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O SABER HISTORICO
NASALADEAULA

CerceBittencourt (org.) -- Adriana Mortara Almeida


Antonia Terra -- Camelo de Mello Vasconcellos
CarlosAlberto Vesentini-- Ellas Thomé Saliba -- Kátia Abud
Marcos Napolitano -- Mana Auxiliadora Schmidt
Mana de Lourdes Monaco Janotti -- Ricardo Orla
uma ideia já cristalizada, essas iniciativas devem ser louvadas e apoia-
das, não sem uma reflexão mais crítica.
MEMORIA E ENSINO DE HISTORIA A partir de meados dos anos 70 e por toda a década de 80, assisti-
mos à emergência dos movimentos sociais populares, protagonizados
pela mobilização de trabalhadores, mulheres, negros, índios, homosse-
xuais etc., que, até hoje, reivindicam para si o alcance e o exercício dos
direitos de cidadania e a participação política no processo decisório na-
Ricardo Orla cional. Esses movimentos colocam na ordem do dia o interessepelo
'resgate" de sua memória, como instrumento de luta e afirmação de sua
identidade étnica e cultural.
Nesse sentido, as palavras do historiador Ulpiano Bezerra de
Meneses são bastante esclarecedoras :

A ittvocação do passado constitui urna das estratégias mais comurLS


O tema da memória está em voga, hoje mais do que nunca. Fala-se da
ruasinterpretações do preseltte. O que inspira tais apelos hão é apel'tas
memória da mulher, do negro, do oprimido, das greves do ABC, me
a divergência quanto ao qteeocorreu no passado e o que teria sido esse
mória da Constituinte e do partido, memória da cidade, do bairro, da
passado, mas tantbént a incerteza se o passa(!o é desato passcído, n'tor-
empresa, da família. Talvez apenas a memória nacional, tantas vezes
to e eltterrado, Ol{ se persiste, lnesnlto qKe talvez sob oütrasfonnas- aguada (e tantas vezes'acuadora) esteja retraída. Multiplicam-se as
Edward Said casasde memória, centros, arquivos, bibliotecas, museus, coleções,
publicações especializadas (até mesmo periódicos). Os movimentos
de preservação do património cultural e de outras memórias especíni
casjá contam com força política e têm reconhecimento público. Se o
antiquariato, a moda retro, os revive/s mergulham na sociedadede
consumo, a memória também tem fornecido munição para confrontos
e reivindicações de toda espécie. (MENESES, p. 9)
A preocupação com a preservaçãoda memória histórica e, por ex-
tensão, do património cultural é fenómeno que vem caracterizando, neste Por outro lado, a temática da memória e de sua materialização atra-
final de século e milênio, um número considerável de instituições, se- vés dos bens consubstanciados no património histórico é recente no
jam elas públicas ou privadas, organizações não-govemamentais, seg- âmbito da historiografia brasileira, bem como na produção acadêmica
mentos sociais os mais diversos e nlgurasdestacadasdas elites políticas oriunda dos cursos de pós-graduação em História existentes no país, e
nacionais. praticamente ausente no processo ensino aprendizagem em diferentes
A cada dia tomamos conhecimento de iniciativas destinadas à cria- níveis escolares. Isso se explica, em grande parte, pelo fato de que os
ção de centros de memória, projetos de revitalização de sítios históricos órgãos e agências de preservação histórica foram sistematicamente ocu
urbanos, instalação de núcleos de documentação e pesquisa,memoriais, pados por profissionais da arquitetura, o que levou, também, ao privilé
museus,programas de história oral, elaboração de vídeos e documentários gio do "património edificado''. Até bem pouco tempo, o património his-
etc.' No Brasil, onde a máxima de ser um "país semmemória" constitui tórico era seara acadêmica exclusiva dos arquitetos ou, quando muito,
de antropólogos e cientistas sociais.
+Assessor!egistativo da Câmara dos Deputados na área de Educação, O presentetexto objetiva, pois, discutir questõesrelacionadas com
Cultura e Desporto e dot4torarldodo Programa de Pós-gradação emHis- a possibilidade de se trabalhar com os bens culturais do património his-
tória Social e dasidéias pela UnB.

