal. Nas
que as torres recuperassem também sua integridade interior. Depois
páginas seguintes,
da montagem das escadas com seus encaixes entre pilares, banzos e detalhes da cantaria
degraus, um concreto impermeabilizado com piche, sobre o topo das de pedra aparente da
paredes de adobe, preparou o apoio para as tábuas de piso dos pavi- porta lateral.

157
O restauro

160 161
O restauro

Arreia é um termo regional mentos. Como arremate dos pilares de sustentação da escada, vieram Depois de alguns testes, foi encontrada uma solução para garan- A presença no canteiro de al-
para o reforço de portas e ja- as peças de fixação dos guarda-corpos, que receberam entalhes do tir o conforto térmico da nave. As tábuas do forro foram fixadas em guns desses mestres carapi-
nelas no colonial goiano. As tipo cabeça-de-santo-antônio. Tanto as escadas das torres, como a da nas possibilitou, em um pe-
ripões, que, por sua vez, foram presos aos pendurais das tesouras,
obras técnicas especializa- ríodo de pouco mais de dois
das usam outras denomina- camarinha, receberam balaústres que, entalhados em cedro, foram criando-se, entre as faces horizontal e inclinada, uma abertura para a anos, o aperfeiçoamento de
ções: janela enrelhada ou en- encaixados entre os banzos e os corrimãos. a saída do ar quente. uma série de aprendizes
taleirada, portas ensilhadas. que, ao final, capacitaram-se
Com a conclusão dos rebocos internos, as paredes das torres rece- A conclusão das torres e a iminência do aniversário da cidade
Essas peças são formadas para o desempenho de dife-
por tábuas grossas unidas beram caiação. Nos telhados, foi feito o emboçamento das telhas dos foram pretextos bastantes para mais uma importante solenidade. rentes tipos de tarefas, com
por encaixe macho e fêmea, espigões e das extremidades dos beirais. Com a experiência de velho sineiro, Teodorico Pereira – conhecido na alta competência técnica e
consolidadas por travessas operacional.
Os peitoris das janelas da sacristia e do consistório foram revesti- cidade por seu Ico – atendeu prontamente ao chamado para testar, no
ou taleiras com seção em Silvio Cavalcante
forma de cunha. dos com mezanelos, substituindo os que foram encontrados, após o alto da torre, os sons e também a altura para a colocação dos sinos.
incêndio, sob o reboco. Enquanto na sacristia os peitoris foram rebo- Pouco depois, o novo relógio seria fixado em seu lugar definitivo, e
cados e caiados, no consistório permaneceram em cantaria aparente. logo também o sistema elétrico de conexão entre o relógio e os sinos
Registros à mão livre, feitos durante o restauro de 1996-1999, estaria instalado.
fotografias da época e desenhos técnicos recentes constituíram a base A torre sineira recuperava assim a brônzea voz que, sinalizando Algumas partes, como os re-
para o início da confecção das folhas das portas e janelas da igreja, levos dos retábulos deixados
tempos e fatos do cotidiano, convocava também os fiéis para as obri-
nas taipas e as cantarias de
incluindo os vitrais em guilhotina, as bandeiras e os guarda-corpos gações litúrgicas. pedra, mostraram-se fortes
das janelas da fachada frontal. As quatro paredes internas, que formam a nave e o coro, seriam o suficiente para, permane-
Os encaixes macho e fêmea entre o tabuado e o entalhe das arreias cendo puramente nuas, po-
rebocadas e caiadas, com exceção das faixas onde existiam os nichos
derem revelar para as futu-
– denominação dada regionalmente às peças que fazem o reforço de dos retábulos laterais. Com essa resolução, que marcou o início da ras gerações as técnicas e as
portas e janelas – revelaram a intimidade dos mestres carapinas pire- execução dos elementos artísticos da Matriz, ficariam à mostra tre- artes dos hábeis oficiais de
nopolinos com os detalhes tradicionais do colonial goiano presentes outrora.
chos remanescentes da taipa de pilão, indícios incontestes do passado
Silvio Cavalcante
na Matriz. da igreja e da força que a fez atravessar os séculos.

162 163
Em lugar de adições ou cópias, apenas a ausência dos antigos
retábulos como testemunhos do sinistro. A condição de obras de arte
impedia que esses elementos artísticos fossem replicados, sem que
se cometesse um falso histórico. Como diz Cesare Brandi: “Se os ele-
mentos desaparecidos tiverem sido em si obras de arte, está absolu-
tamente fora de questão que se possam reconstituir como cópias (...).
A cópia é um falso histórico e estético e por isso pode ter uma justifi-
cação puramente didática e rememorativa, mas não se pode substituir
sem dano histórico e estético o original”.
Tragados pelo fogo dos santos altares de madeira, restaram apenas
lacunas. E, novamente, é Brandi quem ensina: “Uma lacuna, naquilo
que concerne à obra de arte, é uma interrupção do tecido figurativo.
Mas contrariamente àquilo que se acredita, o mais grave em relação à
obra de arte não é tanto aquilo que falta, quanto o que se insere de
modo indevido”.
O contraponto entre a áspera textura da taipa e o liso branco da
cal, a oposição entre cheios e vazios, claros e escuros, estabelece uma
relação harmônica de figura e fundo, que denuncia, de forma irrefu-
tável, a ação da história.
No entanto, uma importante decisão teria que ser tomada: como
o edifício deveria manter o seu uso histórico, como solucionar o pro-
blema do altar-mor?
Os técnicos, reunidos com autoridades do Iphan, além de represen-
tantes da Sociedade Amigos de Pirenópolis (Soap), da Arquidiocese,
da Prefeitura de Pirenópolis e da Construtora Biapó, buscavam uma
solução para o impasse.
Enquanto isso, no canteiro, um membro do Corpo de Bombeiros
de Pirenópolis fazia palestra e simulação sobre causas e formas de
combate a incêndio. E eram conduzidos, pela empresa responsável,
os trabalhos de remoção da cobertura metálica provisória. Ao mesmo
tempo, os operários davam pressa nos serviços de acabamento com
vistas à inauguração da obra.
Encaixes das cavilhas nas tábuas do piso e assentamento de roda-
pés de madeira ocupavam alguns, enquanto outros finalizavam a fixa-
ção das derradeiras peças dos corrimãos das escadas, e outros ainda se
dedicavam ao trabalho de montagem da balaustrada da nave.
No coro, o rodapé foi fixado na viga por cavilhas de ipê e o corri­
mão foi chumbado na taipa. Para dar maior estabilidade à balaus-
trada, foram fixadas duas hastes metálicas, como uma mão francesa,
à semelhança da solução existente antes do incêndio.
Os corrimãos da escada de acesso à camarinha e do guarda-corpo
Na página seguinte, do pavimento superior foram aparafusados nos pilares. O banheiro
vista da Matriz a partir e a área de serviço, localizados no depósito, foram finalizados com o
da porta principal. assentamento de cerâmicas e louças.

164
Em contraste com procedimentos que, ao longo do tempo, haviam-se
transformado em rotinas da obra, chegou o momento único de enfren-
tar a delicada tarefa de recomposição dos elementos artísticos da igre­ja,
os mais sensíveis e, por isso, talvez os mais atingidos pelo sinistro.
Contribuindo para recuperar a escala do antigo arco cruzeiro, um
arco interno ao já existente veio preencher parcialmente as ausências
deixadas pelos tradicionais ornatos compostos por inusitadas franjas
e um medalhão central.
Depois que os pilares do duplo arco foram içados e aprumados
em relação às paredes, as peças em ipê, vindas da carpintaria, foram
sendo encaixadas, e aparafusadas umas nas outras, até fechar os arcos.
Após o encaixe da aduela de fecho, as escoras foram retiradas e as
aberturas para colocação dos parafusos, preenchidas com madeira.
Em respeito aos tempos idos, os novos arcos paralelos de madeira
mantiveram um afastamento em relação ao intradorso do arco origi-
nal localizado na parede que divide a nave e a capela-mor.
Artigo 11 – As contribuições Essa adição é prevista no artigo 7º da Carta Italiana do Restauro
válidas de todas as épocas (1972), como uma estratégia de reambientação: “uma nova ambien-
para a edificação do monu-
mento devem ser respeita-
tação ou sistematização da obra, quando não mais existirem ou tive-
das, visto que a unidade de rem sido destruídas a ambientação ou a sistematização tradicional”.
estilo não é a finalidade a Sendo uma solução do presente, o duplo arco distingue-se, em forma
alcançar no curso de uma
e essência, dos elementos artísticos originais.
restauração;
Artigo 12 – Os elementos des- Quanto ao altar-mor, o tempo tratou de buscar na história uma
tinados a substituir as par­­tes curiosa solução. A religiosidade brasileira fez edificar em Pirenópolis
faltantes devem-se inte­grar
duas igrejas do Rosário: a dos brancos e a dos pretos. Estes últimos,
harmonicamente ao conjun-
to, distinguindo-se das par- impedidos de freqüentar a Matriz que haviam ajudado a erguer, viram-
tes originais. se obrigados a construir outra igreja para a mesma santa de devoção.
Carta de Veneza, 1964
E, por muitos anos, conviveram os dois edifícios com suas fachadas
voltadas uma para a outra. Até que, por força de intervenções desas-
trosas, que tentaram tornar o colonial em neo-gótico – a exemplo do
que ocorreu em outros tantos monumentos do Brasil afora –, a igreja
dos pretos veio a ruir. Seu altar-mor foi preservado das ruínas. E ficou
guardado por mais de sessenta anos.
Com o acidente com a Matriz, configurou-se uma situação inusi-
tada – uma igreja sem altar-mor e um altar-mor sem igreja. Era che-
gada a hora de, unindo os homens de todas as cores e mesma fé,
transplantar, para o doente já recuperado, um coração, a alma da
Nossa Senhora do Rosário dos brancos, dos pretos e dos mestiços – a
alma da Nossa Senhora do Rosário do povo brasileiro e pirenopolino.
Um restaurador, solidarizando-se com a equipe técnica, encarre-
Na página seguinte, gou-se de assessorar a montagem do retábulo original da Igreja de
detalhe do arco e da Nossa Senhora do Rosário dos Pretos no local do retábulo-mor da
nave central. Igreja Matriz.

166
O restauro

168 169
O restauro

Um cuidadoso trabalho de medição e de confecção de desenhos com projetores instalados ao longo de tubos metálicos suspensos, foi
eletrônicos das peças do retábulo permitiu avaliar a melhor forma executado na sala de exposições e na camarinha.
de adequar a configuração do retábulo ao espaço da capela-mor da Tudo quase pronto, era chegada a hora de resgatar a alva super-
Igreja Matriz. fície de onde deveriam sobressair as esquadrias em cor, tão caracte-
Concluído o projeto da estrutura e fixadas as tábuas verticais de fundo, rísticas do colonial brasileiro. Após vários testes, veio a preparação
foi feita a inserção das peças do retábulo dos pretos, inclusive aquelas das superfícies das fachadas: o lixamento dos rebocos e a calafetação
que compõem o ornamento do camarim e o capitel da coluna direita. das pequenas trincas com massa acrílica antecederam a aplicação de
Foi então fixado o sacrário e executado o suporte para receber os aguada de cal e selador acrílico.
entalhes originais do retábulo dos pretos. Após concluída a estrutura Pouco a pouco, um neve fosco ia cobrindo todas as paredes exter-
do camarim, o nicho da padroeira, foram feitas as complementações nas da Matriz. Brancos ficavam também as cimalhas das torres e os
das peças do trono. O piso atrás do retábulo e a limpeza cuidadosa de cachorros. Com algumas demãos de cal, as paredes internas também
todas as peças completaram o altar-mor. fizeram-se alvas.
Montados os elementos artísticos, era preciso que a eles fosse De um azul claro, as portas e janelas tornaram-se mais leves, em
dada a luz. Assim, concluídas as instalações elétricas, de som, de tele- contraste com seus portais, ora vestidos de azul profundo. Desta-
fone e de detecção de alarme contra incêndio, começou o trabalho de cando-se desses matizes do anil, as ferragens das esquadrias foram
iluminação com a fixação dos projetores e lâmpadas. pintadas de preto. As madeiras aparentes receberam tratamentos
Nos tirantes da nave, lâmpadas de vapor de sódio foram direcio- diferenciados conforme o uso e a intenção de acabamento.
nadas para os nichos de taipa. Na capela-mor e no alto das paredes Com o remate da pintura, as esquadrias puderam receber vidros, e
Nas páginas
anteriores, vista da nave foram instalados projetores com lâmpadas de vapor metálico. ainda travas, cremonas e fechaduras. O vão de uma das janelas da sala
interna da nave central No alto do arco-cruzeiro, lâmpadas dicróicas com foco fechado foram lateral foi fechado com vidro temperado e com uma grade externa
e da capela-mor. dirigidas às imagens do retábulo. Um novo sistema de iluminação, feita com peças verticais de madeira.

