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INTRODUÇÃO
Desde o ano 254 a.C, quando a república romana ainda afirmava-se, o dia 1º
de outubro no calendário romano era destinado às homenagens à Deusa Fides. Em
princípio, essa era mais uma entre as diversas divindades romanas cultuadas
desde o tempo dos Penates e Lares, mas a concepção mitológica de seus poderes
refletem em grande parte a essência romana!
Fides era representada popularmente como uma velha senhora, são diversos
os relatos em que a força ou favores da deusa são evocados em nome da glória
romana! Cícero, um dos principais nomes da Pedagogia romana, freqüentemente
referia-se à deusa em seus escritos e relatos. Muitos desses relatos foram
utilizados para fins didáticos.
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Texto em versão preliminar
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Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ
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Nesse contexto podemos refletir sobre algumas questões: Como diferenciar o
cotidiano e a cultura de uma sociedade de suas práticas educativas? Como
separar os valores e as “mentalidades” desse mesmo grupo social de suas práticas
pedagógicas? A resposta para essas perguntas todos nós podemos formular, não
é mesmo? Basta nos remetermos para as reflexões e indagações que fazíamos
enquanto alunos e que faremos enquanto professores, no melhor estilo “para que
serve isso que estudo” ou “para que serve isso que ensino”.
Qualquer resposta prática a essas perguntas vai refletir, certamente, sua
concepção de mundo e de sociedade! Tanto quanto em nosso sociedade, os
romanos “escolheram” o que ensinar em sua escolas de acordo com suas
concepções políticas: A formação de uma identidade expansionista e de um
Estado forte e regulador são expressas na valorização da conquista e da glória.
Perceberemos, ao longo da aula, que suas escolas estão calcadas nesses
princípios!
Antes de seguirmos com a aula, precisamos entender que a cultura romana
foi de grande influência para a História e formação da sociedade ocidental, mas
devemos recorrer a uma ressalva feita por Paul Veyne, um entre os milhares de
historiadores que aprofundaram seus estudos sobre “Roma”:
“Nós não somos e nem seremos, nunca, os romanos de dois mil nos atrás.
Assim, podemos reconhecer semelhanças e influências romanas (ou gregas!) no
nosso conceito cotidiano de Educação, mas não poderemos atribuir-lhes o sentido
que os romanos atribuíram, pois esse conjunto de construções foi único!”
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à Educação em Roma. É justamente essa relação que queremos demonstrar
nessa aula.
Em sua obra “A República”, Cícero nos conta que Régulo, um senil senador e
ex-cônsul é capturado pelas tropas cartaginesas durante as guerras púnicas, no
início da expansão romana. Sob juramento feito a Deusa Fides, o próprio Régulo é
enviado ao senado romano para negociar a sua libertação em troca da liberdade de
alguns generais cartagineses presos em Roma. Os cartagineses sabiam do valor
de um juramento romano a tal deusa e confiaram na volta de Régulo ao cativeiro,
no caso da troca não ser aceita. E Régulo voltou realmente! Não porque os
senadores romanos não aceitaram a troca, mas porque ele próprio não deixou que
seus pares aceitassem tamanho absurdo. Trocar um velho por vários jovens
soldados era bom para ele, mas não para Roma. Sendo assim, entregou-se em
sacrifício aos cartagineses, honrando sua fides e conquistando sua gloria.
Fides
O culto à deusa Fides influenciou toda um concepção do direito comercial e
derivou o conceito de bona fides ou boa fé. Entre os romanos, selava
se as relações vaseadas na confiança e na moral, desde casamento até os
negócios, em homenagem à sua divindade. Entre os gestos rituais do culto
à Fides havia o aperto de mãos, vivo e presente em nosso “vocabulário
gestual” contemporâneo!
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Pedagogia! Veremos que as similaridades serão diversas, mas cada uma deve
respeitar o seu tempo!
a. PERÍODO ANTIGO
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esse período da Educação como “heróico-patrício”), sendo a “ancestralidade” uma
forte marca de distinção social. A medida em que os grupos sociais vão crescendo
e as terras agrícolas vão sendo ocupadas e disputadas, impor esses valores podia
representar a própria manutenção de sua posição na hierarquia social.