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dórico no processo ensino-aprendizagem de História, a fim de estimu- rico a prédios, monumentose outras edificações de notável valor
lar, nos alunos, o sensode preservaçãoda memória social coletiva, como histórico-arquitetânico que, pelo seu caráter de excepcionalidade,
condição indispensável à construção de uma nova cidadania e identida- devem ser preservados. Isto se deve, em grande medida, à primeira
de nacional plural. legislaçãopatrimonial do país, o Decreto-lei Do25/37,: ainda em
Consideramos que a escola e, em particular o ensino de História, vigor, que, em seu art. la, explicita o conceito de "património histó-
tem um papel fundamental nesse processo.E ela, em última instância, o rico e artístico'
/ecus privilegiado para o exercício e formação da cidadania, que se tra-
duz, também, no conhecimento e na valorização dos elementos que com- Constitui o património histórico e artístico nacional o conjunto de
bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de
põem o nosso património cultural. Ao socializar o conhecimento histo- interesse público, quer por sua I'inca/anão a$aroi nze/no/úvelx cía .fJ'íx-
ricamente produzido e preparar as anuaise futuras geraçõespara a cons- tória do Brasil, quer por seu excepcioltalvalor arqueológicoou
trução de novos conhecimentos, a escola está cumprindo seu papel se etnogná$co, bibtiográ$co ou artístico. (.abafonossa)
cial. No entanto,como bem assinalaa educadoraResina Leite Garcia, a
escola deve assumir também um outro compromisso, qualkeja: Esse conceito norteou, na prática, a política de preservaçãodo
património histórico no país e em diversos estados e municípios da fe-
o papel da escola é, também, ensinar a degustar as formas e os deração brasileira, por força da estrutura de poder centralizador, impos-
conteúdos que hoje podem parecer superados, mas que fazem parte
das nossas raízes, ou pertencem ao património cultural da humanida- to pelo Estado Novo (1937-1945). Priorizou-se, assim, o património
de. A poesia chinesa clássica, as pinturas rupestres de Altamira e de edificado e arquitetõnico a chamada "pedra e cal'' -- em detrimento de
Lascaux, a concepçãoarquitetânica das malocasdos índios brasilei- outros bens culturais significativos, mas que, por não serem representa-
ros, as esculturas afHcanas contemporâneas são tão importantes quanto tivos de uma determinada época ou ligados a algum fato histórico notá-
um concerto de Xenakis, uma pintura de Picasso,um poema de vel ou pertencentesa um estilo arquitetõnico relevante, deixaram de ser
Drummond de Andrade, um filme de Ingmar Bergman, um vídeo de
Bill Viola, um bala de Manha Graham ou uma fotograHla de Sebastião preservados e foram relegados ao esquecimento e até destruídos por não
Salgado. (GARCIA, p. 46) terem, no contexto dessaconcepção, valor que justificasse a suapreser-
vaçdu.
Tratar dessa questão leva-nos, inicialmente, a trabalhar com a O mais sério é que essa política preservacionista, levada a cabo
elucidação de alguns conceitos que julgamos de fundamental importân- pelo entãoServiço do Património Histórico e Artístico Nacional
cia para, só então, discutirmos como viabilizar uma proposta de ensino (SPHAN), desde sua criação em 1937, deixou um saldo de bens imóveis
de História centrada no estudo de nosso património cultural. tombados, referentes aos setores dominantes da sociedade. Preserva-
ram-se as igrejas barrocas,os fortes militares, as casas-grandese os
sobrados coloniais. Esqueceram-se, no entanto, as senzalas, os
O PATRIMÓNIO HISTÓRICO REVISITADO quilombos, as vilas operárias e os cortiços.
Essapolítica de preservaçãoque norteoua práticado SPHAN e
O passado não é o aittecedente do presel'tte, é a sita foi'tte. seussimilares nos estados e municípios objetivava passar aos habitantes
Ecléa Bosi do país a idéia de uma memória unívoca e de um passado homogêneo e
de uma História sem conflitos e contradições sociais. A concepção pre-
A primeira vista, quandose fala em património histórico, há dominante era a de se forjar uma identidade nacional única para o país,
uma imediata associaçãoda palavra a monumentose edifícios anti- excluindo as diferenças e a pluralidade étnico-cultural de nossa forma-
ção histórica.
gos. Assim, o senso comum relaciona a expressão património histó-

