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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI

AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS RELIGIÃO E


FAMÍLIA

GUARULHOS – SP
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SUMÁRIO

1 ORIGEM DA SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO.......................................................... 4

2 RELAÇÃO ENTRE SOCIOLOGIA E SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO ..................... 7

3 PRINCIPAIS EXPOENTES DA SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO ............................. 8

3.1 Augusto Comte.................................................................................................. 8

3.2 Alexis de Tocqueville ......................................................................................... 9

3.3 Henri Bergson ................................................................................................. 11

4 O PAPEL DA RELIGIÃO NA SOCIEDADE A PARTIR DA PERSPECTIVA


SOCIOLÓGICA ..................................................................................................... 13

4.1 Religiões ao redor do planeta.......................................................................... 17

5 PRINCIPAIS CONCEITOS DA SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO............................ 19

6 RELIGIÃO, ESTADO, MERCADO E CAPITALISMO ......................................... 21

7 OS SÍMBOLOS E OS RITOS ............................................................................. 24

8 DESVENDANDO O PROCESSO RITUAL ......................................................... 26

9 PROCESSO RITUAL NA RELIGIÃO ................................................................. 28

10 CONCEITOS DE RELIGIÃO ............................................................................ 30

11 RELIGIÃO E SOCIEDADE ............................................................................... 33

12 RELIGIÃO E IDEOLOGIA ................................................................................ 36

13 A CONSTRUÇÃO FAMILIAR ........................................................................... 38

14 FAMÍLIA NO PLURAL ...................................................................................... 40

15 FORMAÇÃO DA FAMÍLIA E SOCIEDADE ...................................................... 43

16 A CULTURA HUMANA E A CONSTRUÇÃO DO SER SOCIAL....................... 45

17 A SUBJETIVIDADE DO UNIVERSO PSÍQUICO E A RELATIVIZAÇÃO DOS PAPÉIS


SOCIAIS..................................................................................................................47

18 PROCESSOS CONSTITUINTES DO SER POR MEIO DO SOCIAL ............... 49


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19 OS CONCEITOS DE ESTADO, MERCADO, PÚBLICO E PRIVADO .............. 50

20 A RELAÇÃO PÚBLICO-PRIVADA ................................................................... 57

21 CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DA BUROCRACIA ESTATAL E SEUS


REGULAMENTOS LEGAIS .................................................................................. 58

22 AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS E O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO ............. 61

23 IMPORTÂNCIA DA RELIGIÃO EM TEMPOS DE CETICISMO E


IMEDIATISMO........................................................................................................65

24 SISTEMAS POLÍTICOS E RELIGIÃO: MANIPULAÇÃO E POLITIZAÇÃO ...... 67

25 CONSUMO DE BENS SIMBÓLICOS E PREGAÇÃO DA FÉ NOS TEMPOS DO


ESPETÁCULO RELIGIOSO.................................................................................. 69

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Prezado aluno!

O grupo educacional Faveni, esclarece que o material virtual é semelhante ao da


sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se
levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que
seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a
pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual,
é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao
protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância
exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um
horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A
vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A
organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos
definidos para as atividades.

Bons estudos!

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1 ORIGEM DA SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

Aproximar ciência e religião sempre se mostrou um desafio, já que, durante a


história, houve um distanciamento entre as descobertas científicas e as compreensões
religiosas. Talvez, o caso de Galileu Galilei seja o mais famoso: condenado por afirmar
que a Terra era redonda, reconheceu-se que, como cientista, estava certo e a Igreja
equivocada, conforme relato do Papa João Paulo II publicado no jornal oficial da Santa
Sé (CENTOFANTI, 2020). Desse modo, compreende-se que a sociologia da religião,
como ciência, não surgiu de modo repentino, em razão da longa caminhada
historicamente realizada, cercada por críticas e defesas, que deu origem a uma
sociologia aplicada ao fenômeno religioso (CIPRIANI, 2007).
No final do século XVIII e início do XIX, nomes como Hume, Feuerbach,
Tocqueville, Marx e Berson contribuíram para o surgimento de uma atmosfera intelectual
pautada em um plano científico mais rigoroso. Em um primeiro momento, observa-se que
as perspectivas caracterizadas por paixões ideológicas e orientações filosóficas
contingentes passaram a ter um discurso fundamentado nos cânones do conhecimento
experimental. No fim do século XIX e no início do século XX, houve a contribuição
fundamental do positivismo, uma corrente filosófica que tentou ordenar as ciências
experimentais. Essas ordenações são vistas como modelo de excelência do
conhecimento humano, observando questões metafísicas e teológicas. E, a partir desse
momento, surgiu a sociologia (CIPRIANI, 2007).
Já a origem da sociologia da religião é mais difícil de identificar, tornando- -se
necessário buscar filósofos ativos entre os séculos XVIII e XIX, chegando até Durkheim
e Weber. Contudo, é preciso individualizar com cuidado suas contribuições, atitudes
culturais e propensões cognitivas, atentando-se ao papel da religião na sociedade
(CIPRIANI, 2007).
Como disciplina científica, a sociologia nasceu e se desenvolveu por meio de
abordagens teóricas e estudos empíricos, privilegiando a análise do fenômeno religioso.
Sabe-se que quase todos os expoentes da ciência sociológica ofereceram motivos
originais e tratamentos sistemáticos a respeito de novas dinâmicas das religiões e da

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religiosidade, contribuindo para os estudos dessa temática até os dias de hoje (SOUZA,
2019).
Atualmente, o campo da sociologia das religiões se situa nos seguintes
contextos:

 Secularização versus dessecularização;


 Declínio, mercantilização e privatização da religião versus a “revanche de
Deus”, fenômeno de explosão de novos movimentos religiosos.

Sua discussão passa por autores como Weber, Durkheim, Tocqueville, Pierucci,
Campbell, Woodhead e Heelas, embora seja preciso considerar outros pensadores
contemporâneos, que situam a religião no tempo e no espaço da globalização. No
contexto da modernidade, Deus morreu como instância organizadora da sociedade,
instituidora da lei. Assim, a religião perde poder como fundamento social, porém os
embates religiosos, bem como o fundamentalismo e o esoterismo, persistem no seio das
sociedades, mesmo que com princípios laicos (CIPRIANI, 2007).
A posição defendida por muitos estudiosos é a de que a religião ressurgiu como
um novo tipo de moral, mas não como moral tradicional, e sim com novos valores, uma
nova ética que se opõe criticamente aos caminhos da razão e da ciência (SOUZA, 2019).
Autores como Ferry e Gauchet (2008) afirmam que se tem assistido a um
processo duplo de saída da religião e da individualização das crenças.

Por um lado, as Igrejas e os dogmas, enfraquecem em proveito de crenças mais


pessoais, ‘à la carte’, dizem alguns. Por outro — é preciso constatar — os
integralismos e outros fundamentalismos de todo gênero nunca se comportaram
tão bem. Como se situar diante de tendências tão contraditórias? (FERRY;
GAUCHET, 2008, p. 7).

Para esses estudiosos, a visão de um mundo puramente estruturado pela religião


é deixada de lado. A vida pública e privada não é mais influenciada somente por aquilo
que é de cunho religioso. Agora, o religioso busca sentido e não é mais um pensamento
absoluto, observando-se um enfraquecimento da religião e uma permanência fortalecida
do religioso. A esse movimento, pode-se dar o nome de laicidade, que exclui ou não
reconhece o poder da religião sobre a política (FERRY; GAUCHET, 2008).
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Ferry observa que a época contemporânea se caracteriza por um cruzamento de
dois processos: o primeiro seria a humanização do divino, o fato de que toda história e
cultura moderna consistem na tradução dos conteúdos teóricos e práticos da religião na
linguagem do humanismo; e o segundo corresponderia à divinização do humano, o fato
de que, no âmago desse individualismo autônomo — condição do homem moderno —,
reemerge a transcendência. Deixa-se de ver uma transcendência vertical, do ser humano
para o ser divino, mas horizontal, entre os próprios homens; e tem-se, então, um
humanismo do homem-Deus (SOUZA, 2019).
Gauchet, por sua vez, crê que, atualmente, existem experiências profanas do
religioso ou uma religiosidade que se ignora.

Muitos jovens sonhadores, que se querem modernos até o último fio de cabelo e
que se julgam libertos dessas velharias que mal se podem imaginar, são místicos
sem sabê-lo, em busca de uma experiência espiritual. Festa, transe, vertigem,
estados alterados de consciência obtidos pela música ou por substâncias
adequadas: o que sempre está em casa é o acesso a uma outra ordem de
realidade. O lugar tomado pelas drogas em nossas sociedades se explica em
grande parte por isso. Diz respeito à aspiração a fugir da prisão do cotidiano
(FERRY; GAUCHET, 2008, p. 12).

A partir do pensamento desses autores, é possível afirmar que a sociologia da


religião procura analisar a fenomenologia religiosa apoiando-se em instrumentos teóricos
e empíricos comuns à própria sociologia e tratando dos aspectos sociológicos do
fenômeno religioso, a partir da observação das mudanças causadas pelo campo religioso
na sociedade. Por si só, a sociologia ocupa-se das observações daquilo que é recorrente
nas relações sociais, formulando teorias e analisando eventos únicos, como o surgimento
do capitalismo, tentando explicá-los (SOUZA, 2019).
Como disciplina, a sociologia surgiu no século XVIII, como uma resposta
acadêmica ao desafio de entender o que unia os grupos sociais, desenvolvendo uma
solução para a desintegração da sociedade, em meio a uma humanidade dispersa e
afastada (SOUZA, 2019).
Hoje, os problemas pesquisados pelos sociólogos tendem a ser questões de raça
ou etnicidade, classe, gênero e família, além de desarranjos sociais, como crimes ou
divórcios (SOUZA, 2019).

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A sociologia pesquisa as estruturas de força e de poder, do Estado e de seus
membros, e a maneira como o poder se estrutura por meio de microrrelações de força.
Um desses aspectos estudados, não só da sociologia, mas também da antropologia, é o
modo como os indivíduos, que formam a sociedade, podem ser manipulados, visando à
manutenção da ordem social e, principalmente, ao monopólio de algum tipo de força
legitimada (SOUZA, 2019).

2 RELAÇÃO ENTRE SOCIOLOGIA E SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

Em 1838, Augusto Comte criou o termo sociologie, em uma tentativa de unificar


os estudos relativos ao homem, incluindo história, psicologia e economia, acreditando, a
partir de sua visão positivista, que toda a vida humana tinha atravessado as mesmas
fases históricas, porém em momentos distintos. Assim, a pessoa conseguiria
compreender o progresso entre os fatos e encontrar soluções para prováveis problemas
de ordem social. Em meio às transformações econômicas, políticas e culturais resultadas
das Revoluções Industrial, por volta de 1760, e Francesa, em 1789, ficaram evidentes
mudanças significativas da vida em sociedade, principalmente em relação às suas formas
anteriores de sociedade. A Revolução Industrial, em especial, foi mais importante do que
apenas a criação e utilização de máquinas a vapor, tendo representado a racionalização
da produção da materialidade da vida social (SOUZA, 2019).
No século XIX, a sociologia apareceu como uma maneira de entender as
mudanças decorridas no século anterior, tentando explicá-las, um processo que acabou
falhando com o surgimento do capitalismo moderno, já que essa ciência é um estudo
datado e ligado diretamente ao tempo em que ocorrem os fatos. Nesse momento, o
pensamento sociológico sofreu mudanças quanto à maneira de observar e pensar a
realidade social, desvinculando-se de preocupações especulativas e metafísicas, e
apresentando um caráter mais racional e sistemático (SOUZA, 2019).
Naquele momento, reinava o pensamento capitalista, operando por meio de
máquinas e ferramentas que são propriedade de determinados grupos sociais,
geralmente elitizados. As grandes massas camponesas se tornaram trabalhadores
industriais e a divisão causada pelo dinheiro ficou mais evidente e gritante, com um
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Estado que atendia à população de classes medianas e/ou altas. Com isso, a
criminalidade se ampliou, bem como a busca por direitos e melhores condições para
pessoas mais oprimidas e de classes sociais mais baixas. Assim, a sociologia ganhou
maior espaço e fôlego ao observar a sociedade como um todo, tomando-a como um
objeto a ser investigado, muito além de uma discussão apenas política, financeira,
filosófica ou teológica (SOUZA, 2019).
Depois de entender o que é e como se comporta a sociologia, fica mais fácil
tentar compreender a sociologia da religião. Em suma, ela busca explicar empiricamente
as relações mútuas entre religião e sociedade, tentando observar a dimensão social da
religião e a dimensão religiosa da sociedade, tendo se originado de uma reflexão a
respeito de transformações sociais, culturais e políticas (SOUZA, 2019).
Portanto, a sociologia da religião tenta entender a sociedade junto da religião, a
partir de suas ações, práticas, percepções e moral. No Brasil, esse estudo teve como
marco a publicação da obra “Católicos, protestantes e espíritas”, de Cândido Procópio
Ferreira de Camargo, no ano de 1973. Outros nomes ainda conhecidos na área no país
são Edison Carneiro, Beatriz Muniz de Souza, Antônio Flávio Pierucci e Reginaldo Prandi
(SOUZA, 2019).

3 PRINCIPAIS EXPOENTES DA SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

Para abordarmos a sociologia da religião, precisamos compreender sobre o que


alguns dos autores da área pensavam. Aqui, destacaremos três nomes se destacam a
partir de sua origem — Augusto Comte, Alexis de Tocqueville e Henri Bergson —, cujo
pensamento revolucionou o modo como entendemos os fenômenos religiosos na
sociedade (SOUZA, 2019).

3.1 Augusto Comte

Nascido na França em 1798, ano anterior ao fim da Revolução Francesa, e


falecido em Paris, em 1857. Envolto pelo sentimento revolucionário de uma sociedade
francesa em mudança, foi o fundador do Positivismo, tratado nas obras como Curso de
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filosofia positiva e Catecismo positivista, além de diversas outras que abordam esse
sistema filosófico, empregado, por exemplo, na religião e na política. Ao encontrar o
Positivismo como maneira de analisar a sociedade, abandonaria dois estágios da ciência:
teológico (ligado aos deuses) e metafísico (baseado em abstrações), que, segundo o
autor, não foram capazes de suprir mais as demandas sociais (LACERDA, 2009).
Para ele, a religião que deveria conquistar o ser humano seria a religião da
humanidade, ou positivismo religioso, na qual tudo gira em torno da espiritualidade
humana, levando o ser humano a se dedicar ao máximo para si e para os outros, em um
ato altruísta. Inclusive, “altruísmo” foi um termo cunhado por Comte, que desejava que o
amor humano fosse motivado pela excelência encontrada por alguns homens. Nesse
sentido, o sociólogo “[...] persegue um ideal de humanidade organizada, regulada por um
fator unificante de grande porte como a religião, também amamentadora de conotações
sociopolíticas, à medida que facilita a melhora da convivência” (CIPRIANI, 2007, p. 43).
Assim, Comte propõe uma análise dos fenômenos sociais de maneira ampla,
elevando a importância do ser humano, naquilo que é conhecido, até então, por física
social, e que, posteriormente, veio a ser chamado de sociologia. Sua religiosidade visa
ao ser humano de maneira ampla, embora observe as religiões como algo distante e
abstrato, motivo pelo qual deveriam se distanciar da humanidade, visto ser a ciência
capaz de libertá-la, em prol de um racionalismo consciente — “[...] as próprias ciências
[...] se tornam úteis para uma reconstrução de teorias sociais em grau de representar ‘a
base espiritual permanente da ordem social’” (CIPRIANI, 2007, p. 43). Para Comte, a
religião, como unidade, consegue convergir as dimensões sociais e individuais, tanto
morais quanto físicas, em um único ponto, aperfeiçoando os planos físico, intelectual e
moral do ser humano (CIPRIANI, 2007).

3.2 Alexis de Tocqueville

Também nascido na França, em 1805, morreu em Cannes, em 1859, na França.


Pelo fato de ser um defensor da liberdade e da democracia, suas maiores e mais
conhecidas obras foram Da democracia na América e O antigo regime e a revolução, nas

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quais explana suas visões, posições e observações a respeito da democracia, em vista
da Revolução Francesa, a partir de uma visão positivista (CASSIMIRO, 2018).
Ao contrário de Comte, Tocqueville acredita que a religião tradicional é capaz de
criar e manter uma sociedade estável, pautada na liberdade. Para isso, o sociólogo e
historiador apresenta dois exemplos contraditórios: os Estados Unidos, cujo espírito
religioso e liberal favoreceu a formação e a permanência da democracia; e a França, que
promove um conflito entre a Igreja e os leigos e o enfraquece da política e da sociedade
(CIPRIANI, 2007).
No contexto estadunidense, em um primeiro momento, segundo o autor, o
catolicismo buscava, tendenciosamente, tratar todos da mesma maneira. Havia uma
predisposição à igualdade de condições. Para seus fiéis, a sociedade religiosa se dividia
entre padre e povo: o primeiro estava acima do povo, pois tinha contato com e
conhecimento de Deus, e o povo apresentava o mesmo nível, sem destaques, sem
pessoas acima de outras. Mesmo com o contraditório de uma estrutura vertical, de cima
para baixo, esta seria uma forma de, por meio da obediência, preparar todos para a
igualdade, movimento que poderia ser chamado de estratificação social (CIPRIANI,
2007).
Contudo, com esses mesmos padres fora do âmbito político, por opção própria,
diga-se de passagem, permitiu-se a autonomia política.