Legenda das imagens

172 173
No tratamento de peças de O lixamento de todos os pisos de madeira da igreja, a limpeza
madeira aparente foram uti- geral e o enceramento dos pisos davam sinais de que a obra vivia seus
lizados os seguintes produ- últimos momentos.
tos:
Do lado de fora, as calçadas foram recuperadas, e os pavimentos
Pináculos, guarda-pós, es-
teios e madres externos, pa- de pé-de-moleque, recompostos.
dieiras, soleiras e folhas de À guisa de um jardim de esculturas, peças que restaram do incên-
portas e janelas – preservati- dio, como esteios, arcos de canga e peitos de pombo, foram dispos-
vo transparente
tas na lateral da igreja. Um novo gramado veio recompor o jardim
Esteios e madres internos,
cabeças-de-santo-antônio, frontal, onde resistem as esbeltas palmeiras, uma das quais estaiada
barrotes e parte inferior dos devido às avarias.
pisos das torres e da camari- Duas peças de aroeiras também remanescentes, limpas e ungidas
nha – óleo de linhaça
com óleo de linhaça e piche, deram forma ao cruzeiro que, retomando
Arco-cruzeiro – selador
Forro – óleo de linhaça e se- o seu lugar no ápice do frontão, significou o coroamento do processo
lador de restauração da Matriz.
Tirantes da nave – selador E chegou o momento de dispensar os provisórios: andaimes, tan-
Pisos e escadas – cera inglesa
ques de cal, guaritas, oficinas e demais dependências do canteiro
incolor
As balaustradas das esca- deveriam ceder os espaços amplos e definitivos do corpo sagrado para
das, em cedro, e do coro, em acolher a alma da fênix que ora ressurgia das cinzas.
cedro e mogno, receberam A Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário, inaugurada no dia 30
tingidor de cor imbuia, di-
de março de 2006, foi entregue oficialmente à população em junho
luído em água. A balaustra-
da da nave foi tratada com do mesmo ano.
tingidor na cor imbuia e, em
seguida, com preservativo
cor ipê.
Ao final, todas as peças
foram enceradas.

Nas páginas
anteriores, vista da
Igreja Matriz.
Na página seguinte,
inauguração com
missa celebrada pelo
bispo diocesano
d. João Wilk.

176
Patrimônio e restauro

Teorias do restauro
Data Período Restauradores Características Obras
1304-1374 Renascimento Francesco Petrarca w Visitou as ruínas de Roma; apregoava
seu conhecimento e contemplação como
forma de acesso ao mundo clássico, o
grande modelo artístico e moral.

1404-1472 Renascimento Leon Battista Alberti w Harmonia e proporções baseadas nas


contribuições greco-romanas.

≈ 1550 Barroco Portugal e w Ênfase nas grandes massas geométricas e


Espanha utilização de ordens clássicas.
w Barroco – detalhes decorativos e
plásticos.

≈ 1550 Barroco Itália w Antigüidade clássica como exemplo.


w Afirmação do poder da Igreja e reação
ao espírito de ordem e clareza do
Renascimento.
w Sensação de dinamismo e distorção
espacial.

≈ 1600 Classicismo w Combinação das ordens clássicas com as


formas barrocas.

Revolução Francesa (1789) Revolução Industrial na Inglaterra (1780...)


Destruição de antigos símbolos. Modificação da cultura e destruição de antigos símbolos.
Iluminismo; racionalismo. Passagem da manufatura à fábrica e do capitalismo comercial ao industrial.
Princípios liberais, democráticos e nacionalistas. Novas formas de sociedade, Estado e pensamento.
Substituição do poder da aristocracia e do clero pela burguesia.
Modo crítico de compreender a história.
Progresso histórico como resultado da razão, e não como produto de um plano divino.

Valorização da arte e da arquitetura medieval. Valorização do patrimônio histórico.


Leis de proteção dos monumentos.
Restauração como disciplina autônoma e integral. James Wyatt A. W. Pugin (1812-1852) e Charles Barry (1795-1860)
Arcisse de Caumont (1801-1873) e Victor Hugo (1802-1885)
(continua)

188 189
Patrimônio e restauro

Data Período Restauradores Características Obras


Meados do século XVIII Neoclassicismo
Influência do
Iluminismo e das
ruínas greco-romanas.
1787-1874 François Guizot França w Institucionalização e administração
estatal do restauro, que passa do
período empírico, pensado como
um experimento, para um período
doutrinário, baseado em conhecimentos
históricos e formais.

1802-1873 Ludovic Vitet,


1º Inspetor Geral
Restauro Arqueológico Raffaelle Stern Itália w Restauração voltada à recomposição ou
ou Neoclássico consolidação do monumento, utilizando-
se as partes originais ainda existentes.
w Diferenciação entre as partes
acrescentadas e as originais.
w Valor histórico sobre o estético.
1774-1820 Raffaelle Stern Itália

1762-1839 Giuseppe Valadier

Arco de Tito (Roma),


restaurado ente 1817-1824
1803-1870 Restauro Estilístico: Prosper Mérimée França w Doutrina intervencionista. Teoria
intervenções medievalista. Presente prepondera sobre o
miméticas passado.
w Valor estético prepondera sobre o
histórico.

Catedral de Notre-Dame
(Paris), restaurada em 1844
1814-1879 Viollet-le-Duc

(continua)

190 191
Patrimônio e restauro

Data Período Restauradores Características Obras


1819-1900 Restauro Romântico John Ruskin Inglaterra w Tese arqueologista.
w Doutrina anti-intervencionista.
w Passado prepondera sobre o presente.
w Valor histórico prepondera sobre o
estético.

1834-1896 William Morris

1811-1878 George Gilbert Scott

1836-1914 Restauro Moderno/ Camillo Boito Itália w Restauração vista como um mal
Positivista necessário.
w Conservação baseada na autenticidade.
w Monumentos como documentos.
w Preservação das modificações ao longo
do tempo.
w Valor histórico sobre o estético.
Catedral de São Marco
(Veneza)

1848-1903 Camillo Sitte Áustria w Preservação dos edifícios históricos


juntamente com seu entorno.
w Busca por princípios do passado
baseados no racionalismo.

1858-1905 Alois Riegl Áustria w Inexistência de uma postura


universalmente aceita com relação à
questão da destruição/conservação.
w Várias soluções alternativas.

Primeira Guerra Mundial (1914-1919)


Monumento como documento? Como obra de arte? Como valor de uso?
Como restaurar? Documentos históricos? Construção?
O que é monumento? O que é monumento histórico? Quem decide?

(continua)

192 193
Patrimônio e restauro

Data Período Restauradores Características Obras


1854-1933 Restauro Histórico Luca Beltrami Itália w Baseado em existência de documentos
de arquivos, livros, gravuras (pesquisa
histórica) e na análise da própria
construção.
w Valor histórico sobre o estético.
1860-1930 Gaetano Moretti

Castelo Sforzesco (Milão),


restaurado em 1894
1873-1947 Restauro Científico/ Gustavo Giovannoni Itália w Alia valores de uso aos museais.
Filológico w Moderniza as idéias de Boito - Carta de
Atenas, 1931.
w Valor histórico + valor estético.
Segunda Guerra Mundial (1939-1945)
Maciça destruição das cidades. Necessidade de reconstrução em larga escala.
Teorias do restauro postas em cheque.
Monumentos destruídos como documentos e como significação social e simbólica.
Restauro como ato científico e crítico.
O que restaurar? Valor estético, histórico, simbólico?
Como restaurar? E o valor de uso? E a coletividade? E o entorno?
1906-1988 Restauro Crítico Cesare Brandi Itália w Restauração como método de
reconhecimento da obra de arte.
w Restabelecimento da unidade potencial
da obra de arte, sem falsificações.
w Restauração como um ato crítico-cultural
do presente.
w Valor estético sobre o histórico.
Ponte Castelvecchio
(Vernona),
restaurada em 1949.
1929- Restauro Objetivo Antoni G. Moreno- Espanha w Restauro baseado nas necessidades
Navarro funcionais do monumento e de seu
entorno.
w Solução para cada caso.
w Coletividade como beneficiária da
conservação.
w Valor social e funcional.
1947- Restauro Analógico Antón Capitel Espanha Autenticidade histórica. Prevalência do
w
simbólico sobre o material.
Reconstruções/ampliações como ponto
w
de partida para um novo modelo
conectado com o original por seus
aspectos conceituais.
Valor simbólico.
w

194 195
Patrimônio e restauro

Patrimônio histórico no Brasil – ação institucional


Personagem Data Governo Acontecimentos
André de Melo e Castro, Séc. XVIII Colônia Contra a transformação do Palácio das Torres, Recife, em quartel, para não estragar tal
w
conde de Galveias monumento “recomendado à posteridade”.

Luís Pereira de Couto Ferraz, 1855 Império Aviso para transferência das coleções epigráficas para a Biblioteca Nacional, para melhor
w
visconde de Bom Retiro conservação.

Alberto Childe 1920 Epitácio Pessoa Primeiro anteprojeto de lei em defesa do patrimônio nacional.
w

1924-1925 Artur Bernardes Criação de inspetorias estaduais de monumentos históricos em Minas, Pernambuco e Bahia.
w

José Wanderley 1930-1933 Getúlio Vargas w Novo projeto de lei federal sobre o assunto. Com a dissolução do Congresso Nacional, em
de Araújo Pinho outubro de 1930, o projeto fica sem efeito.
w Decreto nº 22.928/1933 que, entre outras providências, elege Ouro Preto monumento nacional.

Gustavo Capanema, 1937 Getúlio Vargas w Barroco como expressão do passado estético colonial do País – clima de resgate da autêntica
ministro da Educação e Saúde história cultural brasileira.
w Criação do Sphan – Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de1937. Objetivos: inventariar a
amostragem mais significativa da formação brasileira; socorrer e salvar monumentos atingidos
Rodrigo Melo Franco pela ruína; introduzir, no campo jurídico, a figura do tombamento e suas conseqüências sobre a
de Andrade, propriedade privada.
diretor do Sphan

Lucio Costa,
Divisão de Estudos
e Tombamentos

(continua)

180 181
Patrimônio e restauro

Personagem Data Governo Acontecimentos


Gustavo Capanema, 1937-1954 Getúlio Vargas w Fase heróica do Sphan.
ministro da Educação w Cidades-monumento; identidade nacional.
e Saúde w Salvaguarda de edificações civis e religiosas; política de sensibilização da população a respeito do
tombamento.
w Tombamentos de Ouro Preto, Mariana, Diamantina, Serro, Tiradentes e São João del Rei (década
de 1940); de cerca de 200 edifícios coloniais e alguns modernistas, como o prédio do Ministério
da Educação e a Pampulha.
w Restauração significava para o retorno a um estado original colonial; eliminação dos elementos
ecléticos ou acadêmicos, então definidos pelo Sphan como “bastardos” e não pertencentes à
tradição construtiva nacional.
1955-1960 Juscelino Kubitschek
de Oliveira

Renato Soeiro, 1967-1969 Artur da Costa e Silva w Transformação do Sphan em Iphan.


diretor do Iphan w Políticas de referência cultural.
w Nova política de tombamentos, dirigida mais à preservação de conjuntos.
w Modernização do Estado brasileiro e ascensão de uma tecno-burocracia que busca implantar um
padrão de racionalidade administrativa.

