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Revista Eletrônica Científica Ensino Interdisciplinar

Mossoró, v. 4, n. 10, Fevereiro/2018

ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO


FUNDAMENTAL: (re) contextualizações no/do contexto da prática

CURRICULUM POLICIES FOR PORTUGUESE LANGUAGE:


(re) contextualizations in the context of practice

Marcia Betania de Oliveira – UERJ/UERN1


Valéria Fernandes de Andrade - UERN2
RESUMO
Este trabalho discute políticas de currículo, em especial para o ensino de língua
portuguesa nos anos iniciais do ensino fundamental. Visa destacar processos de (re)
contextualizações desse currículo no contexto da prática. Objetiva compreender tais
recontextualizações, investigar práticas docentes quanto às perspectivas curriculares
(leitura de documentos oficiais, conversas com professoras). Compreende o professor
como produtor de política em diversos contextos, seja nas salas de aula, seja nas
secretarias de educação ou em outros lugares que se faça a onde se produzem
políticas de currículo.
Palavras-Chaves: Ciclo de Políticas; Ensino de Língua Portuguesa; Contexto da
prática.

ABSTRACT
This work highlights policy discussions of school curriculum, in particular for teaching
of Portuguese Language in the initial years of elementary school. It aims to highlight
processes of (re) contextualizations curriculum in the context of practice. Aims to
understand such recontextualizations, investigate teaching practices regarding
curricular perspectives (reading official documents, talk with the teachers).
Understands teacher as producer of policy in any context where it is, whether in the
classroom, whether in the secretariat or elsewhere that the policy be made of
curriculum.
Keywords: Policy Cycle; Teaching of Portuguese Language; Context of Practice.

DOI: 10.21920/recei720184108599
http://dx.doi.org/10.21920/recei720184108599

1
Doutora em Educação pela universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ. Professora Adjunta da Faculdade
de Educação da UERN. E-mail: tabuleiro1970@yahoo.com.br
2
Pedagoga, Especialista em Educação (UERN). Professora na Secretaria Municipal de Educação/Mossoró/RN.
E-mail: valeriavogla@hotmail.com

OLIVEIRA, M.B.; ANDRADE, V. F. Políticas de currículo para o ensino de língua portuguesa nos 85.

anos iniciais do ensino fundamental: (re) contextualizações no/do contexto da prática. Revista
Eletrônica Científica Ensino Interdisciplinar. Mossoró, v. 4, n. 10, pp. 85-99, 2018.
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INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda políticas de currículo para o ensino de Língua Portuguesa


nos anos iniciais do ensino fundamental na perspectiva de investigar processos de (re)
contextualizações desse currículo no contexto da prática. Destaca o ciclo de políticas, de
Stephen Ball e colaboradores (1998), como possibilidade de leitura das políticas de currículo
para essa área específica de conhecimento. Tem como lócus de pesquisa a Secretaria Municipal
de Educação (SEMECE) de Mossoró/RN e uma escola dessa secretaria como partes do
contexto da prática em questão.
Destaca discussões sobre o currículo escolar, o qual, de suma importância no
desenvolvimento educacional, tem ganhado espaço nos estudos na educação e também alvo de
discussões no campo empírico por vários autores e estudiosos da área. Embora o currículo
esteja presente nas políticas públicas desde há muito tempo, ele vem sendo refletido e analisado
em vários aspectos, dentro da história da educação brasileira. Diante de tantas especificidades,
o currículo pode influenciar as práticas pedagógicas docentes, dependendo do contexto
educacional no qual ele está inserido.
Lopes e Macedo (2011a) destacam que o currículo é uma excelente ferramenta quando
não segue um modelo sistêmico do que e como ensinar, ele não deve ser um modelo pronto a
ser seguido à risca por educadores, professores e alunos. Lopes (2011a) afirma que as
experiências curriculares transcendem às atividades planejadas e planificadas nos documentos
escritos; mantém-se o hiato entre os planos curriculares e sua aplicação.
Mesmo que o professor siga o currículo da escola, sabe-se que essas experiências
ultrapassam as atividades ali planejadas por ele diante do documento escrito. Nessa perspectiva,
fica o questionamento: como o professor pode ampliar o seu olhar diante de novas perspectivas
que não estão inseridas nos documentos curriculares oficiais? Compreendemos que quando o
professor ressignifica esse currículo, ele está fazendo política, independente do momento e
espaço em que ele se encontra, seja no MEC, nas secretarias de Educação ou nas escolas.
Indagações como essas nos possibilitam repensar questões curriculares em perspectiva
pós-estrutural, descentrada, para além de uma abordagem estadocêntrica, como outra
possibilidade de pensar e fazer currículo, principalmente nas escolas e, mais precisamente, na
sala de aula. Lopes e Macedo (2011a) destacam que concepções como o pós-estruturalismo,
partilham com o estruturalismo uma série de pressupostos, dentre os quais o mais relevante
para a desconstrução dos conceitos de currículo que foi apresentado diz respeito ao lugar da
linguagem na constituição do social.
Este trabalho trata de uma pesquisa qualitativa, de cunho bibliográfico, com destaques
para discussões em torno de referenciais que apontam abordagens do ciclo de políticas
proposto por Stephen Ball e seus colaboradores (1994), com base em leituras de Lopes e
Macedo (2011a; 2011b), Mainardes, Ferreira e Tello (2006) e Mainardes (2006). Destaca,
ainda, uma pesquisa empírica, de caráter exploratório com vista a melhor compreender
questões específicas ao tema, em especial no que diz respeito aos processos de (re)
contextualizações do currículo de língua portuguesa para os anos iniciais do ensino
fundamental, com destaques para o contexto da prática.
A respeito do enfoque qualitativo, Sampiere; Collado e Lucio (2006, p.15, grifos dos
autores) destacam que “A pesquisa qualitativa dá profundidade aos dados, a dispersão, a
riqueza interpretativa, a contextualização do ambiente, os detalhes e as experiências únicas.
Também oferece um ponto de vista ‘recente, natural e holístico’ dos fenômenos, assim como
flexibilidade”. O estudo qualitativo possibilita à pesquisa uma maior riqueza diante dos fatos,
logo a mesma se abre à reflexão, não quantifica os dados, explora-os de modo a perceber as

