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O Vaticano e os oceanos

A decisão foi tomada pelo Vaticano em 1865. Agora, ela permitiu a um grupo de
cientistas descobrir que a saúde dos oceanos piorou no último século.

Todos os seres vivos se alimentam, direta ou indiretamente, da matéria orgânica


sintetizada pelos organismos que fazem fotossíntese. Herbívoros como os coelhos se
alimentam diretamente das folhas onde ocorre a fotossíntese. Carnívoros, como os lobos
que devoram coelhos, alimentam-se indiretamente dessas mesmas folhas. Metade de
toda a matéria orgânica produzida em nosso planeta é resultado da fotossíntese que
ocorre nas plantas terrestres, árvores, arbustos e gramíneas. A outra metade é sintetizada
pelo fitoplâncton, por algas e outros micro-organismos que habitam os oceanos. O
fitoplâncton serve de alimento para os peixes e outros animais marinhos "herbívoros"
que, por sua vez, são o alimento dos peixes carnívoros.

Por constituírem a base que sustenta toda a cadeia alimentar dos oceanos, a quantidade
de fitoplâncton é considerada um dos melhores indicadores da saúde dos mares.

Nos últimos anos, os ecologistas têm tentado descobrir o que ocorreu com a quantidade
de fitoplâncton desde que o homem aumentou a injeção de grandes quantidades de CO2
na atmosfera, causando o aquecimento global. A análise de dados coletados por satélites
permite estimar de maneira indireta a quantidade de fitoplâncton existente nos oceanos.
O problema é que esses dados só começaram a ser coletados em 1979.

Como a quantidade de fitoplâncton varia com as estações do ano, é influenciada pelas


correntes marítimas e pode ser alterada pelos grandes sistemas climáticos como o El
Niño. Portanto, 30 anos de dados não permitem determinar se mudanças globais estão
ocorrendo e em que direção. É como você tentar determinar quantos centímetros seu
filho cresce por ano medindo a altura do rebento uma vez por semana durante três
semanas: o erro na medida esconde o lento crescimento da criança.

Foi aí que a solicitação da Marinha do Vaticano se tornou importante. Em 1865, o padre


Pietro Ângelo Secchi foi encarregado de medir a turbidez do Mediterrâneo. Sem
satélites e outros meios sofisticados, Pietro desenvolveu talvez o primeiro e mais
importante instrumento de oceanografia, o disco de Secchi. Um simples disco de metal,
de 20 centímetros de diâmetro, pintado de branco e amarrado a uma corda. Ele é
colocado na água e baixado até que o marinheiro que esteja na superfície não consiga
mais enxergá-lo. Se o mar está claro, o disco pode ser visto a grandes profundidades; se
o mar estiver turvo, o disco logo desaparece. A turbidez é medida em metros de corda.

O instrumento é tão simples que, desde 1870, um grande número de navios costuma
coletar dados de turbidez ao longo de suas rotas, todos os meses, todos os anos, em
todos os oceanos. Anos mais tarde, foi demonstrado que a turbidez, quando medida
longe da foz de rios, da costa e em águas profundas, é na realidade uma medida da
quantidade de fitoplâncton existente no oceano, pois esses seres vivos só existem
próximos da superfície, onde há luz necessária para fazerem a fotossíntese. Em grande
numero, eles bloqueiam a penetração da luz, tornando o mar turvo.

Análise histórica. Agora, um grupo de cientistas analisou todos os dados coletados com
o disco de Secchi nos últimos 100 anos. Essas medidas só foram interrompidas durante
a 1.ª Guerra. Um total de 445 mil medidas coletadas entre 1900 e 2008 foi analisado
cuidadosamente, correlacionado com as medidas de satélite obtidas nos últimos 30 anos
e com as medidas diretas da clorofila presente nas amostras (coletadas desde 1950).

O resultado é extremamente claro. Foi confirmado que a quantidade de fitoplâncton


varia ao longo de cada ano em função das estações climáticas. Foi também descoberto
que existe um outro ciclo, de aproximadamente dez anos, que afeta a quantidade de
fitoplâncton. Mas o mais importante é que foi possível determinar que, ao longo do
último século, a quantidade de fitoplâncton no planeta diminuiu, em média, 1% por ano.
Essa diminuição ocorreu em oito das dez regiões oceânicas do planeta.

Esses dados demonstram de maneira conclusiva que a quantidade de fitoplâncton vem


diminuindo. Resta saber se essa mudança é causada pela atividade humana e qual sua
consequência para a fauna dos oceanos nos próximos séculos.

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