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Hoje, com o avanço teórico-metodológico das Ciências Sociais, disciplinar, foi o professor francês e, atualmente, assessortécnico in-
que mais têm-se dedicado ao estudo das manifestações culturais, a ex- temacional da Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO), Hugues de Varino-Boham (LEMOS,
pressão "património histórico e artístico" vem sendo substituída por
;património cultural". Assim, sai-se do limite estreito da terminologia PP. 8-10).
tradicionalparafalar-se em "patrimóniocultural", em vez de "património Segundoeje, o património cultural pode ser dividido em três gran-
histórico, artístico e paisagístico", pois há outros valores culturais que des categorias de elementos. Em primeiro lugar, arroja os elementos
não se enquadram na terminologia antiga. pertencentesà natureza, ao meio ambiente. Nesta categoria, podemos
O próprio conceito de ''património histórico e artístico" restringia- citar os rios, os peixes dessesrios, os vales e montanhas que circundam
se aos bens materiais, especialmente aos bens imóveis, dissociados de tais rios etc., enfim, são os recursos naturais o chamado habitat na-
tural
seu ambiente original. Além do que, os critérios de seleção desses bens
obedeciam aos padrões estabelecidos pelas chamadas "autoridades de A segunda categoria de bens culturais refere-se ao conhecimento,
tutela" dos órgãos oficiais que, muitas vezes, não levavam qm conside- às técnicas, ao saber e ao saber-fazer, compreendendo, pois, toda capa-
raçãooutros critérios de preservação,bem como a participação da socie- cidade de sobrevivência do homem em seu meio ambiente. Esta catego-
dade na seleção e preservação desses mesmos bens. ria inclui os elementos não tangíveis do património cultural
Atualmente vem crescendoo interesse pela ampliação do conceito Já o terceiro grupo de elementos é considerado o mais importante
de património cultural, bem como a participação da sociedade civil or- de todos, pelo fato de reunir os bens culturais propriamente ditos, que
ganizada, através das mais variadas entidades e associaçõesde classe, englobam toda sorte de coisas, objetos, artefatos, obras e construções
tais como: o Instituto de Arquitetos Brasileiros (IAB), a Associação dos obtidasa partir do próprio meio ambientee do saber-fazerhumano.
GeógrafosBrasileiros(AGB), aAssociação
NacionaldeHistória(ANPUH), Podemos,pois, concluir que o chamado património cultural englo-
frente à seleção e preservaçãodos bens culturais e, mais ainda, exi- ba tanto o histórico como o ecológico, o artístico e o científico. O
gindo uma nova postura da administração pública com relação ao as- património cultural de uma dada sociedadeé formado por um tripé
sunto. indissociável em que se contemplam as seguintes dimensões: a dimen
O "património cultural", terminologia substitutivaà de "património são natural ou ecológica, a dimensão histórico-artística e a dimensão
histórico e artístico", é constituído de unidades designadas"bens cultu- documental. Neste sentido, o próprio meio ambiente, os conjuntos ur-
rais". Por suavez, podemosdefinir "bem cultural'' como sendo banose os sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico, as obras, os objetos, os docu-
toda produção humana, de ordem emocional, intelectual e material, mentos, as ediHlcações, as criações científicas, artísticas e tecnológicas,
independente de sua origem, época ou aspecto formal, bem como a as formas de expressão e até mesmo os modos de criar, fazer e viver são
natureza, que propiciem o conhecimento e a consciência do homem
bens culturais de uma sociedade, e, por isso, devem ser preservados.
sobresi mesmoe sobre o mundo que o rodeia. (GODOY, p. 72)
Por sua vez, o conceito de património histórico não está mais res-
A conceituação esboçadaacima pretende-se a mais aberta e abran- trito ao dito "património edificado" a chamada dimensão "pedra e
gente possível, pois a produção cultural humana, como sabemos,cons- cal'' -, constituído de bens imóveis, representadospelos edifícios e mo-
titui um processo em curso e em constante e permanente transformação, numentos.Ao falarmos em património histórico, entenda-senão apenas
cuja diversidade e riqueza ultrapassam sempre os limites de qualquer o património arquitetânico, mas também o património documental e
modelo técnico previamente estabelecido. arquivístico, bibliográfico, hemerográfico, iconográfico, oral, visual,
Quem primeiro se preocupou em encarar a problemática do museológico,enfim, o conjunto de bensque atestama História de uma
dadasociedade.
património cultural, de modo bastanteabrangentee de forma inter-

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Vale ressaltar que o património histórico-cultural não constitui ape- tenores, tais como: ''património histórico, artístico, arquitetânico, ar-
nas um acervo de obras raras ou da cultura de um passadoremoto e queológico e paisagístico''
distante, nem serve tão-só para relembrarmos nostalgicamente os tem- Não se discute mais se o património cultural do país constitui-se
pos idos. A valorização e o conhecimento de um bem cultural, que teste- apenas dos bens de valor excepcional ou também daqueles de valor co-
munha a História ou a vida do país, pode ajudar-nosa compreender tidiano; se inclui monumentos individualizados ou em conjunto; se ape-
quem somos, para onde vamos, o que fazemos, mesmo que muitas ve- nasa arte erudita merece proteção ou também as manifestaçõespopula-
zes pessoalmentenão nos identifiquemos com o que essemesmo bem res; se contém apenasos bens produzidos pelo homem ou se engloba
evoca, ou até não apreciemossua forma arquitetânica ou o seu valor também os bens naturais; se esses bens da natureza envolvem somente
histórico. O importante.éque ele faz parte de um acervocultural que os dotados de excepcional valor paisagístico ou inclusive o simples
deve ser preservado por toda a comunidade, pois é revelador e referencial ecossistema. EnHlm, todos essesbens, sejam naturais ou culturais, mate-
para a construção de nossa identidade histórico-cultural. riais ou imateriais, tangíveis ou intangíveis, estão incluídos no património
Os bens culturais de uma dada sociedade cultural do país, desde que os mesmos sejam portadores de referência à
\
identidade, à ação e à memória dos diferentes elementos étnico-cultu-
não são apenasaqueles tradicionalmente considerados dignos de pre- rais formadores da nação brasileira.
servação, produzidos e definidos pelos vencedores de cada época. Ao
contrário, são os frutos de todos os saberes,todas as memórias de
experiências humanas. Não apenas monumentos, bens isolados e
descontextualizados, mas testemunhos materiais portadores de signi- POR UMA NO\A POLÍTICA DE PATRIMÓNIO
ficação, passíveis de muitas leituras. (l;ENELON , p. 34) HISTÓRICONOBRASIL:ACONSTRUÇÃO
DE UMA MEMORIA PLURAL
Seguindo essamoderna terminologia, a atual Constituição brasi-
leira, pela primeira vez, adora a denominação ''património Cultural" e, .há que se reverenciar e defender especialmente as capelinhas tos
no seu artigo 216, Seção ll -- DA CUI.LURA, conceitua o que se enten- cas, as velhices dum tempo de luta e os restos de luxo esburacado
de por essa expressão, ao dizer in verbas: que o acaso se esqueceu de destruir.
Mário deAndrade
Constituem património cultural brasileiro os bens de natureza mate
reale imaterial, tomadosindividualmente ou em conjunto, portadores
de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos Com a ampliação do conceito de património cultural, expresso em
formadores da sociedadebrasileira, nosquais se incluem: nossa anualConstituição, abrem-se perspectivas para a adição de uma
l as formas de expressão; nova política de proteção ao nosso acervo histórico que possibilite a
11 -- osmodos de criar, fazer e viver; construção de uma memória plural.
111 -- as criações científicas, artísticas e tecnológicas ; A historiografia brasileira tradicional, pautada na concepção
IV -- as obras, objetos, documentos, ediÊlcações e demais espaços des- positivista, que privilegiou a ação dos "heróis nacionais", em detrimen
tinados às manifestações artístico-culturais;
to de outros sujeitos históricos, teve respaldo na política de preservação
V -- os conjuntos urbanose sítios de valor histórico, paisagísti.co,ar-
tístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. patrimonial em nossopaís. Elegemos,no decorrer da História, os bens
culturais representativos dos segmentosdominantes, sobretudo os liga-
Como podemos constatar,o legislador constituinte aceitou inte- dos ao elemento de origem européia, e relegamosao esquecimentoa
gralmente a modema conceituação de património cultural, deixando de contribuição de outros segmentosétnicos na formação da cultura brasi-
lado as expressõesaté então consagradas nos textos constitucionais an- leira(SANTOS, p. 136). Basta uma breve constatação nos nomes das ruas

