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AULA 10 – UMA LONGA INTRODUÇÃO AO SEGUNDO

REINADO
1. Questão Religiosa (continuação): Pio IX, a reação de parte do clero e as
irmandades
Antes de mais nada, neste início, retoma-se o fato de que o Brasil tinha uma área civil na
qual padres faziam parte de seu corpo burocrático, tanto na colônia como na monarquia, e o da
sacralidade do país. Dentro desse elo, há a chamada ruptura pombalina, anterior ao Segundo
Reinado, que é fundamental para o entendimento da Questão Religiosa. Pode-se pensar: se
desde sempre o Brasil foi sacral e se o suor de Anchieta irrigou o solo brasileiro, quando
acontece uma ruptura burocrática dentro do padroado, ou seja, legitimada pelo Estado, há uma
ruptura severa, manifesta nos grandes pedagogos.
E essa ruptura provocou uma cisão no período colonial que inclusive atinge os dias atuais.
Não é por acaso que hoje se encontra uma decadência tão acentuada nas ordens inacianas em
seus diferentes espaços. Isto é fruto de uma história que tem sua continuidade, e esta no que
envolve o Brasil, será encontrada a partir dessa ruptura. Pois se os jesuítas tinham a
característica de um romanismo e formaram aquilo que para muitos era um estado dentro de
um Estado – na alegação de Pombal –, há um clero e um grupo de leigos que se dividia entre
os católicos do Estado por um lado, ou seja, uma espécie muito particular de católicos
“anglicanos” – assim definido para que fique mais didático –, e por outro lado os católicos
chamados de ultramontanos, que seguiam Roma.
A primeira definição acima, já no século XVIII, irá explicar esse tipo de clero que se
rebelará de uma maneira um tanto quanto difusa quando o pontificado de Pio IX assume uma
nova face, por ele ter se levantado contra os diferentes tipos de igrejas católicas existentes em
cada estado. Quando o Papa proclama o primado de Pedro, ele define que Roma é o centro: não
há catolicismos diferentes dentro de padroados.
As reações de parte do clero a esta atitude foram antipáticas e partiam justamente da ideia
de que Pio IX estava centralizando em si a política. No entanto, a centralização não estava nele
próprio, e sim em Roma e na necessidade de a Igreja conversar de maneira singular, e não ter
que dirigir uma palavra diferente às igrejas de cada país. Por exemplo: a igreja é acusada,
durante todo o século XIX, de ter sido omissa com relação à escravidão no Brasil. Pois bem, se
há no Brasil o padroado, e a Igreja é serva do Estado brasileiro, ela não pode pregar o
abolicionismo às claras. É possível que se concorde com a crítica de que ela poderia ter sido
mais enfática contra a escravidão, mas dentro do padroado, a Igreja em sua maioria optava por
uma acolhida a partir das irmandades, a partir de uma boa pregação e de um zelo pela salvação
das almas dos escravos, e não pela parte civil, já que o próprio Estado apoiava a escravidão.
Cada esfera do Estado deve ser analisada a partir de sua própria especificidade e da sua
relação com esse mesmo espaço. Se havia no Brasil um padroado e a Igreja estava dentro desse
ambiente burocrático, havia com isso uma imposição de limites. Por causa deste fato, a
proclamação da República foi bem recebida por uma série de católicos, pois a Igreja pôde
respirar e atuar dentro da área civil com maior liberdade, podendo inclusive se rebelar contra
governos e sistemas de uma maneira mais enfática.
1.1. Direito de manifestação política
Se atualmente padres e bispos serviçais do Brasil petista são encontrados, isso não quer
dizer que tenham a liberdade de fazer isso segundo seu próprio oficio, pois a liberdade tem os
próprios limites do sacramento, segundo Pio IX. No entanto, eles têm o “direito” no ambiente
político de se manifestarem, mesmo que de maneira errada, o que macula a sua própria
manifestação. É difícil que se encontre em muitos deles, nos temas cruciais, alguma posição
que esteja de acordo com a Verdade.
Outro exemplo: nas eleições presidenciais de 2010, a legalização do aborto foi um dos
grandes debates e os bispos corajosamente se manifestaram. Este contexto em que houve
manifestações corretas de bispos e de padres, foi um momento histórico no qual a Igreja pôde
opinar politicamente. É possível ver assim que houve uma mudança no século XIX com a
ascensão da República, e isso pode ser aproveitado em prol da Igreja.
Com isso também se encontram a origem de problemas contemporâneos. No inicio do
século XX, há uma ampla difusão política nos seminários, que já no pontificado de Pio XI
preocupava o clero. Pio XII, antes de ser Papa, visitou o Brasil porque o país já apresentava
problemas de um certo excessivo envolvimento político do próprio clero. Há assim uma linha
problemática que é importante que se entenda: Pombal, Questão Religiosa, proclamação da
República, e envolvimento político e direito de manifestação política do clero, apesar de muitos
fazerem isso de maneira errada.
É importante que se entenda isso para que se veja que a história nem sempre pode ser
dividida, como dito anteriormente. Se Dom Vital foi acusado e preso por desobedecer ao
Estado, pode-se imaginar que se a Igreja no século XIX começasse a pregar sistematicamente
o abolicionismo haveria muito mais prisões e perseguições. O bispo citado, corajoso que era,
não tinha medo disso e sofreu por suas certas escolhas. No entanto, os que fazem isso são
sempre uma minoria. Se dos Apóstolos, que são grandes, só São João continuou a seguir Jesus
na cruz, e inclusive São Pedro O nega três vezes, quiçá os pequenos homens do passado e os
atuais.

