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GUARULHOS – SP
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SUMÁRIO
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Prezado aluno!
Bons estudos!
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1 ORIGEM DA SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO
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religiosidade, contribuindo para os estudos dessa temática até os dias de hoje (SOUZA,
2019).
Atualmente, o campo da sociologia das religiões se situa nos seguintes
contextos:
Sua discussão passa por autores como Weber, Durkheim, Tocqueville, Pierucci,
Campbell, Woodhead e Heelas, embora seja preciso considerar outros pensadores
contemporâneos, que situam a religião no tempo e no espaço da globalização. No
contexto da modernidade, Deus morreu como instância organizadora da sociedade,
instituidora da lei. Assim, a religião perde poder como fundamento social, porém os
embates religiosos, bem como o fundamentalismo e o esoterismo, persistem no seio das
sociedades, mesmo que com princípios laicos (CIPRIANI, 2007).
A posição defendida por muitos estudiosos é a de que a religião ressurgiu como
um novo tipo de moral, mas não como moral tradicional, e sim com novos valores, uma
nova ética que se opõe criticamente aos caminhos da razão e da ciência (SOUZA, 2019).
Autores como Ferry e Gauchet (2008) afirmam que se tem assistido a um
processo duplo de saída da religião e da individualização das crenças.
Muitos jovens sonhadores, que se querem modernos até o último fio de cabelo e
que se julgam libertos dessas velharias que mal se podem imaginar, são místicos
sem sabê-lo, em busca de uma experiência espiritual. Festa, transe, vertigem,
estados alterados de consciência obtidos pela música ou por substâncias
adequadas: o que sempre está em casa é o acesso a uma outra ordem de
realidade. O lugar tomado pelas drogas em nossas sociedades se explica em
grande parte por isso. Diz respeito à aspiração a fugir da prisão do cotidiano
(FERRY; GAUCHET, 2008, p. 12).
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A sociologia pesquisa as estruturas de força e de poder, do Estado e de seus
membros, e a maneira como o poder se estrutura por meio de microrrelações de força.
Um desses aspectos estudados, não só da sociologia, mas também da antropologia, é o
modo como os indivíduos, que formam a sociedade, podem ser manipulados, visando à
manutenção da ordem social e, principalmente, ao monopólio de algum tipo de força
legitimada (SOUZA, 2019).
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quais explana suas visões, posições e observações a respeito da democracia, em vista
da Revolução Francesa, a partir de uma visão positivista (CASSIMIRO, 2018).
Ao contrário de Comte, Tocqueville acredita que a religião tradicional é capaz de
criar e manter uma sociedade estável, pautada na liberdade. Para isso, o sociólogo e
historiador apresenta dois exemplos contraditórios: os Estados Unidos, cujo espírito
religioso e liberal favoreceu a formação e a permanência da democracia; e a França, que
promove um conflito entre a Igreja e os leigos e o enfraquece da política e da sociedade
(CIPRIANI, 2007).
No contexto estadunidense, em um primeiro momento, segundo o autor, o
catolicismo buscava, tendenciosamente, tratar todos da mesma maneira. Havia uma
predisposição à igualdade de condições. Para seus fiéis, a sociedade religiosa se dividia
entre padre e povo: o primeiro estava acima do povo, pois tinha contato com e
conhecimento de Deus, e o povo apresentava o mesmo nível, sem destaques, sem
pessoas acima de outras. Mesmo com o contraditório de uma estrutura vertical, de cima
para baixo, esta seria uma forma de, por meio da obediência, preparar todos para a
igualdade, movimento que poderia ser chamado de estratificação social (CIPRIANI,
2007).
Contudo, com esses mesmos padres fora do âmbito político, por opção própria,
diga-se de passagem, permitiu-se a autonomia política.
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humanos, seja nas prioridades humanas que perdem espaço para as propostas
transcendentes (CIPRIANI, 2007).
Nesse ponto, Tocqueville se diferencia de Comte, já que, enquanto o primeiro
revela que, para si, o distanciamento religioso da política faz do homem um ser autônomo
e menos conflituoso, o segundo observa que a aproximação de uma visão religiosa em
vista do fenômeno social e, por consequência, do ser humano proporciona um
crescimento da humanidade como sociedade (SOUZA, 2019).
Bergson invoca, portanto, maior rigor científico, para entrar mais facilmente na
dimensão interior do indivíduo humano e perscrutar [examinar, investigar] suas
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motivações reais, as intenções implícitas, as modalidades individuais e sociais
passíveis a serem referidas à experiência religiosa. Ele é filósofo, mas também
matemático [...]; está, portanto, habituado não só à concretitude e à precisão do
cálculo, à centralidade da experiência factual, mas também à diferença entre
estática e dinâmica social, entre religião institucional e religião estática
(CIPRIANI, 2007, p. 56).
Fonte: Pixabay.com
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em setembro de 2001, a palavra “terrorista” aparece frequentemente na mídia impressa
e falada. Dessa forma, muitas pessoas que exercem a sua fé em determinada religião
podem sofrer os efeitos diretos e indiretos da ação de grupos terroristas, sendo
discriminadas, xingadas e humilhadas (BARRETO, 2019).
O fundamentalismo religioso é exposto na mídia de maneira pejorativa e limitada
aos ataques terroristas de adeptos do islamismo. O senso comum compreende que os
fundamentalistas são indivíduos extremamente violentos e que não realizam boas ações.
Mas, afinal, você sabe o que é fundamentalismo? O que ele tem a ver com religião?
O conceito de fundamentalismo surgiu em um contexto religioso, no início do
século XX, nos Estados Unidos. Contudo, na história, sua gênese é cristã, ocidental e
protestante, não islâmica. Um grupo religioso, protestante e conservador do sul dos
Estados Unidos, oriundo do Seminário Presbiteriano de Princeton, se reuniu para debater
e elaborar doutrinas que contrariavam os protestantes liberais do século XIX, também
chamados de modernistas. Segundo eles, os modernistas eram deturpadores da fé cristã.
O modernismo era uma corrente de pensamento mais flexível. Seus praticantes
defendiam que a Bíblia não poderia ser seguida ao pé da letra e que as celebrações
deveriam se adaptar aos costumes culturais de cada local. Além disso, eles introduziram
elementos evolucionistas e a ideia de progresso na interpretação dos preceitos bíblicos
(PIERUCCI, 2010).
Os fundamentalistas rejeitam qualquer influência mundana na religião, pregam
os princípios fundamentais, a doutrina rígida, a Bíblia ao pé da letra como verdade única,
de interpretação literal. Também acreditam em um deus único, isto é, no monoteísmo.
Dessa forma, um judeu, um protestante e um católico podem ser fundamentalistas, até
mesmo um muçulmano. Contudo, fiéis do candomblé, que não seguem um livro sagrado,
não podem ser considerados fundamentalistas (BARRETO, 2019).
As religiões monoteístas se originaram no Oriente Médio e são: o judaísmo, o
cristianismo e o islamismo. O fundamentalismo, portanto, tem como elemento crucial o
monoteísmo pregado nas escrituras e livros sagrados. Os fundamentalistas acreditam
em uma única verdade. As religiões com vários deuses (politeístas) e as religiões
panteístas não são fundamentalistas. Enfim, os fundamentalistas defendem os seus
dogmas religiosos, os fundamentos da sua religião. Isso não implica o uso da violência
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para a defesa da religião. Ser fundamentalista não significa necessariamente ser violento
(BARRETO, 2019).
Atualmente, há um avanço da cultura ocidental sobre o mundo árabe. Muitos dos
conflitos atuais entre religiões envolvem o desrespeito aos costumes, hábitos e valores
de grupos não ocidentais por grupos ocidentais. Como exemplo, você pode considerar a
proibição do uso da burca na França. Tal proibição ocorre também na Áustria, na
Dinamarca, na Holanda e em alguns lugares da Suíça. Esses países alegam que são
contra qualquer vestimenta que cubra o rosto, pois isso coloca em risco a segurança
pública (BARRETO, 2019).