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e avenidas, nos monumentos históricos dos "heróis nacionais'' que po Em relação ao segmentoétnico afro-brasileiro, o legislador cons-
voam as praças de nossas cidades.
tituinte teve, mais uma vez, a sensibilidade histórica de reconhecera
Como qualquer experiência humana, a memória histórica constitui importância dos quilombos e quilombolas na formação de nossa iden-
uma das formas mais fortes e sutis da dominação e da legitimação do tidade cultural, ao estabelecer o tombamento de todos os documentos
poder. Neste sentido, os grupos dominantes vencedores na História ten- e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilom-
tam impor a sua visão e a perpetuação de uma memória da dominação bos (art. 216, $ 5Q).E, mais ainda, é reconhecido aos remanescentes
Aos vencidos, restam apenas o esquecimento e a exclusão da História e dessascomunidades que estejam ocupando suasterras o direito de pro-
priedade, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos (art. 68
da política preservacionista.
Salve o navegantenegro, que tem por monumento as pedras pisa- do AI)ET).
das no cais". Assim diz o trecho da canção A/esrre-sa/a dos /azares,de Pela atual Constituição brasileira, as comunidades indígenas tam-
João Bosco e Aldir Blanc, que evoca à memória um dos movimentos bém têm seulugar na construção da memória nacional. O legislador, em
vários dispositivos, mostra a necessidade de se preservar essa cultura
populares encetados pelos marinheiros contra os maus-tratos.a que eram
submetidos pela Marinha e que passou à História como Revolta da Chi- milenar, através da possibilidade de uma educação bilíngüe e diferen-
bata, ocorrida em 1910. Aos inúmeros ''heróis" e líderes de movimentos ciada (art. 210, $ 2e,e art. 231 da CF).
organizados pelos setores subalternos da sociedade brasileira, quase não Assim, a análisedo texto constitucional permite-nosconcluir que
se vê referência monumental no património histórico nacional. há uma tentativa de buscana construçãode uma memória plural que
Somentea partir da décadade 80, em parte pela renovaçãoda venha subsidiar uma nova política de preservação de nosso património
histórico.
historiografia brasileira, que passoua resgatarem suaspesquisasa par'
ticipação dos "excluídos da história oficial", é que a ação preservacioni sta Adota-se, portanto, uma noção mais abrangente de património cul-
em nosso país passou a dar atenção a bens e valores culturais de outros tural e, ao incorporar os diferentes grupos étnicos na formação da so-
segmentossociais e minorias étnico-culturais. Exemplos disso foram o ciedade brasileira, rompe-se a visão elitista de considerar apenasobjeto
tombamento, no nível federal, da Serra da Barriga, local onde se desen- de preservação as manifestações, bens e valores da classe historicamen-
te dominante.
volveu o maior quilombo da História do Brasil Palmares,situado no
atual estado deAlagoas --, e, no nível estadual, pelo governo da Bahia, o
tombamento da região onde se desenvolveu o Arraial de Canudos, numa
tentativa de recuperara memóriade um dos mais importantesmovi- PATRIMÓNIO HISTÓRICO, CIDADANIA
mentospopularesda História nacional, liderado porAntânio Conselheiro. E IDENTIDADE CULTURAL: O DIREITO A MEMORIA
A anualConstituição tenta, pois, corrigir mais essadistorção da
A ntemória é uln eLet7{ento essencial do qteese costuma cna ? r sentida
política de preservação,ao estabelecerem vários dispositivos a impor- de, irtdividwa! ou coletiva, cuja busca é üma das atividades.fundanten-
tância de outros elementos fom)adores da sociedadebrasileira, admitin- tais dos indivídtlos e das sociedades de hoje, Ka.febre e I'm anglhtia.
do, portanto, a realidade histórica de que somos uma nação multinacial.
Jacques Le Goff
Em seu artigo 215, parágrafos I' e 2', por exemplo, detemlina que
o Estado deve proteger as manifestações das culturas populares, indíge-
nas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo A preservaçãodo património histórico é vista, hoje, prioritaria-
civilizatório nacional, além de prever a elaboração de leis que venham mente,como uma questãode cidadania e, como tal, interessaa todos
dispor sobre a ülxação de datascomemorativas de alta significação para por se constituir em direito fundamental do cidadão e esteio para a cons-
os diferentes segmentosétnicos nacionais. trução da identidade cultural.

