Você está na página 1de 42

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PELOTAS

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, ECONÔMICAS E SOCIAIS


CURSO DE DIREITO

GABRIEL RODRIGUES SOARES

A PROBLEMÁTICA ESTRUTURAL DO DIREITO AUTORAL


FRENTE AO ACESSO DE OBRAS INTELECTUAIS NA
SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Pelotas
2016
GABRIEL RODRIGUES SOARES

A PROBLEMÁTICA ESTRUTURAL DO DIREITO AUTORAL


FRENTE AO ACESSO DE OBRAS INTELECTUAIS NA
SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao Centro de Ciências Jurídicas Econômicas e
Sociais da Universidade Católica de Pelotas
como requisito parcial para obtenção do título
de Bacharel em Direito.

Orientadora: Prof.ª Anelize Maximila Corrêa

Pelotas
2016
SOARES, Gabriel Rodrigues
A problemática estrutural do direito autoral frente ao acesso de obras
intelectuais na sociedade da informação.
Pelotas, UCPel, 2016

Trabalho de Curso (Graduação) Universidade Católica de Pelotas,


Bacharelado em Direito. Pelotas, RS – BR, 2016
Orientadora Prof.ª Anelize Maximila Corrêa
Gabriel Rodrigues Soares

A PROBLEMÁTICA ESTRUTURAL DO DIREITO AUTORAL FRENTE AO


ACESSO DE OBRAS INTELECTUAIS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

BANCA EXAMINADORA

Prof.

Prof.

Orientadora: Prof.ª Anelize Maximila Corrêa


RESUMO

O presente trabalho visa analisar as problemáticas existentes na estrutura do


direito autoral frente a sociedade da informação. As atuais regras de direito
autoral ao mesmo tempo que incentivam o autor quando garantem sua
subsistência, representam um custo ao blindar o acesso às obras intelectuais,
que são matéria-prima essencial para a produção de novas obras. Outra
problemática que serviu de base para esta pesquisa se refere a facilidade de
uso, cópia e reprodução ilegal de obras protegidas e a dificuldade de coibir
esses ilícitos na internet, o que causa uma crise estrutural no instituto. Quanto
a isso, busca nessa pesquisa analisar esses conflitos, identificando paradoxos
do direito autoral. Faz-se análises sobre os principais debates internacionais
quanto a possibilidades de revisão jurídica que adaptem os conceitos e
premissas do instituto à uma à uma sociedade informacional. Analisa-se
também os projetos colaborativos e licenças públicas já existentes no atual
panorama jurídico. Para tal, é feita uma breve análise sobre as principais
características do direito autoral, abrangendo seu surgimento na Europa no
século XVI, sua evolução histórica e expansão de seu conceito. Também se
verifica a relação e convergência dos sistemas copyright e droit d’auteur, seus
métodos e objetivos imediatos e mediatos para atingir o objetivo primordial do
direito do autor, que é o progresso cultural.

Palavras-chave: Direito Autoral; Obras Intelectuais; Sociedade da Informação


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................7
2 PRINCIPAIS ASPECTOS DO DIREITO AUTORAL .................................................9
2.1 Noções fundamentais ................................................................................................ 9
2.2 Evolução histórica .................................................................................................... 12
2.3 Relação entre copyright e droit d’auteur ............................................................... 15
2.4 A expansão do direito autoral ................................................................................. 16
3 DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E DIREITO AUTORAL ........................... 20
3.1 Relação entre o progresso tecnológico e o direito autoral................................. 20
3.2 Conflitos da proteção ao autor no âmbito da internet ......................................... 23
3.3 Paradoxos do direito autoral ................................................................................... 27
4 NOVAS QUESTÕES SOBRE O DIREITO AUTORAL NO SÉCULO XXI.............. 31
4.1 Revisão jurídica ......................................................................................................... 31
4.2 Projetos colaborativos e licenças públicas ............................................................ 35
5 CONCLUSÃO .......................................................................................................... 39
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 41
7

1 INTRODUÇÃO

O direito autoral possui duas raízes fincadas no século XVI. A primeira foi
calcada na censura de ideias políticas, visando proteger o monopólio dos editores.
Foi de onde nasceu o sistema inglês do copyright. A outra tem bases na Revolução
Francesa e buscava a proteção do direito do autor em relação a sua obra. Daí
originou o sistema do droit d’auteur. Ambas correntes se expandiram e iniciaram um
processo de convergência com o passar dos séculos, adaptando suas premissas
conforme a evolução histórica. Apesar de se utilizarem de caminhos diferentes,
encontram em sua estrutura o mesmo objetivo: o progresso das ciências e das artes.

Com a chegada da sociedade da informação, observou-se a necessidade de


adaptar os sistemas jurídicos do direito autoral para a atual realidade. As legislação
atual contempla a proteção do autor e sua obra quando garante a subsistência
econômica da pessoa do criador. Essa tutela visa incentivar o criador a produzir
mais obras, aumentando a manifestação cultural na nossa sociedade, atingindo
assim o objetivo primordial do direito autoral.

Entretanto, observa-se que essa premissa encontra-se hoje fragilizada, pois


ao mesmo em que a lei incentiva aos autores, também pode representar um custo.
Ao proibir a utilização de obras intelectuais sem prévia autorização e pagamento
prévio, a lei inviabiliza o processo criativo, tendo em vista que a utilização de obras
preexistentes é elemento essencial para novas criações, não apenas como
influência, mas como um insumo necessário para a própria obra.

Obras derivadas, tais como músicas remixadas, versões de filmes,


interpretações ou qualquer criação que tenha como base a transformação,
modificação ou adaptação de outra anterior são uma forma de manifestação artística
comum na nos presentes dias. A dificuldade na identificação do titular da obra para
pedir autorização de uso, assim como os longos prazos de privilégio exclusivo do
autor – que não condizem com a atual realidade – são elementos que restringem os
novos autores.
8

Outro aspecto relevante no atual debate sobre os direitos autorais se refere


ao uso ilegal das obras na internet. Ao passo em que a tecnologia é benéfica ao
autor, ao ampliar as ferramentas disponíveis para fixação e exteriorização de sua
criação, também pode servir de ameaça, pois oferece instrumentos técnicos que
facilitam a violação dos direitos de uso e reprodução da obra. Downloads ilegais de
conteúdos protegidos são exemplos diários dessa ilegalidade que se tornou
generalizada.

Diante disso, a presente pesquisa busca verificar as possibilidades de


adequação das regras de direito autoral frente a problemáticas. O trabalho foi
desenvolvido com base em pesquisa bibliográfica, sendo dividido em três capítulos:

O primeiro capítulo traz as noções fundamentais dos direitos autorais, sua


evolução histórica, abrangendo seu surgimento, expansão e convergência de seus
dois sistemas.

O segundo capítulo propõe analisar o embate existente entre o


desenvolvimento tecnológico e o direito autoral, trazendo exemplos de disputas
judiciais emblemáticas no século XX quanto ao tema, além uma verificação dos
paradoxos existentes na estrutura do direito autoral ao ter suas premissas
adequadas à sociedade da informação.