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similaridades e também as diferenças e singularidades entre seus sujeitos, como também entre
os objetivos e o objeto de estudo.
Corroborando com o pensamento desses autores, Laville e Dionne (1999, p.87)
afirmam que “a pesquisa qualitativa destina-se, a princípio, a aumentar a soma dos saberes
disponíveis, mas que poderão em algum momento, ser utilizados com a finalidade de contribuir
para a solução de problemas postos pelo meio social”. Assim caracterizado, poderemos
construir uma maior compreensão dos dados, sendo isso relevante para atingirmos os objetivos
pretendidos.
Quanto aos procedimentos metodológicos, inicialmente, estudamos o objeto de estudo
em discussão (políticas de currículo, ciclo de políticas, dentre outros), selecionamos autores, tais
como Lopes e Macedo (2011a; 2011b), Mainardes (2006), dentre outros que dialogam sobre a
temática para podermos por seguinte fundamentar nosso estudo.
Organizamos os passos e os procedimentos (momento para coleta de dados e
agendamento com os atores sociais da investigação) para desenvolvermos a pesquisa em
campo. Logo depois, elaboramos o questionário, (construído a partir dos referenciais adotados
e da análise de procedimentos necessários a realizar o estudo), o qual foi utilizado como
instrumento para coletar os dados a respeito da investigação que pretendíamos fazer. Sampiere,
Collado e Lúcio (2006) citam que o questionário é um instrumento de coleta que permite à
pesquisa sofrer uma menor distorção acerca das respostas elucidadas, possibilitando ainda um
detalhamento dependendo do tipo de questão a ser utilizada.
Com o intuito de viabilizar o estudo, de modo que este contribua qualitativamente para
com a investigação, reportamo-nos às conversas com os atores sociais envolvidos como
instrumento principal de coleta dos dados. Contudo, tomamos como base ideias defendidas
por Sampiere, Collado e Lúcio (2006), os quais abordam que através dessa perspectiva de
pesquisa poderemos conseguir uma riqueza de informações, sem haver necessariamente
grandes dificuldades para os investigadores.
Entendemos que os investigadores qualitativos em educação estão continuamente a
questionar os sujeitos da investigação, com o intuito de perceber aquilo que eles experimentam,
o modo como eles interpretam as suas experiências. As estratégias, os procedimentos e os
instrumentos de coleta utilizados são preponderantes para estabelecerem o sentido do que
almejam conhecer (BOGDAN e BIKLEN, 1994).
As conversas com os atores da investigação enfatizaram além dos objetivos principais da
pesquisa, outros elementos que se encontram interligados à função profissional do sujeito
pesquisado, com o propósito de esclarecer e reconhecer a multidimensionalidade que se
entrelaça ao fazer prático do docente e sua maneira de compreender a temática presente.
Com a utilização das conversas/entrevistas objetivamos compreender processos de
recontextualização do ensino de Língua Portuguesa nos anos iniciais do ensino fundamental, no
contexto da prática de professores dos 4º e 5º anos desse nível de ensino, através do qual
consideramos pontos que para nós traduzem e clarificam os objetivos destacados na proposta
de estudo.
Para iniciarmos a investigação definimos, e por seguinte, justificamos alguns pontos
essenciais na realização do trabalho, entre eles estão os objetivos do estudo, a saber:
compreender recontextualizações dos professores dos anos iniciais quanto ao Ensino de Língua
Portuguesa; investigar práticas docentes quanto às perspectivas curriculares (leitura de
documentos oficiais e conversas com professoras), para assim, tentarmos desmistificar a ideia
estadocêntrica na/da produção de políticas de currículo. Compreendemos o professor como
produtor de política em qualquer contexto onde ele se encontra, seja na sala de aula, seja na
secretaria ou em outros lugares que se faça a política de currículo.

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EM CONTEXTOS, POLÍTICAS CURRICULARES PARA O ENSINO DE LÍNGUA


PORTUGUESA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

A escola de Educação Básica é espaço coletivo de convívio, onde são privilegiadas