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No passado a ação preservacionista recaía tão-somente sobre bens secretário de cultura da presidência da República, Sérgio Paulo Rouanet,
materiais de notável valor arquitetânico,evocadorde um fato histórico quem melhor definiu, com precisão, a importância do direito à memória
também notável, que fosse realmente digno de preservação.Como bem histórica como direito de cidadania:
assinala a historiadora Déa Fenelon,
O indivíduo piívado do uso desse direito é um indivíduo condenado à
vencia outra vez a perspectiva de consagrar como obras de arte e da amnésia social e à anemia, e esse direito é ignorado quando igrejas
cultura os símbolos do poder constituído. Desprovida assim de me- banocas caem por causa de uma chuvarada em Ouro Preto ou quando
mória coletiva que Ihe permitisse a consciênciahistórica (...) a maio- monumentos importantes em Olinda ou na Bahia estão ameaçados de
ria da população continuou sem sereconhecer nestessímbolos. Com desabamento. (ROUANET, p. 83)
isso, foi expropriada tambémde suamemória e da suahistória.
E por que a memória é importante na construção da identidade e da
Isso explica, em grande parte, as constantes depredaçõese viola- cidadania cultural? Ora, é a memória dos habitantes que faz com que
ções ao património histórico por parte da própria população. Ela não se eles percebam,na fisionomia da cidade, sua própria história de vida,
vê nos ícones, símbolos e monumentos que foram preserva(bs por uma suasexperiências sociais e lutas cotidianas. A memória é, pois, impres-
ação estatal, não se identifica com um passado remoto e com uma me- cindível na medida em que esclarece sobre o vínculo entre a sucessãode
mória que não Ihe diz respeito. Em outras palavras: ela não se sente co- geraçõese o tempo histórico que as acompanha.Sem isso, a população
responsável pela preservação de seus bens culturais, na medida em que urbana não tem condições de compreender a história de sua cidade, como
ela mesma não foi consultada acerca do que deve ser preservado ou não. seu espaço urbano foi produzido pelos homens através dos tempos, nem
Atualmente sepreservaum bem cultural não só pelo seu valor es- a origem do processo que a caracterizou. Enfim, sem a memória não se
tético, arquitetõnico ou histórico. Ele é preservadose tem signiülcação pode situar na própria cidade, pois perde-se o elo afetivo que propicia a
para a comunidade em que estáinserido e se essapreservaçãopossibili- relação habitante-cidade, impossibilitando ao morador de se reconhe-
ta a melhoria da qualidade de vida de seus moradores e contribui para a cer enquanto cidadão de direitos e deveres e sujeito da história.
construção de sua identidade cultural e o exercício da cidadania. A pre- Essa perda de referenciais históricos, pautados na memória da
servação do património histórico deve pautar-se no binómio indissociável cidade, nos dá a estranha sensaçãode que somos "estrangeiros" em
identidade ctltttlrat e qttaEidadede vida (MP.GALO\,p. 23). nossaprópria casa.Sem a memória, não encontraremos mais os ícones,
A identidade cultural de um país, estado,cidade ou comunidade se símbolos e lembranças que nos unem à cidade e, assim, nos sentire-
faz com memória individual e coletiva. Somentea partir do momento mos deslocados e confusos. No entanto, em muitos centros urbanos de
em que a sociedade resolve preservar e divulgar os seus bens culturais é nosso país, vivemos o jogo diabético entre a memória e o esquecimen-
que se inicia o processo de construção de seu e//zoscultural e de sua to. E nessejogo, muitas vezes, o esquecimento vem ganhando a par-
cidadania. tida
Nessaperspectiva, o património histórico-cultural se reveste de Qualquer cidadão comum que vagar pelas ruas de sua cidade, so-
grandeimportânciaparao paíspor lidar com o substratoda memória, bretudo os mais velhos, terá, com certeza, uma sensaçãode perda: pou-
que, por sua vez, constitui elemento essencial para a construção da cida- cos referenciais históricos resistiram à ação do tempo. Outros foram
dania cultural destruídos em nome de uma concepção desenvolvimentista do progres-
No contexto da cidadania cultural3 se inscreve o direi/o à /7ze/nór/a so e do lucro fácil e imediato, respaldadosna especulaçãoimobiliária,
/zlsfóríca.O direito à memóriacomo direito de cidadaniaindica que na lógica do capitalismo selvagem e, como diz o poeta Caetano Veloso,
todos devem ter acessoaos bens materiais e imateriais que representem 'da força da grana que ergue e destrói coisas belas", que sempre despre-
zaram a defesa de nossa memória histórica.
o seu passado,a suatradição,enfim, a sua história. Foi o próprio ex