Jarbas Passarinho, 1969-1973 Emílio G. Médici w Desenvolvimento integrado baseado no turismo cultural – turismo como forma de conciliação
ministro da Educação entre a política de preservação e o desenvolvimentismo; Carta de Veneza e Normas de Quito.
e Cultura w Racionalismo administrativo; Planos Nacionais de Desenvolvimento; Milagre Econômico.
w Programa de Cidades Históricas (PCH), inspirado nas Normas de Quito – primeira política
nacional de cunho mais amplo em favor da preservação do patrimônio urbano no País. Objetivo:
dar apoio financeiro a um conjunto de ações organicamente estruturadas para identificar,
documentar, proteger, classificar, restaurar e revitalizar bens do patrimônio cultural brasileiro,
propiciando à comunidade nacional melhor conhecimento, maior participação e uso adequado
desses bens.
w O PCH (1973-1983) financiou projetos, intervenções em conjuntos urbanos e planos urbanísticos;
20% dos monumentos restaurados geraram recursos para sua conservação; poucos planos
diretores financiados pelo programa foram implementados; falta de articulação com os
municípios e de uma legislação que obrigasse a sua execução; contribuição para o processo
de descentralização horizontal, de expansão financeira e de capacitação dos quadros técnicos
associados à preservação.
w Programa de Preservação e Recuperação do Patrimônio Ambiental e Urbano (PPRPAU).
w Atribulado contexto social, político e econômico.

Aloísio Magalhães, 1974-1979 Ernesto Geisel w A sociedade mais contestadora induz a redefinição das relações entre Estado e sociedade;
coordenador geral do CNRC tentativa de legitimação do regime militar por meio da aplicação de temas, a exemplo de
Cultura e Participação Popular, como sustentáculo para um novo nacionalismo.
w Criação do Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC): necessidade de mapear a realidade
cultural brasileira, tendo em vista o seu patrimônio material e imaterial.
w Quatro programas básicos: mapeamento da atividade artesanal; levantamento sócio-cultural;
história da ciência e tecnologia no Brasil e levantamento da documentação sobre o Brasil.
Objetivo: estabelecer um sistema referencial nacional que sustentasse um crescimento endógeno
apoiado nas realidades regionais.

(continua)

182 183
Patrimônio e restauro

Personagem Data Governo Acontecimentos


Aloísio Magalhães, 1979-1985 João Batista Figueiredo w Os movimentos sociais apontam para o fim do regime militar e acentua-se a luta por democracia.
diretor do Iphan w Patrimônio x desenvolvimento.
w Incorporação do CNRC ao Iphan; inovações no âmbito da questão patrimonial brasileira:
conceitual, administrativa, financeira e jurídica.
w Conscientização sobre a atrofia dos setores dedicados à preservação do patrimônio arqueológico
e natural, dos arquivos históricos e iconográficos, do acervo etnográfico, compreendendo as
culturas de etnias indígenas, a arte popular e as técnicas artesanais.
w Formulação de um conceito amplo de bem cultural, atento às múltiplas manifestações do fazer
do homem e às condições do meio ambiente em que se insere.
w Valorização do artesanato, preservação das tecnologias endógenas e levantamentos de processos
de transformação sócio-cultural, com o fim de estudar modelos alternativos de desenvolvimento.
w Abertura democrática e transformações na política cultural do País. Entraves: rigidez
administrativa do Iphan e escassez de recursos.
w Transformação do Iphan em Sphan (MEC).
w Criação da Fundação Nacional Pró-Memória (FNPM) e incorporação do PCH e do CNRC.
w Gestão da política cultural sob a tutela de um mesmo organismo federal.
w Consolidação de uma nova orientação para a prática preservacionista, baseada na
descentralização, na participação popular e no desenvolvimento social.
w Recuperação do patrimônio vernáculo, com iniciativas como o Programa de Recuperação e
Revitalização de Núcleos Históricos (PRRNH).

Celso Furtado, 1985-1990 José Sarney w A sociedade explicita sua vontade de voto direto.
ministro da Cultura w Criação do Ministério da Cultura (MinC).
w Declaração de Tlaxcala, 1982, no México: exemplo da preocupação com os objetos capazes de
promover o desenvolvimento cultural como fator de mudança social.
w Desenvolvimento cultural x mudança social.
w Preservação x participação comunitária.
w Mecanismos de legitimação da participação social: seminários, programas de assessorias
especiais; publicações (a Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional reflete
transformações do conceito de patrimônio); parcerias e cooperações com a iniciativa privada;
reutilização de edifícios tombados.
Ângelo Oswaldo
w Lei Sarney e Constituição de 1988: descentralização e democratização do inventivo às atividades
de Araújo Santos, culturais.
presidente do Sphan

Augusto Carlos da Silva Teles,


secretário do Sphan

(continua)

184 185
Patrimônio e restauro

Personagem Data Governo Acontecimentos


Sérgio Rouanet, 1990-1992 Fernando Collor de Mello w Desmantelamento da estrutura anterior e extinção do Ministério da Cultura.
ministro da Cultura w Criação da Secretaria da Cultura (SEC/PR) e transformação do Sphan no Instituto Brasileiro de
Patrimônio Cultural (IBPC).
w Criação do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), que, conhecido como Lei Rouanet,
disciplina e amplia a concessão de incentivos aos projetos culturais, já previstos pela Lei Sarney.
w Lei Rouanet: concepção de cultura que afirma os valores democráticos e descentralizadores.
w Diversidade do patrimônio cultural mundial como fonte de progresso.

Antônio Houaiss, 1992-1994 Itamar Franco w Restituição do Ministério da Cultura.


ministro da Cultura w IBPC volta a se chamar Iphan.
w Brasil em Ação: Prodetur.
w O conceito de diversidade criadora insere o Brasil em uma perspectiva mundial atual do
pensamento patrimonial.

Francisco Weffort, 1995-2003 Fernando Henrique Cardoso w Consolidação de um modelo econômico caracterizado por uma maior abertura econômica e
ministro da Cultura cujo papel principal pertence à iniciativa privada; maior número de instrumentos para a Política
Nacional de Cultura, tanto no plano nacional como no internacional: intercâmbio de bens e
serviços; convênios e produções conjuntas; debates, mesas-redondas, etc.
w Avança Brasil: Prodetur vai além da questão do patrimônio cultural, visando à capacidade de
gerar emprego e renda, dentro da concepção de desenvolvimento sustentável e humano e de
cultura como fonte de progresso; Turismo como setor estratégico de atuação governamental.
w Sustentabilidade e captação de novos recursos no âmbito do Iphan: criação do Programa de
Reabilitação do Patrimônio Cultural Urbano (PRPCU) a partir de um esforço conjunto do MinC,
Unesco e BID.
w Transformação do PRPCU no Programa Monumenta.
w Criação do Programa de Reabilitação Urbana de Sítios Históricos (Urbis): ações que estruturam
uma gestão voltada para a requalificação de sítios históricos e a revalorização de suas
potencialidades sócio-econômicas e culturais.
w Tombamento pelo Iphan do Acervo Arquitetônico Art Déco de Goiânia, o primeiro do gênero no
Brasil.
Gilberto Gil, 2003-2008 Luiz Inácio Lula da Silva w Período marcado pela inclusão social e forte reconhecimento da diversidade cultural brasileira.
ministro da Cultura w Plano Nacional de Cultura.
w Implantação do Sistema Nacional de Cultura.
w Duplicação do orçamento destinado à Cultura.
w Continuidade do Prodetur.
w Continuidade do Programa Monumenta.
w Concurso público para as áreas técnicas do Iphan.
w Registro de bens de natureza imaterial.
w Implantação das Casas do Patrimônio.
w Reestruturação da área de museus no Iphan, com a proposta de criação do Instituto Brasileiro de
museus (Ibram).

186 187
Patrimônio e restauro

Cartas patrimoniais
Documento Local e data Resumo dos conteúdos Documento Local e data Resumo dos conteúdos
Convenção Nacional França, 1794 w Baseada nos relatórios sobre o vandalismo Primeira lei francesa sobre França, 1887 w Autorizava o ministro da Educação a
Francesa apresentados por Henry Grégoire (1750- o restauro expropriar, em favor do Estado, um
1831). O abade denunciou a barbárie monumento histórico de propriedade
cometida contra os monumentos particular, caso a sua conservação estivesse
históricos, enfatizando sua vocação em perigo.
pública e a responsabilidade coletiva por
sua preservação.
Primeira lei italiana sobre o Itália, 1909 w Incorporou as diretrizes de Boito
Comissão dos Monumentos França, 1790- w Deu início às tentativas de inventariar
restauro para conservação e restauração dos
e Comissão Temporária das 1795 e conservar obras de arte, através da
monumentos históricos.
Artes atuação de correspondentes locais.
Museu dos Monumentos França, 1800 w Decreto para inibir abusos, conclamando Lei francesa dos França, 1913 w Forma definitiva da lei de 1887, utilizada
Franceses os cidadãos à vigilância contra as monumentos históricos como referência até hoje.
dilapidações e estabelecendo penas para
os que degradassem os monumentos das Carta de Atenas, Grécia, 1931 w Evitar as reconstituições integrais por
Ciências e das Artes. Escritório Internacional dos meio da instituição de manutenções
Museus regulares e permanentes aptas a assegurar
Inspetoria Geral dos França, 1830 w Criada por François Guizot (1787-1874), a conservação dos edifícios. No caso em
Monumentos Históricos ministro do Interior e posteriormente que o restauro se mostre indispensável,
da Educação. Ludovic Vitet (1802- recomenda-se respeitar a obra histórica
1873), historiador e crítico de Arte, foi e artística do passado, sem proscrever o
nomeado para o posto de Inspetor Geral estilo de nenhuma época.
dos Monumentos Históricos, seguido w Manter uma utilização dos monumentos
de Prosper Mérimée (1803-1870). Pela que, respeitando seu caráter histórico ou
primeira vez, o Estado se preocupou com artístico, assegure a continuidade de sua
o reconhecimento de edifícios como de vida.
interesse público, marcando o início da
w A coletividade possui um certo direito em
preservação.
relação à propriedade privada.
Comissão Superior dos França, 1837 w Possibilitou o estabelecimento da primeira w Respeitar o caráter e a fisiologia das
Monumentos Históricos lista de monumentos protegidos, cuja cidades, sobretudo na vizinhança dos
restauração, subvencionada pelo Estado, monumentos históricos.
foi entregue a arquitetos escolhidos
w Aprovado o emprego adequado de
com base em sua competência: Eugène
todos os recursos da técnica moderna,
Emmanuel Viollet-le-Duc, Prosper
especialmente do concreto armado. Os
Merimée, Henry Labrouste, encarregados
meios de reforços devem ser dissimulados,
do tombamento, do controle e da
a fim de não alterar o aspecto nem o
distribuição dos fundos do Estado para o
caráter do edifício a ser restaurado.
restauro.
w A melhor garantia de conservação de
Sociedade para Proteção Inglaterra, 1877 w Fundada por William Morris. monumentos e obras de Arte vem do
dos Edifícios Antigos respeito e do interesse dos próprios povos,
favorecidos por uma ação apropriada dos
III Congresso dos Itália, 1883 w Os resultados do congresso seriam poderes públicos.
Engenheiros e Arquitetos integrados à primeira carta de restauração
da Itália, que previa a manutenção de Carta Italiana do Restauro Itália, 1931 w Restauro implica uma visão ampla de
edifícios ao longo do tempo para evitar restauração, em sintonia com a cidade e
sua ruína. sua urbanização.
(continua) (continua)