Por fim, o terceiro capítulo conclui trazendo uma apreciação das principais
discussões sobre propostas de revisão jurídica no atual panorama em que se
encontra os direitos autorais, fazendo uma análise dos atuais projetos colaborativos
e licenças públicas já existentes.
9

2 PRINCIPAIS ASPECTOS DO DIREITO AUTORAL

2.1 Noções fundamentais

Para alcançar o objetivo traçado no presente trabalho, é necessário


sobretudo, analisar os principais fundamentos que permeiam o direito autoral,
tratando de seu conceito, dos aspectos morais e patrimoniais, do objeto a ser
tutelado, da natureza jurídica do instituto e da distinção entre autor e titular de
direitos autorais.

Antes, importante mencionar que o direito autoral e o direito industrial são


considerados espécies dos direitos de propriedade intelectual, gênero que disciplina
sobre bens imateriais produzidos pelo intelecto humano.

Na lição de Bittar, “o Direito Autoral, é o ramo do direito privado que regula as


relações jurídicas advindas da criação e da utilização econômica de obras
intelectuais.”1 A Convenção de Berna em seu art. 2º traz que o Direito Autoral
protege “todas as produções do domínio literário, científico e artístico, qualquer que
seja o seu modo ou forma de expressão”, onde são arrolados diversos gêneros de
obras, sejam escritas, orais, musicais, cinematográficas e análogas, fotográficas,
obras de artes plásticas, softwares, etc.2

A proteção do direito autoral pode ser de ordem patrimonial e de ordem moral.


Os direitos de caráter patrimonial visam regular as relações jurídicas da utilização
econômica das obras intelectuais. Refere-se ao direito do criador de utilizar e dispor
de sua obra, relacionando com a sua representação e com a reprodução da obra. Já
os de ordem moral pressupõem a existência de uma ligação indissolúvel entre a
obra e o criador, garantindo ao autor o controle à menção de seu nome na
divulgação de sua obra e o respeito à sua integridade, além dos direitos de modificá-

1 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor, 2000. p. 8


2 Rol analisado por FRAGOSO, João Henrique da Rocha. Direito Autoral: Da antiguidade à
Internet, 2009. p. 111
10

la ou retirá-la de circulação. A simples menção de autoria, independentemente de


registro identifica sua titularidade.3

A proteção da obra não leva em conta o seu valor. A qualidade intelectual de


uma obra não constitui critério atributivo de titularidade, ou seja, a proteção é dada a
uma criação, independente de seus méritos literários, artísticos, científicos ou
culturais. Assim, mesmo as obras de mínimo valor intelectual, desde que revelem
criatividade, são protegidas pelo direito autoral.4

Quanto ao objeto, o art. 7 da Lei 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais –


chamaremos a partir de agora de LDA/98)5, afirma que “são obras intelectuais
protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em
qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro.”

O objeto de proteção do direito autoral é a obra. Contudo, não existe obra que
não se seja fixada em um suporte material. As ideias ou métodos, enquanto não
exteriorizadas, não são protegidas. A criação precisa ser exteriorizada de qualquer
modo, ou materializada em algum suporte. A ideia que permanece na mente do
criador serve tão-somente para seu próprio deleite. Para que se torne uma obra,
impõe-se sua exteriorização, tornando-se tangível, para que se torne fenômeno,
manifestado no tempo e/ou espaço e seja perceptível pelos sentidos.6

Bittar ensina:
Os conceitos de “obra literária, artística e científica” abarcam certas
criações que, a rigor, não realizam objetivos estritamente
identificáveis com essas noções. Assim, as obras que por si realizam
finalidades estéticas (excluindo produtos para aplicação industrial ou
comercial) é o que se incluem no âmbito do Direito de Autor.7

Nem toda obra intelectual interessa à tutela do direito autoral. O art. 8º da


LDA/98 estabelece as obras que não serão objeto de proteção dos direitos autorais,

3 GANDELMAN, Henrique. De Gutemberg à internet: direitos autorais das origens à era


digital. 2009. p. 21
4 GANDELMAN, Henrique. op. cit., p. 35
5 BRASIL. Lei Federal nº 9.610/98 – Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos
autorais e dá outras providências.
6 FRAGOSO, João Henrique da Rocha. op. cit., p. 112
7 BITTAR, Carlos Alberto. op. cit., p. 10
11

elencando entre elas as ideias, os esquemas, formulários em branco, textos de lei,


informação de uso comum, os nomes e títulos isolados.

É importante também destacar a distinção entre autor e titular dos direitos


autorais. O art. 11 da LDA/98 afirma que “autor é a pessoa física criadora da obra
literária, artística ou científica”. A pessoa jurídica não pode criar, exceto por meio das
pessoas físicas que a compõem, caso em que os autores são então, as pessoas
físicas. Entretanto, essa pessoa pode transferir a titularidade de seus direitos para
terceiro, seja pessoa física ou jurídica. Também é titular de direitos autorais quem
adapta, traduz, arranja ou orquestra obra caída em domínio público, não podendo se
opor a outra adaptação, arranjo, orquestração ou tradução salvo quando cópia da
sua.8

O que se protege não é a novidade contida em uma obra, mas sim sua originalidade.
A lei autoral protege, portanto, as obras nascidas sem qualquer vinculação à outras –
as chamadas obras originárias – e as obras que se originam de outras anteriores –
as chamadas obras derivadas. Conforme definição do site do Creative Commons:

Obra derivada é uma obra baseada em outras pré-existentes, tal qual


uma tradução, adaptação, arranjo musical ou outras alterações de
uma obra literária, artística ou científica, ou fonograma ou
performance, incluindo adaptações cinematográficas ou qualquer
outra forma na qual ela possa ser refeita, transformada ou adaptada.9

Esse tipo de criação é um modelo estético bastante recorrente nos presentes


dias, principalmente na internet. Entretanto, a Lei de Direito Autoral ao proteger o
uso exclusivo de obras para seus próprios criadores acaba por restringir a utilização
dessas por novos criadores, tornando-se também um óbice à criação de obras
derivadas. Essa relação simultânea de incentivo/custo do direito autoral será
analisada pormenorizadamente no capítulo 2 deste trabalho.

8 PARANAGUÁ, Pedro. BRANCO, Sérgio. Direitos autorais. 2009. p. 40


9 Licença Jurídica Creative Commons. Disponível em <creativecommons.org/licenses/by-nc-
nd/3.0/br/legalcode> Acesso em 07/06/2016 Terça-feira às 05:58.
12

2.2 Evolução histórica

O instituto jurídico do direito de autor é considerado recente na evolução do


ordenamento jurídico mundial. Durante muito séculos não existiu nenhuma disciplina
jurídica que cobrisse o direito de autor, passando desapercebido por toda a
Antiguidade e a Idade Média. Nas civilizações grega e romana, mesmo sendo o
berço da cultura ocidental, inexistiam leis que protegessem as diversas
manifestações de uma obra, como sua reprodução, publicação, representação e
execução. Porém, já surgiam as primeiras discussões acerca da titularidade dos
direitos autorais.10

A invenção da impressão gráfica com a prensa de tipos móveis por


Gutemberg em meados do século XV, foi o marco inicial de toda legislação sobre os
direitos autorais. Esse surgimento propiciou uma enorme crescente na produção de
livros na Europa, trazendo um enorme impacto na disseminação da informação na
época. Considerada também o primeiro meio de comunicação da história, essa
invenção proporcionou com que diversos pensadores pudessem divulgar suas ideias
de forma mais ampla.