A religião, que na América [leia-se Estados Unidos da América] jamais se mistura


diretamente com o governo, de, portanto, ser considerada como a primeira das
instituições políticas, uma vez que, se ela não dá aos americanos [leia-se
estadunidenses] o gosto da liberdade, facilita grandemente seu uso
(TOCQUEVILLE, 1996, p. 295 apud CIPRIANI, 2007, p. 51).

Portanto, o sociólogo propõe um distanciamento entre política e religião, tornando


ambos mais fortes, já que, para Tocqueville, a religião que se une às vias políticas se
torna mais poderosa sobre alguns homens. Porém, perde a esperança de poder reinar
sobre todos eles, criando-se um paradoxo: a distância que aproxima e o afastamento do
poder que gera influência. O sociólogo afirma que a religião tem maior vantagem diante
de qualquer outro tipo de poder, visto ser capaz de inspirar instintos contrários, seja no
distanciamento que aproxima, seja nos bens terrenos que sucumbem aos desejos

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humanos, seja nas prioridades humanas que perdem espaço para as propostas
transcendentes (CIPRIANI, 2007).
Nesse ponto, Tocqueville se diferencia de Comte, já que, enquanto o primeiro
revela que, para si, o distanciamento religioso da política faz do homem um ser autônomo
e menos conflituoso, o segundo observa que a aproximação de uma visão religiosa em
vista do fenômeno social e, por consequência, do ser humano proporciona um
crescimento da humanidade como sociedade (SOUZA, 2019).

3.3 Henri Bergson

Assim como Comte e Tocqueville, Henri Bergson nasceu na França, em 1859,


tendo morrido em 1941. Algumas de suas obras mais conhecidas foram A evolução
criadora, A energia espiritual e as duas fontes da moral e da religião, e seu pensamento
expôs questões relacionadas aos sentidos e sentimentos do ser humano (COELHO,
2010).
Bergson observa a religião a partir de um prisma diferenciado, por meio de uma
óptica mais filosófica. Por isso, seria necessário reduzir essa filosofia a questões de
ciência, liberdade, progresso, moral e, propriamente, religião, dentro de um discurso com
base em fatos, e não em ideias (SOUZA, 2019).
Em parte, o sociólogo se aproximada de Comte, já que ambos atuam sob uma
visão racional daquilo que ocorre no dia a dia, embora haja uma diferença crucial entre
eles: Comte segue seus pensamentos de maneira indutiva, ou seja, daquilo que é mais
específico para o generalista. Imagine que eu observei uma rua e vi muitos carros, todos
com quatro rodas; então, todos os carros já criados têm quatro rodas. Em um movimento
contrário, Bergson pensa de maneira dedutiva, de um pensamento generalizado para
algo menor, específico — por exemplo, todo ser humano pensa, portanto se eu penso,
sou um ser humano (CIPRIANI, 2007).
Por consequência, o pensamento bergsoniano se apropria da realidade para
entender o todo, sem que haja especulação.

Bergson invoca, portanto, maior rigor científico, para entrar mais facilmente na
dimensão interior do indivíduo humano e perscrutar [examinar, investigar] suas

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motivações reais, as intenções implícitas, as modalidades individuais e sociais
passíveis a serem referidas à experiência religiosa. Ele é filósofo, mas também
matemático [...]; está, portanto, habituado não só à concretitude e à precisão do
cálculo, à centralidade da experiência factual, mas também à diferença entre
estática e dinâmica social, entre religião institucional e religião estática
(CIPRIANI, 2007, p. 56).

O sociólogo diferencia o comportamento humano nas formas: estática, que se


refere ao conhecimento científico conhecido pelas pessoas, com um caráter dogmático e
impondo regras de maneira conservadora, podendo aproximar esse conceito das
religiões populares; e dinâmica, que diz respeito à ética das origens e à criatividade da
mística, lembrando aquilo que é próprio dos fundadores de religiões. Por isso, tentando
dar maior fôlego para a espiritualidade, Bergson se opõe às soluções racionalistas,
estáticas, a fim de permitir um crescimento do conhecimento religioso (SOUZA, 2019).
Para ele, “[...] as potencialidades intuitivas da consciência mostram-se superiores
às esquematizantes da razão e devem ser pesquisadas para descobrir os dados
essenciais da realidade, frequentemente fugazes [rápidas] para uma análise externa e
superficial” (CIPRIANI, 2007, p. 57). Portanto, a análise seria o método ideal e principal
da ciência, ou seja, compreender a situação de modo isolado se faz importante para
entender o todo.
Sob essa óptica de uma religião estática, há um regime fechado, com hábitos e
proibições predefinidas, e o conservadorismo daqueles que a dominam impulsiona ações
mecânicas que afastam a liberdade e a abertura moral. Ao contrário, a religião dinâmica
traz a liberdade e a moral amplificada, rompendo com a passividade e explorando hábitos
impulsionados pelo amor, aumentando, promovendo e testemunhando a criação de uma
nova forma de viver e, por consequência, observando e atuando sobre si e sobre o
próximo (CIPRIANI, 2007).
A tudo isso, ele dá o nome de impulso vital (élan vital), que proporciona
movimentos que beneficiam formas inovadoras. Porém, esse mesmo impulso tende a se
esgotar, movimento a partir do qual surge um fechamento, um isolamento, do
pensamento social e religioso, em uma defesa contra aquilo que fere ou agride o sistema
e, em especial, o ser humano (SOUZA, 2019).
Por meio de sua força, o impulso vital consegue se afastar daquilo que o prende,
como ritos privados, para dar lugar ao dinamismo do misticismo. Segundo ele, o místico
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“[...] uma energia, uma audácia, uma potência de concepção e de realização
extraordinárias” (BERGSON, 1961, p. 241 apud CIPRIANI, 2007, p. 58). O dogma,
estático por essência, dá lugar à espontaneidade e ao redescobrimento do contato do
criador divino, o qual ainda opera e atua, não se encontrando em um passado remoto,
mas no tempo em que se vive.
Assim, Bergson, diferentemente de Comte e Tocqueville, crê numa fé livre de
pontos fixos. Por isso, seu pensamento tenta se afastar de uma religião estática, a qual
se fixa e, de modo tradicional, conserva ritos, cerimônias e dogmas, sem
necessariamente tornar-se fluida e dinâmica. Assim, o ser humano deixa de ter sua
autonomia espiritual para se ligar a uma religiosidade, que, por vezes, foi uma convenção
moral e um comodismo nacional/social (SOUZA, 2019).
Bergson e seus pensamentos foram contemporâneos de diversos outros
sociólogos, como o francês Émile Durkheim (1858–1917), os alemães Georg Simmel
(1858–1918) e Max Weber (1864–1920), o russo Pitirim Sorokin (1889–1968) e, já mais
à frente, o estadunidense Talcott Parsons (1902–1979).

4 O PAPEL DA RELIGIÃO NA SOCIEDADE A PARTIR DA PERSPECTIVA


SOCIOLÓGICA

A sociologia busca analisar as funções da religião nas situações cotidianas e


também em situações extremas, como guerras e crises políticas e econômicas. Ela
analisa o papel essencial que a religião exerce na sociedade, tentando abarcar a linha
tênue que separa o sagrado do profano. Muitos pensadores focam o papel que as
crenças religiosas possuem para o indivíduo, os grupos e as nações. Os sociólogos
estudam as normas e valores das crenças buscando compreender os seus fundamentos
e a sua importância, além da forma como as pessoas exercitam o seu credo (BARRETO,
2019).
As organizações religiosas tendem a moldar comportamentos de acordo com
uma ética e uma moral próprias. A diversidade das religiões que há no mundo origina o
pluralismo religioso. A liberdade religiosa — a liberdade de culto e de organização
religiosa — é fundamental para a construção de uma sociedade justa, igualitária, com
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respeito às diversas crenças e combate à intolerância religiosa. Torna-se complicado
pensar sobre a religiosidade sem respeitar suas diferentes manifestações no mundo. O
não respeito às diferentes manifestações gera a intolerância religiosa (BARRETO, 2019).

Fonte: Pixabay.com

A liberdade religiosa se relaciona com a noção de laicidade. A laicidade diz


respeito à separação entre Estado e religião. Um Estado pode adotar uma religião oficial,
mas precisa garantir a liberdade religiosa a todos os cidadãos. Também não deve
interferir na fé religiosa de seus cidadãos, nem deixar que a fé professada por seus
políticos influencie as políticas públicas. Porém, como toda liberdade, a liberdade
religiosa tem limites. Por exemplo, o cidadão não pode cometer infração ou crime
alegando que está exercendo a sua fé. Caso realize o crime por meio de sacrifícios que
façam mal a outros seres humanos, ou incite a violência, estará sujeito às normas
jurídicas e será julgado e punido, independentemente dos seus motivos (BARRETO,
2019).
Ao redor do planeta, muitos grupos têm utilizado a religião como justificativa para
realizar atos considerados terroristas ou fundamentalistas extremamente violentos,
matando pessoas inocentes em ataques com bombas em locais públicos, por exemplo.
Esses grupos são tidos como extremistas e deturpam a prática religiosa da maioria dos
fiéis que professam aquela religião. Após o atentado terrorista ao World Trade Center,

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em setembro de 2001, a palavra “terrorista” aparece frequentemente na mídia impressa
e falada. Dessa forma, muitas pessoas que exercem a sua fé em determinada religião
podem sofrer os efeitos diretos e indiretos da ação de grupos terroristas, sendo
discriminadas, xingadas e humilhadas (BARRETO, 2019).
O fundamentalismo religioso é exposto na mídia de maneira pejorativa e limitada
aos ataques terroristas de adeptos do islamismo. O senso comum compreende que os
fundamentalistas são indivíduos extremamente violentos e que não realizam boas ações.
Mas, afinal, você sabe o que é fundamentalismo? O que ele tem a ver com religião?
O conceito de fundamentalismo surgiu em um contexto religioso, no início do
século XX, nos Estados Unidos. Contudo, na história, sua gênese é cristã, ocidental e
protestante, não islâmica. Um grupo religioso, protestante e conservador do sul dos
Estados Unidos, oriundo do Seminário Presbiteriano de Princeton, se reuniu para debater
e elaborar doutrinas que contrariavam os protestantes liberais do século XIX, também
chamados de modernistas. Segundo eles, os modernistas eram deturpadores da fé cristã.
O modernismo era uma corrente de pensamento mais flexível. Seus praticantes
defendiam que a Bíblia não poderia ser seguida ao pé da letra e que as celebrações
deveriam se adaptar aos costumes culturais de cada local. Além disso, eles introduziram
elementos evolucionistas e a ideia de progresso na interpretação dos preceitos bíblicos
(PIERUCCI, 2010).
Os fundamentalistas rejeitam qualquer influência mundana na religião, pregam
os princípios fundamentais, a doutrina rígida, a Bíblia ao pé da letra como verdade única,
de interpretação literal. Também acreditam em um deus único, isto é, no monoteísmo.
Dessa forma, um judeu, um protestante e um católico podem ser fundamentalistas, até
mesmo um muçulmano. Contudo, fiéis do candomblé, que não seguem um livro sagrado,
não podem ser considerados fundamentalistas (BARRETO, 2019).
As religiões monoteístas se originaram no Oriente Médio e são: o judaísmo, o
cristianismo e o islamismo. O fundamentalismo, portanto, tem como elemento crucial o
monoteísmo pregado nas escrituras e livros sagrados. Os fundamentalistas acreditam
em uma única verdade. As religiões com vários deuses (politeístas) e as religiões
panteístas não são fundamentalistas. Enfim, os fundamentalistas defendem os seus
dogmas religiosos, os fundamentos da sua religião. Isso não implica o uso da violência
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para a defesa da religião. Ser fundamentalista não significa necessariamente ser violento
(BARRETO, 2019).
Atualmente, há um avanço da cultura ocidental sobre o mundo árabe. Muitos dos
conflitos atuais entre religiões envolvem o desrespeito aos costumes, hábitos e valores
de grupos não ocidentais por grupos ocidentais. Como exemplo, você pode considerar a
proibição do uso da burca na França. Tal proibição ocorre também na Áustria, na
Dinamarca, na Holanda e em alguns lugares da Suíça. Esses países alegam que são
contra qualquer vestimenta que cubra o rosto, pois isso coloca em risco a segurança
pública (BARRETO, 2019).
Cada religião possui seu sistema de credos, rituais, cerimônias, rezas e orações,
símbolos, tradições, bem como lugares que são tidos como sagrados, de adoração.
Algumas religiões possuem locais sagrados físicos, como igrejas, templos, sinagogas,
mesquitas, terreiros e congregações. Outras praticam sua fé ao ar livre. Essas divindades
tanto podem ser seres imaginários, como deuses e deusas, quanto, por exemplo,
animais. É o caso da vaca na Índia, que é tida como sagrada até os dias atuais. Também
há religiões que atribuem poderes aos elementos naturais, como o vento, a água e o
fogo, acreditando que os deuses regem esses elementos (BARRETO, 2019).
A maioria das instituições religiosas também usa livros considerados sagrados
para guiar a conduta dos fiéis. O cristianismo utiliza a Bíblia, os muçulmanos, o Alcorão.
A prática da religião envolve ritos, liturgias e rituais como cultos, missas, procissões,
sermões, transes, sacrifícios. Muitas religiões utilizam músicas, danças e festas para a
adoração dos seus deuses (BARRETO, 2019).
A fé em uma religião é ao mesmo tempo uma experiência pessoal e coletiva. Na
maioria das vezes, os fiéis se reúnem em um local para expressar a sua fé. Contudo, a
prática da religiosidade não precisa necessariamente estar atrelada ao comparecimento
e à participação em rituais realizados em um lugar físico (BARRETO, 2019).
A maioria dos conflitos mundiais se originam de questões religiosas somadas a
aspectos de ordem política, econômica e geográfica. O Brasil tem como religião
predominante o catolicismo, mas convive com a diversidade de credos. Nos últimos anos,
houve um aumento maciço dos evangélicos. O País também abriga cultos de origem
africana, que convivem com diferentes grupos espíritas, além de comunidades judaicas
16
e de pessoas sem religião. Além disso, o sincretismo religioso, em que símbolos e
ideologias de diferentes religiões se misturam, permanece presente no Brasil. Os santos
do catolicismo, por exemplo, se mesclam com os santos do candomblé (BARRETO,
2019).

4.1 Religiões ao redor do planeta

Você sabe quais são as religiões que possuem maior número de fiéis ao redor
do planeta e em que local elas se concentram? Segundo um relatório do americano Pew
Research Center, o cristianismo possui 2,18 bilhões de fiéis no mundo. Os fiéis
denominados cristãos se dividem entre: católicos, com 51,4%; evangélicos, com 36% (a
maior parte pentecostal); e ortodoxos, com 12,6%. Os cristãos creem em Jesus e em um
deus único. Ao longo da história, o cristianismo foi dividido entre cristãos ortodoxos ou do
Oriente, que em seguida se separaram entre católicos e protestantes. Os cristãos
seguem a Bíblia, seu livro sagrado (SCHULTZ; PLAVENIECE, 2011).
Os cristãos católicos seguem a Igreja Católica Apostólica Roma e sua autoridade
máxima é o papa. Já os cristãos ortodoxos surgiram com a cisão que ocorreu na Igreja
Católica Romana no século XI e que se espalhou no Oriente. A Igreja Católica Ortodoxa
e a Igreja Ortodoxa Russa são as suas principais igrejas (BARRETO, 2019).
O islamismo, de acordo com o mesmo relatório, é a religião que mais vem
conquistando adeptos pelo mundo, sendo considerada a segunda religião mundial em
número de seguidores. Cerca de 1,6 bilhão de pessoas se proclamam muçulmanas. Eles
se dividem em sunitas e xiitas. A corrente sunita acredita na Suna, o livro sagrado que
contém os ensinamentos do profeta Maomé. Por outro lado, a corrente xiita, que vigora
no Irã e no Iraque, crê nos ensinos de Ali, primo de Maomé. Essa corrente envolve a
política nos valores religiosos e defende o Estado teocrático (BARRETO, 2019).

17
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O hinduísmo é a terceira religião em número de adeptos no mundo. Teve como


origem o vedismo, religião dos povos indo-europeus que viviam no norte da Índia no
segundo milênio a.C. Essa religião não possui um fundador e não há hierarquia ou
instituição estabelecida. Há um sistema de castas em que as pessoas são classificadas
da ordem superior para a inferior, não sendo possível a ascensão social (BARRETO,
2019).