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Destruídos os ''lugares da memória" da cidade,' resta apenaso que tia de sobrevivência humana e dos demais seres vivos, advoga-se a ne-
o poder económico dos setoresdominantes construiu e resolveu manter cessidadeda educação ambiental na escola (PENTEAR)o, v. 38). A pró-
como símbolo de uma memória elitista e excludente-- a memória do pria Constituição brasileira estabelece,no capítulo referente ao meio
poder, a memória oficial, contrapondo-se à idéia de uma memória cida- ambiente,que compete ao poder público a promoçãoda educação
dã, plural e possibilitadora da construção de uma identidade cultural ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para
paratodos. a sua preservação (art. 225, incisa VI).
Contra a destruição da memória, que ainda é uma realidade pre- No entanto, a grande maioria dos programas de educação ambiental
sente em muitos lugares desse enorme Brasil, e o conseqüente senti- têm sido omissos no tocante à dimensão cultural do meio ambiente, no
mento de perda e desalento que nos abatediante dessasituação, as pala- qual se inclui, necessariamente,a discussão relativa à preservação do
vras de Ecléa Bosi são bastante elucidativas: património histórico. A questão é como inserir essatemática no currícu-
lo escolar.
Podem arrasar as casas, mudar o curso das ruas; as pedras mudam de O escritor modernista Mário de Andrade,' em seus estudos
lugar, mas como destruir os vínculos com que os homens\e ligavam a etnográficose antropológicos,já atestavao valor do nossopatrimónio
elas? (...) Â resistência muda das coisas, à teimosia das pedras, une se
histórico como forma de se construir uma identidade nacional, assenta-
a rebeldia da memória que as repõe em seu lugar antigo. (BOSI, p-
da na pluralidade de nossas raízes e matrizes étnicas. Somente o conhe-
cimento da cultura, em suas múltiplas dimensões, daria condições de o
Considerar a preservaçãodo património histórico como uma ques Brasil inserir-se no concerto das nações e essetrabalho deveria inicias-
tão de cidadania implica reconhecer que, como cidadãos,temos o direi- sejuntamente ao processo de escolarização.
to à memória, mas também o dever de contribuir para a manutenção
desse rico e valioso acervo cultural de nosso país. O ensino primário é imprescindível (. . .) Não basta ensinar o analfabe
[o a ]er. É preciso dar-lhe contemporaneamente o elemento em que
Ademais, por admitirmos o papel fundamental da instituição asco
possaexercer a faculdade que adquiriu. Defender o nosso património
lar no exercícioe formaçãoda cidadaniade nossascrianças,jovens e histórico e artístico é alfabetização. (ANDRADE, p. 23)
adolescentes, é que defendemos a necessidade de que a temática do
património histórico seja apropriada como objeto de estudo no processo Hoje, alguns historiadores e profissionais que lidam com a dimen-
ensino--aprendizagem . sãoda memória vêm propondo, no âmbito de suasinstituições culturais,
a elaboração de programas de "educação patrimonial''.ó
Por educação patrimonial, entende-se a utilização de museus, mo-
EDUCAÇÃO AMBIENTAL. OU EDUCAÇÃO numentos históricos, arquivos, bibliotecas os lugares e suportes da
PATRIMONIAL: A DIMENSÃO HISTORICO-CUI.TI.JRAL memória -- no processo educativo, a fim de desenvolver a sensibilidade
NOCURRICULOESCOLAR e a consciênciados educandose futuros cidadãosda importânciada
preservação desses bens culturais.
Esquecer o passado é negar toda efetiva exileriência de vida; A educação patrimonial nada mais é do que a educação voltada
regar o futuro é abolir a possibilidade do llovo a cada inxtal'Lte.
para questões referentes ao património cultural, que compreende desde
Adauto N ovais a inclusão, nos currículos escolaresde todos os níveis de ensino, de
temáticas ou conteúdos programáticos que versem sobre o conhecimen-
Nos últimos anos, face à nova consciência de preservaçãodo meio to e a conservação do património histórico, até a realização de cursos de
ambiente em todo o planeta, como condição indispensável para a garan- aperfeiçoamento e extensão para os educadorese a comunidade em ge-