196 197
Patrimônio e restauro

Documento Local e data Resumo dos conteúdos Documento Local e data Resumo dos conteúdos
Congresso Internacional de Grécia, 1933 w Os valores arquitetônicos devem ser Normas de Quito, OEA Peru, 1967 w Deve-se avaliar a relação entre custo
Arquitetura Moderna, salvaguardados. Conservação e utilização e benefício bem como a valorização
Ciam w É necessário reconhecer e discriminar nos de monumentos e lugares econômica dos monumentos.
testemunhos do passado aquelas obras de interesse histórico e w Os monumentos históricos constituem
que ainda estão bem vivas. Nem tudo o artístico também recursos econômicos. Trata-se de
que é passado tem direito à perenidade. mobilizar os recursos nacionais no sentido
w O culto ao passado não pode levar ao de procurar o melhor aproveitamento
desconhecimento das regras da justiça dos recursos monumentais de que se
social. disponha como meio de favorecer o
w O emprego de estilos do passado, sob desenvolvimento econômico do país.
pretextos estéticos, nas construções w Valorizar um bem histórico ou artístico
novas erigidas nas zonas históricas, equivale a habilitá-lo com as condições
tem conseqüências nefastas. Copiar objetivas e ambientais.
servilmente o passado é condenar-se à w A valorização de um monumento exerce
mentira, é erigir o falso como princípio. uma ação benéfica que se reflete no
Carta de Haia, Holanda, 1954 w Inventário dos bens culturais e medidas perímetro urbano.
Convenção para a Proteção de proteção para os monumentos e seu w Os valores propriamente culturais não
de Bens Culturais entorno. se comprometem ao se vincularem aos
interesses turísticos.
I Congresso Internacional 1957 w Criação de organismos para assegurar a
de Arquitetos e Técnicos de proteção dos monumentos. Convenção do Patrimônio França, 1972 w Comitê Intergovernamental da Proteção
Monumentos Históricos Mundial, Unesco do Patrimônio Mundial e Fundo para a
Carta de Veneza Itália, 1964 w A noção de monumento histórico Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural
II Internacional de compreende a criação arquitetônica e Natural. Criação da Lista do Patrimônio
Arquitetos e Técnicos de isolada e o sítio que dá testemunho Mundial.
Monumentos Históricos, de uma civilização particular ou de um
Icomos acontecimento histórico. Estende-se
também às obras modestas que tenham Carta do Restauro Itália, 1972 w Salvaguardar a autenticidade dos
adquirido significação cultural. elementos construtivos. A eventual
w A restauração visa a salvaguardar a obra substituição de elementos deverá ser
de arte e o testemunho histórico. distinguível dos elementos originais
w A restauração deve ter caráter excepcional (mostrar limites da intervenção).
e fundamenta-se no respeito ao material
original e aos documentos. Será precedida
de estudos históricos e arqueológicos. Resolução de São República w Incluir na educação escolar programas
w Quando as técnicas tradicionais se Domingos Dominicana, de estudos sobre a importância do
mostrarem inadequadas, a consolidação I Seminário Interamericano 1974 patrimônio monumental.
do monumento pode ser assegurada com sobre Experiências na w Definir nos projetos de preservação
o emprego de todas as técnicas modernas. Conservação e Restauração monumental o destino e as formas de
w As contribuições válidas de todas as do Patrimônio Monumental manutenção monumental levando em
épocas devem ser respeitadas, visto que a dos Períodos Colonial e conta a melhoria sócio-econômica de seus
unidade de estilo não é a finalidade a se Republicano habitantes.
alcançar. w Turismo como meio de preservação dos
w Os elementos destinados a substituir monumentos.
as partes faltantes devem integrar- w Criar oficinas de ensino para formação
se harmonicamente ao conjunto, de operários eficazes na tarefa da
distinguindo-se das partes originais. restauração monumental.
(continua) (continua)

198 199
Patrimônio e restauro

Documento Local e data Resumo dos conteúdos Documento Local e data Resumo dos conteúdos
Manifesto de Amsterdã Holanda, 1975 w Patrimônio arquitetônico como ambiente w As contribuições de todas as épocas
indispensável ao equilíbrio e ao devem ser respeitadas. Quando a
desenvolvimento humano. substância do bem pertencer a várias
w Patrimônio como capital espiritual, cultural, épocas diferentes, o resgate de elementos
econômico e social, cujos valores são datados de determinada época em
insubstituíveis. detrimento dos de outra só se justificará
w Patrimônio arquitetônico como valor se a significação cultural do que é retirado
educativo determinante. for de pouquíssima importância em
relação ao que se pretende valorizar.
19ª Conferência Geral da Nairóbi, 1976 w A reconstrução deve ser efetivada quando
w Recomendação relativa à salvaguarda dos
Unesco conjuntos históricos e sua função na vida constituir condição sine qua non de
contemporânea. sobrevivência de um bem cuja integridade
w Integração do conjunto histórico ao tecido tenha sido comprometida por desgastes
urbano e à vida coletiva da cidade. ou modificações, ou quando possibilitar
o restabelecimento, no conjunto, de uma
significação cultural perdida.
Carta de Machu Picchu, Peru, 1977 w É imprescindível que, na tarefa de w A reconstrução não deve significar a
Icomos conservação, restauração e reciclagem das construção da maior parte da substância
zonas monumentais e dos monumentos de um bem.
históricos e arquitetônicos, considere- w A reconstrução deve limitar-se à
se sua integração ao processo vivo do
reprodução das substâncias cujas
desenvolvimento urbano como único meio
características são conhecidas graças aos
que possibilite o financiamento da operação.
testemunhos materiais e/ou documentais.
As partes reconstruídas devem poder ser
Carta de Burra, Austrália, 1980 w A restauração como restabelecimento distinguidas quando examinadas de perto.
Icomos da substância de um bem em um estado
anterior conhecido distingue-se pela Carta de Quebec Canadá, 1982 w Proclama o envolvimento da população
introdução na substância existente de como questão fundamental à preservação
materiais diferentes, sejam novos ou dos bens patrimoniais. Pela primeira
antigos. vez, a palavra cidadão como agente
w A restauração só pode ser efetivada de preservação é colocada em pauta,
se existirem dados suficientes que sendo imputadas a cada indivíduo
testemunhem um estado anterior da a responsabilidade e a participação
substância do bem e se o restabelecimento na proteção dos bens culturais da
desse estado conduzir a uma valorização coletividade: o povo tem o legítimo
de sua significação cultural. direito de participar de qualquer decisão
w A restauração deve servir para mostrar relativa às ações de intervenção, ao
novos aspectos com relação à significação controle e uso do patrimônio nacional,
cultural do bem. Ela se baseia no princípio devendo ser esclarecido e informado
do respeito ao conjunto de testemunhos sobre todas as questões que envolvam
disponíveis, sejam materiais, documentais seus bens culturais. O patrimônio nacional
ou outros, e deve parar onde começa a é um tesouro que pertence a toda a
hipótese. comunidade; é precioso e insubstituível.
w A restauração pode implicar a reposição
Declaração de Tlaxcala México, 1982 w Preocupação com a definição de objetos
de elementos desmembrados ou a
retirada de acréscimos. capazes de promover o desenvolvimento
cultural como fator de mudança social.
(continua) (continua)

200 201
Documento Local e data Resumo dos conteúdos
Declaração de Roma Itália, 1983 w Segue o mesmo caminho da Carta
de Atenas ao priorizar a questão
da cientificidade e dos critérios de
restauração e manutenção do patrimônio
como questão fundamental.
Seminário Brasileiro Brasil, 1987 w Demandas relacionadas à necessidade
sobre a Preservação e a de envolver a comunidade nas ações
Revitalização de Centros preservacionistas.
Históricos

Assembléia Geral do Icomos, EUA, 1987 w Significou a manutenção dos


Carta de Washington encaminhamentos da Carta de Veneza
(1964) e também a continuidade das ações
de planejamento urbano relacionado
aos centros históricos. Não envolve o
cidadão nesse processo de revitalização e
valorização dos centros históricos.
w Definiu a restauração como qualquer
intervenção que, respeitando os princípios
da conservação e sobre a base de todo
o tipo de indagações prévias, restitua
ao objeto, nos limites do possível, uma
relativa legibilidade e, quando for o caso,
as condições de uso.

202
Ensaios

Aprendendo Quis o destino que Bartolomeu Bueno e comitiva passassem pelo sítio
logo denominado Meia Ponte. Em sua incursão inaugural, poderia ter
as esculturas das estátuas dos anjos com trom-
betas e os entalhes do arco cruzeiro. Três anos
de julho de 1941. A providência, com supedâ-
neo no Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro
sempre se enveredado por outro caminho, talvez até próximo, vez que, ao depois, incorpora também, nos provisórios de 1937, se constituiu de grande valia para a
que parece, não estavam seguros se caminhavam ou se simplesmente retábulos laterais, as imagens de Santo Antô- manutenção dos cuidados desse importante
Salma Saddi
vagavam. Contudo, se tomassem outra trilha, teríamos perdido a nio de Pádua, São Miguel e São Francisco de monumento. O Instituto do Patrimônio Histó-
Waress de Paiva
oportunidade de obter, contemplar e viver numa pérola urbana tão Paula. rico e Artístico Nacional (Iphan), que sucedeu o
artisticamente construída. Em Pirenópolis parece que tudo está no Sua fase de evidente decrepitude coincide Sphan, através de seus técnicos, orientou inter-
seu devido lugar, como se um requintado urbanista tivesse pensado com o declínio da mineração, conforme cer- venções na igreja em 1973, 1977, e 1979, além
tudo, naqueles obscuros anos do século XVIII. tifica Cunha Matos, em sua Corografia Histó- de obras mais significativas de restauração em
Qualquer caminheiro que passa ou que passará por Pirenópolis rica da Província de Goiás, em 1814. Disse-nos 1974, 1976, 1981 e outra que se estendeu de
sem nenhum esforço constatará que a Igreja Matriz de Nossa Senhora o louvável militar: “...grande, bela e maltra- 1984 a 1986.
do Rosário se constitui na peça central da arquitetura da cidade. É a tada, com dois altos campanários, cinco alta- Como o tempo é imune ao cansaço, não
sua referência geográfica, estética, religiosa. De qualquer dos qua- res e bons ornamentos. É matriz de todas as há como revogar a decomposição natural dos
drantes da cidade é possível, no máximo com o aluir de alguns pas- da freguesia”. Em dado materiais e o desgaste pelo
sos, divisar a majestosa catedral, construída sob a inspiração de um momento, já em 1838, seu uso das edificações, sobre-
barroco tardio, como que cansado. Contudo, nada de tardio, nada de
cansaço: pura singeleza, coisa própria da alma dos goianos. Para que
madeiramento não resis-
tiu, fazendo com que o
“A Igreja Matriz desde jovem já a
tudo as seculares. Nesse sen-
tido, o Iphan se dedicou a um
gente freqüentava muito, e agora,
ornamentos espetaculosos quando basta o simples, o essencial? telhado desabasse sobre trabalho de recomposição
em restauro, a gente vai passando
A igreja a que nos referimos é o maior e mais antigo patrimô- a arcada do altar-mor, em dos elementos da Matriz
na rua, o pessoal vai perguntando
nio histórico em Goiás. Outrora, além de prestar-se ao batismo dos plena missa celebrada pelo entre 1996 e 1999, não sem
as coisas, perguntando como é
pagãos e das liturgias mais solenes, também oferecia seu solo sagrado vigário Joaquim Gonçal- antes se voltar para uma
que está a atividade aqui. A igreja
ao sepultamento dos mais ilustres. Suas paredes em taipa de pilão tes- ves Dias Goulão. Diante profunda discussão a res-
Matriz é importante não só para
temunharam quase trezentos anos de vida comunitária. Se suas torres disso, não restou outra peito do sentido da palavra
os pirenopolinos, mas para todos
tivessem olhos, observariam o auge e o declínio da mineração, as fes-
tas do Divino Espírito Santo, os cavaleiros mascarados e o foguetório.
alternativa à comunidade os goianos.” restauro. Superada a fase
senão tomar urgentes pro- Weber Pereira Siqueira, de discussão, passou-se à
Quanto foguetório... vidências. Ainda bem que, servente e servente de altura elaboração dos projetos, à
Ledo engano pensar que a Matriz nasceu pronta e acabada. Ao – 25.10.2005
naquela quadra de tempo, captação de recursos, à exe-
contrário, atravessou os séculos no movimento pendular entre o enve- Meia Ponte contava com cução das obras. Na verdade
lhecimento e a revitalização, não sem se submeter a eventuais mutila- o comendador Joaquim tratava-se de várias obras
ções, acréscimos, reconstituições. Em 1757 recebeu móveis e gelosias, Alves de Oliveira, que doou numa só; para tocá-la, uma
além de padieiras sobre as janelas e as portas do consistório. No ano boa parte dos 3.195 contos de réis necessários competente e incansável equipe de técnicos,
seguinte, recebeu assoalhos, além dos caibros nas torres. Em 1761, à recuperação do edifício. As obras, concluídas movidos não só pelo compromisso oficial, mas
veio o trono central para a imagem da padroeira, acompanhado de em 1842, outorgaram à Matriz a sua feição pela motivação emocional perante a bela Pire-
dois nichos laterais, formando o altar-mor sóbrio, sem profusão de atual, ou seja: uma grande porta central, seis nópolis. Como não bastasse essa verdadeira
ornatos. Em 1763 a camarinha é acrescentada ao corpo central da janelas, um frontão com um óculo, e duas tor- orquestração técnica, inventou-se o programa
edificação, pintada em 1766. A pintura chegou, nesta data, também res simétricas, pouco mais altas que o restante Tocando a Obra, que, através da música, ofe-
ao frontispício do altar-mor. Depois disso, já em 1770, a igreja recebe do conjunto. Em síntese, a histórica edificação recia à comunidade a oportunidade de um
há 166 anos exibe a fisionomia que hoje per- prazeroso acompanhamento das restaurações
cebemos. em curso.
“O que marcou mais para mim foi a destruição, o fogo que teve na Igreja foi Reparos efetuados aqui e ali, o fato é que, Findo o extenuante trabalho, a igreja
chocante. Acho que foi a maior tristeza, não só para mim, mas para toda a comu- um século depois da significativa reforma, a resultou mais bela do que nunca, motivo de
nidade. E outro, mais importante ainda, é esse que estamos vendo, nunca a gente Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário veio elogios dos visitantes e orgulho dos morado-