Cada religião possui seu sistema de credos, rituais, cerimônias, rezas e orações,
símbolos, tradições, bem como lugares que são tidos como sagrados, de adoração.
Algumas religiões possuem locais sagrados físicos, como igrejas, templos, sinagogas,
mesquitas, terreiros e congregações. Outras praticam sua fé ao ar livre. Essas divindades
tanto podem ser seres imaginários, como deuses e deusas, quanto, por exemplo,
animais. É o caso da vaca na Índia, que é tida como sagrada até os dias atuais. Também
há religiões que atribuem poderes aos elementos naturais, como o vento, a água e o
fogo, acreditando que os deuses regem esses elementos (BARRETO, 2019).
A maioria das instituições religiosas também usa livros considerados sagrados
para guiar a conduta dos fiéis. O cristianismo utiliza a Bíblia, os muçulmanos, o Alcorão.
A prática da religião envolve ritos, liturgias e rituais como cultos, missas, procissões,
sermões, transes, sacrifícios. Muitas religiões utilizam músicas, danças e festas para a
adoração dos seus deuses (BARRETO, 2019).
A fé em uma religião é ao mesmo tempo uma experiência pessoal e coletiva. Na
maioria das vezes, os fiéis se reúnem em um local para expressar a sua fé. Contudo, a
prática da religiosidade não precisa necessariamente estar atrelada ao comparecimento
e à participação em rituais realizados em um lugar físico (BARRETO, 2019).
A maioria dos conflitos mundiais se originam de questões religiosas somadas a
aspectos de ordem política, econômica e geográfica. O Brasil tem como religião
predominante o catolicismo, mas convive com a diversidade de credos. Nos últimos anos,
houve um aumento maciço dos evangélicos. O País também abriga cultos de origem
africana, que convivem com diferentes grupos espíritas, além de comunidades judaicas
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e de pessoas sem religião. Além disso, o sincretismo religioso, em que símbolos e
ideologias de diferentes religiões se misturam, permanece presente no Brasil. Os santos
do catolicismo, por exemplo, se mesclam com os santos do candomblé (BARRETO,
2019).
Você sabe quais são as religiões que possuem maior número de fiéis ao redor
do planeta e em que local elas se concentram? Segundo um relatório do americano Pew
Research Center, o cristianismo possui 2,18 bilhões de fiéis no mundo. Os fiéis
denominados cristãos se dividem entre: católicos, com 51,4%; evangélicos, com 36% (a
maior parte pentecostal); e ortodoxos, com 12,6%. Os cristãos creem em Jesus e em um
deus único. Ao longo da história, o cristianismo foi dividido entre cristãos ortodoxos ou do
Oriente, que em seguida se separaram entre católicos e protestantes. Os cristãos
seguem a Bíblia, seu livro sagrado (SCHULTZ; PLAVENIECE, 2011).
Os cristãos católicos seguem a Igreja Católica Apostólica Roma e sua autoridade
máxima é o papa. Já os cristãos ortodoxos surgiram com a cisão que ocorreu na Igreja
Católica Romana no século XI e que se espalhou no Oriente. A Igreja Católica Ortodoxa
e a Igreja Ortodoxa Russa são as suas principais igrejas (BARRETO, 2019).
O islamismo, de acordo com o mesmo relatório, é a religião que mais vem
conquistando adeptos pelo mundo, sendo considerada a segunda religião mundial em
número de seguidores. Cerca de 1,6 bilhão de pessoas se proclamam muçulmanas. Eles
se dividem em sunitas e xiitas. A corrente sunita acredita na Suna, o livro sagrado que
contém os ensinamentos do profeta Maomé. Por outro lado, a corrente xiita, que vigora
no Irã e no Iraque, crê nos ensinos de Ali, primo de Maomé. Essa corrente envolve a
política nos valores religiosos e defende o Estado teocrático (BARRETO, 2019).
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Fonte: Pixabay.com
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5 PRINCIPAIS CONCEITOS DA SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO
Karl Marx foi outro estudioso que procurou analisar a influência da religião na
sociedade moderna. Ele, ao contrário dos autores citados, critica a religião. Marx era
contrário ao sistema capitalista e a toda instituição que influenciasse esse sistema. Ele
refletia sobre as condições concretas da vida dos seres humanos e sobre a estrutura da
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sociedade. Ele afirmava que a religião era o ópio do povo, porque influencia o
pensamento e o comportamento da sociedade (BARRETO, 2019).
No seu texto A questão judaica (MARX, 1991), ele defende que a sociedade civil
só alcançaria a liberdade e a emancipação humana quando todos participassem do
Estado e pudessem tomar decisões. Assim, por meio da ruptura do sistema, o ser
humano poderia viver em uma sociedade com livre e igual distribuição dos bens.
E o que a religião tem a ver com isso? Para Marx, ela é semelhante a um ópio
pois deixa os indivíduos acomodados, resignados, acreditando em uma vida futura.
Assim, não se envolvem em sua vida concreta e real nem promovem a mudança social.
As pessoas ficam conformadas, submissas, veem as situações da sua vida como vontade
divina, como destino, e não questionam nem lutam pela transformação (BARRETO,
2019).
No mundo contemporâneo, a religião passou por transformações, mas se
configura como um importante fenômeno social tanto na vida privada quanto na esfera
pública. Ao desnaturalizar as relações sociais, a sociologia da religião demonstra que as
instituições religiosas possuem natureza social e histórica, sendo um produto dessas
relações situadas no espaço e no tempo (BARRETO, 2019).
Mas no Brasil nem sempre houve liberdade de crença religiosa. Em sua primeira
Carta Magna, de 1824, a religião católica era declarada como a religião oficial do Império.
Contudo, nas constituições seguintes não houve permanência dessa determinação.
Enfim, atualmente, os brasileiros podem escolher suas crenças, professar sua expressão
religiosa e ter a liberdade de ir aos espaços considerados sagrados. O Estado tem o
dever de garantir essa liberdade (BARRETO, 2019).
O Estado brasileiro é laico, diferente do Estado confessional, em que a religião
influencia o poder estatal. Segundo a Constituição Federal, não há uma religião oficial no
País, apesar de no início da Carta Magna haver referência a Deus. A Lei nº 9.459/1997
afirma que é crime a prática de discriminação ou preconceito contra as religiões. Dessa
forma, nenhum cidadão pode ser discriminado por motivo de crença religiosa. O crime de
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intolerância religiosa é imprescritível, isto é, pode ser punido em qualquer tempo, e é
inafiançável, ou seja, não pode ser pago com fiança (BARRETO, 2019).
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Peter (1971 apud OLIVEIRA, 2012) enfatiza que há um processo de
dessecularização da religião, pois, ao buscar intensamente a religião, o homem torna o
mundo cada vez mais religioso. Logo, o mundo do século XXI tende a ser tão religioso
quanto o mundo dos séculos anteriores. Esse novo processo fez com que as instituições
religiosas agissem com a lógica mercadológica, adaptando os seus rituais, cerimônias e
credos aos interesses individuais de cada ser humano. Assim, a religião é influenciada
pelo pensamento atomizado dos indivíduos no mercado.
7 OS SÍMBOLOS E OS RITOS
Pode se dizer, conforme propõe Marconi e Presotto (2010, p. 28), que crença é
“a aceitação como verdadeira de uma proposição comprovada ou não cientificamente.
Consiste em uma atitude mental do indivíduo, que serve de base à ação voluntária.
Embora intelectual, possui conotação emocional”.
Então, a maneira como cada sociedade guia os seus rituais está permeada por
crenças e valores construídos entre os seus membros ao longo dos tempos, podendo ser
transmitidos de geração a geração ainda que possa ter sofrido pequenas alterações em
sua forma original. Tendo em vista essa discussão, vamos nos aproximar de um estudo
de rituais em que os indivíduos de uma sociedade manifestam seus sentimentos a partir
de uma determinada ação (BARROSO, 2017).
Para isso, vamos acompanhar os estudos antropológicos de Victor Turner (2008),
que compreendia que os fenômenos culturais estão prenhes de símbolos e de crenças
de tipo não estrutural, diante da estrutura do processo ritual.