Fonte: Pixabay.com
18
5 PRINCIPAIS CONCEITOS DA SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

Estudar a religião para entender as estruturas da sociedade: esse foi um desafio


para a sociologia em seu surgimento como ciência. A sociologia surgiu juntamente com
a sociologia da religião. Émile Durkheim foi um dos sociólogos percussores no estudo da
religião nas sociedades. Ele buscou compreender a relação entre indivíduo e sociedade
e o poder da religião nessa relação. Para ele, a religião é uma ação coletiva que abarca
diferentes condutas do homem na interação com os seus pares e grupos. A religião seria
um sistema uniformizado de crenças e práticas que diz respeito ao sagrado em
contraposição ao profano (DURKHEIM, 1912 apud SCHAEFER, 2016).
O sagrado compreende a reunião de práticas específicas que abrangem eventos
que transcendem o cotidiano e geram o temor e o respeito religioso. O profano, por sua
vez, se refere à vida mundana. A noção de sagrado e profano depende da interpretação
das representações simbólicas que o homem atribui para os objetos e as suas ações
(BARRETO, 2019).
Para Durkheim (2000), a religião tem o poder de unir os laços de coesão social e
realizar a solidariedade entre os membros da sociedade. Ela funciona como uma cola
social e mantém a estrutura e a harmonia. Portanto, promove a estabilidade e a não
ruptura. Não existe a ideia de contradição nos estudos de Durkheim. Para ele, ao
promover a harmonia por meio de ritos, rituais e cerimônias, os povos fortalecem a sua
crença. Dessa forma, a religião funciona como um poder integrador da sociedade
humana. Para Durkheim (2000), os laços da religião ultrapassam as forças pessoais.
Durkheim pesquisou os aborígenes da Austrália. Nesse local, ele descobriu o
sistema do totemismo. O que seria um totem? Um totem é um objeto tido como sagrado
pelos moradores locais, um símbolo cultuado nos rituais e cerimônias. A religião tem o
19
poder de impor significados a coisas e animais que são consideradas sagradas e
possuem um caráter transcendental (BARRETO, 2019).
Outro autor muito importante para a sociologia e para a sociologia da religião foi
Max Weber. Em seu livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (WEBER, 2000),
ele defende que existe uma relação de afinidade entre a crença religiosa protestante e o
comportamento capitalista. A Reforma Protestante teve valor essencial para o
desenvolvimento do sistema capitalista, porque a ideologia da ética da prosperidade
promove a produção de riqueza.
A ética protestante produz novos comportamentos. Ela tem como valor o trabalho
como maneira de glorificar a Deus. Os protestantes acreditavam que o trabalho tornava
o homem nobre e apreciável aos olhos de Deus. Assim, deveriam se envolver no trabalho,
evitar os prazeres do mundo, ter disciplina e lutar para obter prosperidade. Por outro lado,
os católicos condenavam a acumulação de riquezas, pois achavam que ela significava
usura (BARRETO, 2019).
Esses fatores transformaram radicalmente o mundo do trabalho e, com isso, a
economia da Europa. O acúmulo de capitais realizado pelos protestantes e a produção
de riqueza geraram lucro. Assim, a economia cresceu, possibilitando o desenvolvimento
do capitalismo. Como você pode notar, a economia é fortemente influenciada pela
religião. A ética protestante estimulou a poupança, modificando o cotidiano e as ações
humanas e gerando novas formas de viver, novos hábitos (BARRETO, 2019).

Karl Marx foi outro estudioso que procurou analisar a influência da religião na
sociedade moderna. Ele, ao contrário dos autores citados, critica a religião. Marx era
contrário ao sistema capitalista e a toda instituição que influenciasse esse sistema. Ele
refletia sobre as condições concretas da vida dos seres humanos e sobre a estrutura da

20
sociedade. Ele afirmava que a religião era o ópio do povo, porque influencia o
pensamento e o comportamento da sociedade (BARRETO, 2019).
No seu texto A questão judaica (MARX, 1991), ele defende que a sociedade civil
só alcançaria a liberdade e a emancipação humana quando todos participassem do
Estado e pudessem tomar decisões. Assim, por meio da ruptura do sistema, o ser
humano poderia viver em uma sociedade com livre e igual distribuição dos bens.
E o que a religião tem a ver com isso? Para Marx, ela é semelhante a um ópio
pois deixa os indivíduos acomodados, resignados, acreditando em uma vida futura.
Assim, não se envolvem em sua vida concreta e real nem promovem a mudança social.
As pessoas ficam conformadas, submissas, veem as situações da sua vida como vontade
divina, como destino, e não questionam nem lutam pela transformação (BARRETO,
2019).
No mundo contemporâneo, a religião passou por transformações, mas se
configura como um importante fenômeno social tanto na vida privada quanto na esfera
pública. Ao desnaturalizar as relações sociais, a sociologia da religião demonstra que as
instituições religiosas possuem natureza social e histórica, sendo um produto dessas
relações situadas no espaço e no tempo (BARRETO, 2019).

6 RELIGIÃO, ESTADO, MERCADO E CAPITALISMO

Se você deseja aprender sobre a religiosidade de um povo ou nação, além de


observar as manifestações de fé, como os rituais, cerimônias, práticas e crenças, pode
observar as leis que regem essa nação. É por meio de uma lei específica que a liberdade
religiosa é assegurada em um país (BARRETO, 2019).
A constituição ou carta magna de um país é um conjunto de leis que estabelecem
direitos e deveres dos cidadãos em cada esfera da vida pública. Nela está regulamentado
o que o governo deve garantir para o pleno exercício da cidadania e o que os cidadãos
devem cumprir para a construção de uma sociedade justa e igualitária. A religião, como
instituição social do dia a dia das pessoas, não pode ficar de fora (BARRETO, 2019).
Em seu art. 19, a Constituição Federal do Brasil afirma que o Estado brasileiro
não pode ter preferência religiosa ou impor privilégios para determinada religião, sendo
21
que o poder público e a religião devem ser separados. Já o art. 5º da Carta Magna prega
a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício
dos cultos religiosos, garantindo na forma da lei a proteção aos locais de culto e suas
liturgias (BARRETO, 2019).
Além disso, defende a não privação de direitos devido às crenças que a pessoa
professa. Logo, ninguém pode ser privado de liberdade por expressar sua fé religiosa. A
Constituição ainda assegura a assistência religiosa a entidades civis e militares de
internação coletiva e permite que os cidadãos que não possam realizar o serviço militar
devido à sua crença realizem serviço alternativo. Além disso, a Constituição Brasileira
permite o ensino religioso não obrigatório nas escolas públicas de ensino fundamental,
de modo que as crianças possam ter acesso ao saber religioso. Contudo, esse ensino
não é obrigatório, o que violaria a liberdade religiosa (BARRETO, 2019).

Mas no Brasil nem sempre houve liberdade de crença religiosa. Em sua primeira
Carta Magna, de 1824, a religião católica era declarada como a religião oficial do Império.
Contudo, nas constituições seguintes não houve permanência dessa determinação.
Enfim, atualmente, os brasileiros podem escolher suas crenças, professar sua expressão
religiosa e ter a liberdade de ir aos espaços considerados sagrados. O Estado tem o
dever de garantir essa liberdade (BARRETO, 2019).
O Estado brasileiro é laico, diferente do Estado confessional, em que a religião
influencia o poder estatal. Segundo a Constituição Federal, não há uma religião oficial no
País, apesar de no início da Carta Magna haver referência a Deus. A Lei nº 9.459/1997
afirma que é crime a prática de discriminação ou preconceito contra as religiões. Dessa
forma, nenhum cidadão pode ser discriminado por motivo de crença religiosa. O crime de

22
intolerância religiosa é imprescritível, isto é, pode ser punido em qualquer tempo, e é
inafiançável, ou seja, não pode ser pago com fiança (BARRETO, 2019).

A religião também possui influência no mercado e na economia, como você viu


no caso da ética protestante e do espírito do capitalismo. Para o sociólogo Peter Berger,
existe uma religião de mercado. O que seria uma religião de mercado? Seria o processo
em que a religião incorpora valores propagados pela mídia, pelos meios de comunicação
(OLIVEIRA, 2012). E o que acontece? Os fiéis são vistos como público-alvo. A pregação
se assemelha a campanhas de publicidade e a fé se transforma em produto. Há, portanto,
a mistura do sagrado com o profano, do espírito com a matéria. Há também a valorização
da prosperidade como busca de realização pessoal do ser humano.

23
Peter (1971 apud OLIVEIRA, 2012) enfatiza que há um processo de
dessecularização da religião, pois, ao buscar intensamente a religião, o homem torna o
mundo cada vez mais religioso. Logo, o mundo do século XXI tende a ser tão religioso
quanto o mundo dos séculos anteriores. Esse novo processo fez com que as instituições
religiosas agissem com a lógica mercadológica, adaptando os seus rituais, cerimônias e
credos aos interesses individuais de cada ser humano. Assim, a religião é influenciada
pelo pensamento atomizado dos indivíduos no mercado.

7 OS SÍMBOLOS E OS RITOS

Pode se dizer, conforme propõe Marconi e Presotto (2010, p. 28), que crença é
“a aceitação como verdadeira de uma proposição comprovada ou não cientificamente.
Consiste em uma atitude mental do indivíduo, que serve de base à ação voluntária.
Embora intelectual, possui conotação emocional”.
Então, a maneira como cada sociedade guia os seus rituais está permeada por
crenças e valores construídos entre os seus membros ao longo dos tempos, podendo ser
transmitidos de geração a geração ainda que possa ter sofrido pequenas alterações em
sua forma original. Tendo em vista essa discussão, vamos nos aproximar de um estudo
de rituais em que os indivíduos de uma sociedade manifestam seus sentimentos a partir
de uma determinada ação (BARROSO, 2017).
Para isso, vamos acompanhar os estudos antropológicos de Victor Turner (2008),
que compreendia que os fenômenos culturais estão prenhes de símbolos e de crenças
de tipo não estrutural, diante da estrutura do processo ritual.
Nesse sentido, podemos dizer que Turner se contrapõe às ideias estruturalistas
de Lévi-Strauss, pois a noção de levistraussiana enfatiza o cognitivo, a arbitrariedade do
significado e a ideia de estrutura separada do sentido das ações e da intencionalidade
dos atores. Enquanto que o pensamento turneriano ressalta a produção das construções
simbólicas baseadas nos valores e nas crenças dos membros da sociedade (BARROSO,
2017).
A antropóloga Mariza Peirano se dedicou aos estudos dos rituais como estratégia
analítica e abordagem etnográfica, evidenciando em seu livro, O dito e o feito, a
24
“perspectiva durkheimiana que vê nos cultos e rituais verdadeiros atos de sociedade nos
quais são reveladas visões de mundo dominantes de determinados grupos” (PEIRANO,
2002, p. 10). Ela acessou autores clássicos da Antropologia que discutiram o assunto,
assim, retomou o interacionista simbólico Victor Turner que estudou os rituais entre
Ndembus do noroeste da Zâmbia, no centro sul da África.
Os interacionistas simbólicos entendiam que os símbolos servem para orientar
as ações nas sociedades humanas. Assim, como afirma Turner (1974), esses símbolos
são conscientes e atuam durante o processo ritual em que eles se apresentam em forma
de objetos, gestos, cantos, para expor a mensagem que querem passar por meio do rito.
Logo, o encadeamento de símbolos dentro do ritual, ordena e constrói a ideia de que está
se passando de um ponto da estrutura social a outro.
Assim, há certa estrutura social no processo ritual em que convive a ação social
e os arranjos sociais no desenrolar desse rito. De modo que, nesses arranjos sociais,
permeiam símbolos visuais e auditivos, operando culturalmente como combinações e
associações de ideias que revelam cosmologias, valores, axiomas culturais dispostos na
sociedade, e que são transmitidos de uma geração a outra também por meio do processo
ritual (BARROSO, 2017).
Os estudos de Turner visaram compreender a ligação entre as fases do ritual
designando, para isso, aportes conceituais e teóricos na área da Antropologia. Como
explica melhor Peirano (2002, p. 21):

Victor Turner procurou resgatar a dimensão do viver, definindo os rituais como


loci privilegiados para se observar os princípios estruturais entre os ndembu
africanos, mas também apropriados para se detectar as dimensões processuais
de ruptura, crise, separação e reintegração social, cujo estudo ele havia iniciado
com sucesso mediante a ideia de “drama social” – ritos seriam dramas sociais
fixos e rotinizados, e seus símbolos, no âmbito da razão durkheimiana, estariam
aptos para uma análise microssociológica refinada. Fascinado pelos processos,
conflitos, dramas – em suma, pelo vivido –, para Turner, símbolos instigam a
ação.

Nesse sentido, cabe utilizar o aporte teórico e conceitual turneriano para


compreendermos as possibilidades de estudo da área e até termos condições de realizar
análises de ritos e rituais relacionados às crenças e aos valores presentes na sociedade
em que vivemos (BARROSO, 2017).

25
8 DESVENDANDO O PROCESSO RITUAL

Para compreendermos o processo ritual, temos de resgatar o que diz Van


Gennep (2011) sobre os estudos de ritos de passagem. Ele chamou assim todos os ritos
de transição que acompanham a mudança de lugar, estado ou posição social de idade.
E enfatizou três fases que esses ritos se desdobram: separação, margem (“limiar”) e
agregação. De modo que todo ritual, de qual ordem fosse, estaria submetido a essa
configuração.
A primeira fase é quando o indivíduo ou grupo social inicia o afastamento da
estrutura social em si. A segunda fase é o período limiar, no qual as características do
sujeito ritual – que é quem está passando pelo ritual – são ambíguas, pois ele está fora
da estrutura mais próxima a ela, em uma condição extrema. E a terceira fase é quando
há a passagem e o indivíduo ou grupo social é reintegrado na estrutura, e volta a ter
direitos e obrigações definidos e estruturados (BARROSO, 2017).
Dessa maneira, como explica Gennep (2011), espera-se que o indivíduo ou
grupo social se comporte de acordo com as normas e padrões éticos da sociedade em
questão, conforme a nova posição social que ocupa ou ocupam após o ritual, conforme
definido pela relativa estabilidade da estrutura.
Por ritual, Turner (2005, p. 57) entende:

[...] o comportamento formal prescrito para ocasiões não devotadas à rotina


tecnológica, tendo como referência a crença em seres ou poderes místicos. O
símbolo é a menor unidade do ritual que ainda mantém as propriedades
específicas do comportamento ritual; é a unidade última de estrutura específica
em um contexto ritual.

Assim, devemos entender o ritual como um sistema de significados.


Logo, esse autor se apropria das ideias de Gennep e realiza os estudos de ritos
de passagens buscando as concepções interestruturais – que ele chama de communitas
– em meio a passagem de um estado a outro na estrutural social (TURNER, 1974). No
entanto, ele não trata esses dois momentos – communitas e estrutura social – como
oposição, e sim de forma análoga, de modo que há uma relação dialética entre esses
dois momentos que sustentam o caráter de humanidade para além de posição social. Ele

26
entende que muitas vezes é preciso passar pelo processo ritual, mas para que se
restabeleça a estrutura social.
A communitas é o momento de suspensão das relações cotidianas, é
espontânea, autógena e reduz as diferenças sociais, enquanto a estrutura social reforça
essas diferenças e marcações das relações cotidianas. Como a estrutura social é a arena
na qual eles perseguem seus interesses materiais, a communitas é recalcada para o
inconsciente. Os ritos, os símbolos e os mitos são complexos, e suas formas culturais na
communitas pressupõe que esses elementos possam ser vivenciados com maior
profundidade do que em qualquer outro contexto. Logo, na communitas cabe mais a
transmissão das relações entre símbolos, ideias e valores do que a própria marcação das
posições sociais (BARROSO, 2017).
Vamos aprofundar o que diz Turner sobre essas fases! Em relação a segunda
fase, que considera os períodos liminares, Turner (1974) entende que é um estar fora e
dentro da estrutura social ao mesmo tempo, já que se suspende os relacionamentos
sociais normais para ser reintegrado novamente. E o indivíduo ou grupo social que passa
por esse ritual fica em uma espécie de invisibilidade estrutural, como se estivessem sido
colocados à uma condição uniforme que é o communitas, para ser formatado de novo e
em uma outra situação venha a ser realocado em outra posição social. Durante esse
período de communitas, as manifestações que ali ocorrem devem parecer perigosas e
sem organização, de modo que há algumas restrições nessa fase.
Nesse sentido, a condição limiar do indivíduo ou grupo social, durante o processo
ritual, tem algumas especificidades, como explica Turner (2008, p. 241):

[...] numa situação temporariamente liminar e especialmente marginal, os neófitos


passageiros são despidos de status e autoridade num rito de passagem
prolongado – em outras palavras, removidos de uma estrutura social que é em
última estancia mantida e sancionada pelo poder e pela força – e posteriormente
nivelados até um estado social homogêneo pela disciplina e pelo ordálio [...] muito
do que vinha sendo cerceado pela estrutura social é liberado, notadamente o
senso de camaradagem e comunhão, em suma, de communitas [...].

Nesse sentido, o Turner (2008) ainda vai citar três situações da cultura onde a
communitas, que é esse momento de suspensão das relações cotidianas, pode estar
presente, são elas: liminaridade, outsiderhood e inferioridade estrutural.

27
Na liminaridade, é quando em um processo ritual se passa de um ponto de
classificação a outro, o que está entre betwix e between, de modo que o neófito fica em
um ponto inclassificável na estrutura social. Para Turner (2008), a liminaridade considera
uma fase da vida social em que as atividades realizadas pelo sujeito ritual não estão
demarcadas na estrutura social, de modo que essa fase se mantém como um estado e
não mais uma passagem.
O outsiderhood corresponde a quem tem uma posição diferenciada na
sociedade, como líderes messiânicos, médiuns, xamãs, pais de santo, etc., pois eles não
se encaixam na estrutura, já que analisam a estrutura social para analisar criticamente
aos seus seguidores. Diferente dos liminares, eles não têm garantias de resolução final
para sua ambiguidade, de modo que não têm um status social reconhecido (BARROSO,
2017).
E o último é a inferioridade estrutural, que se trata da condição de certas
classes sociais ou da sociedade de castas, em que se considera uns inferiores em
relação a outros superiores. A função simbólica dos que são rejeitados seria a de
representar a humanidade sem qualificações, de modo que há recompensas desiguais
para essas que são concedidas por suas posições diferenciadas (BARROSO, 2017).

9 PROCESSO RITUAL NA RELIGIÃO

Podemos nos valer dessa discussão mais teórica para pensar sobre o processo
ritual no contexto religioso. De modo geral, crenças e rituais são elementos constitutivos

28
das práticas religiosas, uma vez que é por meio delas que o indivíduo ou o grupo social
manifesta seus sentimentos (MARCONI; PRESOTTO, 2010).