pensava que ia ter a Igreja de volta. E esse fato é mais marcante ainda agora. a ser tombada pelo então Serviço do Patrimô- res. Mas eis que o destino prega uma peça
Dorvalino Botelho, nio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), em 3 das mais sinistras: o inenarrável incêndio da
carpinteiro – 6.9.2005

206 207
Ensaios

madrugada de 5 de setembro de 2002. Quase tudo se perdeu, não ensinar a muitos sobre a história da arquite- rais. Com certeza, um cronista que porventura
fosse a agilidade de alguns, que, em meio às chamas, conseguiram tura colonial. O Iphan, na iminência de não ter venha a se debruçar, daqui a outros trezentos
salvar vinte das imagens do templo, entre elas a da padroeira. Aba- podido antecipar o infortúnio, impedindo a anos, sobre a trajetória da velha Igreja Matriz
teram-se sobre Pirenópolis o sentimento de perda, as lágrimas, os sua ocorrência, fez o que estava ao seu alcance, de Nossa Senhora do Rosário de Pirenópolis,
lamentos. Mas como os goianos se guiam por meia dúzia de ditados, ou melhor: mais. Seus servidores agiram movi- haverá de fazer justiça a tanto comprometi-
entre eles o que diz que “não adianta chorar o leite derramado”, dos por um terno sentimento de carinho por mento e trabalho coletivo.
organizaram a Sociedade dos Amigos de Pirenópolis (Soap) para que uma de nossas mais valiosas referências cultu-
tudo fosse recomeçado. O Iphan no meio, solidário: firme e motivado
quanto o próprio povo da cidade.
Voltaram à tona conceitos de respeitáveis estudiosos como Eugène
Emmanuel Viollet-le-Duc (1814-1879), John Ruskin (1819-1879),
“O fato é que, quando a gente chegou e viu a igreja naquele estado, a gente ficava pensando ‘será que um dia
essa igreja vai tornar a ser aquela igreja? A gente não sabia se isso era possível, e hoje a gente vê que realmente é
Willian Morris (1834-1896), Cesare Brandi (1906-1988) e outros. O que
é mesmo restauração? Seria a Matriz uma ruína?
possível. A igreja está quase pronta.”
Fábio Silva Andrade,
Superou-se a discussão com o entendimento de que a Matriz não pedreiro – 25.8.2005
era ruína, vez que as imensas paredes ainda estavam de pé. Então, em
conformidade com as recomendações da Carta de Burra, na Austrá-
lia (1980), decidiu-se pela restauração do edifício. Assim, os recursos
captados pelas leis de incentivo à cultura (estadual e federal) foram
canalizados à Soap. Nesse sentido não há como não mencionar o des-
prendimento dos diretores da Caixa Econômica Federal, das Centrais
Elétricas de Goiás, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social, da Petrobras e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais (Ibama).
A execução das obras se deu da forma mais interativa possível, com
a instituição do Canteiro Aberto em outubro de 2003, o que resultou
em exposição oficial inaugurada em maio de 2004. O programa Can-
teiro Aberto contou com total engajamento e colaboração da empresa
encarregada das obras de restauro. Além disso, a equipe técnica e
estudiosos em geral aproveitaram-se da exposição das entranhas do
edifício, para que se aprendesse mais a respeito de sua história e das
técnicas construtivas originais. Uma radical preocupação pontuou o
acompanhamento e a execução dos serviços: a conciliação entre as
técnicas vernáculas e as contemporâneas. Para tanto, foi de enorme
valia o extenso acervo documental e fotográfico montado quando da
restauração anterior. Vale acrescentar também que os laboratórios e
oficinas ali montados puderam funcionar como local de treinamento
de mão-de-obra, constituindo-se em escola cuja repercussão se esten-
deria ao restauro de outras edificações históricas.
Justo também mencionar a postura de disponibilidade e doação
por parte de todos os servidores do Iphan, em especial os do Escritório
Técnico de Pirenópolis, da 14ª Superintendência Regional, que não
só se empenharam em fazer o melhor como também se mantiveram
receptivos para o aprendizado decorrente de tão significativo desafio.
Uma vez ocorridas, que sejamos capazes de aprender com as fata-
lidades. No caso da Igreja Matriz de Pirenópolis, o sinistro acabou por

208 209
Ensaios

Vingança Quando da chegada dos bandeirantes por volta do ano de 1728, com
a finalidade da ocupação das minas de Meia Ponte, já conhecidas
A partir de 1940, apareceram as Congre-
gações Marianas, e em Pirenópolis teve ela
um para a Igreja de Dois Irmãos, e outro para a
Igreja de Santo Judas e Capela do Cemitério.
dos pretos desde o ano de 1600, o primeiro ato foi iniciar a construção da Matriz grande aceitação atingindo a 400 devotos Por fim restava apenas o altar-mor, quando
de Nossa Senhora do Rosário. Terminada a construção, os fiéis foram marianos. Os poderes das congregações tor- resolveram vendê-lo, para um antiquário do
Pompeu Christovam
convidados à prática religiosa. naram-se grandes e com o crescimento da con- Rio Grande do Sul. Então teve início o des-
de Pina
Os pretos que já eram devotos da Santa do Rosário dirigiram-se à gregação tornou-se necessária a construção monte do altar, que foi todo embalado para
Matriz para a devoção. Os brancos protestaram: “Negro não é gente; de uma Casa Mariana. Este grupo, de posse a viagem. Quando tudo estava pronto para a
é coisa, e como tal não pode entrar na Igreja”. Os pretos humilde- de um abaixo-assinado, dirigiu-se à capital do viagem, eu, na época ainda jovem, tomei uma
mente atenderam e passaram a se reunir em busca de uma solução. Estado, Goiânia, com a finalidade de pedir ao decisão, a de que os altares não sairiam de
Foi quando resolveram se dirigir à rainha de Portugal, dona Maria I, bispo d. Emmanuel Gomes de Oliveira auto- Pirenópolis para lugar nenhum. Armado com
conhecida como a Rainha Louca, que de louca não tinha nada, em rização para construção da Casa Mariana, pedaço de pau, impedi tal ato. Os diretores
busca de autorização. A rainha, em atendimento ao pedido, autori- que seria feita com os tijolos da demolição da da igreja tomaram a decisão de me entregar
zou aos pretos a formação de sua irmandade e a construção da pró- torre da Igreja do Rosário o altar, como castigo, para
pria igreja. Formaram então a Irmandade de Nossa Senhora do Rosá- dos Pretos. guardá-lo. Como eu estava
rio dos Pretos.
Os pretos, ao entalhar a parte artística de sua igreja, aprimoraram
O bispo autorizou tal
medida, sem contudo ana-
“ Eu acho que o fato que mais me
tomando conta da Igreja
do Bonfim, em reforma,
emocionou foi o levantamento
o barroco, fazendo-o em um belo rococó, um primor artístico. Esta foi lisar o seu ato, que auto- ali depositei o altar todo
das torres, das duas torres. Ali,
a primeira vingança dos pretos. rizava a demolição de embalado.
sim, deu uma imagem melhor da
A vida continuou, na cidade de Meia Ponte: brancos de um lado, parte da Igreja dos Pretos, Os brancos continua-
Igreja Matriz. (...) A minha expec-
pretos do outro. Os brancos na sua Matriz, fazendo suas festas pom- construída entre 1743 e ram a sua perseguição. Em
tativa é que tudo volte a ser como
posas: Semana Santa, Festa do Divino, da Padroeira, etc., fazendo uso 1757. A Casa Mariana seria um fim de semana, entra-
era antes. Os altares e as imagens,
das bandas de música, Euterpe, Phoênix, bem como do Coral Nossa construída em terreno do ram na Igreja do Bonfim e
enfim, a beleza que ela tinha por
Senhora do Rosário. Os pretos, fazendo suas festas, louvando a Nossa
Senhora do Rosário, São Benedito, São Sebastião, fazendo uso da
espólio de Joaquim Tomaz,
comprado dos herdeiros.
dentro ” roubaram parte do altar.
Agindo rápido, consegui-
Leandro Basílio,
Banda de Couro nos Reinados, Reisados, e contratando uma das ban- Pois logo em seguida à controle de ferramentas – 13.10.2005 mos recuperar a peça rou-
das de música da cidade para abrilhantar mais as suas festas. autorização deu-se a demo­ bada, devolvendo-a ao
Assim foi até os anos de 1900, quando começou no Brasil a cons- lição da torre da Igreja do Bonfim.
trução das grandes catedrais. Pirenópolis não podia ficar de fora, os Rosário dos Pretos e os tijolos foram destina- Anos depois transferimos as peças para a
brancos alvoroçados na idéia. Como a escravidão já havia acabado no dos à construção da Casa Mariana. A partir de Igreja do Carmo, pois as Irmãs Carmelitas já
papel, os brancos derrubaram as duas torres da igreja dos pretos, que então a ficou a Igreja aberta, pois os demoli- haviam ido embora e abandonado tudo. É
era de taipa de pilão e construíram uma torre central de alvenaria, dores e quem autorizou tal medida não toma- bom lembrar que a Casa Mariana é hoje a casa
bastante alta, coberta com vento. ram qualquer providência no sentido de pro- de Mardoni de Aquino, comprada do vigário
Mas as paredes de alvenaria não aderiram à taipa de pilão, e for- teger a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos da época, reavendo os direitos hereditários e
mou-se uma fenda. Todos os esforços foram feitos para salvar a torre, Pretos. a casa ali construída.
mas tudo em vão; a igreja foi interditada. Neste meio tempo, a igreja semi-demo- No passar dos tempos os brancos atearam
lida, começaram a ser saqueados seus bens. Os fogo na sua própria igreja, a Matriz de Nossa
balaústres, portas, e outros objetos foram para Senhora do Rosário dos Brancos, destruindo
o Museu das Bandeiras da cidade de Goiás. As tudo. Com este acontecimento pegou fogo
peças pequenas foram presenteadas para este não só a Igreja, mas em toda cidade, choros,
“A gente nasceu nesta cidade, conviveu nessa cidade, foi batizado nesta igreja, ou aquele, e vendidas a igrejas e capelas. Os dois protestos, gritos, acusações. Para acalmar tor-
toda a família da gente tem uma raiz religiosa, e esta Igreja faz parte dela, porque
belos altares laterais, o do Evangelho e da Epís- nou-se necessária a união de todos para reer-
ela é o centro da nossa religião, já que nós convivemos mais com ela, já que nós
tola foram levados pelas Irmãs Carmelitas, para guê-la. A Igreja da Matriz de Nossa Senhora
nascemos aqui e convivemos com a Igreja Matriz. Ela é o centro, ela é o marco da
a Igreja do Carmo, e lá receberam uma camada do Rosário dos Brancos é de dois estilos, colo-
religião para nós, pirenopolinos.” de tinta azul e branca, lambuzados. Os altares nial por fora e barroco por dentro. Na porção
José Nicolau Gomes,
pedreiro e carpinteiro – 30.8.2005, originais do Carmo também foram desviados: colonial, foi difícil e cara sua recuperação, mas

