hi stî r ia seus enxovais uma caixinha mimosa com um pó branco, o açúcar. nO tempO em Foi também na Iha da Madeira que os portugueses desenvolveram a cul- que O açúcar tura dos doces, as técnicas açucarei- ras e o comércio das frutas cristaliza- nãO era vilãO das. A partir daí, o açúcar chega ao Brasil, em 1526, em Pernambuco, O açúcar, herói no passado, segundo onde o clima e o solo massapê são atestam historiadores da alimenta- muito favoráveis ao cultivo da cana- ção, perdeu esse posto nas últimas de-açúcar que floresce rapidamente décadas. A dieta alimentar parece e, apesar da invasão holandesa de estar à mercê dos modismos alimen- 1654, o açúcar domina o cenário tados por pesquisas científicas ou, econômico por quatro séculos, con- ainda, por produtos alimentícios forme relato detalhado escrito por inovadores turbinados com muito Leonardo Dantas Silva, jornalista marketing para influenciar gosto e do Instituto Ricardo Brennand do paladar. As relações entre alimento Recife, em seminário internacional e saúde mudaram. O exemplo do sobre a história do açúcar, Açúcar e Marta Rocha, Miss Brasil e vice Miss açúcar é exemplar: hoje é conside- Universo 1954. Padr‹ o de beleza distinto quotidiano, em 2004. rado um dos maiores riscos à saú- do atual O antropólogo baiano, Raul Lody, do de de crianças, jovens e idosos, um Instituto Gilberto Freyre, do Recife, grande desafio de saúde pública do 2005), Leila Mezan Algranti, histo- autor do livro Brasil bom de boca, de século XXI, responsável pelos altos riadora da Universidade Estadual de 2008, considera que,“ para compre- índices de obesidade e de diabetes. Campinas (Unicamp), especialista ender processos de chegada, fixação e Desde o século XV o açúcar é usado em história do Brasil colonial, faz ações coloniais no Brasil, sem dúvida, para fazer remédios, especialmente uma análise sobre o uso do açúcar nas o açúcar é o caminho preferencial da os originados de extratos de plantas conservas de frutas a partir de dados ocupação e da formação social e cul- e de conservas de frutas. No século encontrados em cadernos de receitas. tural do brasileiro”. XVI, a Ilha da Madeira produzia cas- Um dos cadernos de receitas anali- Em sua pesquisa, em 2007, intitula- quinhas cristalizadas feitas com tiri- sados, considerado ficcional, Notas da “Os tempos da memória gustativa: nhas de frutas cítricas envolvidas em de cocina de Leonardo da Vinci, é um bar Palácio, patrimônio da sociedade açúcar para o combate ao escorbuto, conjunto de observações com apelos curitibana (1930-2006)”, Maria- uma doença comum nas embarca- a que se indicassem, nos tratados de na Corção, historiadora da UFPR, ções de então. O açúcar refinado só cozinha, as propriedades medicinais considera que a publicação do livro aparece no século XVIII, antes disso, dos pratos e de alimentos, insistindo Açúcar, escrito por Gilberto Freyre e as receitas exigiam que o açúcar fosse muito na higiene dos recipientes on- publicado em 1939, “inaugura uma clarificado. Depois, o açúcar refina- de eram acondicionados. nova perspectiva em que o microcos- do passa a ser chamado de “açúcar da mo da cozinha passa a fazer parte da Ilha da Madeira” ou “açúcar em pó”. Origens Originário da Nova Guiné, análise sócio-histórica da cultura bra- No artigo, "Alimentação, saúde e so- desde o século XI até o século XVII, sileira”. Freire compara os segredos ciabilidade: a arte de conservar e con- o açúcar era um produto caro, dese- femininos de cozinha aos segredos feitar os frutos (séculos XV-XVIII)" jado, a ponto de ser dado como dote masculinos da maçonaria: “houve no (História: Questões & Debates, no. 42, nos matrimônios. As moças da épo- Brasil uma maçonaria das mulheres
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ao lado da maçonaria dos homens, que consistiu em guardar segredo das receitas de doces e bolos de família”.
dOces de OvOs Segundo Leila Algran-
ti, no artigo “Os doces na culinária luso-brasileira: da cozinha dos con- ventos à cozinha da ‘casa brasileira’, séculos XVII a XIX” (Anais de Histó- ria de Além-Mar, Vol.VI, 2005), as doçarias nas cidades surgem como resultado de uma migração cultural de Portugal. Nessas doçarias, origi- nadas nos conventos, os chamados doces de freiras, tais como as barri- guinhas de freiras, os queijinhos do céu ou os pastelinhos de nata, descri- tos em artigo da revista Pagu, “Doces Livros analisam o a• œ car do ponto de vista hist— rico e sociol— gico de ovos, doces de freiras: a doçaria dos conventos portugueses no livro se ampliando as formas de seu uso, Só nos anos 1970 é que surge naque- de receitas da irmã Maria Leocádia desde remédio que facilitava a absor- le país o conceito de má alimentação, do Monte do Carmo (1729)”, leva- ção de outras substâncias medicinais, e a obesidade passa a ser considerada vam muitas gemas de ovos cujas cla- produto de luxo e ostentação, símbo- uma doença. Com a onda dos diet ras eram utilizadas para engomar as lo da nobreza, conservante de frutas e e dos light, com um volume muito vestes sacerdotais. outros alimentos, especiaria culinária grande de marketing e de dinheiro, Entretanto, com o crescimento da essencial e, finalmente, alimento bá- o consumo dos adoçantes cresce, de- produção e da demanda, o açúcar sico na dieta da classe trabalhadora”. sestimulando o consumo do açúcar. deixa de ser produto caro e refina- Na década seguinte aparece a "di- do para ser um gênero de primeira QuestÌ O de mOdA Carlos Roberto tadura do não comer açúcar". Os necessidade e, em 1900, o comércio Antunes dos Santos, coordenador modismos mais recentes incluem a de açúcar atingiu a cifra de 8,35 mi- do grupo de pesquisas em história onda do bom açúcar, os de frutas e lhões de toneladas. e cultura da alimentação da Univer- do açúcar orgânico (em oposição ao Publicado na revista Debates de 2001, sidade Federal do Paraná (UFPR), açúcar refinado). o artigo “Açúcar e as transformações relata que, nos anos 1950, no pós- Mas para o historiador Antunes dos nos regimes alimentares”, de Pedro Guerra, “comer bem era sinônimo Santos, com a ditadura do não comer, Ramos, agrônomo do NEA e Anto- de comer bastante”. Na euforia que iniciada a partir dos anos 1970, até os nio Oswaldo Storel Júnior, econo- se seguiu a 1948, não havia ataque nossos dias “com padrões de beleza mista do Nepa, ambos da Unicamp, ao açúcar. Inclusive, o padrão de be- do tipo Gisele Bündchen, e revistas mostra com detalhes a evolução no leza, em 1954, era bastante diferente nas bancas prometendo milagres tais uso do açúcar e sua relação com a so- do atual. Nos EUA, as preocupações com: perca 10kg em 4 semanas, sem ciedade. “O sucesso do açúcar como com a comodidade e com a pratici- qualquer embasamento científico”, alimento, como fonte calórica barata dade geram o modelo alimentar foi que o açúcar passou de herói da de amplo consumo e aceitação po- chamado fast food nos anos 1960, gastronomia a vilão da saúde . pular, foi, assim, fruto de uma lenta que tem como ícones o hambúrguer evolução no decorrer da qual foram e a coca-cola. Celira Caparica