Isso não foi muito bem recebido pelas classes dominantes, representadas à
época, pela Monarquia e pela Igreja, que temiam pelo perigo do surgimento de
ideias hereges e a ocorrência de motins políticos. Esse conflito acarretou em
inevitáveis represálias, especialmente na Inglaterra. Após longas anos de disputas,
em 1557 foi outorgada a Stationer's Company, pela Rainha Mary Tudor, que se
tratava de uma companhia que detinha o privilégio de editar e produzir livros. Apenas
seus membros eram autorizados a imprimir livros, tendo permissão de confiscar
àqueles não oficializados pela corte.11

Gandelman analisa esse momento histórico:

10 PARANAGUÁ, Pedro. BRANCO, Sérgio. op. cit., p.14


11 TRIDENTE, Alessandra. Direito autoral: paradoxos e contribuições para a revisão da
tecnologia jurídica no século XXI. 2009. p. 5
13

Neste momento começa a surgir uma certa forma de censura, pois


os privilégios em relação a assuntos autorais concedidos por alguns
governantes (e por prazos determinados) estavam sujeitos a serem
revogados, de acordo com os interesses dos próprios concedentes.
Cumpre salientar que os privilégios, quase sempre, eram concedidos
aos editores e não aos autores.12

Em contrapartida, os autores estavam em segundo plano na relação, estando


sujeitos de um lado ao controle prévio de suas ideias, e de outro aos preços
impostos pelo único comprador disponível no mercado.13

José de Oliveira Ascensão então questiona:

Como tutelar então os autores? O caminho a ser seguido foi o da


afirmação de uma propriedade do autor sobre a obra, aproveitando a
sacralização que àquele direito se outorgara. O direito de autor seria
até a mais sagrada de todas as propriedades.14

A crescente insatisfação dos autores e o desenvolvimento da indústria


editorial acabaram por enfraquecer o sistema de censura legal. Manifestações
populares em prol dos autores levaram a rainha inglesa a publicar o Copyright act
(conhecido com o Estatuto da Rainha Anne) no ano de 1710, cuja preocupação era
limitar o monopólio dos editores, conferindo a eles o direito de cópia de uma obra
pelo período máximo de 21 anos. Tratou-se, portanto de um avanço nos direitos de
edição, por constituir em regras de caráter genérico e aplicáveis a todos, e não mais
em privilégios específicos garantidos a um ou outro livreiro individualmente.15 Deste
episódio culminou o surgimento do sistema do copyright, ou sistema anglo-
americano. O copyright foi construído, portanto, em decorrência da necessidade de
se censurar o trânsito de ideias políticas e da proteção aos interesses do editor. O
resguardo à reprodução de cópias era o principal objeto inicial deste sistema.

A ideia de proteção dos interesses dos autores perante os editores só veio a


se desenvolver com nitidez na França. A partir de 1777, as decisões do Conselho do
Rei começaram a relacionar o direito do autor à criação, garantindo a remuneração

12 GANDELMAN, Henrique. op. cit., p. 26


13 TRIDENTE, Alessandra. op. cit., p. 5-6
14 ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 1997. p.5
15 PARANAGUÁ, Pedro, BRANCO, Sérgio. op. cit., p. 20-21
14

ao autor pelo seu trabalho. Logo após a Revolução Francesa, foi regulamentado
pela primeira vez direitos relativos à propriedade dos autores em relação à sua obra
intelectual, além do direito exclusivo de comercializarem ou não suas obras. Nasce
assim o sistema do droit d'auteur, ou sistema continental, no contexto da proteção
dos interesses do autor perante o editor. A preocupação originária desse sistema era
a de assegurar ao autor condições favoráveis na negociação de sua obra com o
editor. O sistema continental também se preocupou com questões referentes a
criatividade da obra e os direitos morais de autor. 16

O droit d’auteur passou a tutelar o criador da obra, contrapondo-se ao


copyright, cuja tutela se assenta na materialidade da obra. Apesar de serem
peculiares entre si, os dois sistemas são ligados na sua origem, uma vez que o
direito autoral somente surgiu em consequência de um instituto jurídico que o
antecedeu, que foi o “privilégio do editor”.17

Em 1886 surgiram as primeiras diretrizes para a regulação ampla dos direitos


autorais. Celebrou-se a Convenção de Berna, que definiu padrões de proteção aos
direitos a serem concedidos aos autores de obras literárias, artísticas e científicas,
impondo verdadeiras normas de direito material, além de instituir normas
reguladoras de conflitos. Esta convenção, liderada por Victor Hugo, foi motivada por
um protesto de autores e editores franceses contra a utilização de suas obras na
Bélgica.18

Passado mais de 120 anos de sua elaboração, e após constantes adaptações


de seu texto, a Convenção de Berna continua a servir de base para a confecção das
leis nacionais – entre as quais a brasileira – que regulam matéria atinente aos
direitos autorais. Inclusive no que diz respeito a obras disponíveis na internet.

16 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. 2009


17 NIGRI, Deborah Fisch. Cadernos de Direito da Internet. 2007. p. 21
18 PARANAGUÁ, Pedro, BRANCO, Sérgio. op. cit., p. 17
15

No Brasil, em 1827, houve a primeira referência ao direito de autor.19 Três


anos mais tarde, em 1830, o aspecto moral foi reconhecido na legislação, com a
instituição dos primeiros crimes de violação de direitos autorais no Código Criminal.
Porém, a primeira lei brasileira a tratar especificamente da proteção autoral foi a Lei
nº 496/1898 (Lei Medeiros e Albuquerque), que definiu o direito autoral sobre obras
literárias, científicas e artísticas, com fulcro na Constituição de 1891 e com influência
na lei belga. Esta lei foi revogada pelo Código Civil de 1916, que consagrou um
capítulo exclusivo à matéria, sob o título “Da Propriedade Literária, Científica e
Artística”. De 1924 a 1967 foram feitos inúmeros decretos regulando os direitos
autorais, disciplinando sobre serviço de censura de diversões públicas, sobre a
licença autoral para execuções públicas e transmissão por rádio e televisão, sobre
direitos conexos, dentre outras regulações.20

Mas foi somente em 1973 foi que o Brasil viu publicado seu primeiro estatuto
único que regulasse e abrangesse o direito de autor, a Lei 5.988/73, que vigorou até
19 de fevereiro de 1998, quando o Congresso Nacional aprovou a Lei 9.610/98, a
nossa atual Lei de Direitos Autorais. Importante mencionar que a Constituição
Federal de 1988 é taxativa ao garantir e reconhecer os direitos de autor em sem art.
5º, incisos XXVII e XXVIII.