210 211
tudo foi feito – faltam agora os bens artísticos, altares, colunas e coi-
sas mais de estilo barroco. Para chegar a uma conclusão, os responsá-
veis pelo trabalho fizeram várias reuniões e por fim concluíram que os
bens integrados deveriam ser iguais àqueles destruídos pelo fogo.
Quando tudo parecia consumado, levantou-se a questão do apro-
veitamento do altar da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos
que estava guardado. Nossa fala causou nova polêmica! Os técnicos
do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional pediram para
ver o altar do Rosário dos Pretos, que estava guardado na Igreja do
Carmo. Quando de lá voltaram, vieram apoiando por unanimidade
seu aproveitamento, desde que o tamanho fosse o mesmo do antigo
altar da Matriz de Nossa Senhora do Rosário. O impossível tornou-se
real, pois os altares são do mesmo tamanho.
Os pretos mais uma vez se vingaram dos brancos, desta feita intro-
duzindo na Igreja dos Brancos o altar mor da Igreja dos Pretos.
Agora a Igreja da Matriz de Nossa Senhora do Rosário dos Brancos
não mais será chamada assim, mas sim Igreja Matriz de Nossa Senhora
do Rosário dos Brancos e dos Pretos, quiçá dos mulatos. Pretos e bran-
cos doravante poderão prestar homenagens e louvores à Virgem das
Virgens, Nossa Senhora do Rosário, pois é a Padroeira de Pirenópolis,
de todos nós.
Foi a última vingança dos pretos, que impuseram a igualdade.

212
Ensaios

Convivendo Muitos foram os problemas decorrentes das deformações estruturais


da Matriz, estrutura de mais de 250 anos. Essas deformações nos força-
À medida que o tempo ia passando, nossa intimidade com a obra
ia aumentando e, literalmente, conversávamos com a obra. Obtive-
com as ram a buscar soluções para instalar a estrutura da cobertura. O maior mos dela, por exemplo, estampados no tardoz do tímpano do fron-

deformações desafio era como montar uma estrutura nova sobre uma base defor-
mada e irregular. Este breve relato pretende mostrar um ou dois dos
tão, a forma e o posicionamento da primeira tesoura da estrutura do
telhado da nave. Mas, ao mesmo tempo, ela, a igreja, falava: “lem-
Walter Vilhena Valio vários problemas detectados e as soluções encontradas. brem-se de que esta tesoura está encostada nas alvenarias das torres,
O primeiro andaime estava montado dentro da torre do batistério, vocês deverão saber que os frechais estarão apoiados sobre as pare-
a máquina fotográfica pendurada no pescoço, o cinto de segurança des, ou seja, as tesouras serão maiores e o apoio será outro”.
envolvendo pernas e tronco e, ainda, o capacete. Assim começamos a Fotografamos, medimos, desenhamos e construímos um protó-
primeira inspeção rigorosa. Dez metros andaime acima, chegávamos tipo da tesoura, tudo correto, cabendo e encaixando perfeitamente.
ao nível do respaldo das paredes da nave, o mesmo do último piso das Este protótipo foi construído e instalado sobre o andaime móvel, e
torres. Pisos não existiam, sair do andaime para o topo das paredes, estávamos trabalhando no plano vertical junto às torres. Assim, tive-
mesmo com dois metros de largura, nem pensar, tudo muito instável, mos a oportunidade de poder andar com o conjunto por toda a nave,
inseguro, frágil, a terra da taipa extremamente seca e esfarelando, res- até encontrarmos as paredes que receberiam o arco cruzeiro.
tos de paredes de adobe da torre permaneciam graças à gravidade.
O que esta andança do andaime proporcionou? Uma surpresa
Andaimes externos foram montados, cuidados e estratégias para
maior que a esperada. Os frechais internos que receberiam as tesou-
desmontar as alvenarias foram discutidos e repassados ao mestre e
ras não se apoiavam totalmente nem longitudinalmente sobre as
aos operários, pois queríamos reaproveitar os adobes, taipas e, por
alvenarias de taipa. Ora, já sabíamos que havia um desaprumo e um
fim, a própria terra, que é original da igreja, e, o que desejávamos
desalinhamento nas paredes, provocados pelo esforço horizontal das
mais, nenhum acidente! Conseguimos.
tesouras, pois já havíamos efetuado medidas em pontos que consi-
Já andávamos sobre o topo das paredes com alguma segurança,
derávamos críticos para poder desenhar e construir o protótipo da
mas tínhamos, na verdade, duas estruturas. Uma parte era formada
tesoura. Mas a realidade era diferente.
pela torre do batistério e pela parede lateral esquerda da nave, inter-
Voltamos às premissas: o prumo que sai da cumeeira tem de pas-
ligada à parede lateral da capela (não existiam a parede sobre o arco
sar pelo centro do frontão e estar no centro da porta principal; as
cruzeiro e a parede dos fundos da capela), e, do outro lado, a torre.
Em seguida, havia um vão de seis metros sem taipa, correspondendo tesouras serão simétricas, isto é, as paredes laterais da nave devem
à parte que caíra sobre a porta lateral, e o resto da parede até o fim estar eqüidistantes da cumeeira; a cumeeira da capela, mais baixa,
da capela. O frontão unia as duas torres. deve estar no mesmo alinhamento da cumeeira da nave.

214 215
Ensaios

Chegamos à conclusão de que os pontos medidos para o dese- Voltamos a desenhar a tesoura e a calcular seus esforços sobre
nho não eram suficientes, nem os mais significativos. A tesoura estava a taipa. Retiramos e levamos amostras de taipa para o laboratório
correta, seus apoios deveriam sofrer alterações em função da locação de solos, onde obtivemos uma resistência de 14 kg/cm² para a taipa,
do frechal. Partimos para recadastrar novamente a nave e iniciamos apesar de todos os esforços e deformações sofridas ao longo do
pelas suas bases de pedra sobre as fundações um retângulo quase tempo. E ainda tínhamos de colocar 24 tesouras de 3,5 toneladas cada
perfeito, 24,92 x 11,07 m, com 15 cm de diferença nas diagonais. sobre ela!
Passamos para o respaldo das paredes e medimos metro a metro o No cálculo, experimentamos uma treliça plana bi-apoiada com
desaprumo das paredes em relação à base de pedra. O comprimento diversas combinações e um pórtico plano formado pelos dois banzos,
da nave de 24,92 m mantinha-se, pois o tardoz do frontão estava a com as barras rotuladas nas ligações e apoios livres para deslocamentos
prumo e a parede do arco cruzeiro, também. Já as paredes laterais horizontais, mantendo o uso dos três tirantes unindo os frechais das
apresentavam, no topo, um arco, variando de zero, nos cantos junto duas paredes. Foi a solução que melhor se adaptou às circunstâncias.
às torres, a 30 cm para cada lado, e não simetricamente: o maior vão Precisaríamos, ainda, para sermos bem-sucedidos, introduzir dois
era de 11,49 m, próximo ao tirante central da nave. Com esses resul- elementos não existentes: transformar os dois frechais em uma treliça
tados, verificamos, em seguida, a estabilidade e nos acalmamos, pois plana assentada na horizontal sobre a taipa e, sob o frechal interno,
as paredes da nave estavam seguras, sem perigo de tombamento ou instalar uma laje em concreto armado com o dobro da largura do fre-
ruptura, pois as fissuras não eram comprometedoras. chal. Isso melhoraria a condição de transferência de carga do frechal
Duas perguntas se impunham: como fazer (ou refazer) um fre- para a taipa, pois aumentaria a área de apoio. E assim foi feito.
chal curvo e em nível, mantendo a cumeeira horizontal (a que quei- Faltava ainda uma amarração, a que passaria sobre o arco cru-
mou estava selada); e como fora possível à carga horizontal daquele zeiro. Ela deveria constituir o fim do telhado da nave, ou seja: acima
telhado mover todo aquele volume de taipa? E mais uma imposição: do nível do frechal, a amarração teria continuidade; abaixo do nível
ao calcular a tesoura (o protótipo era a geometria da tesoura), deve- do frechal, ela deveria formar a estrutura do arco cruzeiro, sem sê‑lo,
ríamos ter o menor esforço horizontal possível, pois os tirantes que de modo a receber a alvenaria de fechamento entre a nave e o telhado
havia para combatê-los não haviam sido suficientes, e estes esforços da capela-mor.
acabaram por ser transmitidos às paredes, que, por sua vez, haviam-se A igreja voltou a nos indicar o caminho. Mesmo deformada, havia
deformado. no plano da parede do arco cruzeiro as bases, em pedras incrusta-
Avançando, o vão do arco cruzeiro tinha na base 7,52 m; já na das na taipa, do arco estrutural que suportava a alvenaria sobre ela.
altura do frechal, obtivemos 7,92 m. Ao longo das paredes da capela- Estava resolvida a questão: o arco se apoiava naquelas pedras. Assim,
mor, as variações foram proporcionais, ou seja, 11,12 m na base e desenvolvemos um desenho que continha um arco pleno saindo des-
11,46 m no topo: em torno de 17 cm de deformação para cada lado. ses apoios, os quais receberiam as cambotas que sustentariam as alve-
A maneira como o esforço horizontal havia movido a parede tra- narias e seriam contraventadas nos dois últimos pórticos do telhado.
tou-se de um estudo à parte, iniciado com a definição do material teó- Este foi um dos desafios que o monumento acidentado nos apre-
rico, no prisma elementar de estudo, passando pela translação vertical sentou. Longe de apenas restaurá-los, eis que aprendemos com os
e transversal, desestruturação interna do material, esmagamento, etc. monumentos, eles não estão mortos, podem ressurgir das cinzas,
Tudo isso contribuiu para constatar e definir as deformações estrutu- basta que tenhamos respeito por eles e que estejamos atentos para
rais presentes no monumento, e não era intenção – acreditávamos entendê-los.
que não era necessário nem correto – eliminar estas deformações.
Deveríamos, sim, conviver com essas deformações e solucionar os pro-
blemas com elas.
Nosso problema agora era encontrar a locação dos frechais, que
deveriam ser duplos sobre cada parede, eqüidistantes da cumeeira
e apoiados sobre a taipa curva. Obviamente, com o cadastro que
tínhamos, essa locação foi feita em planta e com sucesso no local.
A conseqüência foi uma menor dimensão entre o frechal interno e o
externo.