Fonte: Pixabay.com

De modo que reconhece e aceita a superioridade do sobrenatural e se coloca em


devoção a ele, o ritual religioso cultuará o sobrenatural por meio de uma atividade
acordada socialmente, podendo contar com elementos que compõe as práticas
específicas envolvendo crenças e valores daquela sociedade (BARROSO, 2017).
O estudo sobre o candomblé é amplo e complexo. Alguns pesquisadores se
dedicaram a pesquisar os elementos que compõe sua concepção e suas práticas. Dias
(2014) estava interessado na discussão do ori, que é um sentido peculiar dado à cabeça,
a partir do contexto religioso, e explica a relevância de fazer essa análise:

A análise da concepção e ritualidade em torno do orí nos permitiu alcançar todo


um vasto quadro interpretativo e utilitário, fornecendo novos dados a um campo
de análise tradicionalmente unívoco e unidimensionalmente formatado. Tal ideia
equivale a dizer que com este trabalho, de algum modo, se abre um novo campo
de possibilidades de leituras, interpretações, significações e configurações sobre
os padrões de pensamento religioso yorùbá e afro-brasileiro, e suas expressões
rituais (DIAS, 2014, p. 38).

Nesse sentido, as análises etnográficas dos contextos rituais no âmbito religioso


contribuem com a própria problematização do campo de atuação das religiões, mas
também com a produção de registro dessas práticas por meio da escrita. O antropólogo
29
Vagner Gonçalves da Silva (1991, p. 57), que estudou longamente religiões afro-
brasileiras, entende que esses estudos também são contribuições para quem permitiu
ser estudado, pois, segundo ele, “as etnografias vão constituindo assim o “corpus
inscriptionum” da religião.
De modo geral, o estudo dos rituais religiosos envolve a compreensão de seres,
entidades, forças, almas, elementos rituais, cânticos entoados, entre outros. Há o culto
dos objetos sagrados e até mesmo forma de ritos que são realizados. Marconi e Presotto
(2010, p. 159), resumem que:

A religião, de modo geral, reforça e mantem os valores culturais, estando muito


deles ligados à ética e à moral, pelo menos implicitamente. Sustenta e inculte
normas particulares de comportamento culturalmente aprovadas, exercendo, até
certo ponto, poder coercitivo. Ajuda na conservação de conhecimentos ao
transmitir, através de rituais e cerimônias dramatizadas, os procedimentos ou
normas de conduta importantes em determinada cultura.

Portanto, enfatizamos a relevância da análise do processo ritual no âmbito


religioso, uma vez que o grupo praticante se encontra, cultua suas crenças e dá
continuidade às práticas que fazem sentido para eles (BARROSO, 2017).

10 CONCEITOS DE RELIGIÃO

Para compreender o significado da religião, é interessante que você conheça a


etimologia da palavra. Segundo Silva e Siqueira (2009), a palavra “religião” é derivada do
latim e significa religar, reler ou ainda reeleger. A ideia, então, é de ligação entre a
humanidade e a divindade. Ou seja, há o pressuposto de que entre o mundo dos homens
e o mundo dos deuses existe uma forma de comunicação possibilitada pela religião.
Durkheim (2000, p. 32) entende que a religião é “[...] um sistema solidário de
crenças e de práticas relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, proibidas, crenças
e práticas que reúnem numa mesma comunidade moral, chamada igreja, todos aqueles
que a elas aderem [...]”. Então, é por meio desse sistema que os membros de um grupo
partilham e realizam a devoção aos seus deuses. Pode-se dizer ainda que os
simbolismos e os significados que circulam em cada religião também definem como são
as práticas de devoção.
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Assim, para conceituar religião, é preciso abarcar a complexidade do termo, pois
a devoção envolve uma série de crenças e práticas que são aprendidas no cotidiano de
participação junto aos membros dos grupos religiosos. Dessa maneira, Giddens (2005)
explica que as religiões reúnem símbolos relacionados à reverência ou ao temor. Tais
símbolos estão ligados a rituais ou cerimônias realizadas por fiéis. Além disso, ainda que
uma religião implique a crença em um deus, geralmente existem objetos ou seres que
levam ao temor ou à admiração.
Esses símbolos podem ser relativos a imagens religiosas — como santos,
divindades, deuses — ou mesmo a tipos de comida e vestimentas com objetivos diversos,
utilizados durante o ritual religioso ou ainda fora dele. Mas você também deve considerar
pertinente os cantos, as falas, o soar dos instrumentos, a imposição de mãos, as danças
coletivas, a questão energética, as visões e tudo aquilo que é relativo ao mundo imaterial.
Nesse sentido, cada religião vai definindo o que é sagrado para ser cultuado e o
que não é. Com isso, constitui uma gama de práticas e rituais fundamentais para os
praticantes do grupo. Veja como Durkheim (2000, p. 226) explica a concepção de
sagrado:

O que define o sagrado é o fato de ser acrescentado ao real [...] Neste espaço as
energias vitais estão superexcitadas, as paixões mais vivas, as sensações mais
fortes; existem mesmo algumas que só se produzem senão neste momento. O
homem não se reconhece: sente-se como que transformado e, por conseguinte,
transforma o meio que o rodeia. Para explicar-se as impressões muito
particulares que experimenta, ele atribui às coisas com as quais estão em relação
poderes excepcionais, virtudes que não possuem os objetos da experiência
vulgar.

Dessa forma, a religião se apresenta como mais uma das chaves explicativas
que propõem saídas para as dúvidas mundanas e as questões filosóficas que
atormentam os homens. Afinal, as explicações dadas por esses sistemas de simbolismos
fazem sentido para os membros do grupo e também acalmam suas angústias em relação
às vivências cotidianas. Assim, a transformação de que fala Durkheim (2000) remete à
ideia de que as experiências religiosas vividas são levadas para fora do âmbito religioso
e exercidas no dia a dia, junto a outras pessoas, que têm outras crenças e outras práticas.
Logo, esse “fazer sentido” que é entendido pelos praticantes das diferentes
religiões diante do culto que frequentam se dá porque as explicações trazidas pelas

31
religiões também consideram os sistemas sociais em que estas estão inseridas. Ou seja,
as explicações sobre o que parece não ter explicação se acomodam em outros sistemas
de simbolismos presentes na vida social. Elas passam a ser compreensíveis para os
praticantes de cada religião. Nesse sentido, Nola (1987) reforça que o universo da
religião, do sagrado, não é autônomo e sem sentido de uma perspectiva laica. Além disso,
não é estranho ao mundo racional. Ele se expressa e se mostra na realidade mesma, na
relação contínua que a justifica e a explica.
É na convivência coletiva que as explicações religiosas surgem e também se
solidificam, fazendo com que o espaço da prática religiosa se constitua como mais um
espaço de organização e ordem social. Essa observação é evidenciada por Coutinho
(2012, p. 181), que afirma que “As religiões compreendem coletividades no seio das quais
se desenvolvem práticas, se elaboram, defendem e discutem crenças. Faz parte da
essência da religião a sua componente organizativa [...]”.
Desse modo, o conceito de religião considera a ordem social promovida pela
participação dos membros da sociedade no âmbito da questão religiosa. A participação
no universo sagrado (por meio de rituais, por exemplo) oferece prestígio social, o que
pode ser compreendido como uma das funções sociais da religião. Ela mesma é um
sistema de crenças e práticas relacionadas ao sagrado. As coisas sagradas, assim,
reúnem o povo em uma comunidade moral. Ele compartilha crenças que são essenciais
à constituição e à manutenção da religião (TIMASHEFF, 1971).
Como você pode notar a partir dessa discussão, há complexidade no estudo da
religião. Além disso, é necessário ter cuidado e respeito ao considerar religiões que
tenham crenças ou práticas que, em um primeiro momento, não façam sentido para você.
Cada religião deve ter liberdade de cultuar suas práticas devocionais e ser respeitada por
isso.

32
11 RELIGIÃO E SOCIEDADE

A relação entre sociedade e religião perpassa inúmeras questões. O que é


aprendido na religião pode atravessar outras áreas da vida social e se constituir como
uma forma de vida dedicada à causa religiosa. Considere, por exemplo, o uso do hijad,
que é o conjunto de vestimentas preconizadas pela doutrina islâmica. De acordo com o
pensamento guineense, pesquisado por Abranches (2007, p. 168–169):

As mulheres muçulmanas, normalmente, não devem deixar o cabelo solto, só


que hoje em dia, como se vê, cada um faz como quer. Mesmo na Guiné também
é assim, andamos assim. Há os que não deixam mesmo o cabelo solto, tapam
tudo até aqui, mas há menos na Guiné isso do que nos países árabes. Fazem o
possível por tapar o cabelo, as partes que atraem mais os homens, é isso. Mas
isso, na Guiné, há pouca coisa. Quando as pessoas têm certas idades é que
fazem mais isso.

Então, até mesmo na forma de viver há elementos que são englobados pela
doutrina religiosa. Contudo, nos dias de hoje, algumas igrejas têm exigido menos
transformações no modo de vida dos fiéis, ainda que propaguem preceitos religiosos
cristãos. É o que afirma Dantas (2010, p. 56) ao analisar a Igreja Evangélica Bola de
Neve:

O sucesso da igreja se deve à identificação do jovem com sua imagem, à


proximidade dos pastores, à informalidade dos cultos e à linguagem
descontraída. Sua identidade, constituída pela negação de certos
tradicionalismos, pela ruptura com rituais religiosos convencionais, pelo culto ao
corpo perfeito, pela preocupação com a saúde e pela preconização da juventude,
atrai o público jovem, que se recusa a frequentar igrejas que lhe impõem como
regra abandonar sua vida para dedicar-se à devoção religiosa. Com o intuito de
recrutar novos clientes, os pastores à primeira vista procuram "vender" a imagem
de liberalidade e divulgar a ideia de que se opõem aos dogmas religiosos, o que
na prática não se confirma. De fato, a igreja não oferece restrição às vestimentas,

33
às tatuagens, aos piercings, aos esportes radicais, em suma, à aparência do
crente. Contudo, empenha-se em coibir o consumo de bebidas alcoólicas, o uso
de cigarros e a frequência a bares e boates, além de repudiar o
homossexualismo, o sexo pré- -nupcial e as relações extraconjugais,
preconizando a virgindade e o casamento monogâmico e heterossexual. Embora
a congregação pareça liberal e flexível, no cotidiano das relações institucionais
ela utiliza vários mecanismos de censura e resgata códigos tradicionais de
controle da sexualidade.

Aquelas práticas mais tradicionais que abarcam o molde da sociedade patriarcal


também se renovam e atualizam em novas práticas, que são ressignificadas e incluídas
no cotidiano de crenças e costumes de determinada religião. Segundo Steil (2001), na
contemporaneidade, a crença religiosa vive um “processo de recuperação de sentidos
como linguagem significativa”. Assim, a dualidade entre a razão e a emoção, vinculada à
modernidade ocidental, abre espaço para uma relação diversa, que põe coração e
racionalidade lado a lado. Nesse sentido, a ideia não é optar pela experiência ou pelo
dogma religioso. A proposta é encontrar vivências espirituais afetivas para cada trajetória
pessoal.
Você deve considerar que não só as religiões influenciam outros âmbitos da
sociedade, mas esses outros âmbitos também influenciam a vida religiosa. Coutinho
(2012, p. 176) apresenta esse panorama comparando sociedades ocidentais e orientais:

O contexto cultural influencia sobremaneira a definição de religião. Nas


sociedades ocidentais, onde se associa a religião à relação com algo
transcendente, ela é sistema mediador entre o homem e entidades superiores. O
Ocidente, altamente marcado pela cultura judaico-cristã, releva o Deus único e
transcendente. Nas sociedades orientais, budistas e hinduístas, a transcendência
não está presente, mas antes o panteísmo, um deus em tudo. Assim, a religião
não é ligação a algo superior e transcendente, mas à própria natureza, a todos
os seres vivos.

Ainda assim, cada sociedade se organiza para definir a relação entre a religião e
o Estado. Essa relação pode ser de mais proximidade ou mesmo de ruptura. O meio pelo
qual se estabelece essa definição pode ser tanto a publicação da constituição quanto
acordos sociais.

34
No Brasil, ocorre a separação entre Estado e religião por meio do conceito de
laicidade. Isso significa que o Estado não favorece nem segue nenhuma religião.
Portanto, ele se opõe ao Estado confessional, ou seja, àquele que tem posição religiosa.
O Estado confessional inclui até mesmo o Estado ateu, dado que este assume uma
posição religiosa em sentido negativo. De acordo com a laicidade, o Estado não segue
nenhuma doutrina oficial. Portanto, os cidadãos não têm de se associar a igrejas ou
seitas. Além disso, não existe a noção de heresia (interpretação, doutrina ou sistema
teológico rejeitado como falso pela igreja) (LACERDA, 2014).
Como destaca Negrão (2008), foi a partir da proclamação da República no Brasil,
em 1889, que ficou definida na constituição a ruptura mais clara entre Estado e religião,
possibilitando uma sociedade mais pluralista e laica ao longo do século XX. Entretanto,
o mesmo autor apresenta os desafios da influência das igrejas nos dias atuais:

A proclamação republicana, contudo, não significou a perda da hegemonia


católica e de sua influência na vida cultural e política brasileira. A Igreja Católica
continuou a cooperar eventualmente com o Estado Republicano, como no
combate às heresias messiânicas, e a impor seus princípios religiosos às
constituições, como a proibição do divórcio e do aborto legal. A Igreja Católica
aproveita sua recente liberdade para reaproximar-se da ortodoxia vaticana. Os
padres passam a ter uma formação seminarística mais cuidadosa, são nomeados
bispos apenas os mais dedicados e ultramontanos, trazem-se ordens religiosas
europeias para administrar os santuários e demais serviços religiosos, busca-se
incutir um catolicismo menos mágico e devocional e mais cristocêntrico nas
camadas populares (NEGRÃO, 2008, p. 265–266).

Assim, você pode perceber o quanto é importante compreender a relação entre


religião e sociedade. Afinal, há transformações ao longo dos anos que são possibilitadas
justamente por essa relação.

35
12 RELIGIÃO E IDEOLOGIA

Já que as religiões se estabelecem como sistemas de simbolismos pelos quais


perpassam as crenças e práticas rituais, você pode pensar em como a questão da
ideologia interfere nisso. Para compreender qual é a relação entre a religião e a ideologia,
você precisa conhecer o conceito de ideologia. Segundo Carone (1991), a ideologia é
definida em sociedade. Contudo, as configurações da ideologia pessoal de cada pessoa
(suas opiniões, seus comportamentos e seus valores) se orientam de acordo com motivos
irracionais, relacionados a estruturas psíquicas mais ou menos estáveis. Nesse sentido,
é preciso diferenciar a ideologia como fenômeno social da ideologia que é internalizada
pelo sujeito e que passa a integrar a sua personalidade.
Ou seja, apesar de a origem de inculcação de certas ideias variar, o indivíduo as
internaliza e, de certa maneira, as reproduz também na sociedade em que está. Essa
internalização se dá de forma inconsciente e não acontece rapidamente. Cohn (1986, p.
17) explica mais sobre esse processo:

[...] a ideologia, além de ser um processo formador de consciência e não apenas


instalada nela, opera no nível do inconsciente, no sentido forte do termo: ela não
apenas oculta dados da realidade, mas os reprime, deixando-os sempre prontos
a retomar à consciência ainda que de novo sob formas ideológicas. Nessas
condições, o desenvolvimento da consciência pelo contato reflexivo com a
realidade é um processo doloroso, como é a própria civilização na concepção
freudiana.

Ao mesmo tempo, é importante você notar que não há ideias que sejam neutras
ou que não estejam carregadas de intenções. Assim, cada qual que defende suas ideias
afirma que as elas são mais verdadeiras e neutras do que as de outras pessoas. Como
enfoca Boff (2002), os sistemas culturais, científicos, políticos, econômicos e até
artísticos que se dizem detentores únicos da verdade e de uma resolução para os
problemas são fundamentalistas. Hoje, de acordo com o autor, o mundo está sob
influência de diversos fundamentalismos.

36
Chauí (2000, p. 76) reforça esse apontamento:

A noção de ideologia veio mostrar que as teorias e os sistemas filosóficos ou


científicos, aparentemente rigorosos e verdadeiros, escondiam a realidade social,
econômica e política, e que a razão, em lugar de ser a busca e o conhecimento
da verdade, poderia ser um poderoso instrumento de dissimulação da realidade,
a serviço da exploração e da dominação dos homens sobre seus semelhantes.
A razão seria um instrumento da falsificação da realidade e de produção de
ilusões pelas quais uma parte do gênero humano se deixa oprimir pela outra. […]
A noção de inconsciente, por sua vez, revelou que a razão é muito menos
poderosa do que a Filosofia imaginava, pois, nossa consciência é, em grande
parte, dirigida e controlada por forças profundas e desconhecidas que
permanecem inconscientes e jamais se tornarão plenamente conscientes e
racionais. A razão e a loucura fazem parte de nossa estrutura mental e de nossas
vidas e, muitas vezes, como por exemplo no fenômeno do nazismo, a razão é
louca e destrutiva.