Nesse sentido, podemos dizer que Turner se contrapõe às ideias estruturalistas
de Lévi-Strauss, pois a noção de levistraussiana enfatiza o cognitivo, a arbitrariedade do
significado e a ideia de estrutura separada do sentido das ações e da intencionalidade
dos atores. Enquanto que o pensamento turneriano ressalta a produção das construções
simbólicas baseadas nos valores e nas crenças dos membros da sociedade (BARROSO,
2017).
A antropóloga Mariza Peirano se dedicou aos estudos dos rituais como estratégia
analítica e abordagem etnográfica, evidenciando em seu livro, O dito e o feito, a
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“perspectiva durkheimiana que vê nos cultos e rituais verdadeiros atos de sociedade nos
quais são reveladas visões de mundo dominantes de determinados grupos” (PEIRANO,
2002, p. 10). Ela acessou autores clássicos da Antropologia que discutiram o assunto,
assim, retomou o interacionista simbólico Victor Turner que estudou os rituais entre
Ndembus do noroeste da Zâmbia, no centro sul da África.
Os interacionistas simbólicos entendiam que os símbolos servem para orientar
as ações nas sociedades humanas. Assim, como afirma Turner (1974), esses símbolos
são conscientes e atuam durante o processo ritual em que eles se apresentam em forma
de objetos, gestos, cantos, para expor a mensagem que querem passar por meio do rito.
Logo, o encadeamento de símbolos dentro do ritual, ordena e constrói a ideia de que está
se passando de um ponto da estrutura social a outro.
Assim, há certa estrutura social no processo ritual em que convive a ação social
e os arranjos sociais no desenrolar desse rito. De modo que, nesses arranjos sociais,
permeiam símbolos visuais e auditivos, operando culturalmente como combinações e
associações de ideias que revelam cosmologias, valores, axiomas culturais dispostos na
sociedade, e que são transmitidos de uma geração a outra também por meio do processo
ritual (BARROSO, 2017).
Os estudos de Turner visaram compreender a ligação entre as fases do ritual
designando, para isso, aportes conceituais e teóricos na área da Antropologia. Como
explica melhor Peirano (2002, p. 21):
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8 DESVENDANDO O PROCESSO RITUAL
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entende que muitas vezes é preciso passar pelo processo ritual, mas para que se
restabeleça a estrutura social.
A communitas é o momento de suspensão das relações cotidianas, é
espontânea, autógena e reduz as diferenças sociais, enquanto a estrutura social reforça
essas diferenças e marcações das relações cotidianas. Como a estrutura social é a arena
na qual eles perseguem seus interesses materiais, a communitas é recalcada para o
inconsciente. Os ritos, os símbolos e os mitos são complexos, e suas formas culturais na
communitas pressupõe que esses elementos possam ser vivenciados com maior
profundidade do que em qualquer outro contexto. Logo, na communitas cabe mais a
transmissão das relações entre símbolos, ideias e valores do que a própria marcação das
posições sociais (BARROSO, 2017).
Vamos aprofundar o que diz Turner sobre essas fases! Em relação a segunda
fase, que considera os períodos liminares, Turner (1974) entende que é um estar fora e
dentro da estrutura social ao mesmo tempo, já que se suspende os relacionamentos
sociais normais para ser reintegrado novamente. E o indivíduo ou grupo social que passa
por esse ritual fica em uma espécie de invisibilidade estrutural, como se estivessem sido
colocados à uma condição uniforme que é o communitas, para ser formatado de novo e
em uma outra situação venha a ser realocado em outra posição social. Durante esse
período de communitas, as manifestações que ali ocorrem devem parecer perigosas e
sem organização, de modo que há algumas restrições nessa fase.
Nesse sentido, a condição limiar do indivíduo ou grupo social, durante o processo
ritual, tem algumas especificidades, como explica Turner (2008, p. 241):
Nesse sentido, o Turner (2008) ainda vai citar três situações da cultura onde a
communitas, que é esse momento de suspensão das relações cotidianas, pode estar
presente, são elas: liminaridade, outsiderhood e inferioridade estrutural.
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Na liminaridade, é quando em um processo ritual se passa de um ponto de
classificação a outro, o que está entre betwix e between, de modo que o neófito fica em
um ponto inclassificável na estrutura social. Para Turner (2008), a liminaridade considera
uma fase da vida social em que as atividades realizadas pelo sujeito ritual não estão
demarcadas na estrutura social, de modo que essa fase se mantém como um estado e
não mais uma passagem.
O outsiderhood corresponde a quem tem uma posição diferenciada na
sociedade, como líderes messiânicos, médiuns, xamãs, pais de santo, etc., pois eles não
se encaixam na estrutura, já que analisam a estrutura social para analisar criticamente
aos seus seguidores. Diferente dos liminares, eles não têm garantias de resolução final
para sua ambiguidade, de modo que não têm um status social reconhecido (BARROSO,
2017).
E o último é a inferioridade estrutural, que se trata da condição de certas
classes sociais ou da sociedade de castas, em que se considera uns inferiores em
relação a outros superiores. A função simbólica dos que são rejeitados seria a de
representar a humanidade sem qualificações, de modo que há recompensas desiguais
para essas que são concedidas por suas posições diferenciadas (BARROSO, 2017).
Podemos nos valer dessa discussão mais teórica para pensar sobre o processo
ritual no contexto religioso. De modo geral, crenças e rituais são elementos constitutivos
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das práticas religiosas, uma vez que é por meio delas que o indivíduo ou o grupo social
manifesta seus sentimentos (MARCONI; PRESOTTO, 2010).
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10 CONCEITOS DE RELIGIÃO
O que define o sagrado é o fato de ser acrescentado ao real [...] Neste espaço as
energias vitais estão superexcitadas, as paixões mais vivas, as sensações mais
fortes; existem mesmo algumas que só se produzem senão neste momento. O
homem não se reconhece: sente-se como que transformado e, por conseguinte,
transforma o meio que o rodeia. Para explicar-se as impressões muito
particulares que experimenta, ele atribui às coisas com as quais estão em relação
poderes excepcionais, virtudes que não possuem os objetos da experiência
vulgar.
Dessa forma, a religião se apresenta como mais uma das chaves explicativas
que propõem saídas para as dúvidas mundanas e as questões filosóficas que
atormentam os homens. Afinal, as explicações dadas por esses sistemas de simbolismos
fazem sentido para os membros do grupo e também acalmam suas angústias em relação
às vivências cotidianas. Assim, a transformação de que fala Durkheim (2000) remete à
ideia de que as experiências religiosas vividas são levadas para fora do âmbito religioso
e exercidas no dia a dia, junto a outras pessoas, que têm outras crenças e outras práticas.
Logo, esse “fazer sentido” que é entendido pelos praticantes das diferentes
religiões diante do culto que frequentam se dá porque as explicações trazidas pelas
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religiões também consideram os sistemas sociais em que estas estão inseridas. Ou seja,
as explicações sobre o que parece não ter explicação se acomodam em outros sistemas
de simbolismos presentes na vida social. Elas passam a ser compreensíveis para os
praticantes de cada religião. Nesse sentido, Nola (1987) reforça que o universo da
religião, do sagrado, não é autônomo e sem sentido de uma perspectiva laica. Além disso,
não é estranho ao mundo racional. Ele se expressa e se mostra na realidade mesma, na
relação contínua que a justifica e a explica.
É na convivência coletiva que as explicações religiosas surgem e também se
solidificam, fazendo com que o espaço da prática religiosa se constitua como mais um
espaço de organização e ordem social. Essa observação é evidenciada por Coutinho
(2012, p. 181), que afirma que “As religiões compreendem coletividades no seio das quais
se desenvolvem práticas, se elaboram, defendem e discutem crenças. Faz parte da
essência da religião a sua componente organizativa [...]”.
Desse modo, o conceito de religião considera a ordem social promovida pela
participação dos membros da sociedade no âmbito da questão religiosa. A participação
no universo sagrado (por meio de rituais, por exemplo) oferece prestígio social, o que
pode ser compreendido como uma das funções sociais da religião. Ela mesma é um
sistema de crenças e práticas relacionadas ao sagrado. As coisas sagradas, assim,
reúnem o povo em uma comunidade moral. Ele compartilha crenças que são essenciais
à constituição e à manutenção da religião (TIMASHEFF, 1971).