trocas, acolhimento e aconchego para garantir o bem-estar de crianças, adolescentes, jovens e
adultos, no relacionamento entre si e com as demais pessoas. É uma instância em que se
aprende a valorizar a riqueza das raízes culturais próprias das diferentes regiões do País que,
juntas, formam a Nação. Espera-se que nela se ressignifique e se recrie a cultura herdada,
reconstruindo as identidades culturais, em que se aprende a valorizar as raízes próprias das
diferentes regiões do País (BRASIL, 2013). Portanto, a escola deve construir essas ideias a
partir do seu currículo a fim de organizar esse trabalho, privilegiando a aprendizagem
significativa como também as várias experiências relacionais das crianças no ensino
fundamental.
Para Lopes e Macedo (2011) a escola e o currículo são importantes instrumentos de
controle social, sendo esse último definido por Lopes e Macedo (2011a, p.20) como “as
experiências de aprendizagem planejadas e guiadas e os resultados de aprendizagem não desejados
formulados através da reconstrução sistemática do conhecimento e da experiência sob os auspícios da
escola para o crescimento contínuo e deliberado da competência pessoal e social do aluno”.
A elaboração do currículo escolar demanda uma série de atividades e planejamentos
por parte de toda equipe que faz parte dessa realidade. Em algumas escolas esse é um
procedimento linear, dividido em etapas, prescritos pelo MEC ou pelas Secretarias de
Educação; para outras, tais atividades e planejamentos são tidos como um processo político no
qual não somente o Estado decide os conteúdos abordados por esse currículo, mas toda a
comunidade escolar e seus profissionais ali inseridos como também as famílias e esferas
políticas da cidade. De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental (DCN) (BRASIL, 2013, p. 24) “entende-se então que toda política curricular é
uma política cultural, pois o currículo é fruto de uma seleção e produção de saberes”.
Assim, as políticas curriculares não se resumem apenas a propostas e práticas enquanto
documentos escritos, mas incluem os processos de planejamento, vivenciados e reconstruídos
em múltiplos espaços e por múltiplas singularidades no corpo social da educação (BRASIL,
2013).
Lopes e Macedo (2011a) destacam a obra de Tyler (1949), chamada de Princípios
básicos de currículo e ensino, na qual o autor aborda algumas questões consideradas centrais
para o planejamento de um currículo: que objetivos educacionais deve a escola procurar
alcançar? Como selecionar experiências de aprendizagem que possam ser úteis na consecução
desses objetivos? Como podem ser organizadas as experiências de aprendizagem para um
ensino eficaz? Como se pode avaliar a eficácia de experiências de aprendizagem? Como o
estafe de uma escola ou faculdade pode trabalhar na elaboração do currículo? Portanto, através
desses questionamentos Tyler prepara algumas ideias básicas de currículo a partir de uma
organização das experiências dentro de cada elemento curricular.
De acordo com essas autoras, Tyler (1949) busca integrar diferentes modelos de
planejamento curricular, que estavam, ora centrados na criança (natureza dos alunos) ora no
adulto socialmente inserido que ela se tornaria (natureza da vida contemporânea). Para além da
abordagem tayleriana apostamos em outras possibilidades para leituras das políticas de
currículo, como a do ciclo de políticas (BALL, 1994).
O ciclo contínuo de políticas é uma “estrutura conceitual para o método das trajetórias
das políticas” (BALL, 1994, p. 26). Com ele, os autores pretendem tanto ampliar os estudos
estadocêntricos de políticas quanto superar o hiato entre produção e implementação curricular.
No dizer dos autores, sua preocupação central era com “o trabalho de recontextualização

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política que ocorre nas escolas” (Ball, Bowe e Gold, 1992, apud MAINARDES; FERREIRA;
TELLO, 2011, p. 19).
A partir desse ciclo, desses contextos que estão inter-relacionados, podemos perceber
como as escolas atuam politicamente em se tratando do seu currículo; também perceber como
os conteúdos escolhidos para essas práticas curriculares acontecerem de fato. Mainardes
(2006), nos possibilita conhecer o ciclo de políticas de Ball e nos aponta esses três contextos
principais: O primeiro contexto é o contexto de influência onde normalmente as políticas
públicas são iniciadas e os discursos políticos são construídos. Nesse contexto,

[...] grupos de interesse disputam para influenciar a definição das finalidades


sociais da educação e do que significa ser educado. Atuam nesse contexto as
redes sociais dentro e em torno de partidos políticos, do governo e do
processo legislativo. É também nesse contexto que os conceitos adquirem
legitimidade e formam um discurso de base para a política (MAINARDES,
2006, p. 51).

O contexto de influência tem uma relação simbiótica, porém não evidente ou simples,
com o segundo contexto, apontado por Mainardes (2006) como o contexto da produção de
texto. Os textos políticos representam a política, sendo tomada de várias formas como textos
legais e oficiais e textos políticos, pronunciamentos oficiais, vídeos, etc.

Os textos políticos são o resultado de disputas e acordos, pois os grupos que


atuam dentro dos diferentes lugares da produção de textos competem para
controlar as representações da política (Bowe et al., 1992). Assim, políticas
são intervenções textuais, mas elas também carregam limitações materiais e
possibilidades (MAINARDES, 2006, p. 52).

As respostas a esses textos têm consequências reais. Essas consequências são


vivenciadas dentro do terceiro contexto, o contexto da prática. Mainardes (2006, p.53) destaca
que, de acordo com Ball e Bowe (Bowe et al., 1998), “o contexto da prática é onde a política
está sujeita à interpretação e recriação e onde a política produz efeitos e consequências que
podem representar mudanças e transformações significativas na política original”. Para esse
autor (MAINARDES, 2006, p. 53, grifos do autor), “o ponto-chave é que as políticas não são
simplesmente “implementadas” dentro desta arena (contexto da prática), mas estão sujeitas à
interpretação e, então, a serem “recriadas”.
Nessa perspectiva, abordamos questões relativas ao contexto de influência, aqui
entendido como a Secretaria Municipal de Educação de Mossoró (SEMECE), com o objetivo
de interpretar as abordagens trazidas por Lopes e Macedo (2011a, 2011b) juntamente com
alguns questionamentos acerca do planejamento das professoras do Ensino de Língua
Portuguesa no Ensino Fundamental; como também apresentar alguns documentos oficiais
direcionados ao ensino da Língua Portuguesa e suas especificidades. É nesse contexto, segundo
Lopes e Macedo (2011a, p. 247) “é onde são estabelecidos os princípios básicos que orientam
as políticas, em meio a relações de poder”. Essas autoras (LOPES; MACEDO, 2011a, p.247)
destacam que “Os discursos produzidos nesse contexto são entendidos como aqueles que
limitam as possibilidades de recontextualização e de produção de novos sentidos nas políticas”.
Discutimos uma abordagem empírica através de uma conversa com a Coordenadora
Pedagógica do Ensino Fundamental da Secretaria Municipal de Educação de Mossoró
(SEMECE) objetivando conhecer como se dá o planejamento do Ensino de Língua Portuguesa
nos 4º e 5° anos do ensino fundamental, como o professor interage com os documentos oficiais

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elaborados pela SEMECE, dentre outros, buscando compreender como se elabora e


desenvolve o currículo no contexto escolar.