216 217
Ficha técnica restauro

Ficha técnica Coordenação e orientação técnica


Salma Saddi Waress de Paiva
Corpo técnico da obra
Leandro Basílio

restauro Superintendente da 14ª Regional do Iphan


Paulo Sérgio Galeão
Almoxarife
Adhasilio Gomes
Chefe do Escritório Técnico do Iphan em Pirenópolis
2002-2006 Silvio Cavalcante
Alexandro Gomes dos Santos
Carlos Henrique dos Reis
Arquiteto Responsável – Escritório Técnico do Iphan em Pirenópolis Camilo de Oliveira
Consultoria e Projetos Dorvalino Botelho
Projectus Ltda. José Nicolau Gomes
Walter Vilhena Valio Júlio César Basilio
Engenheiro civil Natal Abadia de Fontes
Nilson Caetano Ribeiro
Proponente Paulo Abadia de Fontes
Sociedade dos Amigos de Pirenópolis (Soap) Carpinteiros
José Reis Derval Ferreira Batista
Presidente Encarregado de obra
Material Gráfico e Exposição Canteiro Aberto
Link Design Erida Cristina Gomes
Sandra Kelly Tomaz
Vídeo Canteiro Aberto Sandra Ludmyla Triers
Studio 13 Guias da exposição
Direção: Waldir de Pina Rogério Manoel de Brito
Animação da exposição Canteiro Aberto Marceneiro
Fóton - Arquitetura e Design João Ferreiro
Ferreiro
Fotos esféricas Antônio Marcos Pereira
Estúdio 11 Operador de betoneira
Consultorias técnicas Carmo Otavio de Barros
Ciro Correia Lira, Iphan Fabio Silva Andrade
Sílvia Puccione, Iphan José Joaquim Figueiredo
Wagner Matias, restaurador José Maria Lobo
Odorico Rodrigues de Oliveira
Execução
Pedreiros
Construtora Biapó Ltda.
Agostinho Alcântara Neto Agnaldo Ribeiro da Silva
Manoel Garcia Filho Anderson Damasceno Rosa
Suzana dos Santos Mendes Cleomar Paiva Vieira
Engenheiros civis Eduardo Aires da Silva
Joel Amâncio da Luz
Bartira Bahia E. Alcântara
José Neres da Cunha
Arquiteta residente
Osmar Delfins Eugênio
Belissa Mendes Evangelista Roberto Luiz Fonseca
Arquiteta estagiária Uélcio Júnior Gomes
José Carlos Jubé Weber Pereira de Siqueira
Elzo João de Oliveira – Cuca Serventes
Mestres-de-obra Manoel Paulino de Souza
Alexandre Rocha Vigia noturno
Lucídio Gomes Avelino Filho
Estagiários de arquitetura
Robson Ribeiro dos Santos
Encarregado

218 219
Glossário técnico

Glossário técnico
A

abóbada acanto barrote berço boneca


construção arqueada ornato que representa peça de madeira usada peça ou elemento usado saliência na alvenaria de
feita de concreto, pedras as folhas muito largas principalmente na na ancoragem de um outro paredes feita, em geral,
ou tijolos em forma de e recortadas da planta formação de armação para elemento. para colocação de marcos
cunha, destinada a cobrir também denominada fixação de assoalho ou de esquadrias.
um espaço, apoiando-se acanto. forro.
sobre paredes, pilares ou
colunas.

aduela arco de canga


pedra talhada ou tijolo espécie de arco de madeira
seccionado de forma a
seguir a volta do arco
que integra os marcos
de portas e janelas dos
C
ou abóbada do qual faz edifícios coloniais. Recebe
parte como elemento esse nome em alusão às
construtivo. cangas usadas em junta de cachorro caibro camarim
bois. Também chamado de
peça de madeira em peça de madeira em igrejas, vão situado
arco joanino.
balanço apoiada no frechal usada comumente no acima ou na parte interna
para sustentar o beiral do madeiramento do telhado. do altar ou arco cruzeiro
telhado. É fixado em frechais, terças onde se encontra o
e cumeeira para apoio das trono para exposição do
ripas. Santíssimo ou de imagem
de santo.

B
camarinha cambota campa
balaústre banzo
gabinete ou recinto peça, geralmente de peça em forma de laje
cada uma das pequenas cada uma das duas peças reservado. madeira, em arco, que usada para selar túmulos.
colunas, com base e longitudinais de certas assenta horizontalmente No caso de túmulos no
capitel, dispostas em fila armações (como as pernas no alto de nichos altares subsolo de igrejas, designa
nas balaustradas, ligadas das escadas de mão onde etc. para servir de apoio ao a parte móvel do assoalho
superiormente por um se encaixam os degraus, dossel. de madeira que permite o
corrimão de escada ou os braços do andor e da acesso ao solo.
por parapeito de sacada, padiola, etc.).
terraço, platibanda, etc.

220 221
Glossário técnico

capitel carapina cavilha E


parte superior de colunas, do tupi cara’pina; haste ou pino cilíndrico, de
pilastras ou balaústre. carpinteiro. No Brasil madeira ou metal, usado
Colônia, designava o para tapar orifícios ou
carpinteiro de obras de juntar peças. entablamento espigão esteio
madeira em geral, que conjunto de molduras aresta saliente formada peça alongada, disposta
não as construções e que remata e ornamenta pelo encontro de duas na vertical, utilizada como
reparações navais. a parte superior de um águas do telhado. elemento estrutural na
elemento arquitetônico. sustentação de paredes,
tetos, pisos e telhados.
Pode ficar aparente
na construção ou ser
revestido.
cimalha contrafeito contraventamento
moldura saliente que peça de madeira pregada estrutura auxiliar
remata a parte superior na parte inferior dos disposta obliquamente,
da fachada de um edifício, caibros (com inclinação usada para reforço ou
ocultando o telhado e mais suave do que a destes) resistência a esforços F-G
impedindo que as águas e que se projeta para além externos, principalmente
escorram pela parede. da parede exterior; peça provenientes da ação dos
Também chamado cornija. de madeira que une as ventos sobre a edificação.
empenas às extremidades frechal frontão
dos cachorros, suavizando o nos madeiramentos de conjunto arquitetônico
seu caimento. telhado, viga de madeira de forma triangular que
disposta em geral na decora normalmente o
horizontal que, apoiada topo da fachada de um
cremona custódia sobre a alvenaria, serve de edifício, constituído de
apoio para os caibros e, às duas partes essenciais:
ferragem de fechamento receptáculo, geralmente
vezes, para outras peças do a cimalha (a base) e as
vertical, presa ao lado de ouro ou de prata, no
vigamento. empenas (os dois lados que
interno do caixilho da qual se deposita a hóstia
fecham o triângulo).
esquadria. para expô-la à adoração
dos fiéis; ostensório.

gaiola ganzepe
madeirame que forma entalhe de forma
o esqueleto de uma trapezoidal feito em peças
construção, especialmente de madeira de modo que
em paredes de taipa. a boca seja mais estreita
que o fundo. É usado para
emendar duas peças de
topo a topo, ou do meio de
uma ao topo da outra.

222 223
Glossário técnico

gelosia guarda-pó M
grade de ripas, de forro de tábuas dispostas
malha pouco aberta, de forma a recobrirem
que guarnece algumas apenas o ripamento do
janelas e portas a fim de telhado, apoiadas sobre os madre mão-francesa
impedir que a luz e o calor caibros e os cachorros do peça horizontal usada peça disposta
excessivos penetrem o madeiramento, deixando- em vigamentos, obliquamente unindo
interior da casa e que este os à mostra. É usado mais geralmente servindo de dois elementos da
seja devassado da rua. freqüentemente nos apoio intermediário ao construção para reforço
beirais do telhado. vigamento do assoalho. da estabilidade de um
deles; escora destinada a
dar apoio à extremidade
de um corpo em balanço,
como marquises, beirais de
I-J telhado, etc.

meia-madeira mezanelo
intradorso jaibro sambladura entre duas tijolo mais queimado ou
face côncava interna de rebaixo nos marcos em peças de madeira através vidrado, próprio para
um arco, abóbada ou que se alojam as folhas de de encaixe em rebaixo pavimentação.
cúpula. portas e janelas. feito em cada uma das
peças em metade de sua
espessura. É comumente
usada quando há
necessidade de unir peças
no mesmo plano.

L N-O

lambrequim longarina naveta óculo


ornato de madeira viga de madeira, ferro ou recipiente pequeno, abertura ou pequena
recortada e vazada em concreto armado, colocada geralmente de prata, em janela disposta nas paredes
forma de rendilhado, longitudinalmente para forma de nau e dotado de externas ou em frontões,
usado no arremate suster, ligar ou reforçar pé, usado para guardar o para ventilar e às vezes
decorativo de elementos as peças transversais ou incenso a ser queimado iluminar os desvãos dos
da construção. todos os outros elementos nos turíbulos, durante os telhados.
componentes de um ritos litúrgicos.
arcabouço ou estrutura.

224 225
Glossário técnico

P Q-R-S

padieira pálio peanha quartelão ripa rocalha


verga superior de janela sobrecéu portátil, pequeno pedestal onde se pilastra com a face elemento estrutural de um ornato cuja forma é
ou porta, especialmente de sustentado por varas, dispõem imagem, estátua, principal muito telhado, geralmente de derivada dos contornos de
madeira. usado em cortejos para cruz, busto etc. ornamentada, madeira, que se dispõe, pedras e principalmente de
cobrir a pessoa festejada assemelhando-se na parte a intervalos regulares, conchas.
ou em procissões. superior a uma mísula. paralelamente à cumeeira,
cada uma delas apoiadas
e cruzadas sobre caibros,
a fim de criar o suporte de
assentamento das telhas.

pé-de-moleque pé-direito saimel salva sanefa


pavimento feito com altura livre entre o nos arcos e abóbadas de espécie de bandeja usada larga tira que se coloca
pedras irregulares muito piso e o forro de um tijolo ou pedra, a primeira nas igrejas para recolher na parte superior da
usado nas ruas estreitas compartimento ou pedra que, sobre o capitel esmolas. cortina ou reposteiro, nas
das cidades brasileiras no pavimento. ou cimalha, começa a vergas das janelas etc.,
período colonial. formar a volta. geralmente rematada com
franja ou galão.

peito-de-pombo ou postigo T
peito-de-pomba janelinha em portas ou
perfil convexo em ¼ de janelas para se olhar
círculo. A expressão é mais quem bate, sem abri-las;
espreitadeira. tela deployé telha-bica telha-capa
usada em referência à
extremidade dos cachorros tela fabricada a partir de concavidade voltada para concavidade voltada para
dos telhados de antigas finas chapas metálicas, cima. baixo.
edificações. recortadas e depois
expandidas no sentido
transversal até atingir a
largura programada.

226 227
tesoura testemunho tímpano
cada uma das vigas em bloco de terra que, em nos frontões, superfície lisa
armações triangulares serviços de desaterro ou ornamentada, limitada
paralelas que constituem manual, é deixado intacto, pelas empenas e pela
os elementos estruturais como testemunho da cimalha.
básicos da armação de um altura original do terreno.
telhado. Permite facilitar o trabalho
posterior de medir altura
e volume do material
escavado. É também
chamado de mestra,
dama e, mais raramente,
madama.

U-V

umbral, umbreira ou velatura


ombreira ato de cobrir uma
cada uma das peças pintura com uma fina
verticais, componentes dos e transparente mão de
vãos de portas ou janelas, tinta ou verniz, deixando
que, encostadas nos lados transparecer a tinta da
do vão, dão sustentação às camada anterior.
vergas ou às padieiras.

voluta
ornato em forma
espiralada,
freqüentemente
encontrado em capitéis de
coluna ou no coroamento
de frontões.