2.3 Relação entre copyright e droit d’auteur

A proteção do direito autoral objetiva primordialmente o desenvolvimento das


artes e das ciências. Para alcançar esse objetivo, os sistemas anglo-americano e
francês buscam caminhos diferentes: enquanto as tradições derivadas do copyright
trilham o caminho da proteção do investimento, as tradições derivadas do droit
d’auteur enraízam-se na proteção à pessoa do autor.

A vertente doutrinária que adota a ideia de proteção ao investimento


argumenta que, ao permitir a recuperação do investimento realizado, incentiva e
encoraja a produção de novas obras.

19 A criação da Crea dous cursos de sciencias jurídicas e sociaes, um em São Paulo e outro em
Olinda, concedia privilégio exclusivo aos lentes sobre compêndio de suas lições.
20 PARANAGUÁ, Pedro, BRANCO, Sérgio. op. cit., p. 17
16

Fábio Ulhoa Coelho, um dos doutrinadores que adota essa linha de


pensamento, coloca:

O direito autoral protege a obra artística, literária ou científica para


assegurar o retorno do investimento feito – seja em capital ou em
trabalho – na elaboração, produção, distribuição, encenação ou
exposição da obra.21

Já a outra linha doutrinária, centrada na proteção do autor, enfatiza que a


exclusividade das obras é necessária para garantir independência econômica aos
autores, para criarem com mais liberdade.

Abrão escreve em favor dessa corrente:

A proteção aos direitos de autor tem um propósito: o de reservar


através de um privilégio temporário e exclusivo aos artistas,
escritores, compositores, desenhistas, pintores, escultores e outros
criadores de obras de cunho estético, intelectual, cultural, um direito
de ordem econômica. E outro de índole moral. Para que sejam
estimulados a produzirem sempre, e cada vez mais, garantindo-lhes
o respeito à obra e a uma forma de sobrevivência condigna.22

Embora as duas correntes utilizem métodos diferentes, ambas buscam um


propósito maior: o incentivo à produção de novas obras artísticas e científicas,
garantindo o progresso contínuo das ciências e das artes, e consequentemente, o
aperfeiçoamento constante da humanidade.

2.4 A expansão do direito autoral

O século XX foi marcado por uma série de mudanças que causaram uma
consistente expansão no conceito do direito autoral. A flexibilização das regras para
aquisição da exclusividade fez com que todas as criações intelectuais passassem a
ser automaticamente protegidas pela lei, sem necessidade de registro das obras,
resultando em um maior número de obras protegidas. O aumento dos prazos de
concessão da exclusividade para a proteção das obras foi outra mudança que

21 COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit., p. 262


22 ABRÃO, Eliane. op. cit., p. 145
17

resultou em uma expansão do direito autoral, pois aumentou do período de duração


e do âmbito de atuação da proteção.23

Outra importante característica marcante desta expansão foi a ampliação da


abrangência dos direitos autorais, atribuindo proteção a indivíduos que não fazem
parte propriamente do processo criativo. A revisão da Convenção de Berna de 1948
contemplou como autor, além do criador, uma série de indivíduos: intérpretes,
executantes, técnicos em espetáculos públicos, animadores de programas de rádio e
televisão, arranjadores, orquestradores, artistas circenses, atores de rádio, teatro e
televisão, cabeleireiros e maquiadores, dançarinos, cantores, conjuntos e coros,
declamadores, diretores cênicos e diretores de orquestra, dubladores, figurantes,
garotos-propaganda, humoristas, instrumentistas, locutores esportivos e narradores,
regentes de orquestras, solistas, animadores de marionetes ou ventríloquos,
mímicos etc.24

A revisão da Convenção de Berna de 1961, por sua vez, abrangeu nesse rol
os produtores de fonograma e as empresas de radiodifusão. Todos esses indivíduos
passaram a ser considerados titulares de direitos autorais, os denominados direitos
conexos.25

Devido a essa expansão, a expressão direitos autorais passou a ser


designada como gênero, sendo o direito de autor e os direitos conexos suas
espécies. Ascenção ensina:

A lei brasileira impõe a distinção entre Direito de Autor e Direito


Autoral. Direito de Autor é o ramo da ordem jurídica que disciplina a
atribuição de direitos relativos a obras literárias e artísticas. O Direito
Autoral abrange além disso os chamados direitos conexos do direito
de autor, como os direitos dos artistas intérpretes e executantes, dos
produtores de fonogramas e dos organismos de radiodifusão. Direito
Autoral passou pois a ser a designação de gênero. Trata-se de
curiosa evolução, pois “direito autoral” é um neologismo, que foi

23 TRIDENTE, Alessandra. op. cit., p. 145


24 Os integrantes desse rol são analisados um por um por CHAVES, Antônio, Direitos
Conexos: dos atores, compositores, locutores, músicos, técnicos, direito de arena, direito das
empresas, direito à imagem etc. 1999
25 TRIDENTE, Alessandra. op. cit., p. 37
18

introduzido por Tobias Barreto, para corresponder à palavra alemã


Urheberrecht – ou seja, justamente direito de autor.26

A inserção do software27 no âmbito de incidência do direito autoral é outro


aspecto que caracteriza esse alargamento do instituto jurídico. A discussão pela
abrangência dos programas de computador no manto dos direitos autorais, que
começou a partir da década de 70, se deu por esses serem criações úteis e não-
estéticas. Pela sua natureza, a coerência seria ser a tutela pelo direito industrial.
Porém, fortes pressões com objetivo de conseguir maiores prazos de exclusividade
de exploração econômica, culminaram na inserção do software dentre as obras
protegidas pelo direito autoral28. No Brasil, essa inclusão foi regulamentada pela Lei
7.656/87.

Essa ampliação constante do direito autoral causou uma instabilidade neste


ramo do direito conforme observa Ascenção:

A instabilidade vem de o Direito de Autor ter tido de alargar seu


âmbito para acolher também o setor, ainda indefinido, dos direitos
conexos, e agora, de novo, para o domínio da informática jurídica.29

Além do software, obras de pouca ou nenhuma criatividade, como banco de


dados, passaram a integrar o campo de atuação do direito autoral, alargando mais
ainda sua abrangência.30

Desta forma, todos esses elementos aliados – a criação dos direitos conexos,
a proteção do software e a proteção de obras sem criatividade – evidenciam a
expansão do direito autoral no século passado, observado tanto no copyright, quanto
no droit d’auteur. Observou-se também um movimento de aproximação entre esses
dois sistemas.

