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Resumo
Este trabalho avalia as contribuições de uma ação educativa na aprendizagem de zoologia de
invertebrados baseado na sistemática filogenética. A pesquisa foi desenvolvida com uma
turma de 7º ano do ensino fundamental numa escola em Jequié-BA. Os dados foram coletados
por meio de videogravações e produções escritas dos alunos. Em relação aos conhecimentos
prévios dos estudantes sobre as formas de agrupamento animal, observaram-se critérios como
racionalidade, comportamento e noções de utilidade. Após a intervenção, a maioria dos
alunos compreendeu as características apomórficas dos invertebrados, embora tenham tido
dificuldades em relação aos Porifera e Mollusca. Todavia, a maioria dos caracteres e a relação
de parentesco foram compreendidas pelos estudantes que citaram características
compartilhadas tais como a multicelularidade, desenvolvimento embrionário, celoma e
metameria. Em suma, a intervenção possibilitou uma maior compreensão das relações
filogenéticas dos invertebrados, apesar das limitações relacionadas ao tempo relativamente
curto e ao vocabulário específico da área.
Palavras chave: Ensino de Zoologia, intervenção, invertebrados, filogenia.
Abstract
This study aimed to evaluate the effects of an educational intervention in phylogenetic
systematics based invertebrate zoology learning. The research was developed with a 7th grade
class at a school of the city of Jequié-BA. Data were collected by means of video recording
and students' written production. Regarding prior knowledge of the students about animal
grouping, criteria such as rationality, behavior, and notions of utility were observed. After the
intervention, the majority of the students understood the apomorphic characteristics of
invertebrates even if they had some difficulties concerning Mollusca and Porifera. However,
most of the characters and family relations were understood by the students who cited shared
characteristics such as multicellularity, embryonic development, coelom and metamerism. In
sum, the educational intervention facilitated a better comprehension of invertebrate
phylogenetic relations, despite the limitations related to the relatively short time and the
specific vocabulary of the subject matter.
Keywords: Zoology teaching, intervention, invertebrates, phylogeny.
Introdução
A Zoologia constitui-se no estudo da Diversidade Animal e, de acordo com Por e Por (1985),
é uma ciência histórica e descritiva. Histórica, pois somente pode ser entendida quando
contada na perspectiva de que os animais atuais são produtos de seus ancestrais e cada um
deles tem a sua história. E descritiva, porque é baseada em observações de características e na
sua descrição.
Apesar de antiga a Zoologia somente alcançou importância no currículo escolar na metade do
século XX. Nesse período ela era um dos principais componentes curriculares no Ensino de
Ciências. Contudo a partir de 1970 foi perdendo espaço iniciando um negligenciamento
constante e crescente no seu ensino o que é observado até os dias de hoje.
Nos currículos escolares, a Zoologia está atualmente vinculada às disciplinas de Ciências
Naturais no Ensino Fundamental, e à Biologia no Ensino Médio e, é por meio dela que a
história dos animais, em todos os seus aspectos, tem sido ensinada.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) a história dos seres
vivos deve ser abordada com o intuito de permitir aos estudantes o entendimento das relações
de parentesco entre os organismos e que estes, por sua vez, são produto de um longo processo
de evolução. Este enfoque pedagógico torna o Ensino de Zoologia mais dinâmico e
interessante.
Entretanto, tais recomendações, de maneira geral, não têm sido adotadas pelos professores em
suas salas de aula favorecendo a prevalência de um ensino de baixa qualidade e pouco atrativo
para os estudantes, reforçando unicamente o caráter descritivo da Zoologia.
No cenário atual da escola brasileira, citam-se alguns problemas relacionados ao professor
que interferem na qualidade do Ensino de Zoologia entre eles: a prevalência de ideias
criacionistas e concepções religiosas que se misturam com os conhecimentos científicos; a
formação inicial deficitária do professorado que não fornece suporte adequado para trabalhar
o assunto; o desinteresse na socialização de conhecimentos científicos e na ausência de
utilização de recursos didáticos; o ensino livresco, além da desvalorização profissional
reforçada pelos baixos salários, pelo número elevado de estudantes em sala de aula e pela
carga horária excessiva.