A Secretaria Municipal de Educação enquanto contexto de influência no/para o planejamento


escolar

Com vista a compreender como se dá a articulação desses contextos na produção de


políticas para o ensino de Língua Portuguesa, especificamente no 4º e 5º anos iniciais,
conversamos com a Coordenadora Pedagógica do Ensino Fundamental na
SEMECE/Mossoró/RN, para a compreensão de algumas questões relacionadas ao currículo de
Língua Portuguesa de algumas escolas municipais, em especial no que diz respeito ao processo
de planejamento e/ou seleção de conteúdos considerados como mais importantes para a
definição curricular.
Na conversa, perguntamos como os professores da rede municipal de ensino utilizam os
conteúdos abordados de Língua Portuguesa nos 4º e 5° anos em sala de aula, qual (quais)
documento (s) as professoras têm como referência para realizar o planejamento desses
conteúdos e se esse planejamento é sistemático e, se os professores têm/tinham a “obrigação”
de passar em sala todos os conteúdos exigidos pela secretaria, dentre outros questionamentos.
Inicialmente a coordenadora relatou que existe uma proposta de Língua Portuguesa nos
4º e 5º anos, que são as matrizes curriculares que estão fundamentadas das Diretrizes
Curriculares Nacionais (BRASIL, 2013), documento esse regulamentado por vários órgãos,
dentre eles o Ministério da Educação (MEC). Ela destacou que, dentro das referidas matrizes
estão os conteúdos e habilidades previstos para o ensino dessa área de conhecimento, para
cada ano de desenvolvimento no ensino fundamental.
A partir da definição de Lopes e Macedo (2011a) de que o contexto de influência “é
visto como aquele em que grupos de interesse lutam pelos discursos políticos”,
compreendemos que os documentos citados pela coordenadora, regulamentados pelo MEC,
estão inseridos no contexto de influência. Esses grupos de interesse são os órgãos
governamentais como o MEC, bem como diversas Secretarias que participaram na elaboração
desse documento, e que a partir dele as professoras, conjuntamente com a coordenadora
pedagógica do ensino fundamental da SEMECE fizeram uma “recontextualização” para
elaborar a sua própria matriz, que se chama “Matriz de Referência – Anos Iniciais”.
A supervisora da SEMECE destacou que, a partir dessa Matriz de Referência, junto
com os professores, organizam sistematicamente o planejamento quinzenal, partindo do
planejamento anual, depois dividido em bimestrais e, por fim, a elaboração das rotinas
pedagógicas. O planejamento acontece coletivamente, com todos os professores, no qual se
planejam todas as disciplinas/áreas de conhecimento, e não somente a de língua portuguesa.
A partir do que a supervisora entrevistada relatou sobre a Matriz de Referência,
interpretamos que esse documento foi recontextualizado pela Secretaria de Educação,
juntamente com professores e supervisores a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais, e está
inserida no Contexto de Produção do Texto político. Esse contexto “é aquele que produz os
textos que representam – ou tentam representar - para as escolas, o que é a política como um
todo” (LOPES; MACEDO, 2011a, p. 247), nesse caso, aqui representado pelas Diretrizes
Curriculares Nacionais.
Esses documentos são produzidos num contexto dito “oficial”, nessa legislação dita
“oficial”, institucionalizado, devido a Secretaria ter como a “obrigação” o cumprimento desses
documentos por ser uma Política Nacional direcionada às escolas. Recorremos à afirmação de
Lopes e Macedo quando definem que documentos produzidos nesse contexto, “[...] têm sido a
possibilidade de pensar o contexto de produção do texto político como espaço de
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representação política que dá origem a textos híbridos que serão reescritos no contexto da
prática” (LOPES; MACEDO, 2011b, p. 262).
De acordo com a Coordenadora da Secretaria de Educação de Mossoró (SEMECE), os
professores e os supervisores pedagógicos utilizam a Matriz de Referência para elaborarem o
planejamento; porém, todas as escolas têm o seu Projeto Político Pedagógico (PPP) o qual
pode ser modificado, situação em que os professores dessas escolas têm autonomia para
trabalhar outros conteúdos para além daqueles previstos e/ou previamente definidos pela
referida matriz. De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental (BRASIL, 2013), “o projeto político-pedagógico, nomeado na LDB como
proposta ou projeto pedagógico, é um dos meios de viabilizar a escola democrática e autônoma
para todos, com qualidade social” (BRASIL, 2013, pág. 47).
Apesar de não estar definido na matriz, nem no planejamento da própria secretaria, a
coordenadora pedagógica da SEMECE afirmou que existe uma certa “obrigatoriedade” em se
trabalhar, por exemplo, com os temas transversais em sala, encontrados nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), especificamente no PCN de Língua Portuguesa. Entende-se
que a escola segue o planejamento da matriz de referência que a secretaria faz diante da
reconfiguração da Matriz Curricular proposta pelas Diretrizes Curriculares, e que os
professores devem trabalhar todos os conteúdos propostos de Língua Portuguesa, podendo ser
acrescentados através dos PCNs.
Com o objetivo de entender como o professor de Língua Portuguesa desenvolve essas
habilidades no ensino fundamental, e partindo do princípio que os professores ressignificam
conteúdos propostos/previstos na Matriz de referência em questão, questionamos: como tais
conteúdos são ressignificados e quais dificuldades os professores encontram no momento de
elaborar o seu planejamento mesmo que eles tenham participado da elaboração dessa matriz
proposta pela Secretaria? Essas e outras questões serão exploradas a seguir. Para compreender
um pouco sobre os conteúdos abordados de Língua Portuguesa nos 4º e 5º anos, destacamos
algumas interpretações sobre alguns documentos prescritos pelo MEC e outras instâncias
políticas.