1.2. Clero omisso e a força de Pio IX


Portanto, dentro dessa ideia proporcional, houve um clero omisso porque muitas vezes ele
não era sequer católico: havia um envolvimento denso com a maçonaria, entre uma série de
outras coisas. O espírito eclesiástico de Pio IX foi, na história brasileira, um Pentecostes para a
Igreja pois ele conseguiu separar o joio e o trigo: o clero omisso e burocrático, do clero católico.
Este último foi personificado na figura de Dom Vital, e com Pio IX ficou muito bem desenhado
que Pombal, o outrora déspota esclarecido, fica mais presente à história, pois o Papa reagiu não
a ele em si, mas à sua burocracia política parecida com a que outros Estados desenvolveram em
tempos anteriores.
Pio IX responde, dentro de seu tempo, de uma maneira enfática – as vezes mal
compreendida –, às correntes que vigoravam na época com muita força: as irmandades, os
grupos bíblicos, que na verdade interpretavam quase literalmente a Bíblia, o liberalismo, a
maçonaria etc. É alguém que entra nessas questões com força, e ao fazer isso, ele terá como
alvo as irmandades.
1.3. As irmandades
Se os problemas do clero brasileiro de 2017 se explicam a partir dos problemas do mesmo
dos séculos anteriores, necessariamente a atuação de Pio IX e o Pentecostes que ele causa
também se explicam da mesma maneira. Sendo assim, é necessário fazer algumas retomadas
históricas para que a leitura do próprio período seja melhor compreendida: as irmandades
católicas foram alternativas para uma colônia em formação e com poucos padres. Como a
pregação católica tinha que ecoar, essas irmandades tinham a característica de terem sido um
espaço, em um primeiro momento, de formação católica. Vale dizer, inclusive, que se o Brasil
sempre foi sacral, muito se deve a elas. Este espaço ganhou corpo, desenvolveu-se e não teve
apenas um fundamento religioso, mas também eram espaços de densa formação sociológica do
Brasil: acolheram negros, escravos e mestiços etc. Mas além destes, também abraçaram os
variados tipos de católicos, mesmo aqueles que tinham um pé na maçonaria e outro na Igreja.
É por isso que nasce o “problema Dom Vital”.