As noções de direitos e deveres do “Pater familias” se refletiram no âmbito
educacional. Tal dever (ou direito de educar) estendia-se a toda a família, que para
o romano era maior que o núcleo ao qual estamos acostumados hoje: além de Pai,
mãe, esposa e filhos, habitavam o lar escravos, nutrizes ( acompanhantes das
crianças), entre outros. Dentro de casa o romano abastado era juiz, sacerdote e
exemplo. Fora do lar, era cidadão.
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essas leis, sob o efeito de mitos heróicos. Aliás, o heroísmo era ressaltado pela
necessidade de exercícios estratégicos. Essa marca “militar” na Educação é um
símbolo da vocação expansionista dos romanos.
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A vida pública era aprendida pela freqüência do Jovem ao fórum, junto ao
pai ou ao tio, desde os 15 anos de idade. Aos 16 anos, o menino era encaminhado
para o serviço militar. Podemos perceber, mesmo na alçada pública, a grande
permanência de elementos tradicionais dos exemplos ancestrais.
A primeira sistematização pedagógica é registrada (o que não significa a
inexistência de outras anteriores) já no transcorrer do período republicano,
buscando sistematizar a formação acadêmica “tradicional” dos romanos. Podemos
perceber que na Educação e na pedagogia transparecem aspectos reacionários da
sociedade romana. Aliás, basta observarmos o fluxo de cada sociedade para
percebermos que todo ciclo de transformação, antes de se consolidar, sofre com as
reações! Catão, o Antigo (234 – 149 a.C.) escreve em um período correspondente
ao início da expansão romana e sua obra é um reflexo da romana reação ao que os
historiadores chamaram de helenização, ou seja, influência grega, na sociedade
romana. Catão era um radicionalista!
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tendência a defender a tradição? Percebemos em nosso cotidiano que para cada
colega professor disposto a transformar, aparecem vários interessados na
manutenção da “mesmice”. Conhecer a História da Educação e a naturalidade
desse processo de ação e reação pode nos ajudar a sermos professores
transformadores!
b. PERÍODO DE TRANSIÇÃO
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Pensadores: Varrão – Vivendo entre 116 e 27 a.C., foi contemporâneo da
decadência da república e da conquista da Grécia. Representa bem a
transição para a helenização, pois embora valorize a virtude e o indivíduo,
mantém vivo o sentido prática da didática latina, com a valorização da
grammatica. Produz textos que orientam moralmente aos jovens leitores e
colaboram para a manutenção da mentalidade “antiga” com base na virtus
romana e em valores como pietas, honestitas, austerits e fides.
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As escolas primárias
As escolas secundárias
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Enquanto aos doze anos os meninos estavam “prontos” para iniciarem-se
na vida pública, as meninas, em geral, eram recolhidas ao lar, a fim de aprimorar os
pudicos valores da mulher romana. Aos 12 anos estavam prontas para o
casamento. Caberia ao marido moldar o restante de sua formação.
O “ócio” característico das elites antigas, marca de sua soberania, era
exercido e ensinado nas escolas secundárias. Os estudos eram baseados nas
aulas dos grammaticus, professores bastante valorizados socialmente e protegidos
pelo Estado. Vários desses mestres eram gregos e embora a estrutura fosse
”importada”, como sempre, a marca da miscigenação se fazia presente. O Ensino
das artes e da música, bem como a rigorosa formação física típica da Grécia, eram
deixados de lado e o tempo utilizado para a discussão dos textos literários
tradicionais, Geografia, História e Astronomia.
Essa formação mais complexa e enciclopédica convive temporalmente com
a florescência da vida pública e política urbana em Roma e com as articulações de
novas e várias “magistraturas” (cargos políticos destinados à organização política
do cotidiano: cônsules, censores, pretores, edis, entre outros.), com destaque para
o “tribunato da plebe”, representando as camadas mais baixas. Tais tribunos,
embora Plebeus (não aristocratas), tinham boa condição social e galgam o acesso
à escola secundária.
Por essa ocasião o processo se caracteriza pelo acúmulo de conhecimentos
tanto quanto pela sua utilidade, caracterizando uma verdadeira hummanitas.