Como você pode notar a partir dessa discussão, há complexidade no estudo da
religião. Além disso, é necessário ter cuidado e respeito ao considerar religiões que
tenham crenças ou práticas que, em um primeiro momento, não façam sentido para você.
Cada religião deve ter liberdade de cultuar suas práticas devocionais e ser respeitada por
isso.
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11 RELIGIÃO E SOCIEDADE
Então, até mesmo na forma de viver há elementos que são englobados pela
doutrina religiosa. Contudo, nos dias de hoje, algumas igrejas têm exigido menos
transformações no modo de vida dos fiéis, ainda que propaguem preceitos religiosos
cristãos. É o que afirma Dantas (2010, p. 56) ao analisar a Igreja Evangélica Bola de
Neve:
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às tatuagens, aos piercings, aos esportes radicais, em suma, à aparência do
crente. Contudo, empenha-se em coibir o consumo de bebidas alcoólicas, o uso
de cigarros e a frequência a bares e boates, além de repudiar o
homossexualismo, o sexo pré- -nupcial e as relações extraconjugais,
preconizando a virgindade e o casamento monogâmico e heterossexual. Embora
a congregação pareça liberal e flexível, no cotidiano das relações institucionais
ela utiliza vários mecanismos de censura e resgata códigos tradicionais de
controle da sexualidade.
Ainda assim, cada sociedade se organiza para definir a relação entre a religião e
o Estado. Essa relação pode ser de mais proximidade ou mesmo de ruptura. O meio pelo
qual se estabelece essa definição pode ser tanto a publicação da constituição quanto
acordos sociais.
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No Brasil, ocorre a separação entre Estado e religião por meio do conceito de
laicidade. Isso significa que o Estado não favorece nem segue nenhuma religião.
Portanto, ele se opõe ao Estado confessional, ou seja, àquele que tem posição religiosa.
O Estado confessional inclui até mesmo o Estado ateu, dado que este assume uma
posição religiosa em sentido negativo. De acordo com a laicidade, o Estado não segue
nenhuma doutrina oficial. Portanto, os cidadãos não têm de se associar a igrejas ou
seitas. Além disso, não existe a noção de heresia (interpretação, doutrina ou sistema
teológico rejeitado como falso pela igreja) (LACERDA, 2014).
Como destaca Negrão (2008), foi a partir da proclamação da República no Brasil,
em 1889, que ficou definida na constituição a ruptura mais clara entre Estado e religião,
possibilitando uma sociedade mais pluralista e laica ao longo do século XX. Entretanto,
o mesmo autor apresenta os desafios da influência das igrejas nos dias atuais:
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12 RELIGIÃO E IDEOLOGIA
Ao mesmo tempo, é importante você notar que não há ideias que sejam neutras
ou que não estejam carregadas de intenções. Assim, cada qual que defende suas ideias
afirma que as elas são mais verdadeiras e neutras do que as de outras pessoas. Como
enfoca Boff (2002), os sistemas culturais, científicos, políticos, econômicos e até
artísticos que se dizem detentores únicos da verdade e de uma resolução para os
problemas são fundamentalistas. Hoje, de acordo com o autor, o mundo está sob
influência de diversos fundamentalismos.
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Chauí (2000, p. 76) reforça esse apontamento:
13 A CONSTRUÇÃO FAMILIAR
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Seja qual for o modelo de família, ela é sempre um conjunto de pessoas
consideradas como unidade social, como um todo sistémico onde se
estabelecem relações entre os seus membros e o meio exterior. Compreende-se
que a família constitui um sistema dinâmico, contém outros subsistemas em
relação, desempenhando funções importantes na sociedade, como sejam, por
exemplo, o afeto, a educação, a socialização e a função reprodutora. Ora, a
família como sistema comunicacional contribui para a construção de soluções
integradoras dos seus membros no sistema como um todo.
[...] o ponto de partida é o olhar para esse agrupamento humano como um núcleo
em torno do qual as pessoas se unem, primordialmente, por razões afetivas
dentro de um projeto de vida em comum, em que compartilham um quotidiano, e,
no decorrer das trocas intersubjetivas, transmitem tradições, planejam seu futuro,
acolhem-se, atendem aos idosos, formam crianças e adolescentes.
Ao mesmo tempo, isso não significa que esse agrupamento humano tem de ser
homogêneo, como diz Sarti (2000), com os mesmos gostos e valores, com todos os seus
membros pensando as mesmas coisas sobre o mundo em quem vivem. Pelo contrário,
existem filhos que torcem para o time rival do dos pais, há filhas gêmeas que detestam
se vestir de modo igual, há primos que pensam em projetos políticos diferentes para o
país em que vivem, bem como existem parentes que discordam sobre qual presente dar
para o membro mais antigo da família, etc.
O que é importante destacar na relação familiar é justamente a possibilidade de
se lidar com as diferenças num agrupamento humano menor, visando à tolerância e ao
diálogo junto aos membros da sociedade como um todo. Logo, a heterogeneidade já vai
sendo evidenciada no âmbito familiar e também marca as diferenças entre seus
membros. Essa ideia é reforçada por Ribeiro (1999, p. 45):
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[...] viver em família significa a possibilidade de lidar com o permanente dissenso
entre os projetos de homens e mulheres, como também de pais e filhos. Isto
explicita a convivência entre visões de mundo conflitantes sobre a realidade, de
onde vai emergir a heterogeneidade, a pluralidade dos estilos de vida, das formas
de organização, das relações de gênero que se estruturam e se mantêm, em
meio às rupturas e às continuidades com os valores herdados do passado e os
valores apropriados no percurso da vida pessoal.
14 FAMÍLIA NO PLURAL
A partir do que você viu até aqui, pode considerar que as concepções de família
mudam com o tempo e o lugar. Por isso é importante conhecer e refletir sobre as
diferentes formas de composição da família. Mas por que é importante conhecer a família
enquanto conceito?
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família se torna plural, e não mais aquela família nuclear que está restrita ao espaço de
uma só casa (Figura 1) (BARROSO, 2018).
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proteção aos indivíduos. Atualmente, estão incluídas nessa categoria de afinidade as
alianças advindas de amizade, de vizinhança e mesmo de valores (BARROSO, 2018).
Dessa maneira, você também pode considerar que “O parentesco é uma rede de
conexões de proximidade irradiada do indivíduo. Já a família, na concepção ocidental, é
uma instituição baseada na parceria conjugal e na criação dos filhos” (LUNA, 2007, p.
180). Mas aqueles que cuidam e protegem, mesmo que não tenham relações sanguíneas
diretas com a criança, como no caso da adoção, podem ser considerados família, se
assim desejarem. Portanto, é preciso pensar numa concepção de família que seja plural,
como garantem as regras constitucionais:
42
f) Associação — a família é formada por amigos sem grau de parentesco,
que não têm necessariamente um contato sexual, mas vivem juntos;
g) Casal de homossexuais — duas pessoas do mesmo sexo decidem
assumir uma relação estável.
Trata-se de arranjos familiares criados por gays e lésbicas que se associam com
um parceiro do outro sexo para procriar, com ou sem relações sexuais, e criar a
criança assim gerada em sistemas variados de residência alternada. A
coparentalidade pode assumir múltiplas formas de acordo com o status conjugal
dos parceiros e com o papel reservado a cada um dos atores envolvidos na
43
elaboração do projeto. Assim, podemos ter situações onde um casal de homens
decide ter uma criança com um casal de mulheres, um casal de mulheres com
um homem solteiro (que pode ser homossexual ou heterossexual) ou ainda um
casal de homens com uma mulher solteira (que também pode ser homossexual
ou heterossexual) (TARNOVSKI, 2010, p. 2).