Por isso é importante você compreender os meandros articulados junto ao


conceito de ideologia e relacioná-los com outros âmbitos da sociedade. Para Chauí
(2000), a ideologia tem uma função bem clara. Tal função é esconder e disfarçar as
distinções sociais e políticas. A ideia é emprestar a elas a aparência de indivisão, como
se fossem diferenças naturais entre os homens. Assim, embora haja a divisão das
classes sociais, as pessoas são induzidas a acreditar que são iguais porque
compartilham a humanidade, ou a pátria, a raça, etc. Com relação às diferenças naturais,
elas são levadas a acreditar que as desigualdades sociais, econômicas e políticas não
se originam na divisão social das classes, mas se relacionam a talentos e capacidades
individuais, bem como à inteligência, à força de vontade, etc.
Assim, você pode considerar que as religiões abarcam questões ideológicas e
defendem seus pontos de vista a qualquer custo. Martín-Baró (1998) afirma ainda que as
religiões podem servir de suporte para ideologias políticas, sendo elas conservadoras ou
progressistas. Nesse sentido, para compreender o poder da religião no meio político, é
imprescindível analisar a dimensão ideológica da experiência religiosa.
37
Por meio das crenças, práticas e rituais, é possível aprender mais sobre as
possibilidades de relação entre ideologia e religião. Segundo (1997, p. 23) reforça essa
ideia ao dizer que “[...] a análise da existência humana mostra que fé e ideologia são
dimensões humanas [...] universais e complementares [...]”. Logo, não é possível
imaginar a religião dissociada da ideologia.

13 A CONSTRUÇÃO FAMILIAR

O que se pode dizer sobre a família contemporânea? E sobre as famílias mais


antigas? A ideia de construção familiar pode variar de acordo com as gerações? A partir
de que noções é possível compreender a família? Essas são perguntas que precisam ser
destrinchadas aos poucos. Ao longo deste capítulo, você vai perceber que algo que
parece natural pode ser, na verdade, construído socialmente, podendo variar de acordo
com cada sociedade (BARROSO, 2018).
Segundo Saraceno (1997, p. 14):

[...] a família é como o espaço histórico e simbólico no qual e a partir do qual se


desenvolve a divisão do trabalho, dos espaços, das competências, dos valores,
dos destinos pessoais de homens e mulheres, ainda que isso assuma formas
diversas nas várias sociedades.

Assim, essas formas diversas também se adaptam aos costumes culturais,


ganhando arranjos e significações específicas, que podem fazer sentido numa
sociedade, mas não em outra. A partir dessas ideias, Saraceno (1997) reforça que a
família é, na verdade, uma construção social. É a partir dela que os atores sociais
definem formas e sentidos da mudança da sociedade que habitam. Logo, é por meio do
convívio social que a família vai se definindo e estabelecendo suas fronteiras.
Sabendo disso, você já pode deixar de lado a ideia naturalizada de família, que
evidencia o atributo biológico em detrimento do atributo social. Ou seja, uma família não
é constituída apenas por quem tem o mesmo sangue, mas também por aqueles que se
reconhecem como membros de um círculo familiar. Acompanhe o raciocínio de Dias
(2011, p. 141):

38
Seja qual for o modelo de família, ela é sempre um conjunto de pessoas
consideradas como unidade social, como um todo sistémico onde se
estabelecem relações entre os seus membros e o meio exterior. Compreende-se
que a família constitui um sistema dinâmico, contém outros subsistemas em
relação, desempenhando funções importantes na sociedade, como sejam, por
exemplo, o afeto, a educação, a socialização e a função reprodutora. Ora, a
família como sistema comunicacional contribui para a construção de soluções
integradoras dos seus membros no sistema como um todo.

Desde o nascimento, a família é a primeira instituição de socialização. É com os


membros familiares que a criança aprende, de maneira inicial, a falar, a se comportar, a
reconhecer quais valores deve ter e a perceber como deve agir com os outros membros
da sociedade. A família também define quem são heróis naquela cultura, entre outros
atributos culturais que são introjetados por aqueles que cuidam da criança. Assim, a
criança não precisa necessariamente ser criada pelo pai e pela mãe para se desenvolver.
Ela pode ser criada por tio, tia, avó, avô, ou mesmo ser adotada por alguém que
reconheça como seus pais. Segundo Szymanski (2002, p. 10):

[...] o ponto de partida é o olhar para esse agrupamento humano como um núcleo
em torno do qual as pessoas se unem, primordialmente, por razões afetivas
dentro de um projeto de vida em comum, em que compartilham um quotidiano, e,
no decorrer das trocas intersubjetivas, transmitem tradições, planejam seu futuro,
acolhem-se, atendem aos idosos, formam crianças e adolescentes.

Ao mesmo tempo, isso não significa que esse agrupamento humano tem de ser
homogêneo, como diz Sarti (2000), com os mesmos gostos e valores, com todos os seus
membros pensando as mesmas coisas sobre o mundo em quem vivem. Pelo contrário,
existem filhos que torcem para o time rival do dos pais, há filhas gêmeas que detestam
se vestir de modo igual, há primos que pensam em projetos políticos diferentes para o
país em que vivem, bem como existem parentes que discordam sobre qual presente dar
para o membro mais antigo da família, etc.
O que é importante destacar na relação familiar é justamente a possibilidade de
se lidar com as diferenças num agrupamento humano menor, visando à tolerância e ao
diálogo junto aos membros da sociedade como um todo. Logo, a heterogeneidade já vai
sendo evidenciada no âmbito familiar e também marca as diferenças entre seus
membros. Essa ideia é reforçada por Ribeiro (1999, p. 45):

39
[...] viver em família significa a possibilidade de lidar com o permanente dissenso
entre os projetos de homens e mulheres, como também de pais e filhos. Isto
explicita a convivência entre visões de mundo conflitantes sobre a realidade, de
onde vai emergir a heterogeneidade, a pluralidade dos estilos de vida, das formas
de organização, das relações de gênero que se estruturam e se mantêm, em
meio às rupturas e às continuidades com os valores herdados do passado e os
valores apropriados no percurso da vida pessoal.

Não importa o número de componentes numa família; o que importa é a


possibilidade de troca de opinião, de aprendizagens e de vivências que enriqueçam o
repertório dos membros. Essa heterogeneidade presente no seio familiar também vai se
modificando ao longo do tempo, fazendo com que o modelo de família se altere. Assim,
a família também é reflexo do que acontece com a sociedade, como enfatizam Faco e
Melchiori (2009, p. 122):

O sistema familiar muda à medida que a sociedade muda, e todos os seus


membros podem ser afetados por pressões internas e externas, fazendo com que
ela se modifique com a finalidade de assegurar a continuidade e o crescimento
psicossocial de seus membros.

14 FAMÍLIA NO PLURAL

A partir do que você viu até aqui, pode considerar que as concepções de família
mudam com o tempo e o lugar. Por isso é importante conhecer e refletir sobre as
diferentes formas de composição da família. Mas por que é importante conhecer a família
enquanto conceito?

[...] a dinâmica que fundamenta as organizações familiares pode funcionar como


fonte de “coesão, cooperação e comprometimento, mas também como fonte de
conflito, rivalidade, discriminação e exclusão” (Davel & Colbari, 2003, p. 5). Em
vista disso, observa-se que o universo das organizações familiares é plural,
diversificado, multifacetado, em que coexistem relações de toda a ordem, tanto
positivas quanto negativas. Portanto, ressalta-se a necessidade de compreender
as organizações familiares por meio de nova óptica, que valorize e forneça maior
respaldo para compreender as suas especificidades simbólicas (LESCURA et al.
2012, p. 102).

Dessa maneira, cabe compreender o conceito de família não a partir de uma


definição pronta, fechada e única, e sim levando em consideração as diferentes
experiências que compõem o modelo familiar. Assim, o conceito de família se amplia. A

40
família se torna plural, e não mais aquela família nuclear que está restrita ao espaço de
uma só casa (Figura 1) (BARROSO, 2018).

Essa abertura de sentido do conceito permite incluir vivências diversas na


compreensão da família, ainda que se possa estranhá-las num primeiro momento.
Considere estes outros pontos relevantes:

A família pode ser definida como um núcleo de pessoas que convivem em


determinado lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e que se
acham unidas (ou não) por laços consanguíneos. Ela tem como tarefa primordial
o cuidado e a proteção de seus membros, e se encontra dialeticamente articulada
com a estrutura social na qual está inserida (MIOTO, 1997, p. 120).

Ou seja, o que define o vínculo familiar é muito mais a relação de cuidado e a


proteção que os membros estabelecem entre si do que, de fato, os laços sanguíneos.
Essa diferença sobre o cuidado que se tem no âmbito familiar é algo crucial.
Nesse contexto, aquilo que se define como “parente” se relaciona também a essa
noção de cuidado, ainda que se possa dizer que:

[...] a família é um grupo social concreto e o parentesco uma abstração, uma


estrutura formal, que resulta da combinação de três tipos de relações básicas: a
relação de descendência (entre pais e filhos), a de consanguinidade (entre
irmãos) e a de afinidade, que se dá pela aliança, através do casamento
(BRUSCHINI, 1997, p. 60).

Entretanto, a ideia de parentesco tem se ampliado para além das relações


descritas. Hoje, se configuram como parentes aqueles que também oferecem cuidado e

41
proteção aos indivíduos. Atualmente, estão incluídas nessa categoria de afinidade as
alianças advindas de amizade, de vizinhança e mesmo de valores (BARROSO, 2018).
Dessa maneira, você também pode considerar que “O parentesco é uma rede de
conexões de proximidade irradiada do indivíduo. Já a família, na concepção ocidental, é
uma instituição baseada na parceria conjugal e na criação dos filhos” (LUNA, 2007, p.
180). Mas aqueles que cuidam e protegem, mesmo que não tenham relações sanguíneas
diretas com a criança, como no caso da adoção, podem ser considerados família, se
assim desejarem. Portanto, é preciso pensar numa concepção de família que seja plural,
como garantem as regras constitucionais:

Importante pontuar que a família brasileira é plural, especialmente porque


decorrente das relações interpessoais e sem quaisquer discriminações ou
hierarquias, devendo ser afastada, o quanto possível, a ingerência do Estado na
vida privada, no tocante ao projeto de vida da pessoa humana e da construção
de sua dignidade no âmbito fraterno e solidário das entidades familiares,
permitindo-se tal intervenção apenas para a promoção da igualdade e pluralidade
das relações com o fim de construir uma sociedade livre, justa e solidária
(ANGELUCI, 2017, p. 63).

Você deve ter em mente que a sociedade contemporânea engloba novos


aspectos ao conceito de família. É o que afirma Vaitsman (1994, p. 19): “[...] o que
caracteriza a família e o casamento numa situação pós-moderna é justamente a
inexistência de um modelo dominante, seja no que diz respeito às práticas, seja enquanto
um discurso normatizador das práticas”.
A seguir, você pode ver os novos padrões familiares — com base na divisão feita
por Hintz (2001):

a) Família monoparental — o casal se divorcia ou se separa e um dos pais


assume o cuidado dos filhos;
b) Família reconstituída — o casal une os filhos de casamentos anteriores
com os filhos do atual casamento;
c) União consensual — primeira forma de união entre os casais;
d) Casal sem filhos por opção — o casal foca em outras áreas da sua vida e
não na questão da vinda de um filho;
e) Família unipessoal — a pessoa opta por ficar sozinha;

42
f) Associação — a família é formada por amigos sem grau de parentesco,
que não têm necessariamente um contato sexual, mas vivem juntos;
g) Casal de homossexuais — duas pessoas do mesmo sexo decidem
assumir uma relação estável.

Como você pode perceber, há diferentes formas de se reconhecer uma família.


Essa definição não implica determinado número de pessoas ou mesmo o sexo desses
componentes. Se uma pessoa opta por viver sozinha, ou se um casal opta por juntar seus
filhos no mesmo espaço, a ideia que está colocada é de que os membros da família se
sentem confortáveis com as relações familiares que definiram para si (BARROSO, 2018).
Agora, que tal avançar para compreender as possibilidades de constituição de
uma família em termos legais? Considere, por exemplo, a adoção. Há muitas crianças
que aguardam para serem adotadas nos abrigos e para quem o dia de encontrar seus
novos pais é o melhor dia de suas vidas. Desse modo, é relevante que você compreenda
esses novos padrões familiares que se estabelecem na sociedade contemporânea e
também que conheça a pertinência desses modelos, respeitando suas formas de
expressão (BARROSO, 2018).

15 FORMAÇÃO DA FAMÍLIA E SOCIEDADE

Na sociedade contemporânea, ocorrem cada vez mais adoções de crianças por


casais com diferentes orientações sexuais. Essa adoção pode se dar apenas por uma
pessoa, por um casal ou por um conjunto de pessoas que vivem juntas. Como você já
viu, para o conceito de família, é crucial é a noção de cuidado e proteção dos membros
envolvidos. A questão da adoção evidencia outros termos utilizados atualmente para se
definirem as novas formas familiares. Entre a gama de termos existentes, considere a
coparentalidade:

Trata-se de arranjos familiares criados por gays e lésbicas que se associam com
um parceiro do outro sexo para procriar, com ou sem relações sexuais, e criar a
criança assim gerada em sistemas variados de residência alternada. A
coparentalidade pode assumir múltiplas formas de acordo com o status conjugal
dos parceiros e com o papel reservado a cada um dos atores envolvidos na

43
elaboração do projeto. Assim, podemos ter situações onde um casal de homens
decide ter uma criança com um casal de mulheres, um casal de mulheres com
um homem solteiro (que pode ser homossexual ou heterossexual) ou ainda um
casal de homens com uma mulher solteira (que também pode ser homossexual
ou heterossexual) (TARNOVSKI, 2010, p. 2).

Com os novos padrões familiares, cabe à sociedade se adaptar e compreender


que as novas formas de se estar junto são tão legítimas como a família nucleada e
estabelecida por relações sanguíneas. Assim, mesmo que se tenha garantida a noção
de liberdade na Constituição Federal de 1988, é preciso readaptar as formas jurídicas
para que as novas famílias tenham seus direitos garantidos e possam viver com mais
tranquilidade e segurança jurídica. Nesse sentido, ainda há uma longa luta a ser
realizada, como explicita Scott (2004, p. 70):

Espaços novos e antigos abrem e alargam-se em torno da discussão de papéis


individuais, psicológicos e ideológicos na família, e questões sobre políticas
públicas, reprodução, gênero e sexualidade se tornam temas importantes,
forjados agora num linguajar de direitos internacionais e cooperação para a
criação de uma diversidade legítima sob a vigilância da ordem global. Procuram-
se direitos, definidos e (controlados) por meio de movimentos capazes de colocar
holofotes sobre as demandas dos seus participantes, e a família, devido à sua
própria diversidade, se torna uma arena para a negociação e realização desses
direitos, muito mais do que um sujeito de movimentos ou de investigação
próprios.

As pessoas que compõem esses novos padrões familiares ainda passam por
situações constrangedoras na sociedade em que vivem, como apontam Grosman e
Martínez Alcorta (2000, p. 132):

[...] atualmente estas famílias vivem seu acontecer cotidiano essencialmente no


marco privado, à margem da lei, com pautas institucionais adstritas só a alguns
integrantes do grupo. Se constituíram fora dos referenciais da família clássica e
sua situação pode ser qualificada como paradigmática, pois por uma parte sofrem
a desconfiança que nasce de “transgredir” o modelo “normal”, mas por outra são
aceitas, cada vez de maneira mais crescente, devido a sua força e magnitude.

Nesse sentido, cabe compreender que um dos grandes desafios


contemporâneos consiste em: “[...] respeitar a pluralidade de institutos e, por
consequência, a pluralidade de efeitos que, por certo, podem (e devem) ser diversos, sob
pena do aniquilamento da liberdade da pessoa e da sua própria dignidade humana”
(ANGELUCI, 2017, p. 73). Assim, com o acesso aos direitos, as famílias podem garantir

44
que sua geração tenha continuidade. Por último, como evidencia Scott (2010, p. 277), há
uma diferença que precisa ser destacada:

Famílias são compostas de gênero, geração, conjugalidade, sentimentos de


pertencimento, ideias de corresidência, cooperação solidária, autoridade, afeto e
subjetividade, entre outras coisas. Gerações são compostas de pessoas
entrelaçadas hierarquicamente por redes de parentesco e família, por pessoas
ligadas por pertencerem a categorias etárias e por pessoas cuja referência
temporal é algum evento ou ambiente histórico que unifica muitas pessoas
geralmente em referência a algum evento exterior à idade e ao parentesco. De
certa maneira, os usos, em horas diferentes, de ideias, de ciclos, de cursos e de
trajetórias, ao discutir gerações, reflete uma ascensão atual de subjetividades,
configurações fragmentadas e de noções diversas de tempo numa articulação
longa e variada de ideias forjadas de acordo com a polissemia e a mobilidade
dos objetos em investigação.

Portanto, como você viu, a sociedade está em transformação, e o conceito de


família acompanha as mudanças. É por isso que você também tem de se atualizar e
compreender os novos padrões familiares (BARROSO, 2018).