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Humanitas - Enquanto a Grécia nunca se caracterizou pela centralização,
estando dividida em várias cidades-estado, Roma desenvolve uma
concepção de império formado por vários povos. Submetendo várias
regiões, não discrimina os vencidos podendo oferecer até a cidadania
romana em troca de impostos e colaboração. No caso da Grécia
conquistada, ao invés de impor a cultura e a língua latinas, os romanos
incorporaram o grego tornando sua Educação bilíngue. A ressignificação de
diversos valores gregos na cultura latina ajudou muito na sua permanência
histórica, a partir da crescente expansão romana. “Humanitas” é o conceito
que sintetiza essa universalização cultural traduzida na Educação! É
equivalente à Paidéia grega, mas dela se diferencia por valorizar uma
dimensão cosmopolita e prática: o ideal de conquista. Tal modelo não se
contenta com a utopia da formação do sábio e avança no sentido da
formação moral, política e literária como caminho para a glória e a virtude.
Cícero é um dos mais notáveis construtores dessa dimensão pedagógica.
Nos tempos imperiais, porém, a Humanitas irá restringir-se ao viés literário,
descuidando-se das ciências.
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Pensadores – Cícero – Atuando politicamente entre 90 e 43 a.C. (nasceu
em 106), Cícero é morto defendendo Roma da corrupção nas províncias,
um mal que assolava a moral, segundo sua concepção. Antes de morrer,
porém, exalta no último volume de suas vasta obra uma síntese do
universalismo: Em “(...)obra escrita em 44 e endereçada a seu filho
Marcus, Cícero traça um programa de estudos e um ideal de vida que
gostaria de o ver realizar. O tratado está dividido em três partes. A
primeira trata do homem, a segunda do útil e a terceira examina as
relações e conflitos entre o honesto e o útil. Cícero exorta o filho a
estudar Grego, Latim, Filosofia e Oratória e assinala a sua supremacia no
campo da Oratória mostrando que cultivou, como nenhum grego, ao
mesmo tempo, a Oratória e a Filosofia. Num capítulo seguinte, propõe os
deveres como tema a ser analisado, e enfatiza a sua honestidade,
princípio que procurou sempre alcançar nas suas ações. Posteriormente,
investiga se todos os deveres são perfeitos, se a honestidade é um fato e
se a utilidade não se opõe à honestidade. Finalmente, mostra o homem
como ser racional dotado de instinto gregário e sedento de verdade.”
(http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/escola/en
sinoroma/index.htm. Acessado em 16/09/2009)
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Gradativamente os plebeus vão conquistando direitos por demonstrarem a
opressão por que passam ao serem substituídos por escravos das colônias na
cadeia produtiva. Caberá ao Estado equilibrar e abrandar esses conflitos sociais
através de novas leis e concessões aos plebeus.
Porém, a aproximação e o equilíbrio entre Patrícios e Plebeus, desde a
criação do tribunato da plebe, alertou o senado e os patrícios para a necessidade
da criação de novas distinções sociais. A Educação, sempre símbolo de distinção
entre os romanos, altera-se com esse processo. Mesmo antes da passagem para o
período imperial romano, inicia-se a construção de um modelo superior de
Educação, calcado na retórica e no Direito público. Tal nível de ensino
representará um afunilamento educacional e de acesso aos cargos púbicos.
As escolas superiores
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c. PERÍODO IMPERIAL
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Pensadores – Sêneca e Quintiliano – No início do período imperial,
passam a prevalecer os aspectos técnicos da Educação, que perde o
seu caráter particular e torna-se algo natural, inerente ao homem.
Ambos são “frutos” da expansão romana e da articulação cultural dela
decorrente, pois nascem na Espanha e migram para Roma.
Segundo Sêneca, que não nega a Filosofia e propõe a “vida
verdadeira” ou a “tranqüilidade da alma”, a Educação é como um
controle dos apetites pessoais, retomando a formação moral.
Quintiliano, um símbolo da ingerência do Estado na Educação (tornou-
se o primeiro professor pago pelo Estado!) e destaca-se não só pela
negação da Filosofia, mas também pela organização prática da
aprendizagem, desde a escola primária, onde defende a psicologia
como ferramenta para descobrir talentos individuais das crianças e
assim dirigir-lhes a instrução, tornando prazerosa a aprendizagem,
geralmente em grupos.
No Ensino da gramática (secundário) é valorizada por ambos a clareza
e a elegância a partir do estudo dos clássicos, que valorizam o espírito
romano. Institui-se o trabalho simultâneo com diversas disciplinas e a
solução de problemas práticos.