Documentos ‘ditos oficiais’ e suas pretensas ‘prescrições’ para o ensino de Língua Portuguesa
para os anos iniciais do Ensino Fundamental

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394 (BRASIL, 1996) elenca


propostas a serem trabalhadas em todos os níveis de ensino, com foco na Educação Básica,
mais especificamente no Ensino Fundamental. De acordo com a redação dada pela Lei nº
12.796, de 2013, fica definido que:

Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do


ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em
cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte
diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da
cultura, da economia e dos educandos.

Mais recentemente, o parágrafo primeiro desse artigo foi modificado pela redação dada pela
Medida Provisória nº 746, de 2016, assim determinando:

§ 1º Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente,


o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo
físico e natural e da realidade social e política, especialmente da República
Federativa do Brasil, observado, na educação infantil, o disposto no art. 31,

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no ensino fundamental, o disposto no art. 32, e no ensino médio, o disposto


no art. 36.

Tendo como base o teor do artigo 27 da LDB, pode-se entender que o processo
didático em que se realizam as aprendizagens fundamenta-se na diretriz que assim delimita o
conhecimento para o conjunto de atividades:

Art. 27. Os conteúdos curriculares da educação básica observarão, ainda, as


seguintes diretrizes:
I - a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres
dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática;
II - consideração das condições de escolaridade dos alunos em cada
estabelecimento;
III - orientação para o trabalho;
IV - promoção do desporto educacional e apoio às práticas desportivas não-
formais.

Percebe-se então, que a proposta dos currículos segundo a LDB é flexível, visto que
esse currículo deve abranger, obrigatoriamente o ensino da língua portuguesa e matemática,
podendo ser complementada a partir da realidade regional e local dos educandos, como
também a sua cultura e economia, tornando os conteúdos abordados no currículo,
especificamente o ensino de língua portuguesa, fundamentais aos direitos e deveres das
crianças.
Uma breve leitura do Plano Nacional de Educação (PNE 2014- 2024) (BRASIL, 2014),
nos faz saber que, apesar de abordar questões importantíssimas nas várias modalidades de
ensino, a busca nesse documento nos faz perceber que ele não referencia especificamente a
Língua Portuguesa nos anos iniciais do ensino fundamental. Portanto, não temos o que destacar
nesse sentido, quanto a esse documento.
A organização curricular, assim concebida por alguns professores, supõe outra forma de
trabalho na escola, que consiste na seleção adequada de conteúdos e atividades de
aprendizagem, de métodos, procedimentos, técnicas e recursos didático-pedagógicos. No que
diz respeito às Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental – DCN (BRASIL,
2013), a perspectiva da articulação interdisciplinar é voltada para o desenvolvimento não apenas
de conhecimentos, mas também de habilidades, valores e práticas (BRASIL, 2013). Seguindo
essa organização “prescrita” pela DCN, a Secretaria de Educação de Mossoró desenvolveu a
sua Matriz de Referência para nortear o planejamento dos professores, destacando os
conteúdos essenciais de aprendizagem a cada ano do ensino fundamental.

O currículo da base nacional comum do Ensino Fundamental deve abranger


obrigatoriamente, conforme o artigo 26 da LDB, o estudo da Língua
Portuguesa e da Matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da
realidade social e política, especialmente a do Brasil, bem como o ensino da
Arte, a Educação Física e o Ensino Religioso. Os componentes curriculares
obrigatórios do Ensino Fundamental serão assim organizados em relação às
áreas de conhecimento:
I – Linguagens:
a) Língua Portuguesa
b) Língua materna, para populações indígenas
c) Língua Estrangeira moderna
d) Arte
e) Educação Física (BRASIL, 2013, p. 114)

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Na Matriz de Referência definida pela referida Secretaria, matriz essa recontextualizada


a partir do DCN, a área do conhecimento Língua Portuguesa, foram divididos em eixos da
seguinte maneira de acordo com cada ano: para o 4º ano os eixos são Linguagem Oral,
Linguagem Escrita sendo este eixo subdividido em práticas de leitura e prática de produção de
textos, e por último Análise e Reflexão sobre a Língua. No 5º ano os eixos são Leitura,
Linguagem Oral, Linguagem Escrita, Prática de Produção Textual e por último Análise e
Reflexão da Língua. É esperado/proposto que, a partir desses eixos o professor deve
desenvolver as habilidades e conteúdos respectivos a cada ano durante todo o ano letivo.

Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa – PCNLP e suas definições para o


currículo

A partir da interpretação feita nos PCNs de Língua Portuguesa, observamos várias


características descritas pela Matriz de Referência da Secretaria Municipal de Mossoró, que
estão diretamente prescritas em cada eixo temático dentro do Ensino de Língua Portuguesa.
Nessa perspectiva, destacamos os seguintes objetivos do ensino da Língua no fundamental de
acordo com o PCN (BRASIL, 1997, p. 33):

• expandir o uso da linguagem em instâncias privadas e utilizá-la com eficácia


em instâncias públicas, sabendo assumir a palavra e produzir textos — tanto
orais como escritos — coerentes, coesos, adequados a seus destinatários, aos
objetivos a que se propõem e aos assuntos tratados;
• utilizar diferentes registros, inclusive os mais formais da variedade linguística
valorizada socialmente, sabendo adequá-los às circunstâncias da situação
comunicativa de que participam;
• conhecer e respeitar as diferentes variedades linguísticas do português
falado;
• compreender os textos orais e escritos com os quais se defrontam em
diferentes situações de participação social, interpretando-os corretamente e
inferindo as intenções de quem os produz;
• valorizar a leitura como fonte de informação, via de acesso aos mundos
criados pela literatura e possibilidade de fruição estética, sendo capazes de
recorrer aos materiais escritos em função de diferentes objetivos;
• utilizar a linguagem como instrumento de aprendizagem, sabendo como
proceder para ter acesso, compreender e fazer uso de informações contidas
nos textos: identificar aspectos relevantes; organizar notas; elaborar roteiros;
compor textos coerentes a partir de trechos oriundos de diferentes fontes;
fazer resumos, índices, esquemas, etc.;
• valer-se da linguagem para melhorar a qualidade de suas relações pessoais,
sendo capazes de expressar seus sentimentos, experiências, ideias e opiniões,
bem como de acolher, interpretar e considerar os dos outros, contrapondo-os
quando necessário;
• usar os conhecimentos adquiridos por meio da prática de reflexão sobre a
língua para expandirem as possibilidades de uso da linguagem e a capacidade
de análise crítica;
• conhecer e analisar criticamente os usos da língua como veículo de valores
e preconceitos de classe, credo, gênero ou etnia.