As pessoas que compõem esses novos padrões familiares ainda passam por
situações constrangedoras na sociedade em que vivem, como apontam Grosman e
Martínez Alcorta (2000, p. 132):
44
que sua geração tenha continuidade. Por último, como evidencia Scott (2010, p. 277), há
uma diferença que precisa ser destacada:
45
por suas escolhas e implicações ao mesmo tempo em que se relaciona com o mundo
(AZEVEDO, 2005).
Genuíno, efetivo, autêntico, assim o ser social é captado e dialeticamente
integrado ao viver. Possui capacidade inerente de transmutar a própria natureza e a si
mesmo sincronicamente. Dessa forma, o ser social se constitui como ser criador, não
somente por sua capacidade de pensar, mas também por sua capacidade de agir de
forma consciente e racional (BARUS-MICHEL, 2004).
O ser social se constitui de acordo com sua natureza relacional, assim sendo, a
partir das relações com outros sujeitos, tomando para si a realidade vivenciada por
culturas anteriores ao seu existir. Desfruta da oportunidade de experimentar o manuseio
dos instrumentos e dos aprendizados cultivados pelas gerações anteriores, com o
objetivo de adaptar, aprimorar ou mesmo perpetuar os conhecimentos (AZEVEDO,
2005).
As relações sociais também são prévias e inerentes a todo sujeito. Por exemplo,
seu histórico familiar, a história do local em que vive os acontecimentos sociais, entre
outros, colocam o sujeito em constante movimento e transformação na construção do ser
social. O universo interior de todos os sujeitos se forma de acordo com questões
provindas da cultura humana, ou seja, muitas das formas de agir e pensar de todo sujeito
surgem de acordo com movimentos vindos de sua relação com o mundo e são
importadas para a estruturação do ser social (AZEVEDO, 2005).
Assim, o ser social está em constante formação por meio das relações sociais
provindas do tempo presente ou do passado. E se disponibiliza por meio da conexão com
sua própria subjetividade e com a subjetividade inerente às vivências sociais. Passa
adiante sua herança social em progressiva vinculação com o mundo exterior e com a
continuidade da movimentação da cultura humana (BARUS-MICHEL, 2004).
46
17 A SUBJETIVIDADE DO UNIVERSO PSÍQUICO E A RELATIVIZAÇÃO DOS
PAPÉIS SOCIAIS
Como vimos, o sujeito não está alheio aos preceitos sociais. Por estar em
constante movimento constitutivo, se disponibiliza subjetiva e intrinsecamente. Articula,
combina e se reinventa enquanto ser social, na busca por novas aprendizagens e modos
de viver.
Portanto, se aproximam reciprocamente os processos de constituição do
psiquismo e do ser social, por meio da subjetivação das experiências relacionais. Logo,
a dimensão afetiva está ativamente implicada na construção de ambos aspectos do
desenvolvimento do sujeito (AZEVEDO, 2005).
A personalidade é característica própria e singular de cada sujeito, constituindo
uma forma de sentir, pensar e atuar que o torna único e incomparável. Possui três fatores
que se entrecruzam em sua constituição: a estruturação genética básica, as influências
do meio e o modo como o sujeito interpreta os acontecimentos (AZEVEDO, 2005).
A estruturação genética básica se refere às características hereditárias herdadas
da família, como os aspectos físicos, a cor da pele, olhos e cabelos, e aspectos
emocionais, como tendência a oscilações de humor, fantasias e também transtornos
graves, como a esquizofrenia. As influências do meio se referem às contribuições das
relações sociais para o desenvolvimento do ser e o modo como o sujeito interpreta os
acontecimentos, utilizando suas ferramentas potenciais, reunindo as características
genéticas e o seu desenvolvimento social, relacionando de uma forma ao instrumentalizar
para uma melhor fluência do seu modo de viver (AZEVEDO, 2005).
47
A personalidade tem seu início estrutural ainda no útero materno. A maneira
como a mãe sente e reage sobre a gestação começa a contribuir para a formação da
personalidade. Ainda nos primeiros anos de vida, a criança se constitui enquanto sujeito,
atribuindo sentido e relacionando seu existir no mundo. O modo como o mundo se
apresenta para a criança, no início com a representação da família, seguida da escola e
das demais relações sociais, vai definir o desenvolvimento da personalidade da criança
(AZEVEDO, 2005).
Vygotsky e Alexander (1996) referem sobre uma personalidade social construída
conforme as relações ao longo da existência do sujeito. Dessa forma, podemos
compreender que a constituição e formação da personalidade é atemporal, pois se
desenvolve de acordo com o viver de cada ser.
Todas as relações, vivências e percepções do mundo que nos rodeia atribuem
significado, influenciando significativamente na formação da personalidade. E esta se
coloca na seleção e atuação dos papéis sociais, conforme afinidade e preferências únicas
a cada ser social (AZEVEDO, 2005).
Sendo os papéis sociais criativos, estão implicados a vivenciar fenômenos
transicionais, e dessa forma criam uma flexibilidade de atuação. Tanto a história
individual, como os afetos, os valores e a posição que o sujeito ocupa colaboram para a
constante formação e desenvolvimento das subjetividades do universo psíquico, assim
como refletem a relativização dos papéis sociais (LEONTIEV, 1998).
48
18 PROCESSOS CONSTITUINTES DO SER POR MEIO DO SOCIAL
49
encontro para afinar seu modo de ser e acabam, muitas vezes, constituindo novos modos
(AZEVEDO, 2005).
Podemos dizer que o desenvolvimento orgânico, moral e emocional são
instrumentos, ferramentas para a constituição e articulação do ser social. Cada sujeito
escolhe a forma como manuseará cada instrumento e quais passará adiante, dando
continuidade, dessa maneira, ao fluxo constante de construção de si e de outros seres
sociais (AZEVEDO, 2005).
Assim se dá a constituição do ser por meio do social, em um movimento
constante de apropriação, trocas e afinações. Algumas conexões promovem mudanças
mais profundas e podem tocar com profundidade a constituição do ser, como grandes
tragédias e perdas, que podem ser distantes, próximas, coletivas, individuais, reais,
eminentes, por exemplo, em questões relacionadas à segurança, com o aumento da
criminalidade, devido a furtos, assaltos, latrocínios e assassinatos, ou só existentes no
imaginário de cada sujeito. Outras mudanças podem acontecer sutilmente, sem que
exista uma reflexão sobre algum ocorrido, mudança de hábitos ou preferências, como
ocorre, por exemplo, com a diminuição da necessidade de sono ao longo dos anos
(AZEVEDO, 2005).
52
o desenvolvimento de uma burocracia administrativa do patrimônio público (portos,
estradas, saúde, educação, transportes) (BARRETO, 2019).
O processo de centralização e concentração desses poderes formou o Estado
moderno, entidade que se apresenta de diferentes modos até a atualidade. Com o
desenvolvimento do capitalismo, houve a formação dos Estados nacionais modernos,
com instrumentos políticos que auxiliam no governo dos indivíduos e grupos dentro do
território. Surgem então instrumentos baseados em sistemas de leis, códigos e normas
sociais e no uso da força, com o objetivo de pôr em prática as políticas estatais. Mas,
para além do uso da força, para ser legítimo, um Estado precisa exercer seu poder por
meio de uma ideologia, de uma visão de mundo que abarque toda a sociedade
(BARRETO, 2019).
O Estado, como organização política e econômica, vem se apresentando de
diferentes formas na história da humanidade ao redor do planeta. A seguir, você vai
conhecer as principais.
O Estado liberal ou liberalismo surgiu como teoria econômica e foi se firmando
como política econômica a partir do século XVIII, em contraposição ao Estado absolutista
na Europa, que detinha o poder na figura do rei, principalmente o poder econômico. O
crescimento do capital industrial e a implantação do trabalho assalariado foram
essenciais para o desenvolvimento industrial (BARRETO, 2019).
O Estado liberal se apresentou como um representante da sociedade, como
garantidor da ordem. Para essa política econômica, o Estado não deve interferir nos
interesses privados dos indivíduos e somente garantir a segurança para que os membros
possam exercer livremente suas funções e atividades na estrutura social. Deve tratar da
coisa pública de interesse comum, como estradas, portos e, nos dias atuais, saúde e
educação. Como o surgimento do Estado liberal, firmou-se a separação entre a esfera
pública e a esfera privada (BARRETO, 2019).