16 A CULTURA HUMANA E A CONSTRUÇÃO DO SER SOCIAL

Ainda antes de nascermos somos seres em relação com o mundo. Primeiro


somos gerados pelo imaginário materno, cultivados por meio da noção de mundo desse
imaginário. Logo ao nascermos, iniciamos nossa jornada social. Somos atravessados
pelas demandas familiares, somos frustrados por tais demandas ou temos sanado
nossos desejos. Ou seja, nos constituímos na relação com o mundo influenciado pelas
relações anteriores a nossa constituição (AZEVEDO, 2005).
O sujeito enquanto ser social reflete seu universo psíquico por meio do seu
comportamento, expressando sua subjetividade conforme seu modo de agir. Atravessado

45
por suas escolhas e implicações ao mesmo tempo em que se relaciona com o mundo
(AZEVEDO, 2005).
Genuíno, efetivo, autêntico, assim o ser social é captado e dialeticamente
integrado ao viver. Possui capacidade inerente de transmutar a própria natureza e a si
mesmo sincronicamente. Dessa forma, o ser social se constitui como ser criador, não
somente por sua capacidade de pensar, mas também por sua capacidade de agir de
forma consciente e racional (BARUS-MICHEL, 2004).
O ser social se constitui de acordo com sua natureza relacional, assim sendo, a
partir das relações com outros sujeitos, tomando para si a realidade vivenciada por
culturas anteriores ao seu existir. Desfruta da oportunidade de experimentar o manuseio
dos instrumentos e dos aprendizados cultivados pelas gerações anteriores, com o
objetivo de adaptar, aprimorar ou mesmo perpetuar os conhecimentos (AZEVEDO,
2005).
As relações sociais também são prévias e inerentes a todo sujeito. Por exemplo,
seu histórico familiar, a história do local em que vive os acontecimentos sociais, entre
outros, colocam o sujeito em constante movimento e transformação na construção do ser
social. O universo interior de todos os sujeitos se forma de acordo com questões
provindas da cultura humana, ou seja, muitas das formas de agir e pensar de todo sujeito
surgem de acordo com movimentos vindos de sua relação com o mundo e são
importadas para a estruturação do ser social (AZEVEDO, 2005).
Assim, o ser social está em constante formação por meio das relações sociais
provindas do tempo presente ou do passado. E se disponibiliza por meio da conexão com
sua própria subjetividade e com a subjetividade inerente às vivências sociais. Passa
adiante sua herança social em progressiva vinculação com o mundo exterior e com a
continuidade da movimentação da cultura humana (BARUS-MICHEL, 2004).

46
17 A SUBJETIVIDADE DO UNIVERSO PSÍQUICO E A RELATIVIZAÇÃO DOS
PAPÉIS SOCIAIS

Como vimos, o sujeito não está alheio aos preceitos sociais. Por estar em
constante movimento constitutivo, se disponibiliza subjetiva e intrinsecamente. Articula,
combina e se reinventa enquanto ser social, na busca por novas aprendizagens e modos
de viver.
Portanto, se aproximam reciprocamente os processos de constituição do
psiquismo e do ser social, por meio da subjetivação das experiências relacionais. Logo,
a dimensão afetiva está ativamente implicada na construção de ambos aspectos do
desenvolvimento do sujeito (AZEVEDO, 2005).
A personalidade é característica própria e singular de cada sujeito, constituindo
uma forma de sentir, pensar e atuar que o torna único e incomparável. Possui três fatores
que se entrecruzam em sua constituição: a estruturação genética básica, as influências
do meio e o modo como o sujeito interpreta os acontecimentos (AZEVEDO, 2005).
A estruturação genética básica se refere às características hereditárias herdadas
da família, como os aspectos físicos, a cor da pele, olhos e cabelos, e aspectos
emocionais, como tendência a oscilações de humor, fantasias e também transtornos
graves, como a esquizofrenia. As influências do meio se referem às contribuições das
relações sociais para o desenvolvimento do ser e o modo como o sujeito interpreta os
acontecimentos, utilizando suas ferramentas potenciais, reunindo as características
genéticas e o seu desenvolvimento social, relacionando de uma forma ao instrumentalizar
para uma melhor fluência do seu modo de viver (AZEVEDO, 2005).

47
A personalidade tem seu início estrutural ainda no útero materno. A maneira
como a mãe sente e reage sobre a gestação começa a contribuir para a formação da
personalidade. Ainda nos primeiros anos de vida, a criança se constitui enquanto sujeito,
atribuindo sentido e relacionando seu existir no mundo. O modo como o mundo se
apresenta para a criança, no início com a representação da família, seguida da escola e
das demais relações sociais, vai definir o desenvolvimento da personalidade da criança
(AZEVEDO, 2005).
Vygotsky e Alexander (1996) referem sobre uma personalidade social construída
conforme as relações ao longo da existência do sujeito. Dessa forma, podemos
compreender que a constituição e formação da personalidade é atemporal, pois se
desenvolve de acordo com o viver de cada ser.
Todas as relações, vivências e percepções do mundo que nos rodeia atribuem
significado, influenciando significativamente na formação da personalidade. E esta se
coloca na seleção e atuação dos papéis sociais, conforme afinidade e preferências únicas
a cada ser social (AZEVEDO, 2005).
Sendo os papéis sociais criativos, estão implicados a vivenciar fenômenos
transicionais, e dessa forma criam uma flexibilidade de atuação. Tanto a história
individual, como os afetos, os valores e a posição que o sujeito ocupa colaboram para a
constante formação e desenvolvimento das subjetividades do universo psíquico, assim
como refletem a relativização dos papéis sociais (LEONTIEV, 1998).

48
18 PROCESSOS CONSTITUINTES DO SER POR MEIO DO SOCIAL

Em um processo lento e atravessado por múltiplos fatores, o sujeito se constitui


progressivamente e de maneira não linear, desde sua formação biológica até seu
posicionamento enquanto ser social. Influenciado por sua hereditariedade histórica,
compreende formas diversas de ser, pensar, se comunicar e agir (AZEVEDO, 2005).
Desde a necessidade de manutenção da sua existência, em meio a luta para se
manter vivo e protegido, assim como a sua família, o sujeito se adapta ao meio em que
vive e ainda promove transformações propagando adaptações. É em meio a esse
movimento que os sujeitos adquirem um “corpo social”, implicado no desenvolvimento de
capacidades especificas para a sobrevivência social (MORIN, 1999).

Até mesmo o desenvolvimento de aptidões motoras, a complexidade da


linguagem, a afinação dos sentidos como visão, audição, olfato, gustação, tato e
principalmente a propriocepção, que é a capacidade de perceber, interpretar e reagir a
acontecimentos de acordo com as sensações percebidas em seu corpo orgânico, são
processos desenvolvidos a partir do viver social. É possível afirmar que nossas
habilidades são melhores, ou menos estruturadas, de acordo com nossa participação e
implicação como seres sociais (AZEVEDO, 2005).
Da mesma forma, pensamentos, sentimentos, emoções e desejos são
compostos diante das relações sociais. Apropriando-se da realidade, por meio das
relações com os demais seres sociais, os sujeitos se apropriam da oportunidade do

49
encontro para afinar seu modo de ser e acabam, muitas vezes, constituindo novos modos
(AZEVEDO, 2005).
Podemos dizer que o desenvolvimento orgânico, moral e emocional são
instrumentos, ferramentas para a constituição e articulação do ser social. Cada sujeito
escolhe a forma como manuseará cada instrumento e quais passará adiante, dando
continuidade, dessa maneira, ao fluxo constante de construção de si e de outros seres
sociais (AZEVEDO, 2005).
Assim se dá a constituição do ser por meio do social, em um movimento
constante de apropriação, trocas e afinações. Algumas conexões promovem mudanças
mais profundas e podem tocar com profundidade a constituição do ser, como grandes
tragédias e perdas, que podem ser distantes, próximas, coletivas, individuais, reais,
eminentes, por exemplo, em questões relacionadas à segurança, com o aumento da
criminalidade, devido a furtos, assaltos, latrocínios e assassinatos, ou só existentes no
imaginário de cada sujeito. Outras mudanças podem acontecer sutilmente, sem que
exista uma reflexão sobre algum ocorrido, mudança de hábitos ou preferências, como
ocorre, por exemplo, com a diminuição da necessidade de sono ao longo dos anos
(AZEVEDO, 2005).

19 OS CONCEITOS DE ESTADO, MERCADO, PÚBLICO E PRIVADO

A partir do momento em que os seres humanos passaram a viver em grupos e a


conviver coletivamente, surgiram diversas formas de se organizar socialmente. Uma
delas perdura até hoje em diferentes sociedades ao longo do tempo e do espaço: o
Estado. Mas qual é a causa disso?
Segundo diversos estudiosos, o homem vive em sociedade pois sente a
necessidade de estar sob a responsabilidade e a ordem de um poder superior e
direcionador das decisões na vida em geral. A noção de Estado pode ser vista sob
diversas doutrinas. Assim, é impossível abarcar todo o entendimento de uma instituição
tão rica e complexa (BARRETO, 2019).
Diversos autores pensaram a formação do Estado. Entre os pensadores
clássicos da teoria do Estado, você pode considerar: Hobbes (1983), Locke (1999) e
50
Rousseau (1999). Para eles, valores como a igualdade e a liberdade, característicos da
burguesia nascente no século XVI, eram essenciais para regular a vida em sociedade. O
Estado nacional, para eles, deveria reger a vida do cidadão, que teria deveres e direitos
perante a sociedade (BARRETO, 2019).
Maquiavel (1469–1527) defendia que os seres humanos buscavam um tipo de
organização que fosse capaz de controlar os impulsos dos homens e seus maus
sentimentos. Em sua obra O príncipe, ele defende que só o príncipe teria capacidade de
impor a ordem na sociedade, para que o equilíbrio fosse mantido. Quando o estado de
equilíbrio fosse ideal, os homens poderiam passar pelo processo de transição para a
República (MAQUIAVEL, 1990).
Já Thomas Hobbes (1588–1679) defendia que o ser humano vivia em “estado de
natureza”, lutando pela sua sobrevivência e em constante conflito. A instituição Estado
surge como forma de evitar esse permanente estado de guerra. Os homens fizeram um
contrato para garantir a paz. Nesse contrato, eles aceitam que haja um poder soberano
na figura de um só homem e que os subordinados se submetam à vontade desse
poderoso, que tem o papel de garantir o respeito às leis, para a sobrevivência de todos.
Nesse caso, Hobbes (1983) se referia ao poder do rei no Estado absolutista.
Por sua vez, John Locke (1632–1704) acreditava que os homens decidiram de
livre escolha ter um poder que os governasse, com a finalidade de preservação da
espécie, defendendo os interesses e direitos que detinham no “estado de natureza”.
Contudo, não há desordem no estado de natureza, sendo que o contrato é realizado para
garantir os direitos dos homens. Esses direitos dizem respeito ao direito à vida, à
propriedade privada e à liberdade, que são garantidos pelo conjunto de leis. O modo de
governo é escolhido pela decisão da maioria. Se os direitos não forem preservados, o
povo pode se rebelar contra o governante. O poder, segundo Locke (1999), tem de ser
legitimado pelo povo.
Jean-Jacques Rousseau (1712–1778), em seu livro O Contrato Social, afirma
que os homens escolheram ser livres para controlar seus impulsos, saindo do “estado
natural” e crendo na garantia de liberdade e propriedade imposta pela lei. O homem é
livre por meio do contrato, das leis. Isso pode parecer contraditório, no início, mas os
seres humanos são atores responsáveis pela criação e pela obediência às leis que criam,
51
sendo seus agentes e receptores. Eles criam as leis e as obedecem, havendo uma
relação recíproca entre a liberdade e a obediência.
O homem era bom no estado de natureza, mas o desenvolvimento da civilização
o corrompeu, por meio da divisão desigual da propriedade e do trabalho. Dessa forma, o
Estado surge para manter o equilíbrio e a ordem e para evitar a desigualdade. O ser
humano cedeu parte de seus direitos naturais para um poder superior, realizando uma
vontade geral. Há uma transferência de poder da sua liberdade para essa instituição. É
por meio da razão que a sociedade realiza o contrato social. Esse contrato legitima a
ordem política em que todos são iguais perante a lei. Os indivíduos estão sob a égide do
Estado. Para esse contrato, qualquer forma de governo se faz secundária, desde que se
submeta à soberania popular. O governo é funcionário do povo (BARRETO, 2019).

O Estado está sempre em evolução. Ao longo da história, ele vem adquirindo


diferentes formas e tipos, com características e elementos singulares. Assim, passa do
poder centralizado em única pessoa até o poder que representa uma coletividade
(BARRETO, 2019).
O Estado moderno surge na Europa, com a queda do feudalismo (séculos V a
XV). Nesse período, o poder estava no domínio dos senhores feudais, que tinham o
controle das terras e de toda a sociedade europeia. A revolta dos camponeses, a recusa
ao pagamento das obrigações feudais, a expansão das cidades medievais e do comércio
aceleraram a extinção dos feudos. Também houve, a partir do século XIV, a crescente
concentração do poder na mão do monarca. Ele passou a concentrar a cobrança de
impostos e o comando do exército, exercendo monopólio da violência. Além disso, houve

52
o desenvolvimento de uma burocracia administrativa do patrimônio público (portos,
estradas, saúde, educação, transportes) (BARRETO, 2019).
O processo de centralização e concentração desses poderes formou o Estado
moderno, entidade que se apresenta de diferentes modos até a atualidade. Com o
desenvolvimento do capitalismo, houve a formação dos Estados nacionais modernos,
com instrumentos políticos que auxiliam no governo dos indivíduos e grupos dentro do
território. Surgem então instrumentos baseados em sistemas de leis, códigos e normas
sociais e no uso da força, com o objetivo de pôr em prática as políticas estatais. Mas,
para além do uso da força, para ser legítimo, um Estado precisa exercer seu poder por
meio de uma ideologia, de uma visão de mundo que abarque toda a sociedade
(BARRETO, 2019).
O Estado, como organização política e econômica, vem se apresentando de
diferentes formas na história da humanidade ao redor do planeta. A seguir, você vai
conhecer as principais.
O Estado liberal ou liberalismo surgiu como teoria econômica e foi se firmando
como política econômica a partir do século XVIII, em contraposição ao Estado absolutista
na Europa, que detinha o poder na figura do rei, principalmente o poder econômico. O
crescimento do capital industrial e a implantação do trabalho assalariado foram
essenciais para o desenvolvimento industrial (BARRETO, 2019).
O Estado liberal se apresentou como um representante da sociedade, como
garantidor da ordem. Para essa política econômica, o Estado não deve interferir nos
interesses privados dos indivíduos e somente garantir a segurança para que os membros
possam exercer livremente suas funções e atividades na estrutura social. Deve tratar da
coisa pública de interesse comum, como estradas, portos e, nos dias atuais, saúde e
educação. Como o surgimento do Estado liberal, firmou-se a separação entre a esfera
pública e a esfera privada (BARRETO, 2019).
Do ponto de vista político, o Estado defende a soberania popular, que tem como
principal expressão as eleições. Por meio da democracia representativa defendida pelos
liberais, os indivíduos podem escolher seus representantes.
O liberalismo tem como valores o individualismo, a propriedade privada e a
liberdade. A seguir, você vai conhecer cada um desses princípios (BARRETO, 2019).
53
 Individualismo: põe no esforço individual a responsabilidade pelo
sucesso, por meio de méritos e independentemente das condições
econômicas e sociais nas quais os indivíduos estejam inseridos.
 Propriedade privada: todos os membros da sociedade têm direito à
propriedade a partir do momento em que se esforçam e trabalham para
tal. A igualdade se configura como forma jurídica e não como igualdade
social, pois todos são iguais perante a lei. Portanto, é “natural” que existam
pobres e ricos, pois cada um tem posses adquiridas de acordo com seu
méritos, talentos e esforços individuais.
 Liberdade: segundo a teoria do liberalismo, o Estado não deve interferir
na economia. Um dos pensadores fundadores dessa teoria foi o
economista Adam Smith (1723–1790), que defendia a ideia de laissez-
faire (deixar fazer, deixar passar). Está em jogo a visão de que a economia
não deve ser regulada pelo Estado, mas por si própria, pela mão invisível
do mercado. O mercado é autorregulável e precisa ter liberdade para
produzir e circular os seus produtos, a fim de garantir o progresso e o
desenvolvimento das empresas e das nações.

No decorrer do século XX, o Estado liberal foi caindo em declínio em decorrência


das condições sociais e econômicas da época. Surgiram conflitos de interesses de
diversos grupos e classes sociais. Essa forma de Estado também não conseguiu
promover a estabilidade e a ordem econômica que tanto pregava por meio da mão
invisível do mercado. Surgiram novas linhas de pensamento econômico que começaram
a ter poder de influência sobre os Estados (BARRETO, 2019).
Na segunda metade do século XX, depois do final da Segunda Guerra Mundial
(1941–1945), uma nova forma de Estado se consolidou, denominada Estado de bem-
estar social. Essa forma de Estado é fundamentada na teoria do inglês John M. Keynes,
mais especificamente em seu livro Teoria geral do emprego, do juro e da moeda. Tal
teoria foi chamada de keynesianismo.
Para Keynes (1985), o Estado deveria regular a economia, intervindo nas
atividades produtivas para garantir a produção de riquezas materiais e reduzir as
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desigualdades sociais. Também deveria promover a vida social, política e econômica do
país, garantindo serviços públicos por meio de políticas de promoção social. Nesse tipo
de Estado, os cidadãos têm direitos adquiridos de acessar bens e serviços que promovam
uma boa qualidade de vida, como educação, assistência médica gratuita, auxílio
desemprego, renda mínima, habitação, seguridade social. Os Estados de bem-estar
social cresceram na Europa em países como Grã-Bretanha, Suíça, Noruega e
Dinamarca.
Houve, porém, uma crise do Estado de bem-estar social no final dos anos 1960,
relacionada à economia capitalista. A crise foi gerada pela dificuldade de se conciliarem
os gastos públicos com o crescimento do capitalismo. As despesas dos governos
aumentaram significativamente em relação às despesas, gerando uma crise fiscal.
Surgiram conflitos entre as classes trabalhadoras e os donos dos meios de produção. Na
Inglaterra, a primeira ministra Margaret Thatcher iniciou o processo de desmonte do
Estado de bem-estar social adotando políticas neoliberais, como a privatização de
empresas públicas, o que foi reproduzido em outros países ao longo dos séculos XX e
XXI (BARRETO, 2019).
O neoliberalismo é fruto da união de duas visões de escolas da economia no
final dos anos 1940. A escola austríaca aparece no fim do século XIX, liderada por
Leopold von Wiese, tendo como seguidor Friedrich Von Hayek. Este último era contrário
à política intervencionista e assistencialista do Estado, que se apresentava na época
como a política keynesiana e o Estado de bem-estar social. A outra escola foi a escola
de Chicago, capitaneada por Milton Friedman, que criticava a política do New Deal nos
Estados Unidos (1933–1945), apoiadora dos sindicatos e interventora na economia.
Em 1947, na Suíça, houve o encontro de um grupo de intelectuais que se
opunham ao Estado de bem-estar social. Um dos seus principais idealizadores foi
Fredrich Hayek. Nos Estados Unidos, a concepção neoliberal foi defendida por Milton
Friedman. Segundo ele, o mercado deve servir como estrutura para que a sociedade se
organize. Essa ideologia prega a diminuição do papel do Estado na economia. Para
Friedman, o Estado deve ter um papel restrito e minimizar a sua responsabilidade social,
deixando para o mercado algumas das suas funções (BARRETO, 2019).