Sepulveda (2001) e Carneiro (2004) distinguem, também, como problemas que interferem no
Ensino de Zoologia a falta de coerência nos conceitos desenvolvidos em sala de aula, às
falhas conceituais nos livros didáticos e nos cursos de formação de professores. Tidon e
Lewontin (2004) afirmam que lacunas na formação de professores e má qualidade de trabalho
são alguns dos fatores que colaboram para que o Ensino de Zoologia apresente inúmeras
deficiências. Amorim (2001), por sua vez, aponta para a quantidade excessiva de nomes
latinos e estruturas utilizadas pelos professores que devem ser memorizadas pelos estudantes.
Outro ponto importante a ser mencionado refere-se ao Ensino de zoologia baseado
unicamente na perspectiva de Lineu, importante cientista que instituiu a nomenclatura
binominal e um sistema hierárquico para os seres vivos definido de reino a espécie. Porém, a
classificação de Lineu segue a lógica de Aristóteles proposta no quarto século a.C.
(AMORIM, 2002a; ROMA; MOTOKANE, 2007; SANTOS; TERAN, 2009) que jamais
previu o estabelecimento de graus de parentesco entre as espécies.
Além desses problemas relatados, destaca-se a infrutífera utilização das idéias lamarckianas e
darwinianas empregadas na escola de maneira distorcida impingindo uma contraposição
infundada entre os dois cientistas. Lamarck, apesar dos equívocos cometidos, contribuiu
enormemente para o entendimento da evolução dos seres vivos rompendo com a visão aceita
na época, de que as espécies eram entidades fixas (AMORIM, 2002a). Nesta perspectiva
Darwin propôs um novo olhar sobre a ordem natural propondo a Teoria da Evolução e hoje,
conjuntamente com os trabalhos da Biologia Molecular, constitui a teoria mais aceita pela
comunidade científica (ROQUE, 2003) para explicar a origem e como as espécies mudam ao
longo do tempo.
Com base no panorama anteriormente apresentado muitos pesquisadores têm investigado
sobre como a Zoologia vem sendo ensinada nas escolas e, em seus trabalhos são apresentadas
propostas para a melhoria dessa prática docente (BARBIERI, 1999; AMORIN, 2001; LOPES;
FERREIRA; STEVAUX, 2007; SANTOS; CALOR, 2007a, 2007b; ALMEIDA et al., 2008;
GUIMARÃES, 2008).
Neste sentido legitimam-se as ideias desses autores, quando se propõe que o Ensino de
Zoologia na Escola Fundamental deva ser baseado numa perspectiva evolutiva contemplando
a história dos seres vivos e conduzindo os estudantes à compreensão das relações de
parentesco entre os grupos, a evolução por adaptação e por seleção natural.
Tendo essas ideias como referência, este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa
desenvolvida com uma turma de 7º ano do Ensino Fundamental, de uma escola do município
de Jequié-Ba. O objetivo da investigação foi verificar as potencialidades e as limitações de
uma proposta para o Ensino de Zoologia pautada na Filogenia dos grupos, considerando os
conhecimentos prévios dos estudantes sobre a classificação dos animais.
Metodologia
Esta pesquisa caracteriza-se como pesquisa de intervenção e foi realizada com base nos
pressupostos qualitativos. A pesquisa de intervenção é caracterizada pelo desenvolvimento de
uma prática educativa visando uma melhora no desempenho da prática e do aprendizado e
ocorre simultaneamente ao desenvolvimento da pesquisa (TEIXEIRA, 2008). De acordo com
Bogdan e Biklen, (1997), uma pesquisa desenvolvida com enfoque qualitativo apresenta
dados ricos em pormenores que podem ser descritos sistematicamente, privilegiando-se a
compreensão dos comportamentos evidenciados a partir da perspectiva dos sujeitos da
pesquisa. Para esses autores o investigador é instrumento principal da pesquisa, ela é
descritiva, e o interesse principal é no significado e em seu processo de construção e não nos
resultados finais.
O campo empiricamente determinado para esta pesquisa foi uma turma de 7º ano do Ensino
Fundamental, de uma escola localizada na cidade de Jequié-BA. A classe era constituída por
26 estudantes de ambos os gêneros com idades entre 11 e 12 anos e a pesquisa foi conduzida
pela professora da turma, a autora deste trabalho, com a orientação dos co-autores.