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ral, a fim de lhes propiciar informações acerca do acervo cultural, de Essa nova legislação educacional também tornou o ensino da arte
forma a habilita-los a despertar nos educandos e na sociedade o senso componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação bá-
de preservação da memória histórica e o conseqüente interesse pelo tema. sica com o objetivo de promover o desenvolvimento cultural dos alu
A necessidade da educação patrimonial ou da utilização do acervo nos -- e determinou que o ensino da História do Brasil leve em conta as
cultural brasileiro enquantoobjeto de estudo nos currículos e progra- contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo
mas escolares reside na brasileiro, especialmente dasmatrizes indígena, africana e européia (art.
26, parágrafos 2e e 4Q).
falta de esclarecimento popular sobre a importância da preservação Como se vê, a lei aponta para a necessidadede valorização da di-
de nosso património, para não dizermos deseducação coletiva. Esse é
versidade cultural de nossa formação histórica como condição indis-
um dado brasileiro e daí a formulação de mais uma regra: a preserva-
ção aqui entre nós depende fundamentalmente da elucidação popular, pensável à construção de uma escola plural e cidadã.
um caminhojá percorrido por outros países,como o México, que Para concluir, optamos por relatar uma experiência educacional,
dedica atençãotoda especial a essaquestão de educação de massano iniciada nas aulas de Prática de Ensino em História da Universidade
que diz respeito à memória. (LEMOS, p. 84) \ Federal do Ceará (UFC) e, posteriormente, inserida em livro didático de
nossa autoria, intitulado Ãorfa/eza. a orla/tça é?a cidade. A experiência
No tocante a essa questão, em congresso internacional realizado mostra, assim, a viabilidade de contemplar no processo ensino--apren-
no Brasil sobre essatemática, foi aprovada a seguinte resolução, o que dizagem de História o estudo do património cultural
bem demonstra a preocupação com o assunto:

Compreendero Direito à Memória como dimensão fundamental da


cidadania, implica reformular as relações entre a preservação e a edu- CONHECER PARA PRESERVAR - PRESERVAR IRRA CONHECER
cação formal (...) cabe ao ensino de in e 2a graus integrar em seus UM ENCONTROCOM A lçmMORIA "QUASX PERDIDA"
currículos e programas escolares fomlas de incentivar ações concre- DE FORTALEZA
tas nesta área, incorporando atividades no campo da história oral, do
contato com acervos arquivísticos ou museológicos, e com a paisa-
coltstrüir irão implica ltecessariameniejazer; progressohão pies
gem urbana, de modo a vivenciar uma relação democrática com as
supõe sempre mudar, Iras, muitas vezes, apenas consciel'Ltizar e col'L
diferenças do passadoe do presente. (MAGALDI, p. 230) set' vac

O Prometode Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Aloísio Magalhães


aprovado na Câmara dos Deputados, previa, no seu art. 35, parágrafo
único, que: "A preservaçãodo património cultural nacional e regional, Nos últimos anos, assistimos em Fortaleza (CE) a um processo de
bem como as diferentes formas de manifestações artístico-culturais ori- intensa modificação do espaço urbano, consubstanciada na construção
ginárias do Brasil, terá tratamentopreferencial". de novas avenidas, praças e viadutos, sem a devida atenção às questões
A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei Bu relativas à preservação do património histórico da cidade.
9.394/96 -- suprimiu essedispositivo, mas enfatizou, no seu art. 26, que O discurso predominante é o do ingresso na modernidade. A quin-
a parte diversificada dos currículos do ensino fundamental e médio deve ta cidade do país necessitade novas vias para o seu crescimento econó-
observar as características regionais e locais da sociedade e da cultura, o mico. Esquece-se de que a construção da modernidade pretendida pelos
que abre espaço para a construção de uma proposta de ensino de Histó- discursos govemistas não deve excluir a memória plural de seus habi-
ria Local, voltada para a divulgação do acervo cultural dos municípios e tantes. Ainda hoje corremos o risco de que determinados espaços de
estados.
significação histórico-cultural da população fortalezense, por falta de