É possível perceber que esses objetivos definidos pelos PCNs também estão inseridos
dentro das habilidades que cada eixo deve contemplar na Matriz de Referência da Secretaria de

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Revista Eletrônica Científica Ensino Interdisciplinar
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Mossoró, respectivamente nos 4º e 5º anos do fundamental. De acordo com o PCN de Língua


Portuguesa (BRASIL, 2007, p. 35), os conteúdos de Língua Portuguesa no ensino fundamental
devam ser selecionados em função do desenvolvimento dessas habilidades e organizados em
torno de dois eixos básicos: o uso da língua oral e escrita e a análise e reflexão sobre a língua.
O bloco Língua escrita subdivide-se ainda em prática de Leitura e Prática de Produção
de Texto, ambos também encontrados na Matriz de Referência. Nossa investigação permite
identificar que os conteúdos abordados pelo PCN de acordo com cada bloco, estão inseridos
na Matriz de Referência da SEMECE/Mossoró.
Tendo em vista que a Coordenadora Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação
de Mossoró, afirmou elaborar a Matriz de Referência adotada pela SEMECE juntamente com
a equipe de professores da Rede Municipal, observa-se a tentativa de implementação, também,
do PCN de Língua Portuguesa na própria Matriz, que até então não foi citada pela mesma.
Compreende-se então que “no caso da política de currículo, a prática das escolas permanece
situada fora do espaço de decisão política. Trata-se de um espaço de implementação de
orientações definidas por poderes externos a ela”, (LOPES; MACEDO, 2011a, p. 237).

O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO CURRÍCULO DO ENSINO


FUNDAMENTAL E POSSÍVEIS (RE) CONTEXTUALIZAÇÕES NO CONTEXTO DA
PRÁTICA

Nesta seção temos como objetivo apresentar processos micropolíticos a partir de


questões específicas sobre como as professoras dessa investigação abordam os conteúdos
propostos pelo currículo de Língua Portuguesa na sala de aula. Segundo os Parâmetros
Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (PCNLP), esse processo é considerado a partir
“dessa tríade”, em que

[...] o aluno, é o sujeito da ação de aprender, aquele que age sobre o objeto de
conhecimento. O segundo elemento, o objeto de conhecimento, é a Língua
Portuguesa, tal como se fala e se escreve fora da escola, a língua que se fala
em instâncias públicas e a que existe nos textos escritos que circulam
socialmente. E o terceiro elemento da tríade, o ensino, é, neste enfoque
teórico, concebido como a prática educacional que organiza a mediação entre
sujeito e objeto do conhecimento. Para que essa mediação aconteça, o
professor deverá planejar, implementar e dirigir as atividades didáticas, com o
objetivo de desencadear, apoiar e orientar o esforço de ação e reflexão do
aluno. (BRASIL, 1997, p. 25)

No contexto escolar, é esperado que o professor siga um planejamento para


desenvolver os conteúdos definidos pelos documentos oficiais como o PCN de cada área
específica, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), o previsto na Lei de Diretrizes Bases da
Educação Nacional (LDB), dentre outros documentos considerados norteadores da
organização curricular, por que não dizer, da seleção e organização dos conteúdos
considerados como necessários ao processo ensino-aprendizagem.
Nessa perspectiva, “planejar seria definir metas e estabelecer formas de atingi-las de
maneira eficaz com economia de tempo e recursos” (LOPES; MACEDO, 2011a, p. 63). De
acordo com o PCN de Língua Portuguesa (BRASIL, 1997), os eixos organizadores dos
conteúdos de Língua Portuguesa no ensino fundamental partem do pressuposto que a língua se
realiza no uso, nas práticas sociais; que os indivíduos se apropriam dos conteúdos,
transformando-os em conhecimento próprio, por meio da ação sobre eles, dessa maneira, essa
aprendizagem torna-se mais significativa.
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anos iniciais do ensino fundamental: (re) contextualizações no/do contexto da prática. Revista
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Revista Eletrônica Científica Ensino Interdisciplinar
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A partir das leituras iniciais que passamos a fazer com base na perspectiva do ciclo de
políticas de Ball, temos nos questionado, como forma de um possível direcionamento a
investigação que ora se apresenta: será que os conteúdos abordados pelos professores seguem
tal qual o MEC ou as Secretarias orientam? Como esses profissionais (re) significam esse
currículo, especificamente o ensino de Língua Portuguesa no Fundamental, mais precisamente
4º e 5º anos em sala de aula? É sobre isso que trataremos a seguir.
Recorremos a Lopes e Macedo (2011a, p. 257) quando afirmam que “o ciclo contínuo
de políticas tem como preocupação central a recontextualização que ocorre nas escolas.
Corroborando a abordagem já destacada por Mainardes, essas autoras destacam o referido
ciclo como um modelo analítico que, em sua versão inicial é composto de três contextos inter-
relacionados entendidos como um conjunto de arenas públicas e privadas de ação: contexto de
influência, contexto de produção do texto político e contexto da prática”.