Do ponto de vista político, o Estado defende a soberania popular, que tem como
principal expressão as eleições. Por meio da democracia representativa defendida pelos
liberais, os indivíduos podem escolher seus representantes.
O liberalismo tem como valores o individualismo, a propriedade privada e a
liberdade. A seguir, você vai conhecer cada um desses princípios (BARRETO, 2019).
53
Individualismo: põe no esforço individual a responsabilidade pelo
sucesso, por meio de méritos e independentemente das condições
econômicas e sociais nas quais os indivíduos estejam inseridos.
Propriedade privada: todos os membros da sociedade têm direito à
propriedade a partir do momento em que se esforçam e trabalham para
tal. A igualdade se configura como forma jurídica e não como igualdade
social, pois todos são iguais perante a lei. Portanto, é “natural” que existam
pobres e ricos, pois cada um tem posses adquiridas de acordo com seu
méritos, talentos e esforços individuais.
Liberdade: segundo a teoria do liberalismo, o Estado não deve interferir
na economia. Um dos pensadores fundadores dessa teoria foi o
economista Adam Smith (1723–1790), que defendia a ideia de laissez-
faire (deixar fazer, deixar passar). Está em jogo a visão de que a economia
não deve ser regulada pelo Estado, mas por si própria, pela mão invisível
do mercado. O mercado é autorregulável e precisa ter liberdade para
produzir e circular os seus produtos, a fim de garantir o progresso e o
desenvolvimento das empresas e das nações.
55
A visão neoliberal prega a desregulamentação da economia e a privatização das
empresas estatais, como indústrias de base, administração de estradas e portos, setores
energéticos e até setores como saúde e educação. O Estado deveria enxugar a máquina
pública e diminuir os gastos com políticas sociais. Essas medidas estimulariam a
diminuição dos impostos e a produção econômica (BARRETO, 2019).
O mercado, segundo o neoliberalismo, tem de ser livre, sem interferência do
Estado. Essa política econômica teria como consequência o aumento da produção e,
com isso, a geração de emprego e de renda, com efeitos positivos para a sociedade. A
partir da década de 1980, a política do neoliberalismo foi aplicada no Reino Unido, no
governo de Margaret Thatcher, e nos Estados Unidos, no governo de Ronald Reagan
(BARRETO, 2019).
SAIBA MAIS
A seguir, você pode conhecer melhor os fundamentos do neoliberalismo (PINTO,
2019):
20 A RELAÇÃO PÚBLICO-PRIVADA
58
envolvida em um processo de racionalização da modernidade. No processo de
racionalização, as pessoas têm uma ação instrumental em relação a si mesmas, aos seus
semelhantes, enfim, ao mundo ao redor, com o objetivo de defender seus valores ou
interesses (BARRETO, 2019).
Na sociologia, Max Weber foi o autor que primeiro tratou desse tema. Seus
estudos serviram de base para outros estudiosos de diversas escolas acadêmicas. Ele
desenvolveu os princípios da burocracia. A burocracia, segundo ele, se baseia na
racionalidade. Weber faz uma análise da racionalização na transição da Idade Média para
a Idade Moderna. Para ele, há um desencantamento do mundo estruturado no
utilitarismo, substituindo as interações sociais que eram fundamentadas na tradição.
Surge a racionalidade instrumental-legal, que transforma as relações na sociedade,
solidificando a burocracia no processo histórico-social do sistema capitalista moderno
(WEBER, 1982).
Weber (1982) afirma que existe uma superioridade técnica da burocracia no
capitalismo sobre qualquer outro modo de organização. O sistema burocrático possui
formas específicas de funcionamento, regidas sob jurisdições fixas e oficiais, leis e
normas da administração. Ele impõe relações de autoridade, definidas por normas que
geram coerção e consenso.
Houve uma expansão do capitalismo a partir do século XVI e,
consequentemente, as organizações foram se tornando mais complexas. Novas funções
surgiram dentro das empresas, com o aumento do quadro do pessoal. Nas relações
burocráticas, há uma hierarquia entre a autoridade dominante e os subordinados. As
ordens estão fundamentadas em preceitos legais, e os subordinados aceitam essas
ordens por reconhecerem a sua legitimidade (BARRETO, 2019).
A burocracia envolve diversas organizações na sociedade contemporânea: o
Estado, a empresa, os hospitais, as escolas, etc., perpassando a maioria dos setores
sociais. O governo de um Estado baseia-se em preceitos burocráticos. As leis são tidas
como legítimas pelo povo, que crê que são criadas para defender os interesses gerais e
o bem comum. No caso do Estado, estão em jogo as normas e leis escritas pela classe
política (BARRETO, 2019).
59
Os funcionários devem, portanto, seguir as normas e regulamentos escritos. Os
documentos conduzem o comportamento e as tarefas das pessoas. Ocorrem
treinamentos para os diferentes cargos devido à especialização das ocupações que estão
englobadas na profissão. As tarefas de um trabalho são transformadas em profissão, que
pode ser realizada pelo trabalhador formado e especializado. As atividades são
delimitadas pela formação de cargos estáveis. Os cargos são impessoais e podem ser
transitórios (BARRETO, 2019).
A posição do funcionário é relacional, isto é, é comparada com as dos outros
membros na sociedade. Estes recebem salários que são regulares em troca do trabalho
exercido; salários definidos de acordo com as atividades realizadas, pela posição na
hierarquia da empresa e por sua especificidade. Há a criação de carreiras dentro das
instituições (BARRETO, 2019).
Com a racionalização do processo administrativo, a burocracia busca a
eficiência, o perfeito funcionamento das organizações. Para que isso aconteça, faz-se
necessário o detalhamento das atividades e metas a serem alcançadas, evitando a
impessoalidade. A forma de comunicação é predominantemente escrita e as regras estão
geralmente estabelecidas e escritas em um documento com caráter formal (BARRETO,
2019).
Ocorre também uma divisão do trabalho. Cada pessoa tem sua função na
instituição, exercendo seu cargo e tendo suas atribuições, por meio de suas
competências e habilidades. Cada funcionário tem suas responsabilidades e posição
hierárquica a fim de realizar seu trabalho de forma racional e produtiva. Há uma
especialização de cargos e uma divisão de tarefas a fim de cumprir metas (BARRETO,
2019).
Enfim, você pode considerar como elementos essenciais do sistema burocrático:
a hierarquia e a divisão do trabalho; o poder de uma autoridade; a especialização do
trabalho; a impessoalidade das relações na organização; as comunicações
documentadas por escrito e formalizadas. O sistema burocrático tem um aspecto de
racionalidade por intermédio de normas, instrumentos, finalidades e objetivos (WEBER,
1982).
60
Ao analisar os estudos de Weber, Tragtenberg (1974) afirma que ele vê a
burocracia como uma forma de poder, em que a burocracia se iguala à organização. O
sistema burocrático é estruturado na racionalidade, formado na divisão do trabalho, tendo
como princípio os fins. Com o aumento da especialização, há o fortalecimento da
burocracia. Cada profissão delimita as capacidades dos trabalhadores; estes precisam
de um saber especializado, que deve servir à organização.
O funcionário pode, a qualquer momento, ser substituído por outro mais
especializado e que atenda às finalidades da organização. A cultura e a ideologia da
empresa, as técnicas e tecnologias, os métodos e sistemas de controle, os protocolos e
regras hierarquias direcionam e envolvem todo o sistema administrativo e de produção
nas instituições, da base até a hierarquia superior (BARRETO, 2019).
Tragtenberg procura ir além, fazendo uma crítica mordaz a qualquer forma de
poder, de autoridade, de burocracia e de modos de dominação. Segundo ele, o Estado é
o representante legal e legítimo da burocracia. Assim, o Estado possui papel
prepoderante e promove uma estrutura social que se organiza baseada em um processo
de racionalidade legal, defendendo os interesses capitalistas (TRAGTENBERG, 1989).
Ele funciona como um aparelho de repressão e coerção.