Fábio Ulhoa Coelho explica:

26 ASCENÇÃO, José de Oliveira. op. cit., p. 16


27 Softwares são os programas que comandam o funcionamento de um computador.
28 TRIDENTE, Alessandra. op. cit., p. 38
29 ASCENÇÃO, José de Oliveira. op. cit., p. 18
30 TRIDENTE, Alessandra. op. cit., p. 40
19

Se, na origem, o copyright e o droit d’auteur assentavam em


condições distintas, eles têm-se aproximado significativamente desde
as últimas décadas do século XX. O sistema copyright de direito
autoral desveste seu feitio originário focado no empresário do
mercado editorial para se aproximar do droit d’auteur, cujo foco foi,
no início, a tutela dos interesses do criador da obra intelectual. Já o
sistema droit d’auteur tem descrito a trajetória inversa à do
copyright.31

É evidente, portanto, a relação íntima entre a expansão do direito autoral e a


convergência dos sistemas copyright e droit d’auteur. Quanto maior a expansão dos
direitos autorais, mais se aproximam estes institutos. E quanto mais esses sistemas
se aproximam, maior é o número de interesses tutelados pelo direito autoral.

31 COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit.


20

3 DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E DIREITO AUTORAL

3.1 Relação entre o progresso tecnológico e o direito autoral

O direito autoral sempre teve uma relação com o aperfeiçoamento


tecnológico. Constata-se essa ligação desde sua origem, com a invenção da prensa
de Gutemberg, que permitiu a reprodução de livros em larga escala na Europa. Cada
nova tecnologia faz ampliar as possibilidades de exteriorização da criação do
espírito em novos suportes comercializáveis.32

Eduardo Lycurgo Leite afirma:

O destino do Direito de Autor é caminhar sempre lado a lado com a


tecnologia, e evoluir na medida em que esta evolui, adaptando-se às
alterações e superando contradições, sem, porém, eliminar estas
últimas.33

Para ilustrar historicamente, a proteção legal atribuída na Inglaterra do século


XVIII contemplava apenas a exploração do mercado literário, não se alcançando
outra modalidade de criação. Com o desenvolvimento tecnológico de novos suportes
de fixação, levantou-se a questão de modificar ou não as leis para abranger as
manifestações artísticas existentes antes não contempladas. O desenvolvimento da
tecnologia e das leis de proteção ao autor sempre caminharam juntos na história.
Quando da promulgação da primeira Convenção de Berna, por exemplo, já existiam
na Europa mais de 30 suportes de proteção abrangidos pelo direito autoral.34

A partir dessa concepção, os textos legais começaram a trazer a preocupação


de abranger não só os suportes já existentes, como também a todos que possam vir
a ser inventados no futuro. O art. 7º LDA/98 traz essa premissa:

32 TRIDENTE, Alessandra. op. cit.,p. 45-46


33 LEITE, Eduardo Lycurgo. Direito de autor. 2004
34 LESSIG, Lawrence. Cultura Livre: Como a mídia usa a tecnologia e a lei para barrar a
criação cultural e controlar a criatividade. 2004. Disponível em
<https://www.ufmg.br/proex/cpinfo/educacao/docs/10d.pdf>
21

Art. 7º. São obras intelectuais protegidas as criações do espírito,


expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte,
tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais
como:
I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;
II - as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma
natureza;
III - as obras dramáticas e dramático-musicais;
IV - as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se
fixe por escrito ou por outra qualquer forma;
V - as composições musicais, tenham ou não letra;
VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as
cinematográficas;
VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo
análogo ao da fotografia;
VIII - as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e
arte cinética;
IX - as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma
natureza;
X - os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia,
engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;
XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras
originais, apresentadas como criação intelectual nova;
XII - os programas de computador;
XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias,
dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção,
organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação
intelectual.35

Conforme se constatou, as tecnologias sempre se demonstraram como um


elemento favorecedor da expansão do direito autoral. Entretanto, ao mesmo tempo
que promove esse alargamento, também serve de ameaça ao próprio instituto.

Tridente ensina:

Se a tecnologia torna possível novas formas de fixação de conteúdo,


possibilita igualmente novas formas de reprodução de conteúdo não
autorizadas pelos titulares de direitos autorais, em outras palavras,
aumenta a “pirataria” de material protegido.36

35 BRASIL. Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998, art, 7º, o grifo não consta no texto original
36 TRIDENTE, Alessandra. op. cit., p. 48
22

As novas tecnologias vem sendo combatidas pela indústria de distribuição de


conteúdo. No século passado, com a acentuada evolução tecnológica que tivemos,
ocorreu o surgimento de diversos equipamentos que propiciaram o uso e a
reprodução não autorizada de obras protegidas por direito autoral, desencadeando
vários embates na esfera judicial, como veremos a seguir.

A invenção das máquinas fotocopiadoras, em 1938, pelo estadunidense John


Chester Carlson e sua empresa Xerox Co., representou um grande avanço
tecnológico em se tratando de reprodução de textos impressos. Entretanto, essa
invenção foi recebida como ameaça pelo mercado editorial, pois fornecia o
instrumento técnico ideal para viabilizar a pirataria de material literário protegido por
direitos autorais. 37

Os mercados fonográfico e cinematográfico também foram alvos desse


conflito. A invenção dos gravadores e videocassetes tornaram possível a fixação do
som e imagem em fitas de plástico magnetizadas, pelos consumidores de produtos
de entretenimento. Para a indústria da música e do cinema, estas tecnologias
demonstravam-se uma grande ameaça, tendo em vista que os consumidores
começaram a ter a possibilidade de reproduzir conteúdo protegido, sem que os
autores pudessem ter o controle desse uso: não se sabia quem estava consumindo
a obra, nem se o uso desta era apenas pessoal, ou teria fins lucrativos, como
aluguel ou venda. 38

Por essas razões, muitas pessoas consideravam que as novas tecnologias


representavam a morte do direito autoral. Muitas disputas judiciais entre os
fabricantes de novas tecnologias e titulares de direitos autorais tiveram origem na
segunda metade do século XX, principalmente nos Estados Unidos, com o intuito de
dar fim a essas tecnologias. 39

37 Disponível em <http://www.ahistoria.com.br/copiadora-maquina-de-xerox/> Acessado em


06/06/2016 Segunda-feira às 02:18
38 LANGE, Deise Fabiana, O impacto da tecnologia digital sobre o direito de autor e
conexos. 1996. p. 88
39 TRIDENTE, Alessandra op. cit., p. 50
23

Os representantes das indústrias de distribuição de conteúdo defenderam nos


tribunais que tecnologias como gravadores e videocassetes deveriam ser banidas,
uma vez que seu único propósito seria permitir a prática de ilícitos. Em defesa, os
fabricantes dessas tecnologias alegaram que apenas forneciam o equipamento
tecnológico, não tendo responsabilidade sobre eventual uso ilegal deles. Nestas
disputas judiciais, as decisões majoritariamente mantiveram a orientação de não
frear o desenvolvimento tecnológico, em nome do interesse dos titulares de direitos
já existentes, levando o Congresso Nacional estadunidense a legislar o não
banimento das tecnologias que permitiam reprodução caseira de materiais
protegidos.40

Dentre essas disputas judiciais, se destaca a emblemática Sony Corporation


of America vs Universal City Studios, Inc., conhecida como o caso Sony Betamax, no
qual, após grandes discussões na Suprema Corte, decidiu-se que o videocassete
era um produto legal, pois, apesar das possibilidades de utilizações ilícitas, ela
também proporciona utilizações lícitas.41

Ocorre que nunca nessas disputas judiciais entre titulares de direitos autorais
e fabricantes de novas tecnologias houve o banimento de tal equipamento ou então
a extinção dos direitos autorais. O que se constatou foi o inverso: o processo de
expansão do direito autoral e o progresso tecnológico tornaram-se cada vez
maiores.