O pensar das professoras sobre como elas compreendem e (re) contextualizam na prática as
orientações curriculares para o ensino de língua portuguesa

Destacamos aqui uma abordagem empírica que mostra a opinião de professoras do


ensino fundamental, especificamente do ensino de Língua Portuguesa, sobre como elas
compreendem o currículo escolar, o planejamento dos conteúdos da língua, a
recontextualização desse currículo na sala de aula e o que pensam a esse respeito.
Para tanto, foi aplicado um questionário com duas professoras do ensino fundamental
da rede pública do município de Mossoró/RN, no período de 07 a 16 de novembro de 2016,
para responderem aos seguintes questionamentos: Com base em que você organiza o seu
planejamento para o ensino de Língua Portuguesa? Como vocês interagem com esses
documentos\materiais pré-definidos? Vocês utilizam outras fontes de materiais ou referências
para o planejamento das aulas? Se sim, quais e por quê? O que vocês consideram de mais
importante nesses materiais? Os documentos são muito restritos? Você participou/participa da
elaboração da Matriz Curricular do ensino fundamental? Qual a dificuldade que você
encontrou/encontra ao elaborar o seu planejamento através dos documentos advindos da
SEMECE; Você consegue desenvolver todos os conteúdos de Língua Portuguesa estabelecidos
pela matriz curricular em sala de aula? (Sim/Não). Se sim, como você sistematiza esses
conteúdos? Se não, como você seleciona os conteúdos que você considera como “mais
importantes” para realizar em sala de aula?
As professoras serão identificadas por “Professora do 4º ano” e “Professora do 5º ano”
e suas falas serão aqui apresentadas em itálico e entre aspas. Para a pergunta sobre qual a base
para a seleção/organização do planejamento para o ensino de Língua Portuguesa e como elas
organizam o planejamento para o ensino de Língua Portuguesa, as professoras destacaram ser o
PCN da área, a matriz curricular vinda da SEMECE/Mossoró/RN, bem como livros didáticos,
dentre outros, a base para tal seleção/organização.
Quanto ao planejamento, as respostas dadas pelas professoras permitem considerar
que: “[Nosso] planejamento é realizado de acordo com a matriz curricular que recebemos da
Secretaria de Educação (SEMECE)” (Professora do 4º ano), e, ainda, “[eu] costumo tomar
como ponto de partida o conhecimento do aluno. Daí então eu busco as matrizes e os livros
didáticos” (Professora do 5º ano).
As professoras afirmam utilizar os textos políticos (documentos oficiais) para a
elaboração do planejamento curricular assim como também o livro didático no qual estão
inseridos os conteúdos abordados pelo currículo escolar. De acordo com Lopes e Macedo
(2011b, p. 258, grifos das autoras), os textos políticos são vistos por Ball, Bowe e Gold (1992, p.
21) como “representação da política” que podem ser lidos diferentemente, de acordo com as demandas

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do contexto da prática. A prática é, assim, o lugar em que as “consequências ‘reais’ [dos textos] [...] são
experenciadas [...], a arena a qual a política se refere e para a qual é endereçada”.
Quando perguntamos às professoras como elas interagem/interagiam com esses
documentos ditos oficiais e\ou materiais pré-definidos por órgãos considerados superiores,
obtivemos a seguinte resposta da professora do 4º ano: “Selecionamos os conteúdos de cada
área conforme a matriz sugere”. Já a professora do 5º ano destaca que, “[Eu] particularmente,
não tenho dificuldade [em lidar com os ditos documentos] e nem acho ruim. Uso normal
como qualquer ferramenta de uso pedagógico. Acho até interessante, pois a cada ano existe um
roteiro de conteúdos a seguir. E essas ferramentas só facilitam o trabalho do professor”.
Para as professoras, o planejamento através do documento, no caso a matriz de
referência adotada pela SEMECE, é mais fácil pois facilita o trabalho, a divisão dos conteúdos e
a definição do que se quer/deve trabalhar. Para nós, é possível perceber que a referida matriz
de referência, enquanto texto coletivo, texto político (matriz/diretrizes) “é produto de acordos
realizados em diferentes esferas, envolvendo, inclusive, a troca constante de sujeito de autores”
(LOPES; MACEDO, 2011b, p. 259), e que acabam, por vezes, sendo os únicos referenciais
considerados norteadores da definição dos conteúdos nas escolas.
Perguntarmos às professoras se elas utilizavam outras fontes de materiais ou referencias
para o planejamento das aulas, e pedimos que justificassem caso a resposta fosse afirmativa.
Perguntamos ainda o que elas consideravam importante nesses materiais; se elas consideravam
os documentos como muito restritos. A professora do 4° ano disse que utiliza, “sim, os livros
didáticos, PCN, internet, por que nos enriquecem com informações necessárias”. A professora
do 5° ano, por sua vez, enfatiza:

uso livros didáticos, internet, jogos, livros paradidáticos e outros. Acho


importante para o desenvolvimento das aulas, pois facilita a aprendizagem dos
alunos, é um dos objetivos. Os diferentes tipos de atividades que encontramos
são muito importantes para a aprendizagem da criança. Os documentos são
amplos.

Nesse sentido as professoras parecem apontar para a ideia de (re) contextualização do


currículo escolar através da utilização de outras fontes de materiais ou pesquisas para
desenvolver as suas aulas.

Explicitar o quanto qualquer planejamento curricular é arbitrário e produzido


e meio a relações de poder que tornam algumas coisas (in)dizíveis é a tarefa
diária que talvez nos possibilite abrir espaço para o desplanejamento.
Desplanejar não significa agir sem planejar, mas agir segundo um
planejamento que, no mesmo ato, é desmontado. (LOPES; MACEDO,
2011a, p. 69).