2. Recapitulando
De tudo o que foi exposto, um resumo pode ser feito:

2.1. O Brasil foi sempre sacral;


2.2. O Estado e a Igreja estavam amalgamados pelo padroado;
2.3. Pombal agride um elo desse Estado;
2.4. Surge um novo país, que terá um padroado que não foi concedido – diferente do
padroado português –, e sim pedido;
2.5. Há então um Estado formado em 1824 simbolicamente com a Constituição;
2.6. Essa formação promoverá uma burocracia ainda mais saliente entre Igreja e Estado;
2.7. Essa burocracia irá fazer com que o clero fique em sua maior parte omisso;
2.8. E ficando omisso às questões do Estado, encontra-se um homem valorizado atualmente,
ainda que muitas vezes esquecido, e que talvez tenha sido mártir, Dom Vital;
2.9. Em Dom Vital, é possível encontrar uma resposta a essa acomodação; O que no fundo
ele fez? Simplesmente obedeceu à Igreja.

3. Ainda com a influência de Pio IX


Pio IX torna-se Papa e ao fazer isso, define a centralização da Igreja e escreve de maneira
enfática, a partir do Syllabus e da Quanta Cura, excomunhões e debates em torno de temas
como a maçonaria. São textos que chegam ao Brasil com muita força e foram mal recebidos.
Os jornais da época, por exemplo, satirizavam o Papa e seus escritos. Como exemplificação
disto, tem-se uma sátira que mostra Dom Pedro II, de um lado da mesa, e Pio IX do outro, onde
eles disputam um pote de massa, que representa o Brasil.
Chegam ao Brasil, portanto, textos que tentam corrigir os rumos das confrarias e das
irmandades. É um país que teve irmandades quase desde seu princípio e que foram, de maneira
gradativa, perdendo seu caráter católico e ganhando apenas um caráter social, em outras
palavras, perderam o seu fim religioso e usavam a Igreja apenas como fato histórico e
monumental.
Acontece que no Recife (PE) o bispo Dom Vital irá mandar que maçons saiam da
Irmandade de Santo Antônio. Ele cumpre apenas a prerrogativa romana. E ao fazer isso, há
então um grande debate no país. Até Machado de Assis, acusado de ser omisso e de não
participar dos debates políticos, descreve a Questão Religiosa em uma de suas crônicas em 14
de julho de 1878:
“Faltava-lhe, porém, o temperamento político, o tato dos homens, a habilidade
tolerante e expectante (...) Os acontecimentos desmentiram a D. Fr. Vital. Terminado
o conflito, tornamos ao ponto em que nos achávamos anteriormente, sem quebra da
Igreja nem do Estado, ambos os poderes concordes em cumprir mutuamente os
deveres que se impuseram, mediante garantias recíprocas. Que faria o bispo se
vivesse?”

Aqui se vê um Machado que apresenta uma leitura a partir de uma intransigência de Dom
Vital, porque ele foi recebido em um primeiro momento assim. Ele estava descrevendo o fato
dentro de uma leitura da realidade naquele instante: havia um clero que servia ao Estado de
maneira burocrática e serviçal, e por ser assim, as atitudes de Dom Vital causaram estranheza
em Machado, pelo fato do bispo se manifestar pró-Roma.

4. Descrição do conflito por:


4.1. Dom Vital
No entanto, Dom Vital descreve o conflito da seguinte forma:
“A Questão Religiosa tinha feito um bem inaudito à fé entre nós. Os bispos se tinham
tornado mais vigilantes e mais ativos. Os sacerdotes haviam sentido a necessidade de
mudar de vida, para poder erguer a fronte pura diante dos fiéis e diante dos inimigos
de Deus”.

Percebe-se que havia o sentido da necessidade dos sacerdotes mudarem de vida. Frei Vital
tinha essa leitura sociológica de um clero que estava servindo à base burocrática pura e simples
do Estado.
Continua o bispo:
“haviam-se unido mais a seus bispos; mostravam-se (...) mais zelosos no cumprimento
de seus deveres. Os leigos também tinham mudado de uma maneira verdadeiramente
maravilhosa”.