3.2 Conflitos da proteção ao autor no âmbito da internet

Comparado com as tecnologias surgidas no século XX, como por exemplo a


máquina de fotocópia e os gravadores de áudio – que permitiam a produção de
cópias caras, de má qualidade, e de distribuição restrita – as tecnologias digitais
aliadas à internet permitem a produção de cópias baratas, com total fidelidade de
cópia e que podem ser distribuídas a um número imenso de pessoas.42

40 TRIDENTE, Alessandra. op. cit., p. 50-51


41 TRIDENTE, Alessandra. op. cit., p. 50
42 TRIDENTE, Alessandra. op. cit., p. 56
24

As possibilidades de interação proporcionadas hoje em dia vem ocasionando


o aparecimento de uma cultura que apresenta-se como uma ameaça às regras
direito autoral. A popularização das tecnologias digitais permitiu com que as pessoas
pudessem reproduzir cópias com grande facilidade, sendo o download o instrumento
mais usual para tal reprodução, existindo portanto, uma facilidade técnica para a
ocorrência de violação dos direitos autorais. Ao mesmo tempo, existe também uma
dificuldade cada vez maior em coibir esses ilícitos.

Nos Estados Unidos, antes da virada do milênio, houve uma série de


regulamentações sobre esse tema, marcadas pela atuação marcante da poderosa
indústria do ramo dos direitos autorais.

Em 1995 foi elaborado um documento chamado White Paper43, a qual


continha parâmetros para contornar a crise dos direitos autorais diante da internet,
dentre as quais previa-se o fortalecimento das leis de direito autoral, o
desenvolvimento de novas tecnologias capazes de impedir a pirataria e inclusive o
ensino nas escolas sobre a importância do respeito aos direitos autorais para as
novas gerações.44

Entre as modificações legais lá ocorridas, destaca-se a lei do No Electronic


Theft (“NET Act”), aprovada em 1997, que tornou crime a conduta de reproduzir
conteúdo protegido por direitos autorais, ainda que sem fins lucrativos, sujeitando os
infratores a pena de prisão de até 6 (seis) anos.45

Outras duas leis ainda mais rígidas foram implementadas após o “NET Act”: o
Digital Millennium Copyright Act (“DMCA”), em 1998, que previa o aumento da pena
prevista para violações de direitos autorais feitas por meio da internet; e o Sonny

43 Tradução livre: "livro branco" ou "relatório branco". É um documento oficial publicado por um
governo ou uma organização internacional, a fim de servir de informe ou guia sobre algum problema
e como enfrentá-lo.
44 TRIDENTE, Alessandra. op. cit., p. 56-57
45 Disponível em <www.wipo.int/tratier/en/ip/wtc/trtdocs_wo033.html> Acessado em 29/05/2016
Domingo às 19:01
25

Bono Copyright Term Extension Act (“CTEA”), no mesmo ano, que estendia por mais
20 anos o prazo de todos os direitos autorais que estavam prestes a expirar.46

No novo milênio surgiu um novo aperfeiçoamento tecnológico: as tecnologias


p2p (peer to peer). Trata-se de um formato de rede de computadores que permite a
transmissão e compartilhamento de arquivos pela internet entre os usuários
interconectados ao programa, sem a necessidade de um servidor central que
armazene esses arquivos, isto é, os próprios usuários disponibilizam um para os
outros esse conteúdo, permitindo com que cada usuário seja ao mesmo tempo
servidor e cliente. Programas de computador como Napster, Grokster, Kazaa,
Audiogalaxy, Limeware, e atualmente, uTorrent, viabilizaram (e ainda viabilizam) o
intercâmbio de todo tipo de arquivos de forma rápida e com total fidelidade de cópia.

O surgimento dessa tecnologia disparou uma nova e intensa crise entre os


titulares de direitos autorais, especialmente os de conteúdo musical. O Napster,
software que popularizou a tecnologia p2p, permitia a troca de músicas pela internet
entre os usuários interconectados, por meio do acesso a uma lista que fornecia tais
arquivos de música em formato digital, podendo o usuário baixá-las gratuitamente.
Criado em julho de 1999, o programa se tornou uma febre entre os internautas, tanto
que após dezoito meses de sua criação existiam mais de 80 milhões de usuários
interconectados.47

A repercussão dessa nova tecnologia disparou uma reação sem precedentes


entre os titulares de direitos autorais. A Associação de Indústrias de Gravadoras
Norte-Americana, a RIAA (Recording Industry Association of America) promoveu
uma ação judicial contra o Napster, alegando que este facilitaria a infração de
direitos autorais, e pleiteou o banimento da tecnologia que, segundo a RIAA, tinham
a única serventia de roubar conteúdo protegido. Em 2001, após longa disputa
judicial, o software foi banido, contrariando a decisão da Suprema Corte no caso
Sony Betamax (referida no item anterior) a qual tinha fixado orientação de não banir
tecnologias em nome dos titulares de direitos autorais.

46 TRIDENTE, Alessandra. op. cit., p. 57


47 LESSIG, Lawrence. op. cit.
26

No ano seguinte, a RIAA moveu ação contra o Kazaa – programa que supriu
o espaço deixado pelo Napster – com os mesmos argumentos de que o software era
responsável pelas violações de direitos autorais e pleiteando seu banimento, no que
se chamou de caso Grokster – nome da companhia que licenciou o Kazaa. Ocorre
que diferentemente do caso Napster, o poder judiciário estadunidense decidiu contra
a RIAA e em favor da tecnologia, afirmando que a inovação tecnológica não pode
ser obstada por colocar em perigo uma “forma particular de fazer negócios”.48

A partir disso, o RIAA adotou uma política sem precedentes, promovendo


processos individuais contra consumidores aleatoriamente escolhidos, que tivessem
feito download de conteúdo protegido por direitos autorais, processando até o ano
de 2005 mais de doze mil norte-americanos.49

Tridente observa os impactos dessa represália:

Essa nova política teve grande repercussão pública. Capas de


jornais e revistas foram logo repletas por histórias de crianças de 12
anos, senhores aposentados, donas de casa e estudantes
universitários que se tornaram réus de ações judiciais promovidas
pela associação das indústrias de gravação norte-americana50

Analisando estas disputas judiciais, percebe-se que as tecnologias digitais


trouxeram uma crise às normas direitos autorais nunca enfrentada antes na história.
A ilegalidade generalizada nesse meio, propiciada com a internet, traz o desafio de
repensar as normas referentes a essa matéria.