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A visão neoliberal prega a desregulamentação da economia e a privatização das
empresas estatais, como indústrias de base, administração de estradas e portos, setores
energéticos e até setores como saúde e educação. O Estado deveria enxugar a máquina
pública e diminuir os gastos com políticas sociais. Essas medidas estimulariam a
diminuição dos impostos e a produção econômica (BARRETO, 2019).
O mercado, segundo o neoliberalismo, tem de ser livre, sem interferência do
Estado. Essa política econômica teria como consequência o aumento da produção e,
com isso, a geração de emprego e de renda, com efeitos positivos para a sociedade. A
partir da década de 1980, a política do neoliberalismo foi aplicada no Reino Unido, no
governo de Margaret Thatcher, e nos Estados Unidos, no governo de Ronald Reagan
(BARRETO, 2019).

SAIBA MAIS
A seguir, você pode conhecer melhor os fundamentos do neoliberalismo (PINTO,
2019):

 Papel do Estado: o Estado não deve interferir na economia, devendo ser


enxuto. Ao aplicar políticas fiscais e tributárias para resolver problemas
sociais, ele gera inflação e desajustes econômicos. O neoliberalismo tenta
anular o poder dos sindicatos, como ocorreu no Reino Unido a partir dos
anos 1980, assim como diminuir os tributos fiscais sobre as fortunas e
lucros. O Estado, ao aplicar políticas sociais, realiza práticas
assistencialistas em uma espiral sem fim, onerando investimentos e
fortunas, pois as necessidades de qualidade de vida e bem-estar nunca
acabam.
 Função do Estado: o Estado deve se limitar a promover a segurança
interna e externa. Deve diminuir os gastos com pessoal, limitando o
número de funcionários públicos.
 Mercado: o mercado deve ser, por si só, o regulador da economia, pois
tem suas leis próprias, controlando a subida e a descida dos preços, a
demanda e a oferta, estimulando as atividades produtivas. O
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empreendedor, por meio dos seus méritos, é premiado, e quem não se
adapta ao mercado é eliminado. Qualquer forma de controlar o mercado é
um erro, pois ele tem suas próprias leis e seu próprio ritmo.
 Regime político: o neoliberalismo se coaduna com regimes que
defendem a propriedade privada, independentemente de estar em jogo
uma democracia ou uma ditadura. Ele foi aplicado tanto no regime
democrático parlamentar inglês do governo de Margaret Thatcher quanto
na ditadura de Pinochet no Chile.

20 A RELAÇÃO PÚBLICO-PRIVADA

As políticas públicas podem ser definidas como a soma das ações


governamentais do Estado, de forma direta ou indireta, realizadas por meio dos seus
agentes. Elas têm poder de influência significativo na vida dos cidadãos. Platão e
Aristóteles, pensadores clássicos gregos, já se questionavam sobre o que era um bom
governo e qual seria o melhor Estado para garantir um bom governo para o povo. As
políticas públicas regulamentam as atividades do governo direcionadas ao interesse
público. Como exemplos, você pode considerar as políticas de saúde, educação,
saneamento básico, etc. (BARRETO, 2019).
A noção de política pública só ganhou importância ao longo do século XX, depois
das duas guerras mundiais, com o declínio da visão do Estado liberal. Para o liberalismo,
o Estado deveria se limitar a promover a segurança dos indivíduos e do território, não
interferindo na economia, etc. Houve também um movimento pela defesa dos direitos
humanos, políticos e sociais a partir dos anos 1930. Assim, o Estado passou a ser um
provedor de bens e serviços direcionados ao público (BARRETO, 2019).
Contudo, na década de 1980 e ao longo dos anos 1990, ocorreu uma crise fiscal
do Estado a nível internacional. Defensores do neoliberalismo acusaram a intervenção
do Estado como causa da crise de produtividade e do lucro dos capitais, defendendo o
Estado mínimo e a privatização de empresas em diversos países. Foi o que aconteceu
no Brasil nos anos 1990 com o setor de telecomunicações. Ocorreu a reforma do
aparelho estatal, aproximando o setor público do setor privado. Surgiram parcerias
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público-privadas e entre organizações públicas não estatais. Segundo os defensores do
neoliberalismo, os gastos com as políticas públicas, sobretudo as sociais, tenderiam a
desequilibrar o mercado com altos gastos e tributos (BARRETO, 2019).
O setor público adotou critérios de avaliação do setor privado, como eficácia,
eficiência, metas a cumprir e prazos, controle de custos e produção. Também ocorre a
participação dos cidadãos por meio de conselhos, a descentralização progressiva do
poder estatal por meio da influência de organizações não governamentais (ONGs) e
organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips), bem como a introdução
de mecanismos de regulação (BARRETO, 2019).
A participação de grupos e indivíduos, como associações, instituições, enfim,
cidadãos com o objetivo de monitorar e avaliar as políticas públicas, tem como finalidade
modificar e direcionar o destino dos gastos públicos. A ampliação da participação popular,
com novos atores sociais, promove a escolha de novas possibilidades no processo de
decisões governamentais (BARRETO, 2019).

21 CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DA BUROCRACIA ESTATAL E SEUS


REGULAMENTOS LEGAIS

Quando se fala em burocracia no Brasil, fala-se logo em lentidão dos processos,


morosidade, uma papelada gigantesca de documentos a serem preenchidos. O
significado do termo “burocracia” é deturpado e visto de forma pejorativa. Contudo, essa
é uma maneira distorcida da burocracia, um problema no sistema, pois a burocracia vai
muito além disso (BARRETO, 2019).
A burocracia se configura como um mecanismo de poder administrativo que está
presente em várias instituições: escola, empresa, Estado, etc. Ela está intrinsecamente

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envolvida em um processo de racionalização da modernidade. No processo de
racionalização, as pessoas têm uma ação instrumental em relação a si mesmas, aos seus
semelhantes, enfim, ao mundo ao redor, com o objetivo de defender seus valores ou
interesses (BARRETO, 2019).
Na sociologia, Max Weber foi o autor que primeiro tratou desse tema. Seus
estudos serviram de base para outros estudiosos de diversas escolas acadêmicas. Ele
desenvolveu os princípios da burocracia. A burocracia, segundo ele, se baseia na
racionalidade. Weber faz uma análise da racionalização na transição da Idade Média para
a Idade Moderna. Para ele, há um desencantamento do mundo estruturado no
utilitarismo, substituindo as interações sociais que eram fundamentadas na tradição.
Surge a racionalidade instrumental-legal, que transforma as relações na sociedade,
solidificando a burocracia no processo histórico-social do sistema capitalista moderno
(WEBER, 1982).
Weber (1982) afirma que existe uma superioridade técnica da burocracia no
capitalismo sobre qualquer outro modo de organização. O sistema burocrático possui
formas específicas de funcionamento, regidas sob jurisdições fixas e oficiais, leis e
normas da administração. Ele impõe relações de autoridade, definidas por normas que
geram coerção e consenso.
Houve uma expansão do capitalismo a partir do século XVI e,
consequentemente, as organizações foram se tornando mais complexas. Novas funções
surgiram dentro das empresas, com o aumento do quadro do pessoal. Nas relações
burocráticas, há uma hierarquia entre a autoridade dominante e os subordinados. As
ordens estão fundamentadas em preceitos legais, e os subordinados aceitam essas
ordens por reconhecerem a sua legitimidade (BARRETO, 2019).
A burocracia envolve diversas organizações na sociedade contemporânea: o
Estado, a empresa, os hospitais, as escolas, etc., perpassando a maioria dos setores
sociais. O governo de um Estado baseia-se em preceitos burocráticos. As leis são tidas
como legítimas pelo povo, que crê que são criadas para defender os interesses gerais e
o bem comum. No caso do Estado, estão em jogo as normas e leis escritas pela classe
política (BARRETO, 2019).

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Os funcionários devem, portanto, seguir as normas e regulamentos escritos. Os
documentos conduzem o comportamento e as tarefas das pessoas. Ocorrem
treinamentos para os diferentes cargos devido à especialização das ocupações que estão
englobadas na profissão. As tarefas de um trabalho são transformadas em profissão, que
pode ser realizada pelo trabalhador formado e especializado. As atividades são
delimitadas pela formação de cargos estáveis. Os cargos são impessoais e podem ser
transitórios (BARRETO, 2019).
A posição do funcionário é relacional, isto é, é comparada com as dos outros
membros na sociedade. Estes recebem salários que são regulares em troca do trabalho
exercido; salários definidos de acordo com as atividades realizadas, pela posição na
hierarquia da empresa e por sua especificidade. Há a criação de carreiras dentro das
instituições (BARRETO, 2019).
Com a racionalização do processo administrativo, a burocracia busca a
eficiência, o perfeito funcionamento das organizações. Para que isso aconteça, faz-se
necessário o detalhamento das atividades e metas a serem alcançadas, evitando a
impessoalidade. A forma de comunicação é predominantemente escrita e as regras estão
geralmente estabelecidas e escritas em um documento com caráter formal (BARRETO,
2019).
Ocorre também uma divisão do trabalho. Cada pessoa tem sua função na
instituição, exercendo seu cargo e tendo suas atribuições, por meio de suas
competências e habilidades. Cada funcionário tem suas responsabilidades e posição
hierárquica a fim de realizar seu trabalho de forma racional e produtiva. Há uma
especialização de cargos e uma divisão de tarefas a fim de cumprir metas (BARRETO,
2019).
Enfim, você pode considerar como elementos essenciais do sistema burocrático:
a hierarquia e a divisão do trabalho; o poder de uma autoridade; a especialização do
trabalho; a impessoalidade das relações na organização; as comunicações
documentadas por escrito e formalizadas. O sistema burocrático tem um aspecto de
racionalidade por intermédio de normas, instrumentos, finalidades e objetivos (WEBER,
1982).

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Ao analisar os estudos de Weber, Tragtenberg (1974) afirma que ele vê a
burocracia como uma forma de poder, em que a burocracia se iguala à organização. O
sistema burocrático é estruturado na racionalidade, formado na divisão do trabalho, tendo
como princípio os fins. Com o aumento da especialização, há o fortalecimento da
burocracia. Cada profissão delimita as capacidades dos trabalhadores; estes precisam
de um saber especializado, que deve servir à organização.
O funcionário pode, a qualquer momento, ser substituído por outro mais
especializado e que atenda às finalidades da organização. A cultura e a ideologia da
empresa, as técnicas e tecnologias, os métodos e sistemas de controle, os protocolos e
regras hierarquias direcionam e envolvem todo o sistema administrativo e de produção
nas instituições, da base até a hierarquia superior (BARRETO, 2019).
Tragtenberg procura ir além, fazendo uma crítica mordaz a qualquer forma de
poder, de autoridade, de burocracia e de modos de dominação. Segundo ele, o Estado é
o representante legal e legítimo da burocracia. Assim, o Estado possui papel
prepoderante e promove uma estrutura social que se organiza baseada em um processo
de racionalidade legal, defendendo os interesses capitalistas (TRAGTENBERG, 1989).
Ele funciona como um aparelho de repressão e coerção.

22 AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS E O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO

Quando você nasceu, encontrou um mundo pronto. Sua família o acolheu e você
conheceu pessoas com quem se relacionou. Com o tempo, você foi aprendendo sobre o
ambiente ao seu redor, aprendeu a falar e a andar. A cada etapa de desenvolvimento,
seguiu aprendendo mais coisas sobre a vida (BARRETO, 2019).

61
Anos depois, você foi para a escola e conheceu novos amigos e seus
professores. Um mundo novo se descortinou. Sua família talvez tenha o levado à Igreja
e lá você também aprendeu sobre crenças, valores e normas que você deve seguir para
se relacionar no mundo. Logo, à medida que você cresce, descobre que há em todos os
grupos códigos de conduta que a sociedade vê como essenciais para as práticas
cotidianas (BARRETO, 2019).
Esse processo de conhecimento e interação com o mundo se denomina
socialização. Ao se socializar, você vai interiorizando normas, papéis, padrões de
comportamento, hábitos e valores que serão fundamentais para a sua atuação no mundo.
Esse conjunto de regras e padrões de comportamentos é elaborado pela sociedade,
aprovado e tem muita importância social (BARRETO, 2019).
A época histórica influencia muito processo de socialização. A socialização dos
indivíduos no século XV era diferente daquela das pessoas do século XXI, que são
intensamente envolvidas pelo desenvolvimento tecnológico em seu cotidiano. Também o
processo de socialização é diferente em épocas de guerra em relação a épocas de paz.
Esse processo tanto pode ocorrer formalmente, por meio de instituições sociais, como a
igreja e a escola, como pode ocorrer de maneira informal, por meio da família, da
interação com as pessoas do bairro, da cidade, etc. (BARRETO, 2019).
As principais instituições sociais são: a família (sendo a primeira instituição em
que o indivíduo se relaciona), a igreja, o Estado, entre outras. Elas têm como objetivo
satisfazer as necessidades do ser humano, dos grupos nos quais ele se insere e é
inserido. Elas têm o poder de promover a coesão social dos grupos por meio dos valores
e padrões de comportamento. Contudo, cada instituição cumpre uma função ou papel
social e tem sua missão baseada em seus próprios valores; está intrinsecamente
envolvida na manutenção e em processos de mudança na estrutura. Além disso, é
duradoura, direciona a conduta dos seres humanos (BARRETO, 2019).
A escola moderna surgiu no final do século XVI e foi se estabelecendo ao longo
do século XVII. Anteriormente, nas sociedades antigas e da Idade Média, os jovens
estudavam sob a tutela de um mestre, ou estudavam em grupos pequenos, sem
diferenciação de idade ou série. A instituição escolar moderna se diferencia pela
separação dos alunos em classe seriada, conforme a idade, com a divisão dos programas
62
de ensino conforme as séries: básico, médio, superior; escolas profissionalizantes,
técnicas e superiores. O ritmo de aprendizado é instituído pela escola; há o registro de
aulas, a frequência é controlada, surgem livros didáticos. O controle se dá por meio da
disciplina, de um conjunto de regras de comportamentos. A ideia é garantir a perfeita
organização e a disciplina das mentes e corpos dos estudantes (BARRETO, 2019).
Com o surgimento de um novo sistema de produção, a partir do século XVI (o
capitalismo), a burguesia, classe social detentora do capital, concebeu uma nova
ideologia para o capitalismo, o liberalismo. A partir do século XVI, emerge outro
movimento social na Europa, que modifica consideravelmente o pensamento científico: a
revolução científica. Ocorre um potencial crescimento da ciência, da filosofia, da física,
da química e da matemática, havendo a valorização do pensamento racional e científico,
que se separa da teologia e passa a ser mais prático. René Descartes (1596–1650) foi o
fundador dessa teoria.
Há uma relação de afinidade entre o pensamento liberal, a racionalidade e o
aparecimento da escola moderna. A escola foi criada para formar “um novo homem”, que
se adeque às regras e fundamentos da sociedade racional e capitalista. Ela surge em um
momento de ascensão da ciência, de desenvolvimento do capitalismo e do liberalismo.
Tem como papel regular e disciplinar a nova classe trabalhadora que surge com o
capitalismo (BARRETO, 2019).
Para Foucault (1983), as instituições sociais servem como mecanismo de
controle das ações humanas. A escola, segundo ele, teria uma função de disciplinar os
indivíduos para a vida em sociedade. Ele comparou diversas instituições — como escola,
prisões, quartéis e conventos — com o objetivo de identificar as semelhanças e
diferenças entre elas no que diz respeito à sua organização e a como ocorre o controle
social. Segundo ele, além do poder central, há micropoderes, que são pequenas formas
de poder que envolvem o âmbito social e se espalham nos grupos dos quais as pessoas
fazem parte. Por isso elas não se dão conta desses poderes. E, por meio de objetos, de
normas, de formas de comportamento de vigília, de locais físicos, de modos de punições,
esses poderes conseguem controlar e disciplinar os corpos e as mentes, tornando os
seres humanos disciplinados, docilizados e obedientes.