Perguntamos ainda, se elas participaram/participam da elaboração da Matriz Curricular


do ensino fundamental e qual a dificuldade que elas encontraram/encontram ao elaborar o
planejamento através dos documentos advindos da SEMECE. A professora do 4° ano
respondeu que “Sim. As dificuldades que encontro são quando alguns livros didáticos do aluno
não têm os conteúdos da Matriz. História e geografia são exemplos”. E a professora do 5° ano
assim destacou: “Não participei e não participo. Não encontro dificuldades em elaborar meu
planejamento, pois os conteúdos propostos são fáceis de encontrar”.
A partir da fala da professora do 4º ano é possível perceber que nem todos os
professores da rede municipal de ensino participam da elaboração da Matriz Curricular e que
os livros didáticos não abordam conteúdos específicos de alguma disciplina ou, até mesmo, do

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próprio currículo da escola, dificultando com isso o planejamento por parte dessa professora.
Já a professora do 5º ano afirma não sentir dificuldades para planejar suas aulas de língua
portuguesa e justifica que, mesmo não encontrando no livro os conteúdos que busca para o seu
planejamento, é fácil achar em outros materiais e/ou documentos. Sendo assim, consideramos,
a partir de Lopes e Macedo (2011a, p.41), que os conteúdos “não são um repertório de
sentidos dos quais alguns serão selecionados para compor o currículo. São a própria produção
de sentidos que se dá em múltiplos momentos e espaços, um dos quais denominamos
currículo”.
Por fim, perguntamos se elas conseguem/conseguiam desenvolver todos os conteúdos
de Língua Portuguesa estabelecidos pela matriz curricular em sala de aula, e pedimos que
justificassem suas respostas; pedimos ainda que dissessem, caso a resposta fosse positiva, como
elas sistematizam esses conteúdos; e, se não, como selecionam os conteúdos que consideram
como “mais importantes” para realizar em sala de aula. A professora do 4° ano respondeu que
“não, seleciono os conteúdos mais importantes”. A professora do 5° ano falou que “não, por
falta de tempo. Procuro ver o que o aluno já sabe e dou continuidade, se necessário, faço
revisão. Procuro selecionar os conteúdos de maior importância para o conhecimento do aluno,
como também sua aprendizagem”.
Para Ball e Bowe (1992, apud MAINARDES, 2006, p. 53), as políticas não são
simplesmente implementadas, mas estão sujeitas à interpretação e, então, a serem recriada.

Os profissionais que atuam no contexto da prática não enfrentam os textos


políticos como leitores ingênuos, eles vêm com suas histórias, experiências,
valores e propósitos (...). Políticas serão interpretadas diferentemente uma vez
que histórias, experiências, valores, propósitos e interesses são diversos. A
questão é que os autores dos textos políticos não podem controlar os
significados de seus textos. Partes podem ser rejeitadas, selecionadas,
ignoradas, deliberadamente mal entendidas, réplicas podem ser superficiais
etc. Além disso, interpretação é uma questão de disputa. Interpretações
diferentes serão contestadas, uma vez que se relacionam com interesses
diversos, uma ou outra interpretação predominará, embora desvios ou
interpretações minoritárias possam ser importantes.

CONCLUSÃO

O presente trabalho abordou políticas de currículo para o ensino de Língua Portuguesa


nos anos iniciais do ensino fundamental na perspectiva de destacar processos de (re)
contextualizações desse currículo no contexto da prática. Destacou o ciclo de políticas, de
Stephen Ball e colaboradores (1994) como possibilidade de leitura das políticas de currículo
para essa área específica de conhecimento. Definiu como lócus de pesquisa a Secretaria
Municipal de Educação (SEMECE) de Mossoró/RN e uma escola dessa secretaria como partes
do contexto da prática em questão. Destacou ainda discussões sobre o currículo escolar, o qual,
de suma importância no desenvolvimento educacional, tem ganhado espaço nos estudos na
educação e também alvo de discussões no campo empírico por vários autores e estudiosos da
área.
A partir de questionários realizados com duas professoras da rede municipal de
ensino de Mossoró, abordamos a ressignificação do currículo na sala de aula, contemplando o
contexto da prática, como elas participam da construção desse currículo escolar, como essas
professoras são produtoras de currículo a partir dos seus planejamentos, diante a realidade
escolar em que cada uma se encontrava em determinado momento.

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Destacamos, ainda, o pensar das professoras sobre como elas compreendem e (re)
contextualizam na prática as orientações curriculares para o ensino de língua portuguesa a partir
de suas falas. Uma delas destacou que nem todos os professores da rede municipal de ensino
participam da elaboração da Matriz Curricular, seja por falta de convite da própria secretaria ou
instituição que o professor trabalha, seja por iniciativa própria, e que os livros didáticos
adotados pela SEMECE nem sempre abordam conteúdos específicos dentre os selecionados
pela matriz de referência da rede municipal de ensino, o que na opinião das entrevistadas, por
vezes dificulta o planejamento escolar, tendo que recorrer a outras fontes de pesquisa.
Ao mesmo tempo, outra professora afirma não sentir dificuldades para planejar suas
aulas de Língua Portuguesa e justifica que, mesmo não encontrando no livro os conteúdos que
busca para o seu planejamento, é fácil achar tais conteúdos em outros materiais e/ou
documentos. Assim, percebemos ações docentes diferenciadas frente ao que elas consideram
como decisões tomadas no contexto da prática. São ações como essas que podemos considerar
como recontextualizações curriculares nesse contexto.
Enfatizamos que ao concluir a pesquisa buscamos construir uma reflexão sobre
compreender recontextualizações dos professores dos anos iniciais quanto ao ensino de Língua
Portuguesa; investigar práticas docentes quanto às perspectivas curriculares (leitura de
documentos oficiais, planos de aulas, práticas efetivas). Fica o convite para que nós professores
compreendamos o nosso papel ativo no fazer política nos campos educacionais, seja na sala de
aula ou fora dela.

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Submetido em: 30 de setembro de 2017.


Aprovado em: 03 de dezembro de 2017.

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