A pesquisa foi desenvolvida em duas etapas. Na primeira foram investigados os
conhecimentos prévios dos discentes sobre a classificação dos animais. Nessa atividade, os
estudantes, divididos em 04 grupos, receberam fotografias de animais invertebrados e
vertebrados e foram instruídos para propor critérios para agrupá-los. Embora o intuito da
pesquisa fosse trabalhar com animais invertebrados optou-se por utilizar, na atividade prévia,
imagens que retratassem, de forma ampla, a biodiversidade animal a fim de detectar possíveis
influências nos critérios de classificação propostos pelos discentes.
Baseando-se nos critérios de classificação dos estudantes elaborou-se a proposta de
intervenção para o Ensino de Zoologia de invertebrados norteada pela Sistemática
Filogenética. A intervenção foi desenvolvida nas aulas de ciências no período de 03 de agosto
a 26 de outubro de 2009, totalizando 27 aulas com duração de 50 minutos cada.
Os conteúdos trabalhados foram distribuídos na seguinte sequência: a) Simetria,
desenvolvimento embrionário e esqueleto; b) Classificação e filogenia dos animais; c) Filos
Porifera e Cnidaria; d) Filos Platyhelminthes e Nematoda; e) Filos Annelida e Mollusca; f)
Filo Arthropoda e g) Filo Echinodermata.
Durante a ação educativa utilizou-se de diferentes estratégias didáticas, no caso, aulas
expositivas dialogadas; trabalhos em grupo; aulas práticas com visualização do animal fixado
seguido de construção de esquemas desses animais e apresentação e discussão de
documentários. Além disso, os discentes construíram uma árvore filogenética dos
invertebrados ao longo das discussões sobre os grupos. O esquema da árvore foi elaborado em
uma das paredes da sala de aula para que os estudantes pudessem visualizá-la a cada encontro.
À medida que o assunto era desenvolvido sempre se retomava aos grupos anteriores para
observar os caracteres compartilhados.
As coletas de dados foram realizadas por meio de videogravações e pelas atividades
desenvolvidas pelos estudantes em classe tais como desenhos, colagens e a construção da
árvore filogenética. Após as transcrições literais das falas nas gravações, as imagens e todas
as demais atividades desenvolvidas foram exaustivamente analisadas. De acordo com Belei et
al. (2008), as videogravações constituem-se em uma melhoria no processo de observação. As
imagens e sons reproduzidos podem ajudar na fidedignidade da pesquisa, dando ao estudo
uma maior estabilidade.
Análise e Discussão
APÊNDICES ARTICULADOS
SIMETRIA BILATERAL
DEUTEROSTOMIA
PROTOSTOMIA
METAMERIA
TRIBLASTIA
DIBLASTIA
BLÁSTULA
CONCHA
CELOMA
DIÓICOS
PORIFERA 20 9 RÁDULA
CNIDARIA 14
PLATYHELMINTHES 13 7
NEMATODA 16 13
MOLLUSCA 25 26 4
ANNELIDA 20
ARTHROPODA 21
ECHINODERMATA 26 26
METAMERIA
TRIBLASTIA
CELOMA
E
PORIFERA 22 21
CNIDARIA 24 26
PLATYHELMINTHES 26 22
NEMATODA 25 23 12
MOLLUSCA 22 21
ANNELIDA 20 19 16 14
ARTHROPODA 24 26 13 13
ECHINODERMATA 25 22
Considerações finais
Baseando-se nos objetivos propostos para a realização deste trabalho e na atividade prévia
sobre a classificação dos animais conclui-se que a maioria dos discentes conseguiu
compreender as relações evolutivas entre os grupos dos invertebrados. A grande quantidade
de termos novos e de grupos de animais não tão familiares para os estudantes pode ter
influenciado no aprendizado dos caracteres apomórficos. Este problema, porém foi
diminuindo no decorrer das aulas, mas se manteve presente até o fim da intervenção,
denotando que a linguagem também pode representar certa influencia no aprendizado.
Mesmo com os contratempos enfrentados, afirma-se a possibilidade de ensinar zoologia na
escola fundamental numa perspectiva evolutiva. O trabalho no ensino fundamental nessa
perspectiva filogenética também abre caminhos para uma discussão mais aprofundada no
ensino médio.
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