142 143
uma política preservacionista, sejam destruídos ou desfigurados em nome Posteriormente, sentimos a necessidade de incorporar essesrotei-
do discurso da ''modernidade e do progresso' ros à prática efetiva da sala de aula, através da introdução de um capítu-
Como historiadores, temos o compromisso social de ''mostrar que o lo específico sobre a História de Fortaleza e seus lugares da memória,
modemo' não se faz pela destruição ou pela negação daquilo que é passa- durante elaboração do livro, já citado, corra/eza. a cr/anca é?a cidade,
do, e que não nos serveuma concepção de modernidade que se erija sobre destinado às séries iniciais do ensino fllndamental. O objetivo desse ca-
os despojos de perdedores silenciados e ocultos'' (FENELON,p. 34). pítulo foi mostrar às crianças o processo de evolução urbana de Fortale-
A constataçãodessa triste realidade na cidade de Fortaleza levou- za, bem como a necessidade de desenvolver a consciência preserva-
nos a desenvolver, no âmbito da disciplina Prática de Ensino em Histó cionista de nossosbens culturais, ao mesmo tempo que reforçamos, em
ria do Departamento de História da UFC, um projeto de pesquisa dono contraposição ao discurso hegemónico predominante, que nossa cidade
m\nado Coithecer para Presewar Presewar para Conllecer: FoHaLe tem passado,memória e história que devem ser preservados para as atuais
za, os / zgaresda /71e/7zór/a,
envolvendo os estagiários da referida disci- e futuras gerações.
plina e escolas da rede pública estadual e municipal
Os alunos foram levados a pesquisar e mapear os belashistórico-
culturais da cidade, especialmenteos imóveis, destacando os seguintes CONSH)ERAÇÕESFINAIS
aspectos: em que estado físico se encontravam, sua condição jurídica
(bem tombado ou não, integra ou não área de preservação ambiental, Eric Hobsbawn, no seu mais recente livro, ,4 Era dos ex/re/7zos.o
possui legislação específica de proteção etc.) e o anual uso social dado breve séc z/o XX, em que realiza uma lúcida síntese histórica deste sécu-
ao mesmo. A partir disso, foram elaborados roteiros destinados às esco- lo, nos faz um alerta acerca da ameaça de destruição do passadoe a
las, para que pudessemviabilizar visitas monitoradas aos bens culturais perdade referenciaishistóricos por parte da populaçãojovem, salien-
da cidade. tando a importância social do historiador neste final de milênio:
Os roteiros, intitulados Ãoría/eza. os ca/7zfn/zosda /7ze/71ór/a,são os
seguintes: A destruição do passado -- ou melhor, dos mecanismos sociais que
vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas é um
dos fenómenos mais característicos e lúgubres do final do século XXI.
Centro Histórico da Cidade (1): Forte de Nossa Senhora de As-
Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente con-
sunção, Passeio Público, Palácio do Bispo, Santa Casa de Mi- tínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época
sericórdia, Estação Ferroviária e Cemitério São João Batista; em que vivem. Por isso os historiadores, cujo ofício é lembrar o que
Centro Histórico da Cidade (11): Praça do Ferreira, Excelsior os outros esquecem, tornam-se mais importantes que nunca no 6im do
segundo milênio.
Hotel, Igreja do Rosário, Palácio da Luz, Praçados Leões, Museu
do Ceará e Mercado Central;
Bairros Históricos da Cidade (1): Praia de Iracema, bairro tradi- Em meio ao processode globalização da economia e a mundia-
cional da cidade que possui ruas com nomes de comunidades lização do capital, apesardos arautosdo neoliberalismo e da pós-
modemidade que apregoam o ''Htm da História", toma-se cada vez mais
indígenas existentes no território cearense à época da conquista
importante a busca por parte dos países da afirmação de sua identidade
e colonização (rua dos tabajaras,dos aimorés etc.), residências
nacional. Ao contrário do que se previa, houve até um revigoramento e
antigas, Ponte dos Ingleses, Ponte Metálica e Estoril;
uma valorização das culturas regionais e o despertar de identidades ét-
Bairros Históricos da Cidade (11): Jacarecanga e BenHica e seus
casarões residenciais, que atestam a vida fortalezense nas déca- nico-culturais latentes que, nessa nova ''aldeia global", encontram espa-
ço para a defesa de seu direito à diferença e ao passado.
das do início do século e a influência da be//e lgpoqlíe.

]44 145
Nesseprocesso de construção de uma nova identidade cultural, BIBLIOGjiAFIA
que diferencia um país de outro, é que a questão da preservaçãodo
património histórico ganhaforça e nitidez. ANDRADE, Mário de. ,4pudSILVO, Álvaro Costa.Um Breve HistóHco
Mais um motivo, portanto, para que a escola e, mais especifica- do Património. /n: INSTITUTO BRASILEIRO DO PATRIMÓNIO
CUI.RURAL (IBPC). Memória e Educação.Rio de Janeiro: IBPC/
mente, o ensino de História assumam o compromisso de serem instân-
Departamento de Promoção/Paço Imperial, 1992, p. 23
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da. Lisboa: Livros Horizonte, 1 990
}

NOTAS CONSTITUIÇÃO da República Federativado Brasi[. ] 988


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e artístico nacional.
!ho: uma faxina devolve a beleza arquitetõnica ao bairro onde nasceu a l

capital pemambucana.Revlxra Mega,São Paulo: Editora Abril, 29 f FENELON, Déa. Políticas Culturais e Património Histórico. /n: Cic/o de
jan.1997. debafei cobre cu/fura e /ne/nórla: perspectivas da administração pú-
2 Este ano, essalegislação está completando 60 anos e, com ela, insti- blicabrasileira hoje. Brasília: ENAP. 1993. ' '
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complementada com a criação do Serviço do Património Histórico e ao património histórico-cultural brasileiro. Dissertaçãode mestrado
Artístico Nacional (SPHAN) em 1937. apresentada ao programa de pós-graduação em direito público da Fa-
3 Consultar CHAUI, Marilena. Cultura Política e Política Cultural. /n: culdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza. 1995
Revés/ac/e Esr dos.4t'a/içados da C/SP,v. 09, n. 23,jan./abr. 1995. Educaçãopatrimonial e cidadania: uma propostaalternativa parao
4 Segundo o historiador francêsPierre Nora, "Os lugares da memória ensino de História. /n: RePix/a B/ alf/eira de .f7/srória. São Paulo. v.
nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é 13,n.25/26,set.1992/ago.1993
preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar Jm LugarrLaescolapara a História Local. In-.Ensinoem Re-Vista
celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notarial alas, por que essas v. 4, n. l,jan./dez. 1995.[publicação anua] do Departamento de Prin
operações não são naturais. (...) Os lugares da memória são, antes de cípios e Organização da Prática Pedagógica da Universidade Federal
tudo, restos. de Uberlândia]
5 Mário de Andrade foi encarregado pelo ministro da Educação e Saúde GARCIA, ReginaLeite. Car/asZ.o/zd/inoxe de ourroi /agarei sobreo /u-
Pública, Gustavo Capanema,de elaborar um anteprojeto objetivando sar c/a ec/ cação. Rio de Janeiro: Relume-Dumará. 1995
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