Por isso se disse que Pio IX, no Brasil, promoveu um Pentecostes espiritual dentro de suas
medidas, no sentido de uma liberdade expressiva e poética, pois este Papa, assim como Leão
XIII, promoveu conversões. Tem-se um exemplo em Nabuco, que quando encontra Leão XIII
obtém a semente de sua conversão, de acordo com suas próprias palavras. Esses homens
protagonizaram a história do catolicismo no Brasil.
Ainda com Dom Vital:
“Perdeu -se a timidez e o respeito humano; começou-se a fazer peregrinações,
procissões solenes, comunhões gerais de homens (coisa que jamais se viu no Brasil).
Alguns católicos que se confessavam antes da Questão Religiosa tinha o cuidado de
o fazer em segredo para não passar por beatos”.

Ou seja, acabou a concessão à uma pura burocracia. Além disso, é possível ver o nível dos
ambientes católicos descritos por Dom Vital. Há atualmente pessoas que acreditam que os
problemas da Igreja nasceram nos séculos XX e XXI. O bispo citado, homem de altíssima
envergadura e um dos heróis brasileiros, descreve que eles nasceram antes.
Vital ainda diz que:
“Foi então que se fundaram muitas associações católicas, muitos jornais religiosos,
muitas sociedades de S. Vicente de Paulo, em diferentes províncias do Brasil.
Começou-se a estudar as matérias eclesiásticas e a religião. Este estudo fez
compreender que para ser católico era preciso obedecer ao soberano Pontífice e aos
bispos. Começou-se a amar Roma e a olhar o Papa não como um soberano estrangeiro,
como chamava a maçonaria”.

O Papa antecede padroados. Havia um clero que encontrava em Dom Pedro II o seu
soberano, e no Papa, o soberano estrangeiro. É importante ter em mente como foi crucial, no
ambiente político, o primado de Pedro, principalmente na realidade brasileira. Chamar o Papa
com esse nome era inclusive uma forma de fazer ecoar pouco as Encíclicas papais, como
aconteceu com Gregório XVI.
Continuando:
“Mas como um pai comum dos fiéis, o chefe do catolicismo, toda a gente no Brasil
que até ali crera que se podia ser católico sem ter necessidade de um Papa, então se
desenganou completamente”.

Encontra-se com esses trechos o bispo de Olinda descrevendo os escândalos e os vícios


políticos e comportamentais da época. Entretanto, se se quer refletir sobre a história católica no
Brasil, deve-se começar o estudo não a partir de Dom Vital, mas por um período anterior a ele:
ir ao próprio padroado e entender que a relação simétrica entre Estado e Religião no país trouxe
problemas.

4.2. Dom Pedro II


Para Dom Pedro II a resistência dos bispos figurava uma ofensa à soberania nacional, tendo
em vista que as atitudes deles maculavam a dignidade eminente do Brasil e de seu governo.
Porém, sob o ponto de vista estratégico, aconteceram grandes erros, como a prisão de Dom
Vital: a partir do momento em que ele é preso, passa a ser um potencial mártir pois é um homem
que está sofrendo; torna-se um símbolo e um “oprimido”, alguém antes tido como um rebelde.
Além disso, Visconde do Rio Branco, homem de grandes colaborações ao Brasil,
presidente do Conselho de Ministros da época, irá ser um executor das ordens de Dom Pedro
II. Portanto é simplista definir esses problemas como uma questão apenas entre Igreja e
maçonaria. Foi algo entre a Igreja e a soberania nacional; entre setores dentro da própria Igreja;
entre soberania nacional e maçonaria; Igreja e maçonaria etc. É uma grande confusão, mas que
tem como princípio essa relação estranha de um padroado no Brasil que se definhou.