O sucesso na formação de um bom orador no nível terciário era a
mostra de que havia se estruturado um grande homem. Afinal, o bom
orador deveria ser capaz de escolher e ordenar as melhores palavras,
articulá-las à História e às leis romanas, provocando emoções e
construindo argumentos convincentes.
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É necessária a construção de uma “bem lubrificada” máquina estatal para
administrar o vasto território imperial e colonial conquistado pelos romanos. Quem
seriam as peças dessa máquina? Isso mesmo! Você deve ter pensado
rapidamente nos filhos das famílias patrícias moldados na Educação superior. A
diversificação geográfica do império gera a necessidade de maior sistematização
do famoso “Direito Romano”, abordado nesse nível de ensino em cursos
específicos, sendo uma marca diferencial para os jovens que pretendiam a vida
pública!
Antes restrita à inspeção das escolas, ao longo do império a ação estatal
fomenta a elaboração de leis sobre o Ensino e mesmo uma rede de escolas
públicas subvencionadas pelo poder central! Mestres estrangeiros passam a ter
direito à cidadania romana, bem como a gozar de descontos em seus impostos e
moradia gratuita.
Antes que morramos de inveja pela posição que o professor galgou na
sociedade imperial romana, vale ressaltar que sua liberdade de ação era mínima e
que sua função era moldar, e não formar. Mas o que “moldava” a escola terciária
romana, nesse momento em que o helenismo ocupa seu ápice de influência? A
Educação para a vida pública nesse nível calcava-se na necessidade prática ou era
apenas um adorno a ser mostrado, um capricho? A fim de discutirmos essa
controvérsia, vamos observar o trecho abaixo, escrito por Paul Veyne (1989):
Durante esse tempo os meninos estudam. Para se tornar bons cidadãos? Para
aprender seu ofício? Para adquirir meios de compreender alguma coisa do
mundo que vivem? Não, mas para adornar o espírito, para se instruir nas boas
letras. Constitui estranho erro acreditar que a instituição escolar se explica,
através dos séculos, pela função de formar o homem ou, ao contrário, adaptá-lo
à sociedade; em Roma não se ensinam matérias formadoras ou utilitárias, e sim
prestigiosas e, acima de tudo, a retórica. É excepcional na história que a
educação prepare o menino para a vida e seja uma imagem da sociedade em
miniatura ou em germe; no mais das vezes, a história da educação é a história
das idéias sobre a infância e não se explica pela função social da educação. Em
Roma decorava-se com retórica a alma dos meninos (...)
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Para a História da Educação (e para a História), tal polêmica não precisa se
resolver, apenas ser discutida... Não será o próprio “adorno” cultural citado por
Veyne um elemento utilitário para a diferenciação cultural? Podemos, inclusive,
retomarmos a apresentação dessa aula! Assim como a Fides, os valores romanos
transparecem ao longo de toda a prática educacional apresentada. Isso nos
fornece argumentos para justificar que além das similaridades com os gregos, os
romanos preenchem com sua identidade e sua mentalidade a prática pedagógica
exercida em sua “escolas”, caracterizando-as como únicas e influentes na
sociedade ocidental.
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PARA FINALIZAR: O CRISTIANISMO
CONCLUSÃO
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sistemas escolares. Muitas vezes, os alunos não têm o conhecimento necessário
para compreender o sentido da Educação que recebem, mas os professores
precisam saber o sentido da Educação que oferecem!
Percebemos que entre os romanos a força do estado impediu que as
escolas se tornassem instituições transformadoras sendo, ao contrário, instituições
mantenedoras da ordem social vigente a das diferenças entre os grupos sociais.
Com essa lição, que escolas queremos? Não somos capazes de, sozinhos,
reformarmos sistemas ou empreender revoluções, mas nos mantendo
constantemente em discussão, transformando nosso dia-a-dia em momentos de
reflexão e aprendizagem, poderemos oferecer novos elementos a nossos alunos.
Não estudamos a História da Educação para copiá-la ou negá-la, mas sim
para ampliar nossas possibilidades e conhecimentos disponibilizando a nossos
alunos uma prática consistente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da Educação. São Paulo: Moderna, 1996.
LOPES, Eliane M. Teixeira & GALVÃO, Ana Maria de O. História da Educação. Rio de
Janeiro: DP&A, 2001.
VEYNE, Paul. (org.) História da vida privada. Philippe Áries e George Duby (dir.). São
Paulo: Companhia das Letras, 1989. v. 1.
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