63
As instituições, portanto, têm poder de coesão, mas também de coerção de
disciplina. Considere o sistema penal, por exemplo. Caso o indivíduo cometa um crime,
é julgado pela instituição que tem essa competência — o sistema judiciário, que lhe impõe
a pena a ser cumprida. O indivíduo é separado do convívio social e preso, devendo
cumprir pena para depois se reintegrar à sociedade (BARRETO, 2019).
O desenvolvimento científico e tecnológico, que se acelerou a partir da
Revolução Industrial, trouxe inúmeras mudanças na vivência social da humanidade nos
últimos séculos. Com o progresso da ciência, diversas enfermidades foram
diagnosticadas e tratadas; novos maquinários e instrumentos eletroeletrônicos e
eletrodomésticos modificaram significativamente o cotidiano dos indivíduos (BARRETO,
2019).
O surgimento de novas máquinas, como o computador, a televisão, o celular, o
smartphone, e o desenvolvimento dos meios de comunicação, como o fax, o telégrafo e
posteriormente a internet, transformaram profundamente as relações sociais em nível
mundial. Isso gerou um processo de globalização de costumes, encurtamento de
fronteiras e aumento da velocidade das informações, que hoje correm em tempo real.
Como você sabe, um novo mundo surge a cada instante por meio do desenvolvimento
científico e tecnológico (BARRETO, 2019).
A igreja também tem papel fundamental na vida do indivíduo, na construção de
normas e valores de conduta para a formação do seu caráter. A família geralmente possui
papel influenciador na escolha da religião (BARRETO, 2019).
Goffman (1987), ao estudar a interação social em manicômios, prisões e
conventos, classificou essas instituições como: instituições com a finalidade de cuidado
de pessoas consideradas incapazes e inofensivas; instituições que cuidam de pessoas
incapazes de cuidado próprio, mas que também são uma ameaça à sociedade, como os
sanatórios, hospitais para doentes mentais; instituições que protegem a comunidade
contra as intenções de indivíduos de má índole, como as prisões, cadeias, penitenciárias
e instituições que têm o fim de realizar alguma atividade de trabalho, como quartéis,
escolas internas, campos de trabalho; e instituições que são tidas como refúgio e local
de instrução religiosa, como os conventos, mosteiros, etc.

64
Essas instituições têm em comum o fato de possuírem uma autoridade central.
Nelas, as tarefas são realizadas na presença de outras pessoas, tratadas igualmente e
com a mesma exigência. Também há horários rígidos a serem respeitados na realização
das tarefas. Além disso, as tarefas são planejadas com o intuito de atender aos fins
oficiais das instituições (BARRETO, 2019).

23 IMPORTÂNCIA DA RELIGIÃO EM TEMPOS DE CETICISMO E IMEDIATISMO

Diante das alterações que temos sofrido nas diversas áreas sociais, tendemos à
abertura ou à resistência. Durante muito tempo, o jornalismo, a psicologia, a educação e
outras áreas tentaram, e ainda tentam resistir às transformações da sociedade com o
crescimento e a evolução das tecnologias, das mídias e do capitalismo (SILVA, 2021).
Alvin Toffler (2005), ao discutir sobre os impactos das tecnologias na sociedade,
retoma a historicidade dos sistemas de produção ao longo do tempo, subdividindo-a em
três ondas:

1. Agrícola,
2. Industrial;
3. Tecnológica digital.

Para o autor, vale ressaltar, são os modos de produção de riqueza que


estruturam a sociedade, e não o contrário (SILVA, 2021).
Nesse sentido, podemos constatar que as alterações sofridas pela sociedade
contemporânea advêm das mudanças proporcionadas pelo capitalismo, que, ao criar as

65
tecnologias, oferece o lastro fecundo para o crescimento da era tecnológica, e, ao mesmo
tempo, constrói um cenário propício para que essas criações se tornem estruturadoras
de novas subjetividades, relações e identidades institucionais (SILVA, 2021).
A produção capitalista tem criado produtos e serviço maneira tão frenética que
essa lógica da novidade constante passou a estruturar as relações sociais e econômicas,
construindo desejos e necessidades nos indivíduos, imbuídos pelas lógicas do
individualismo e hedonismo, para os quais buscam resoluções imediatas. Soares Neto
(2012) aponta que os indivíduos estão rodeados por coisas que provocam grandes
encantos e fascínios, estando “[...] sempre em busca por novos produtos, novas
experiências, por um consumo imediatista diante do atual panorama da sociedade e
alimentados por uma economia pronta para saciá-los” (SOARES NETO, 2012, p. 113).
Essa retroalimentação entre a dinâmica de produção e constituição subjetiva dos
consumidores contorna o cenário da mercantilização e da sociedade do consumo, no
qual tudo se torna mercadoria e tudo que é consumido torna-se imediato e fluido. Os
consumidores são marcados por uma necessidade de satisfazer aos seus desejos de
maneira imediata (SOARES NETO, 2012).
Nesse cenário, consta-se o que Lipovetsky e Serroy (2011) chamaram de
mercantilização da cultura e cultura da mercantilização, conjuntura que tem transformado
tanto os modos de existência quanto a vida sociopolítica. Ademais, nesse processo,
novas questões individuais e coletivas são postas, já que há uma cultura-mundo que
globaliza não apenas as evoluções, mas também os medos e os desnorteamentos.
Assim, a contemporaneidade vem sendo marcada por lógicas que colocam ainda
mais em xeque os grandes sistemas institucionais e as noções normativas gerais. Para
Lipovetsky e Serroy (2011, p. 17):

Com a cultura-mundo, aumentam a tomada de consciência da globalidade dos


perigos, um sentimento de viver em um mundo único feito de interdependências
crescentes. Na era hipermoderna, afirma-se a cosmopolitização dos medos e das
imaginações, das emoções e dos modos de vida.

As relações sociais são atravessadas pelos medos próprios desse cenário de


globalização e incertezas, falta de referenciais que interfere em todas as esferas
humanas, de trabalho, familiar e identitária. Aumentam-se as epistemologias para lidar

66
com as análises sociais e, também, as ferramentas de comunicação. No entanto, somado
a isso, elevam-se as incertezas e os medos, causando uma instabilidade psíquica
(LIPOVETSKY; SERROY, 2011).
Ao falar sobre a modernidade e suas consequências para as constituições
subjetivas e sociais, Libâneo (2002, p. 70) aponta:

Fruto lídimo da modernidade é o individualismo. Repetidamente chamado de


“ideologia da modernidade”. Esse individualismo provocou enjoo, desgosto,
náusea de tanto ficar-se preso a si mesmo. E como ele girava em torno,
sobretudo, de bens materiais, a falta de sentido foi ainda maior com o
consequente vazio existencial. Fragmenta-se a identidade das pessoas que
sofrem o colapso do significado das coisas, a banalização, o estreitamento ou
perda total do sentido da vida. Veem-se tentadas ao narcisismo, hedonismo,
relativismo moral subjetivista, permissividade.

Em meio a essa desorientação e às perdas de referenciais, surge um interesse


pelo fenômeno religioso. Para Peter Berger (1985), a religião aparece mais uma vez como
organizadora do caos e da anomia vivida frente às perplexidades contemporâneas,
reaparecendo, portanto, com a função simbólica de integrar e sustentar as referências
dos indivíduos (CRESPI, 1999). No entanto, busca-se uma religião ou experiências
religiosas que também correspondam aos anseios desse tempo, cujas ofertas precisam
satisfazer às necessidades imediatas dos fiéis, como uma resposta ao seu individualismo
e hedonismo (LIBANIO, 2002).

24 SISTEMAS POLÍTICOS E RELIGIÃO: MANIPULAÇÃO E POLITIZAÇÃO

Em um horizonte judaico-cristão, do Gênesis ao Apocalipse, o fenômeno religioso


sempre esteve entrelaçado com a história política: em alguns momentos, como
resistência e denúncia contra os sistemas políticos, e, em outros, a partir de uma
vinculação nítida de apoio (SILVA, 2021).
Se olharmos para o próprio reconhecimento do cristianismo como religião de
estado, há uma relação política com o poder Romano representado por Constantino, no
ano de 312.
E essas relações tensionadas não ficam apenas na Idade Antiga, fortalecendo-
se, inclusive, na Idade Média e ganhando novos contornos na Idade Moderna e
67
Contemporânea. A Idade Média foi marcada por uma influência grandiosa da Igreja
Católica em todos os setores, sociais, políticos e até mesmo econômicos. Ademais,
mesmo com a ruptura ocorrida na virada moderna, a Igreja não deixou de influenciar os
Estados e Nações (SILVA, 2021).
A história da Igreja católica e as Igrejas da Reforma indicam que o cristianismo
estabeleceu vínculos diretos com a política, embora não tenham sido somente eles — o
judaísmo, o islamismo e até mesmo as religiões orientais travaram guerras sangrentas
justificadas pelo viés religioso (AMES, 2014).
No Brasil, a Igreja Católica se instaurou desde o processo da colonização,
cenário em que a religião sempre esteve associada ao poder político. No país, a liberdade
religiosa “[...] foi estabelecida pelo Decreto nº. 119-A, de 7 de janeiro de 1890, sendo
confirmada pela Constituição de 1891 e pela Emenda Constitucional de 03 de setembro
de 1926” (COSTA, 2020, p. 99). Entretanto, mesmo após a cisão entre Igreja e Estado, a
Igreja Católica busca modos alternativos de manter-se em relação com o governo e com
a população, situação em que alguns representantes religiosos se vinculam ao poder
vigente e outros à oposição: os mais conservadores agrupam-se nas alas políticas mais
conservadoras, enquanto os progressistas aliam-se às alas políticas que lutam por
causas sociais, econômicas e dos grupos minoritários.
Essas alianças são realizadas a partir da perspectiva teológica dos
representantes religiosos. Atualmente, o representante da Igreja Católica tem uma visão
política um pouco mais sensível às causas populares, isso pelo fato, segundo Costa
(2020), de o pontífice, por ser latino-americano, também ser propenso às questões da
colonização, exploração e realidade sociocultural vividas pelo povo da América Latina e
do Brasil. No entanto, no seio da própria Igreja Católica, há grupos mais conservadores
que, no lugar de se preocuparem com as pautas progressistas, defendem e se vinculam
a poderes políticos conservadores.
Além de se estabelecer na Igreja Católica, essa dinâmica está presente nas
igrejas evangélicas. Segundo Costa (2020), após a redemocratização, os pentecostais
passaram a participar do campo político, oficialmente e, desde então, procuram fortalecer
as relações com os poderes estabelecidos, ampliando suas influências e tornando-se os

68
mais fortes aliados do governo federal, o que, em um jogo de espelhos, reflete suas
aspirações em uma disposição de extrema direita, sob o manto da moralização política.
E os neopentecostais não são diferentes, pois, baseados em uma teologia que
prega a prosperidade, se contrapõem aos ideais dos progressistas — para eles, as
pautas dos direitos humanos, de igualdade de gênero, desigualdades sociais, etc. são
demoníacas e devem ser veementemente combatidas (COSTA, 2020).
Um exemplo desse movimento conservador, aliado à relação política- -religião,
marcada por uma manipulação mútua, se deu nas eleições de 2018 no Brasil, quando as
alianças religiosas compostas, em sua maioria, por evangélicos conservadores, mas
apoiadas por muitos católicos conservadores, reforçaram e legitimaram o discurso do
presidente eleito, que apresentou, desde sempre, pautas de suposta manutenção da
ordem social, com um forte discurso moralista “[...] contra a esquerda, os comunistas, o
casamento homossexual, o aborto, a corrupção”, etc. (COSTA, 2020, p. 107).
Apesar da laicização do estado, o que vemos em solo brasileiro é o crescimento
da ala evangélica “politizada”, com amplos desejos de poder político, crescendo a cada
pleito das esferas municipais, estaduais e federais, defendendo pautas
hiperconservadoras e colocando em xeque a democracia brasileira, além de deixar de
lado as políticas para os mais pobres e marginalizados. E, no último pleito federal,
observamos muitos católicos conservadores defendendo esses mesmos ideais, sendo,
inclusive, contrários às diretrizes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
e às próprias indicações do Sumo Pontífice, o Papa Francisco, que se colocou diversas
vezes contra governos apoiadores de torturas e contra as causas sociais e ambientais
(SILVA, 2021).

25 CONSUMO DE BENS SIMBÓLICOS E PREGAÇÃO DA FÉ NOS TEMPOS DO


ESPETÁCULO RELIGIOSO

O mundo vem sofrendo grandes alterações, moldado pela lógica de mercado


capitalista, que dita os modos de relações nas esferas sociais e públicas. Tudo se tornou
mercadoria, sejam os bens materiais, sejam os imateriais, cenário em que consumir é a
ordem e no qual até mesmo as lógicas de um consumo consciente têm como pano de
69
fundo um modo de consumir, estando em alta o mercado dos orgânicos e dos recicláveis.
Em outras palavras, com um maior ou menor grau de destruição planetária, tudo constitui
uma forma de consumo. E a religião não ficou à margem dessa dinâmica, passando a
ser consumida ao bel-prazer e à necessidade do adepto: é necessário satisfazer às
necessidades pessoais e existenciais, e que o fiel, assim como o consumidor, consiga ter
acesso à mercadoria oferecida, a partir de um clique, um toque (SILVA, 2021).
Para isso, criam-se instrumentos, que intermediam as compras, as relações
simbólicas com o consumidor, conectando as ofertas às demandas, a partir de dois
caminhos: o da criação das necessidades de consumo e as respostas aos desejos
criados, enveredado pelo capitalismo, capaz de criar o desejo, a demanda e,
automaticamente, uma correspondência a eles. Nesse cenário, os instrumentos criados
são totalmente eficazes, pois selecionam o conteúdo de acesso, entregam o que o cliente
deseja na tela do celular e facilitam as relações, sobretudo pelo marketing, produzindo
discursos que fazem os consumidores comprar (SILVA, 2021).

Fonte: Pixabay.com

Esses aspectos promovem e consolidam a sociedade do espetáculo, conforme


nomeada por Guy Debord (1997): “[...] o espetáculo é ao mesmo tempo o resultado e o
projeto do modo de produção existente”, e “[...] constitui o modelo atual da vida dominante
na sociedade. É a afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e o consumo
que decorre dessa escolha” (DEBORD, 1997, p. 14-15). O espetáculo é um modo de

70
relação entre as pessoas, fundamentado em uma imagem não real, mas construída por
um discurso e mediada por instrumentos que a facilitam.
Nessa conjuntura, as religiões, ao mesmo tempo, podem denunciar a irrealidade,
o consumo desenfreado, as lógicas capitalistas, modernas, imediatistas e efêmeras, e
aderir a essas lógicas, agora encobertas pelo discurso sacralizado. Conforme Ramos
(2008, p. 148), “[...] à medida que o mercado religioso se incorpora ao espírito religioso,
aquele fica legitimado pela religião”, continuando a afirmar que a “[...] religião-mercadoria
é sustentada e promovida por uma homilética articulada segundo os princípios e valores
da sociedade espetacular” (RAMOS, 2008, p. 148).
Nos valores espetaculares, o novo é algo que necessita estar eminentemente
presente, com uma produção desenfreada de novidade de bens de consumo, visto a
necessidade de sempre oferecer experiências novas aos consumidores, inclusive os da
religião. Esta passa a ser a la carte, ou seja, servida a partir da necessidade do fiel
(VELIQ, 2017), estando no cardápio a cura, a prosperidade, o consolo espiritual ou outras
necessidades. Com isso, constatamos que os âmbitos religiosos têm sido influenciados
pelas lógicas mercadológicas e entregado cada um ao seu modo bens simbólicos e de
consumo aos fiéis, a partir de suas necessidades específicas.
Os produtos da fé já estão definidos nas funções sociais da religião na
contemporaneidade: organizar o caos existencial, dar sentido, etc. Mas quais
instrumentos vêm sendo usados para fazer com que esses produtos cheguem aos
consumidores, ou melhor, aos fiéis?
Com o avanço tecnológico, as religiões, com o intuito de comunicar a Palavra de
Deus e oferecer o que os consumidores necessitam, têm adentrado diversos meios,
como:

 TV;
 Sites;
 Redes sociais;
 Aplicativos de mensagens;
 Construção de aplicativos próprios.

71
Soares e Cândido (2015), ao analisarem as igrejas eletrônicas, afirmam que as
vertentes evangélicas despertaram para a evangelização mediada pelas tecnologias
muito antes da Igreja Católica, visto que, “[…] desde meados dos anos de 1950, as igrejas
evangélicas já fazem uso dos mass media e, atualmente, a comunidade evangélica tem
a TV como uma das suas maiores aliadas na estratégia de propagação das crenças”
(SOARES; CÂNDIDO, 2015, p. 147).
Do rádio à TV, foram se consolidando programas de propagação da fé e das
crenças evangélicas, como:

 “A voz do Brasil para Cristo” (1955);


 “A voz da nova vida” (1962);
 Os programas de TV de Edir Macedo e Valdomiro Santiago;
 “Show da fé”, com Romildo Soares.

Trata-se de exemplos dos formatos que a religião tem encontrado para alcançar
e conquistar fiéis, cuja narrativa apresenta como núcleo pregações com curas,
libertações, exaltação da prosperidade e aquisição de bens materiais, além de uma
pregação baseada no que as pessoas gostam e querem ouvir. É um Deus que serve às
necessidades das pessoas e é visto como “[...] um amuleto que está sempre pronto para
resolver os problemas” (SOARES; CÂNDIDO, 2015, p. 151).
E a Igreja Católica não ficou de fora desse meio eletrônico, mesmo chegando um
pouco depois. A rede de TV Canção Nova, fundada pelo Monsenhor Jonas Abib, a TV
Aparecida, a Rede Vida, e os padres Fábio de Melo, Reginaldo Manzotti e Marcelo Rossi
assumiram esse diálogo com o mundo moderno e representam a face da
espetacularização do fenômeno religioso católico, destacando-se por seu lastro de
alcance. Nesse contexto, shows, encontros e celebrações televisionadas são “[...]
espetáculos religiosos e renovadas formas de adoração e culto devoção, êxtase, dança,
choro, alegria, fé e idolatria, comungam do mesmo espaço e momento” (PESSOA, 2016,
documento on-line).

72
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