Nesse aspecto, Plínio Martins Filho comenta:

A internet está criando um verdadeiro caos à medida que rompe


qualquer barreira, pois torna a proteção dos direitos autorais – que
atualmente é territorial – obsoleta. É preciso, portanto, que se crie um
código universal plenamente funcional. Do contrário, vamos continuar
nos perguntado de quem é a responsabilidade sobre os direitos
autorais na internet, e não dando nenhuma resposta satisfatória.51

48 TRIDENTE, Alessandra. op. cit., p. 42


49 GOLDSMITH, Jack e WU, Tim. Who controls the internet. 2009. p. 109-115
50 TRIDENTE, Alessandra. op. cit., p. 62
51 FILHO, Plínio Martins. Direitos autorais na internet. 1998. p. 187
27

Diante disso, observa-se que uma das grandes questões a serem enfrentadas
no âmbito dos direitos autorais é a busca pelo equilíbrio entre a proteção dos
titulares dos direitos e o acesso da sociedade aos bens culturais.

3.3 Paradoxos do direito autoral

A relação do direito autoral com as novas tecnologias é cercada de


incertezas. Ao mesmo tempo que o surgimento de uma tecnologia favorece a
expansão do direito autoral ao oferecer novos suportes de exteriorização da obra
intelectual, ela possibilita mais utilizações ilícitas de material protegido, colocando
em risco os titulares dessas obras. Esses direitos surgem e se expandem em razão
dessas invenções ao mesmo tempo em que são ameaçadas por elas.
Paradoxalmente, os direitos autorais foram criados a partir de uma tecnologia – a
prensa de Gutemberg – e estão sendo ameaçadas por outra – a internet e as mídias
digitais.

Entretanto, ainda há de se analisar o paradoxo mais significativo de todos: o


encontrado na estrutura do direito autoral. Refere-se à utilização direta de obras
anteriores como matéria-prima para produção de novas obras. Este paradoxo
decorre do fato de que toda criação precisa utilizar de conhecimentos humanos já
existentes para possibilitar a expressão de novas ideias, mas esses próprios
conhecimentos podem estar muitas vezes inacessíveis aos novos criadores.

Tridente traz um exemplo hipotético interessante, que ajuda a demonstrar


essa situação:

“É o caso de dois músicos que tenham composto um arranjo


inovador de um tango de Astor Piazzolla e precisem obter a
autorização do titular do direito autoral sobre a obra original para
gravar um CD da versão derivada dela que pretendem produzir […]
Os herdeiros de Astor Piazzolla, inseguros sobre a conveniência da
manipulação das obras de seu pai, podem simplesmente negar a
autorização para gravação. Podem, também, preferir concedê-la,
fixando o preço de R$ 50.000,00 para permitir a produção de um
arranjo tão inovador e alternativo. Esse valor – imaginário, mas
plausível – é muito alto para a grande maioria dos artistas de carreira
28

musical e certamente impagável para os dois músicos inventados no


exemplo. A única alternativa deles, nesse caro, seria esperar que a
música de Astor Piazzolla caísse em domínio público para, só então,
poderem livremente manipulá-la.52

Lessig analisa essa questão dentro na indústria cinematográfica. Ao lançar


um filme, o diretor precisa ter certeza de que nenhum elemento contextualizado na
obra pertença a alguém, sob pena de assumir os riscos de futuros processos
judiciais. O autor traz exemplos, como o filme Doze Macacos, que foi retirado das
bilheterias logo após seu lançamento porque um artista alegou judicialmente que
uma cadeira que aparecia em uma cena lembrava um móvel cujo design pertencia a
ele. Em 1997, o filme Advogado do Diabo teve de ter seu lançamento adiado quando
um escultor alegou que uma escultura sua aparecia ao fundo de um cenário. Outro
exemplo citado é no filme Batman Forever, onde um arquiteto alegou que o
“batmóvel” contornava em suas perseguições, um jardim cujos direitos de
propriedade intelectual pertenciam a ele.53

Na lição de Pedro Paranaguá e Sérgio Branco:

A cultura, a arte de modo geral e a ciência se auto alimentam. Isso


significa que as criações sempre derivam do conhecimento humano
disponível. Quanto mais se impossibilita a utilização desse
conhecimento, mediante restrições legais, menor a quantidade de
matéria-prima disponível para novas criações.54

As obras preexistentes, portanto, são insumos necessários para a produção


de novas obras. A massificação das novas tecnologias teve como consequência o
surgimento de uma nova cultura, que privilegia as obras derivadas.

Novos modelos de obras como remixagens, releituras, recontextualizações e


readaptações ocupam hoje um espaço cada vez maior no meio artístico, sendo
considerada por muitos como uma nova proposta estética. Isso valoriza a criação

52 TRIDENTE, Alessandra. op. cit., p. 96


53 LESSIG, Lawrence. op. cit.
54 PARANAGUÁ, Pedro, BRANCO, Sérgio. op. cit., p. 109
29

como sendo um ato coletivo, reconhecendo nas obras derivadas um mérito artístico
equivalente ao das obras originais.55

Sendo assim, nota-se que o direito autoral além de apresentar um caráter


incentivador (tutelando o autor, garantindo sua subsistência econômica e de sua
família, e estimulando a produzir mais obras), representa um custo a atividade
criativa, pois a existência de fortes entraves para o acesso de obras preexistentes
podem desestimular e até inviabilizar a produção de obras criativas, vedando a
liberdade de expressão dos autores, a quem o direito autoral deveria proteger.

A LDA/98 é rígida em relação ao uso de obras de terceiros, conforme consta


no seu art. 46, que determina que apenas pequenos trechos de obras alheias podem
ser copiados sem autorização dos titulares de direitos.56

Diante disso, Lessig observa importância dos commons em nossa sociedade.


Commons podem pelo autor definido como “bens que qualquer pessoa tem o direito
de utilizar sem precisar antes obter a permissão de ninguém”. Exemplos disso são
as vias públicas, as praias, a teoria da relatividade de Einstein e outras obras que
estejam em domínio público. Ou seja, são bens onde não há ninguém exercendo
direito exclusivo de propriedade, sendo disponíveis para toda a coletividade. As
obras em domínio público são commons que desempenham papel importante, ao
ser matéria-prima para os criadores produzirem novas obras sem depender de
autorização.57

A expansão das regras de direito autoral torna escassos os bens coletivos em


matéria cultural, o que é prejudicial ao progresso artístico e científico da
humanidade, tendo em vista que para criar, os autores têm de pedir autorização aos
criadores do passado para produzir novas obras para que não haja violação às
proteções das mesmas.

55 PARANAGUÁ, Pedro, BRANCO, Sérgio. op. cit., p. 116


56 PARANAGUÁ, Pedro, BRANCO, Sérgio. op. cit., p. 109
57 LESSIG, Lawrence. op. cit., p. 23
30

O direito autoral estimula diretamente o progresso humano ao tutelar direitos


aos autores e protegendo-os economicamente, incentivando-os a continuar
produzindo. Também estimula indiretamente ao limitar esses direitos, garantindo
uma maior liberdade para criar utilizando obras do passado, sem chocar-se nos
entraves protetivos.58

Verifica-se assim a necessidade de as regras jurídicas serem vigorosas o


suficiente para estimular novas criações, mas não tão rígidas a ponto de frear essas
criações. Sendo simultaneamente um custo e um incentivo, cabe, portanto, achar um
ponto de equilíbrio na aplicação das regras de direito autoral para garantir o
progresso das ciências e das artes.