228
Cronologia

Cronologia 1727 w Primeira expedição branca na região, do paulista Diogo 1800 w Início da exploração do Engenho São Joaquim (atual
Pires Moreira, que achou ouro no Rio Corumbá, fundando Fazenda Babilônia), que marca o início de um novo ciclo
do sítio de arraial homônimo. Encorajados com a notícia do ouro econômico, o agropecuário, em vista do esgotamento das

Pirenópolis do Corumbá, os portugueses Manuel Rodrigues Tomar e


Urbano do Couto Menezes encontraram ouro também
minas de ouro.

no Rio das Almas. A partir dessa expedição, foi criado o


povoado das Minas de Nossa Senhora do Rosário de Meia
1812 w O historiador Luís Antônio da Silva e Souza considera o
julgado de Meia Ponte um dos três mais populosos da
Ponte. Anteriormente, a região era habitada por indígenas
Província de Goiás.
da nação Caiapó. A atividade econômica mais importante
era o garimpo nas margens do Rio das Almas.
1819 w Em visita à cidade, o naturalista francês Auguste de
1728 w Criação da Irmandade do Santíssimo Sacramento.
Saint-Hilaire afirmou ser “incontestável que, sob muitos
aspectos, Meia Ponte mereceria, mais que Vila Boa, tornar-
se a capital da província de Goiás”.
1732 w Início das obras da Igreja Matriz de Nossa Senhora do
w Primeiro registro da realização da Festa do Divino.
Rosário.
w Minas elevadas à categoria de Distrito de Meia Ponte.
1823 w O botânico austríaco Johann Emanuel Pohl visita a
cidade.
1733 w Construção da Casa de Câmara e Cadeia (demolida em
1919), ao lado da Matriz.
1826 w Primeiro registro da realização das Cavalhadas, introduzidas
pelo padre Manuel Amâncio da Luz.
1736 w Carta régia de 11 de fevereiro determina a elevação de
Meia Ponte a arraial.
1827 w O botânico inglês William John Burchell visita a cidade.
w Fundação de Santo Antônio, atual distrito do município.
w Descoberta de ouro em um córrego nas cercanias, que
passava pelo sopé de um alto monte. Devido à semelhança
1830 w Início da publicação do jornal Matutina Meyapontense, o
primeiro do Centro-Oeste, veiculado entre 5 de março de
com um pico paulista, o monte recebeu o nome de 1830 e 24 de maio de 1834, totalizando 526 edições.
Jaraguá, bem como o córrego e o povoado que ali surgiu
em seguida (hoje cidade de Jaraguá).
1832 w Elevação do julgado de Meia Ponte à categoria de vila, em
1739 w O arraial torna-se sede de julgado.
10 de julho.

1743 w Início da fase de maior produção aurífera, culminando


1833 w Emancipação do povoado de Jaraguá, que se desvincula
de Meia Ponte.
com a construção de vários edifícios públicos e residências
e de quatro outras igrejas: Igreja de Nossa Senhora do
Rosário dos Pretos (1743-1947), já demolida; Igreja do 1838 w Desabamento do telhado da Igreja Matriz de Nossa
Nosso Senhor do Bonfim (1750-1754); Igreja de Nossa Senhora do Rosário sobre a arcada do altar-mor, durante
Senhora do Carmo (1750-1754), na margem direita do Rio uma missa celebrada pelo vigário Joaquim Gonçalves Dias
das Almas; Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte da Lapa Goulão. Tal episódio culminou com a primeira grande
(1760), já demolida. reforma do edifício.

1744 w Constituição formal e administrativa da Capitania de 1849 w Emancipação de Corumbá, que se desvincula de Meia
Goiás, desmembrada da Capitania de São Paulo por alvará Ponte e é elevada à categoria de vila.
régio de 8 de novembro.
1850 w Criação da comarca do Rio Maranhão, com sede na vila de
1787 w Fundação, em Meia Ponte, da primeira escola pública da Meia Ponte, por Lei Provincial de 6 de julho. Formou-se a
Capitania de Goiás, uma escola de gramática latina. nova comarca pelas vilas de Corumbá e de Meia Ponte.

230 231
Cronologia

1851 w Morre o comendador Joaquim Alves de Oliveira, 1936 w Adaptação do Theatro Pireneus para a exibição de filmes.
proprietário da Fazenda Babilônia. A partir de então, a As alterações na fachada do novo Cine Pireneus, em estilo
agricultura e o comércio tropeiro vão perdendo forças, art déco, foram projetadas por Antônio Puglisi.
o que levará comerciantes locais a se transferirem para
a região do futuro arraial de Sant’Ana das Antas, de 1937 w Construção da primeira usina elétrica na região.
topografia plana e acesso mais fácil.
1941 w Primeiro tombamento federal na cidade, da Igreja Matriz
1853 w A vila de Meia Ponte é elevada à categoria de cidade. de Nossa Senhora do Rosário, em 3 de julho.

1860 w Construção do Theatro São Manoel, por Manuel Barbo de 1944 w Surgimento da primeira igreja evangélica na cidade.
Siqueira.

1868 w Fundação da Banda Euterpe, que seria dirigida até 1935


1946 w Construção de nova ponte sobre o Rio das Almas, de
pedra, no lugar da antiga ponte de madeira.
por Antônio da Costa Nascimento, o Tonico do Padre.

1880 w Início do garimpo na Serra dos Pireneus, com a construção


1960 w Execução do calçamento das ruas da cidade, com pé-de-
moleque.
de uma vila com mais de 30 casas, as Minas do Abade.

1885 w Fundação do povoado de Sant’Ana das Antas, hoje cidade


1968 w Primeira recepção de televisão na cidade.
de Anápolis, por um grupo de comerciantes oriundos de
Meia Ponte. 1980 w Asfaltamento da GO-431, rodovia de acesso à cidade.

1890 w Mudança do nome de Meia Ponte para Pyrenópolis de 1988 w Tombamento, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Goiás. Artístico Nacional (Iphan), do Cine Pireneus e do Theatro
de Pirenópolis.
1892 w Presença da Comissão Cruls, responsável pela escolha do
1990 w Tombamento federal do centro histórico.
local da futura capital federal. A comissão fica assentada
em Pirenópolis. Entre outros levantamentos, é aferida a
altitude do Pico dos Pireneus: 1.385 metros. 1996 w Início das obras de restauração da Igreja Matriz de Nossa
Senhora do Rosário, concluídas em 1999.
1893 w Fundação da Banda Phoênix, ainda hoje em atividade,
1999 w Restauração do Theatro de Pirenópolis.
pelo mestre Joaquim Propício de Pina.

1899 w Construção do Theatro de Pirenópolis, por Sebastião 2000 w Recuperação da ponte sobre o Rio das Almas, com a
Pompeu de Pina. inclusão de um caminho exclusivo de pedestres.
w Restauração do Cine Pireneus.
1919 w Demolição da antiga Casa de Câmara e Cadeia e início da
construção de uma nova. 2002 w Execução de fiação elétrica e telefônica subterrânea no
centro histórico.
1924 w Primeira iluminação elétrica na cidade, por gerador, no w Incêndio na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário,
teatro. em 5 de setembro.

1930 w Construção do Theatro Pireneus pelo padre Santiago 2003 w Início da restauração da Igreja Matriz, em outubro, que se
Uchoa, com projeto de Luís Fleury de Campos Curado. estenderia até março de 2006.

1933 w Início da construção de Goiânia, futura capital do Estado. 2007 w Restauração da Casa de Câmara e Cadeia, adaptada para
w Primeiro automóvel em Pirenópolis. abrigar exposições.

232 233
Bibliografia

Bibliografia Albernaz, Maria Paula & Lima, Cecília Modesto. Dicionário ilustrado de
arquitetura. 3. ed. São Paulo: Pro Editores, 2003.
Pohl, Johann Emanuel. Viagem no interior do Brasil. Rio de Janeiro:
Ministério da Educação e Saúde, 1951.
Andrade, Rodrigo Melo Franco de. Rodrigo e o Sphan. Rio de Janeiro: Ruskin, John. The seven lamps of architecture. New York: The Noonday
Minc / Sphan, 1987. Press, 1961.
Antonil, André João. Cultura e opulência no Brasil. Belo Horizonte: Saint-Hilaire, Auguste de. Viagem à Província de Goiás. Belo Horizonte:
Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1982. Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1975.
Bertran, Paulo. História da Terra e do Homem no Planalto Central: _____. Viagens às nascentes do Rio São Francisco e pela Província de
eco-história do Distrito Federal do indígena ao colonizador. Brasília: Goiás. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975.
Solo, 1994.
Vasconcellos, Sylvio de. Arquitetura no Brasil: sistemas construtivos.
Brandi, Cesare. Teoria da restauração. Trad. Beatriz Mugayar Kühl. São Belo Horizonte: UFMG, 1979.
Paulo: Ateliê Editorial, 2004.
Cavalcante, Silvio. “Fênix: o renascimento de um patrimônio”. In:
Gazeta Matutina, Pirenópolis, abr. 2006.
Choay, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Unesp, 2001.
Costa e Silva, Alberto da. A enxada e a lança: a África antes dos
portugueses. São Paulo: Nova Fronteira / Edusp, 1992.
Cunha Matos, Raymundo José da. Corografia histórica da Província de
Goiás. Goiânia: Sudeco, 1979.
D’alincourt, Luís. Memória sobre a viagem do porto de Santos à cidade
de Cuiabá (1811). Brasília: Edições do Senado Federal, 2006.
Faquini, Rui & Leonardi, Victor. Estrada Colonial no Planalto Central:
uma viagem em baixa velocidade. Brasília: Instituto Paidéia, 2006, s.n.
Henriques, J. H. Constelações e porcos para o comendador. Goiânia:
Instituto Casa Brasil de Cultura, 2007.
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Cartas patrimoniais.
Rio de Janeiro: Iphan, 2000.
Jayme, Jarbas. Esboço histórico de Pirenópolis. Goiânia: Universidade
Federal de Goiás, 1971, vol. I e II.
_____ & Jayme, J. S. Casas de Pirenópolis: Casa de Deus / Casa dos
Mortos. Texto em 3 volumes não publicado, com autorização para
citação, 1990.
Lago, Pedro Corrêa do (coord.). Patrimônio construído: as 100 mais
belas edificações do Brasil. São Paulo: Capivara, 2002.
Marx, Murillo. “O moderno inventa o antigo”. In: Revista Expor, n. 2,
Pelotas, 1996, pp. 35-44.
Pizarro e Araújo, José de Souza Azevedo. Memórias históricas do Rio
de Janeiro e Províncias anexas à jurisdição do Vice-Reino do Estado do
Brasil. Rio de Janeiro: INL / Imprensa Nacional, 1945.

236 237
À memória de seu Ico

Aproveitamos a oportunidade para homenagear Teodorico Pereira,


nosso querido e saudoso seu Ico, sacristão e sineiro da Igreja Matriz
Nossa Senhora do Rosário por quase quatro décadas, dedicando boa
parte da sua vida e sua alma à conservação da igreja.
E não ficou só nisso. Seu Ico foi também uma mistura de músico,
cantor, compositor, poeta, ecologista, ator, filósofo e presepeiro
de mão cheia; homem de fé inabalável e grande conhecedor dos
costumes de Pirenópolis, além de todos os elementos de seus arredores
– montanhas, vegetação, as frutas, os animais. Seu Ico é imortal – não
se trata simplesmente de um ser, mas sobretudo de um jeito de ser.
A ele, a este inesquecível mestre da simplicidade e do amor à terra,
nossa mais profunda admiração. E, em nome dele, estendemos esta
homenagem a todos os pirenopolinos, de todas as épocas, que tão bem
souberam preservar e conservar, por séculos, esta magnífica cidade,
seus monumentos, seus encantos, a simplicidade e o despojamento.

Você também pode gostar