Quando você nasceu, encontrou um mundo pronto. Sua família o acolheu e você
conheceu pessoas com quem se relacionou. Com o tempo, você foi aprendendo sobre o
ambiente ao seu redor, aprendeu a falar e a andar. A cada etapa de desenvolvimento,
seguiu aprendendo mais coisas sobre a vida (BARRETO, 2019).
61
Anos depois, você foi para a escola e conheceu novos amigos e seus
professores. Um mundo novo se descortinou. Sua família talvez tenha o levado à Igreja
e lá você também aprendeu sobre crenças, valores e normas que você deve seguir para
se relacionar no mundo. Logo, à medida que você cresce, descobre que há em todos os
grupos códigos de conduta que a sociedade vê como essenciais para as práticas
cotidianas (BARRETO, 2019).
Esse processo de conhecimento e interação com o mundo se denomina
socialização. Ao se socializar, você vai interiorizando normas, papéis, padrões de
comportamento, hábitos e valores que serão fundamentais para a sua atuação no mundo.
Esse conjunto de regras e padrões de comportamentos é elaborado pela sociedade,
aprovado e tem muita importância social (BARRETO, 2019).
A época histórica influencia muito processo de socialização. A socialização dos
indivíduos no século XV era diferente daquela das pessoas do século XXI, que são
intensamente envolvidas pelo desenvolvimento tecnológico em seu cotidiano. Também o
processo de socialização é diferente em épocas de guerra em relação a épocas de paz.
Esse processo tanto pode ocorrer formalmente, por meio de instituições sociais, como a
igreja e a escola, como pode ocorrer de maneira informal, por meio da família, da
interação com as pessoas do bairro, da cidade, etc. (BARRETO, 2019).
As principais instituições sociais são: a família (sendo a primeira instituição em
que o indivíduo se relaciona), a igreja, o Estado, entre outras. Elas têm como objetivo
satisfazer as necessidades do ser humano, dos grupos nos quais ele se insere e é
inserido. Elas têm o poder de promover a coesão social dos grupos por meio dos valores
e padrões de comportamento. Contudo, cada instituição cumpre uma função ou papel
social e tem sua missão baseada em seus próprios valores; está intrinsecamente
envolvida na manutenção e em processos de mudança na estrutura. Além disso, é
duradoura, direciona a conduta dos seres humanos (BARRETO, 2019).
A escola moderna surgiu no final do século XVI e foi se estabelecendo ao longo
do século XVII. Anteriormente, nas sociedades antigas e da Idade Média, os jovens
estudavam sob a tutela de um mestre, ou estudavam em grupos pequenos, sem
diferenciação de idade ou série. A instituição escolar moderna se diferencia pela
separação dos alunos em classe seriada, conforme a idade, com a divisão dos programas
62
de ensino conforme as séries: básico, médio, superior; escolas profissionalizantes,
técnicas e superiores. O ritmo de aprendizado é instituído pela escola; há o registro de
aulas, a frequência é controlada, surgem livros didáticos. O controle se dá por meio da
disciplina, de um conjunto de regras de comportamentos. A ideia é garantir a perfeita
organização e a disciplina das mentes e corpos dos estudantes (BARRETO, 2019).
Com o surgimento de um novo sistema de produção, a partir do século XVI (o
capitalismo), a burguesia, classe social detentora do capital, concebeu uma nova
ideologia para o capitalismo, o liberalismo. A partir do século XVI, emerge outro
movimento social na Europa, que modifica consideravelmente o pensamento científico: a
revolução científica. Ocorre um potencial crescimento da ciência, da filosofia, da física,
da química e da matemática, havendo a valorização do pensamento racional e científico,
que se separa da teologia e passa a ser mais prático. René Descartes (1596–1650) foi o
fundador dessa teoria.
Há uma relação de afinidade entre o pensamento liberal, a racionalidade e o
aparecimento da escola moderna. A escola foi criada para formar “um novo homem”, que
se adeque às regras e fundamentos da sociedade racional e capitalista. Ela surge em um
momento de ascensão da ciência, de desenvolvimento do capitalismo e do liberalismo.
Tem como papel regular e disciplinar a nova classe trabalhadora que surge com o
capitalismo (BARRETO, 2019).
Para Foucault (1983), as instituições sociais servem como mecanismo de
controle das ações humanas. A escola, segundo ele, teria uma função de disciplinar os
indivíduos para a vida em sociedade. Ele comparou diversas instituições — como escola,
prisões, quartéis e conventos — com o objetivo de identificar as semelhanças e
diferenças entre elas no que diz respeito à sua organização e a como ocorre o controle
social. Segundo ele, além do poder central, há micropoderes, que são pequenas formas
de poder que envolvem o âmbito social e se espalham nos grupos dos quais as pessoas
fazem parte. Por isso elas não se dão conta desses poderes. E, por meio de objetos, de
normas, de formas de comportamento de vigília, de locais físicos, de modos de punições,
esses poderes conseguem controlar e disciplinar os corpos e as mentes, tornando os
seres humanos disciplinados, docilizados e obedientes.
63
As instituições, portanto, têm poder de coesão, mas também de coerção de
disciplina. Considere o sistema penal, por exemplo. Caso o indivíduo cometa um crime,
é julgado pela instituição que tem essa competência — o sistema judiciário, que lhe impõe
a pena a ser cumprida. O indivíduo é separado do convívio social e preso, devendo
cumprir pena para depois se reintegrar à sociedade (BARRETO, 2019).
O desenvolvimento científico e tecnológico, que se acelerou a partir da
Revolução Industrial, trouxe inúmeras mudanças na vivência social da humanidade nos
últimos séculos. Com o progresso da ciência, diversas enfermidades foram
diagnosticadas e tratadas; novos maquinários e instrumentos eletroeletrônicos e
eletrodomésticos modificaram significativamente o cotidiano dos indivíduos (BARRETO,
2019).
O surgimento de novas máquinas, como o computador, a televisão, o celular, o
smartphone, e o desenvolvimento dos meios de comunicação, como o fax, o telégrafo e
posteriormente a internet, transformaram profundamente as relações sociais em nível
mundial. Isso gerou um processo de globalização de costumes, encurtamento de
fronteiras e aumento da velocidade das informações, que hoje correm em tempo real.
Como você sabe, um novo mundo surge a cada instante por meio do desenvolvimento
científico e tecnológico (BARRETO, 2019).
A igreja também tem papel fundamental na vida do indivíduo, na construção de
normas e valores de conduta para a formação do seu caráter. A família geralmente possui
papel influenciador na escolha da religião (BARRETO, 2019).
Goffman (1987), ao estudar a interação social em manicômios, prisões e
conventos, classificou essas instituições como: instituições com a finalidade de cuidado
de pessoas consideradas incapazes e inofensivas; instituições que cuidam de pessoas
incapazes de cuidado próprio, mas que também são uma ameaça à sociedade, como os
sanatórios, hospitais para doentes mentais; instituições que protegem a comunidade
contra as intenções de indivíduos de má índole, como as prisões, cadeias, penitenciárias
e instituições que têm o fim de realizar alguma atividade de trabalho, como quartéis,
escolas internas, campos de trabalho; e instituições que são tidas como refúgio e local
de instrução religiosa, como os conventos, mosteiros, etc.
64
Essas instituições têm em comum o fato de possuírem uma autoridade central.
Nelas, as tarefas são realizadas na presença de outras pessoas, tratadas igualmente e
com a mesma exigência. Também há horários rígidos a serem respeitados na realização
das tarefas. Além disso, as tarefas são planejadas com o intuito de atender aos fins
oficiais das instituições (BARRETO, 2019).
Diante das alterações que temos sofrido nas diversas áreas sociais, tendemos à
abertura ou à resistência. Durante muito tempo, o jornalismo, a psicologia, a educação e
outras áreas tentaram, e ainda tentam resistir às transformações da sociedade com o
crescimento e a evolução das tecnologias, das mídias e do capitalismo (SILVA, 2021).