5. A imprensa
A imprensa forneceu muitos materiais sobre o conflito e apresentou uma série de
julgamentos. Houve jornais que execravam Dom Vital e os católicos que o seguiam, e outros
que os defendiam. Como essas fontes não são lidas, o conhecimento da história se dá de maneira
maniqueísta. Se se entende que a briga se deu apenas entre Igreja e maçonaria, analisa-se esses
dois pontos de maneira singular.
Porém Dom Vital, mais de uma vez, se lamentou pela falta de apoio dos próprios homens
da Igreja. Nabuco e Machado, ainda moços, entenderam de forma madura o conflito, enquanto
alguns padres e bispos se irritaram com a postura de Frei Vital, pois ela tornava os espaços um
tanto quanto conflitantes. Além disso a postura de certos fiéis foi semelhante. Vital ficou
conhecido no século XIX, foi preso, e transitou nas ruas os rumores de um bispo que se rebelou
contra o Estado: houve um impacto dentro da sociedade brasileira por tudo o que aconteceu.
Ainda que nessa época o número de analfabetos fosse grande, os jornais eram lidos e
discutidos. Além do mais, tinham uma posição definida: havia o jornal maçom, o católico e eles
afirmavam sua parcialidade, diferente dos atuais que se dizem imparciais, mas não o são. Dessa
forma, os debates eram muitos mais precisos e as pessoas poderiam procurar facilmente os
lugares que exprimiam suas ideias e ainda as ideias de seus adversários. Em suma, essas fontes
precisam ser lidas e estudadas para que o assunto não se resuma à simplismos.

6. A vontade de Dom Vital e a Constituição


O bispo de Olinda foi condenado pelo imperador como forma de castigo pela
desobediência. Recebeu a seguinte sentença (os trechos não estão em sequência):
“Atendendo que as irmandades são instituições de natureza mista para cuja existência
concorrem o poder temporal e o espiritual, sendo os respectivos compromissos
organizados pelos fundadores, aprovados pelos prelados na parte espiritual e
confirmados pelo governo ou pelas assembleias.
E assim são sujeitas a jurisdição eclesiástica na parte espiritual, e a civil ou temporal
em todas as disposições:
Atendendo que os requisitos que devem ter as pessoas para poderem pertencer a tais
associações não fazem objeto de natureza espiritual;
Atendendo que indispensável, além da vontade dos fundadores, o concurso dos
poderes para a decretação da lei que tem de regular tais instituições e marcar os
direitos e obrigações de seus membros não pode ser alterado e reformada por um dos
poderes sem o concurso do outro e a intervenção da irmandade.
(...)
Atendendo que a declaração de incapacidade de certa classe ou indivíduos em
pertencer a tais associações por motivos não declarados nos respectivos
compromissos importa reforma ou alteração deles.
O acusado ordenou a mesa da irmandade do Santíssimo Sacramento da Igreja de Santo
Antônio que expelissem do seu grêmio um certo determinado indivíduo por pertencer
à sociedade...”.

Percebe-se que a sentença foi explicada a partir do caráter misto e excessivamente social,
e a partir de uma amarra burocrática que as irmandades tinham dentro do Estado nacional. Esse
lado social se dá porque elas foram fundamentais na assimilação sociológica de negros, de
escravos, de mestiços etc., no entanto, houve uma decadência em seus espaços, e aqui se
encontra o problema.
Portanto, Dom Vital não tinha o direito legal de expulsar os maçons das irmandades, como
a de Santo Antônio, por exemplo. Ocorreu então uma dualidade: Dom Vital tinha que escolher
entre obedecer a Roma – uma vez que o Papa com o Syllabus e com o Quanta Cura havia
enfatizado que Igreja e maçonaria não são conciliáveis –, ou seguir ao Estado de maneira
omissa.
Ele escolhe a primeira opção, e por isso que a Questão Religiosa trouxe uma face nova ao
Império. Ela nasce no Recife, desloca-se para a corte e passa a ser um tema nacional. Pode-se
perceber isso porque ela surge no Estado acima citado: Dom Vital era bispo de Olinda.
O bispo dizia o seguinte sobre a maçonaria e os maçons:
“Não questiono diretamente com os maçons, porém sim com as irmandades; não
pretendo exterminar a maçonaria, infelizmente nem os próprios monarcas até hoje o
podem”.

Percebe-se com isso que Dom Vital não pretende exterminar a maçonaria, mas ele não é
um relativista. Ao contrário, ele demarca sua posição, tendo em vista que este é o seu juízo de
valor: “infelizmente nem os próprios monarcas até hoje o podem”. É possível ver que ele não
quer conversar com os maçons e expulsá-los de seus grupos; o que quer é dirigir-se às
irmandades e aos católicos, que devem obedecer ao Papa.
Ainda em seus trechos:
“Desejo ainda que as irmandades realizem o fim para que foram criadas”.