Alvin Toffler (2005), ao discutir sobre os impactos das tecnologias na sociedade,
retoma a historicidade dos sistemas de produção ao longo do tempo, subdividindo-a em
três ondas:
1. Agrícola,
2. Industrial;
3. Tecnológica digital.
65
tecnologias, oferece o lastro fecundo para o crescimento da era tecnológica, e, ao mesmo
tempo, constrói um cenário propício para que essas criações se tornem estruturadoras
de novas subjetividades, relações e identidades institucionais (SILVA, 2021).
A produção capitalista tem criado produtos e serviço maneira tão frenética que
essa lógica da novidade constante passou a estruturar as relações sociais e econômicas,
construindo desejos e necessidades nos indivíduos, imbuídos pelas lógicas do
individualismo e hedonismo, para os quais buscam resoluções imediatas. Soares Neto
(2012) aponta que os indivíduos estão rodeados por coisas que provocam grandes
encantos e fascínios, estando “[...] sempre em busca por novos produtos, novas
experiências, por um consumo imediatista diante do atual panorama da sociedade e
alimentados por uma economia pronta para saciá-los” (SOARES NETO, 2012, p. 113).
Essa retroalimentação entre a dinâmica de produção e constituição subjetiva dos
consumidores contorna o cenário da mercantilização e da sociedade do consumo, no
qual tudo se torna mercadoria e tudo que é consumido torna-se imediato e fluido. Os
consumidores são marcados por uma necessidade de satisfazer aos seus desejos de
maneira imediata (SOARES NETO, 2012).
Nesse cenário, consta-se o que Lipovetsky e Serroy (2011) chamaram de
mercantilização da cultura e cultura da mercantilização, conjuntura que tem transformado
tanto os modos de existência quanto a vida sociopolítica. Ademais, nesse processo,
novas questões individuais e coletivas são postas, já que há uma cultura-mundo que
globaliza não apenas as evoluções, mas também os medos e os desnorteamentos.
Assim, a contemporaneidade vem sendo marcada por lógicas que colocam ainda
mais em xeque os grandes sistemas institucionais e as noções normativas gerais. Para
Lipovetsky e Serroy (2011, p. 17):
66
com as análises sociais e, também, as ferramentas de comunicação. No entanto, somado
a isso, elevam-se as incertezas e os medos, causando uma instabilidade psíquica
(LIPOVETSKY; SERROY, 2011).
Ao falar sobre a modernidade e suas consequências para as constituições
subjetivas e sociais, Libâneo (2002, p. 70) aponta:
68
mais fortes aliados do governo federal, o que, em um jogo de espelhos, reflete suas
aspirações em uma disposição de extrema direita, sob o manto da moralização política.
E os neopentecostais não são diferentes, pois, baseados em uma teologia que
prega a prosperidade, se contrapõem aos ideais dos progressistas — para eles, as
pautas dos direitos humanos, de igualdade de gênero, desigualdades sociais, etc. são
demoníacas e devem ser veementemente combatidas (COSTA, 2020).
Um exemplo desse movimento conservador, aliado à relação política- -religião,
marcada por uma manipulação mútua, se deu nas eleições de 2018 no Brasil, quando as
alianças religiosas compostas, em sua maioria, por evangélicos conservadores, mas
apoiadas por muitos católicos conservadores, reforçaram e legitimaram o discurso do
presidente eleito, que apresentou, desde sempre, pautas de suposta manutenção da
ordem social, com um forte discurso moralista “[...] contra a esquerda, os comunistas, o
casamento homossexual, o aborto, a corrupção”, etc. (COSTA, 2020, p. 107).
Apesar da laicização do estado, o que vemos em solo brasileiro é o crescimento
da ala evangélica “politizada”, com amplos desejos de poder político, crescendo a cada
pleito das esferas municipais, estaduais e federais, defendendo pautas
hiperconservadoras e colocando em xeque a democracia brasileira, além de deixar de
lado as políticas para os mais pobres e marginalizados. E, no último pleito federal,
observamos muitos católicos conservadores defendendo esses mesmos ideais, sendo,
inclusive, contrários às diretrizes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
e às próprias indicações do Sumo Pontífice, o Papa Francisco, que se colocou diversas
vezes contra governos apoiadores de torturas e contra as causas sociais e ambientais
(SILVA, 2021).
Fonte: Pixabay.com
70
relação entre as pessoas, fundamentado em uma imagem não real, mas construída por
um discurso e mediada por instrumentos que a facilitam.
Nessa conjuntura, as religiões, ao mesmo tempo, podem denunciar a irrealidade,
o consumo desenfreado, as lógicas capitalistas, modernas, imediatistas e efêmeras, e
aderir a essas lógicas, agora encobertas pelo discurso sacralizado. Conforme Ramos
(2008, p. 148), “[...] à medida que o mercado religioso se incorpora ao espírito religioso,
aquele fica legitimado pela religião”, continuando a afirmar que a “[...] religião-mercadoria
é sustentada e promovida por uma homilética articulada segundo os princípios e valores
da sociedade espetacular” (RAMOS, 2008, p. 148).
Nos valores espetaculares, o novo é algo que necessita estar eminentemente
presente, com uma produção desenfreada de novidade de bens de consumo, visto a
necessidade de sempre oferecer experiências novas aos consumidores, inclusive os da
religião. Esta passa a ser a la carte, ou seja, servida a partir da necessidade do fiel
(VELIQ, 2017), estando no cardápio a cura, a prosperidade, o consolo espiritual ou outras
necessidades. Com isso, constatamos que os âmbitos religiosos têm sido influenciados
pelas lógicas mercadológicas e entregado cada um ao seu modo bens simbólicos e de
consumo aos fiéis, a partir de suas necessidades específicas.
Os produtos da fé já estão definidos nas funções sociais da religião na
contemporaneidade: organizar o caos existencial, dar sentido, etc. Mas quais
instrumentos vêm sendo usados para fazer com que esses produtos cheguem aos
consumidores, ou melhor, aos fiéis?
Com o avanço tecnológico, as religiões, com o intuito de comunicar a Palavra de
Deus e oferecer o que os consumidores necessitam, têm adentrado diversos meios,
como:
TV;
Sites;
Redes sociais;
Aplicativos de mensagens;
Construção de aplicativos próprios.
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Soares e Cândido (2015), ao analisarem as igrejas eletrônicas, afirmam que as
vertentes evangélicas despertaram para a evangelização mediada pelas tecnologias
muito antes da Igreja Católica, visto que, “[…] desde meados dos anos de 1950, as igrejas
evangélicas já fazem uso dos mass media e, atualmente, a comunidade evangélica tem
a TV como uma das suas maiores aliadas na estratégia de propagação das crenças”
(SOARES; CÂNDIDO, 2015, p. 147).
Do rádio à TV, foram se consolidando programas de propagação da fé e das
crenças evangélicas, como:
Trata-se de exemplos dos formatos que a religião tem encontrado para alcançar
e conquistar fiéis, cuja narrativa apresenta como núcleo pregações com curas,
libertações, exaltação da prosperidade e aquisição de bens materiais, além de uma
pregação baseada no que as pessoas gostam e querem ouvir. É um Deus que serve às
necessidades das pessoas e é visto como “[...] um amuleto que está sempre pronto para
resolver os problemas” (SOARES; CÂNDIDO, 2015, p. 151).
E a Igreja Católica não ficou de fora desse meio eletrônico, mesmo chegando um
pouco depois. A rede de TV Canção Nova, fundada pelo Monsenhor Jonas Abib, a TV
Aparecida, a Rede Vida, e os padres Fábio de Melo, Reginaldo Manzotti e Marcelo Rossi
assumiram esse diálogo com o mundo moderno e representam a face da
espetacularização do fenômeno religioso católico, destacando-se por seu lastro de
alcance. Nesse contexto, shows, encontros e celebrações televisionadas são “[...]
espetáculos religiosos e renovadas formas de adoração e culto devoção, êxtase, dança,
choro, alegria, fé e idolatria, comungam do mesmo espaço e momento” (PESSOA, 2016,
documento on-line).
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BIBLIOGRAFIA BÁSICA
DEL PRIORE, Mary. História do Amor no Brasil. São Paulo: Contexto, 2006.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
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