As irmandades nasceram sob a luz católica, e não sob a luz social, e era isso que o bispo
pregava de maneira enfática. Por este motivo e por obedecer ao Papa, foi preso.
No que toca essa apresentação de documentos, o artigo 5º da Constituição Imperial dizia
que:
“A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas
as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular, em casas
para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo”.

Nilo Pereira descreve que estava nesse fato “toda uma tradição de algum modo
ornamental”, em outras palavras, havia o ornamento católico. Ainda diz que isto permitiria,
“mais tarde no Conselho de Estado usar contra o bispo de Olinda toda uma legislação
arcaica”. Ou seja, o bispo estava refém de uma legislação que apenas estava ornamentada de
catolicismo, mas não era católica.
Ainda com Nilo Pereira:
“De repente ressuscitada – a legislação – para formar o Estado, nessa ocasião, um
tanto português de meios eficazes contra a desobediência do prelado”.

7. A história contada a partir de fatos: um Brasil complexo


Para um maior esclarecimento, historiadores sérios como João Camilo de Oliveira Torres
dizem o que Nilo Pereira diz a seguir:
“Dom Pedro II não era católico nem maçom. Via só o poder civil que considerou
desafiado pelos bispos de Olinda e do Pará”.
É imprudente dizer que o imperador era maçom. Quando alguém acusa outrem, faz-se
necessário uma prova para a acusação. Não há sequer um documento que comprove tal
afirmação, que não pode ser dita apenas por causa de especulações. Vários historiadores dizem
o que Dom Pedro II não era maçom, homens esses que mexeram em arquivos em imersão. É
preciso ter cuidado e prudência ao acusar alguém.
Para João Camilo, o imperador era mais católico que a média; para Nilo Pereira, ele não
era nem católico nem maçom, por exemplo. O que se vê em Dom Pedro II, em suma, era um
homem de Estado com sua mescla de Ernest Renan por um lado, e catolicismo por outro, com
confusões e problemas na ordem existencial. Foi órfão muito cedo, viveu dentro de um país
recém-nascido e acompanhou seu crescimento etc. É necessário observar toda a vida do
imperador, e o ver em um todo.
A Questão Religiosa, portanto, não está sendo descrita sob um ponto de vista maniqueísta,
mas sob fatos. É verdade que Dom Vital foi um herói, mas não necessariamente o imperador
foi um vilão, mesmo com seus erros e equívocos. É necessário descrever todo o conjunto de
fatos para que a história não seja analisada de maneira simples e dualista.
É importante dizer também que nesse assunto de maçonaria, Duque de Caxias, um dos
grandes mecenas da Igreja da Ordem de Santa Cruz dos Militares, pensou em anistiar os bispos,
apesar de ser maçom. Rodrigo Gurgel disse uma frase a respeito desse Brasil confuso:
“O Brasil é inviável”

E no que envolve a compreensão da história do Brasil, essa frase é verdadeira. Dentro dessa
confusão, haverá outras intervenções muito importantes. Como exemplo, tem-se o fato de que
a Princesa Isabel também comenta sobre o tema. Ela era considerada ultramontana e Dom Pedro
II, “brasileiro”, o que gera uma certa divisão dentro da Família Real.

8. O crescimento do problema e suas consequências


As impressões, os votos e todo o debate político em torno da Questão Religiosa é muito
amplo. Nabuco de Araújo, senador do Império e pai de Joaquim Nabuco, escreve o seguinte:
“A experiência justificou as previsões, os processos foram tidos como perseguições,
os réus como mártires, as consciências se sublevaram e o poder do Estado perdeu e
não ganhou nada com esse processo”.

Neste trecho ele descreve a falência das ações do Estado brasileiro com o caso.
Segundo Pandiá Calógeras, a Questão Religiosa foi o maior erro político do Segundo
Reinado, pois “uma vez libertados do próprio poder que podia ter evitado a sua prisão, eram
mais fortes do que o Império. Esqueceu-se Dom Pedro II que a força moral era maior do que a
acuação civil”. O imperador tinha popularidade por causa de sua força moral e de seu labor.
Ainda que de um modo problemático, a sociedade brasileira era sacra, tendo em vista que
isso está enraizado no solo brasileiro. Por isto se diz que o Brasil é conservador, pois este país
sendo irrigado pelo suor de Anchieta, será evidentemente conservador até seu último suspiro.
Nesse sentido, Pedro II errou, e permitindo uma coação civil aos bispos, simbolicamente ataca
o caráter sacro da sociedade. Em outras palavras, ele sublinhou aquilo que Pombal um dia
cometeu.
Houve emissões de documentos e o envio de uma missão de paz – a Missão do Barão de
Penedo –, que foi encontrar-se com o Papa Pio IX. Os enviados queriam que o Romano
Pontífice se curvasse ao Brasil, o que foi algo constrangedor. Joaquim Nabuco, que ainda nesta
época não era nem convertido, disse que isso foi uma medida errada porque “eles foram
convencer o Papa Pio IX de que os bispos estavam errados por obedecê-lo”. Apesar disso o
sucessor de Pedro, sendo extremamente afável, recebeu muito bem a comitiva brasileira,
conversou com eles, mas certamente não os obedeceu.
É importante notar como a Questão Religiosa cresceu, tendo em vista um fato como esse.
Dom Vital não foi o único envolvido na confusão – mas ele foi o protagonista –; Dom Macedo
Costa também esteve envolvido, e foi um coadjuvante de muita presença.
As perseguições do Estado brasileiro tocaram os salários do clero, pois os bispos e padres
eram pagos pelo governo; envolveram também as ajudas à Igreja e os “dízimos materiais”,
como animais trazidos por leigos para os padres etc., entre outras coisas. Em suma, a
perseguição não ficou apenas personificada em Dom Vital, mas em todos aqueles que o
apoiaram, assim também como a Pio IX.

9. Conclusão
Por fim, alguns pontos merecem ser mencionados:

9.1. A Questão Religiosa foi, portanto, uma das questões fundamentais para a queda do
Império. Ela teve uma grande força nesse fato, pois o popular Dom Pedro II havia
brigado com a Igreja. Ainda que nem sempre seguida à regra, ela foi sempre um símbolo
muito forte, e continua sendo. Em um tempo no qual a Igreja Católica era intensamente
valorizada, o imperador foi o promotor de sua própria queda popular, mesmo que ainda
tenha continuado com parte de sua popularidade.
9.2. Dom Pedro II também divide a Casa Real, pois a Princesa Isabel era católica e
ultramontana, e ele o oposto disso.
9.3. Quando ela recebeu a Rosa de Ouro do Papa Leão XIII, quem pronunciou seu discurso
de condecoração foi Dom Macedo Costa, homem importante na Questão. Na visão de
todos, naquele momento a Princesa apresentava sua posição carona, entendida de
maneira pejorativa. As elites brasileiras republicanas, maçônicas e outras, tinham medo
de um Terceiro Reinado pois a Questão Religiosa já tinha apresentado que ela estava
com Roma e, portanto, era inimiga da soberania nacional. Ela faria o Estado brasileiro
ser católico não apenas no campo burocrático, mas no confessional. Então, a partir disso,
surgiu uma rejeição à possibilidade de uma continuação monárquica. A posição, a
amizade e a participação da Princesa na Questão Religiosa, assim como a de Conde
D’eu, farão com que fique inviável ela assumir posteriormente. Ao expor o defunto ao
estilo Brás Cubas, como mencionado, essa Questão representa o seu câncer mais
agressivo.
Na próxima parte, serão expostos os fatos que são sequenciais e paralelos à Questão
Religiosa, uma vez que, por exemplo, Nabuco, Machado e a mesma Princesa Isabel também
são protagonistas de outros fatos como a abolição etc. As pessoas do século XIX não ficaram
restritas apenas a uma realidade, mas estão ambientados em diferentes debates. Como exemplo,
o advogado de Dom Vital foi Zacarias de Góis e Vasconcelos, homem de atuação política já
enfatizada em outros momentos dessas exposições.

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