58 TRIDENTE, Alessandra, op. cit., p. 93-103


31

4 NOVAS QUESTÕES SOBRE O DIREITO AUTORAL NO SÉCULO


XXI

4.1 Revisão jurídica

Conforme explanado, o direito autoral apresenta simultaneamente em sua


estrutura um caráter de incentivo e de custo para os autores. A ilegalidade
generalizada, característica constatada na sociedade da informação, afeta tanto as
tradições jurídicas oriundas do copyright quanto as do droit d’auteur, o que reflete o
viés universal dessa crise dos direitos autorais no novo milênio.

Quanto à revisão das regras de direito autoral, as discussões apontam de


forma acentuada para uma redução na abrangência desses direitos, o que indica
que o processo expansão histórica desse instituto caminha em direção ao fim.

Tridente menciona algumas dessas tendências que o debate contemporâneo


sobre a revisão dos direitos vem apontando, em relação à três aspectos: (a) quanto
ao modo de aquisição do direito de propriedade intelectual, (b) quanto ao prazo de
concessão da exclusividade e (c) quanto à extensão legal às obras derivadas.

Quanto ao primeiro aspecto, discute-se a alteração do modo de aquisição


dos direitos autorais. Em regra, no momento em que a obra é criada a proteção
passa a existir. Historicamente, essa regra foi criada em benefício dos autores para
dispensá-los do ônus de registrar suas obras. Entretanto, hoje em dia, no atual
estágio tecnológico, a existência de uma lista que permita a identificação dos
titulares de obras originais traria grandes benefícios, na medida em que aumenta o
número de participantes engajados em atividades criativas, bem como cresce os
problemas trazidos pela falta dela. 59

Por isso, uma das propostas que permeia as novas discussões recomenda a
alteração do modo de aquisição dos direitos autorais, que passaria a depender da

59 As formalidades de registros dependiam de estruturas caras, lentas e burocráticas, ao


mesmo de que uma lista dos proprietários de obras intelectuais não seria tão importante, pois apenas
uma pequena parcela da população dispunha de ferramentas tecnológicas para envolver-se em
atividades criativas. TRIDENTE, Alessandra. op. cit., p.106
32

formalização de um registro, que poderiam ser feitas pela internet de forma simples,
rápida e barata. No Brasil, essa mudança implicaria na mudança do art. 18 da
LDA/98, cujo texto é o seguinte: “A proteção aos direitos de que trata esta Lei
independe de registro”.

Em relação ao segundo aspecto, questiona-se a duração dos prazos dos


direitos autorais, que hoje na maioria dos países é de 70 anos após a morte do autor
da obra. Quando da criação desses prazos, objetivava-se a proteção à pessoa do
autor, garantindo a subsistência de sua família sua morte. Acreditava-se também que
longos prazos de proteção à obra eram necessários pelo fato de que certas obras
poderiam demorar décadas para serem distribuídas em países distantes. Argumento
este que não é mais plausível frente ao mundo informatizado a qual vivemos.

João Augusto Cardoso analisa um caso hipotético quanto ao não cabimento


desses longos prazos de proteção em nossa sociedade:

Imagine que um autor criou uma obra intelectual aos 18 anos. Como
já se viu, o direito nasceu com a concepção da própria obra. Este
vem a morrer aos 98 anos. Assim, de acordo com a lei civil autoral
quanto aos direitos patrimoniais, a obra de sua criação intelectual
tem proteção por toda sua vida e adicionam-se mais 70 anos.
Podemos somar aos 80 anos de tutela enquanto vivo, mais 70 de
sua morte, chegando a um prazo de proteção legal de 150 anos.60

Por esses motivos é de que existe um consenso nas atuais discussões sobre
o tema em reduzir os prazos de exclusividade sobre a obra. Os prazos devem ser
longos o suficiente para estimular a criação das obras, mas não tão longos a ponto
de inibir obras futuras. Deveriam esses prazos serem parecidos com os direitos de
propriedade industrial. No Brasil, modificações quanto ao prazo implicariam na
modificação do texto do art. 41 da LDA/98:

Art. 41. Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos


contados de 1º de janeiro do ano subsequente ao se seu
falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil. Parágrafo
único. Aplica-se às obras póstumas o prazo de proteção a que alude
o caput desse artigo.

60 CARDOSO, João Augusto. Direitos autorais no trabalho acadêmico, 2007. p. 73


33

Já quanto ao terceiro aspecto, refere-se à abrangência do direito autoral às


obras derivadas. A doutrina vem discutindo a necessidade de reformular as regras
que dizem respeito ao consentimento do autor para a reutilização de sua obra.
Quanto a essa discussão, Ascenção observa:

A evolução da técnica, incessantemente mais acelerada, continuou a


impor a evolução neste domínio. O aperfeiçoamento dos meios de
reprodução acompanhara já a expansão do Direito de Autor no
século XIX. Novos meios de comunicação e difusão alteram hoje a
base deste ramo do direito. À situação artesanal do autor que
isoladamente cria e individualmente autoriza esta ou aquela
utilização sucede a cultura de massas, em que produtos são
lançados para difusores e consumidores anônimos, sem hipótese
nenhuma de se processar a autorização individual e prévia que as
leis pressupõem. Toda a estrutura legal do Direito de Autor está hoje
obsoleta.61

Tridente afirma que a obrigatoriedade de obtenção de prévia autorização do


titular da obra original para a produção de obras derivadas é provavelmente a regra
jurídica responsável pelo maior número de ilegalidades na rede em matéria de
direito autoral.62 Essa problemática é explanada tendo em vista a mudança que a
atual sociedade trouxe aos conceitos tradicionais de autor e obra, que hoje em dia
são muito diferentes do que na época em que foram estruturadas as bases do droit
d'auteur e do copyright.

Quanto ao conceito tradicional de autor, no contexto histórico em que foi


edificado o sistema francês tinha-se uma ideia romântica sobre essa figura, sendo
considerado como “alguém extremamente sensível, possuidor de um dom especial,
que deva ser protegido e amparado pelo Direito para garantir que a sociedade
percebesse os benefícios de sua singular contribuição”.63 Na realidade, o que se
observa é que o direito autoral não tem protegido a figura específica do autor, tendo
sido outros os beneficiários deste romântico direito, conforme explana Branco Junior:

Não há que se hesitar em dizer: o direito serve, atualmente,


sobretudo à indústria do entretenimento, aos grandes conglomerados
de comunicação, às multinacionais produtoras de diversão. Se
beneficiam por acaso o autor desconhecido, o músico incipiente, o

61 ASCENÇÃO, José de Oliveira. op. cit., p. 7


62 TRIDENTE, Alessandra. op. cit., p. 111
63 TRIDENTE, Alessandra. op. cit., p. 112
34

artista plástico dos rincões do país, não será senão por uma infeliz
coincidência.64

Há também de se falar na mudança conceito tradicional de obra. As novas


tecnologias digitais tendem a privilegiar um tipo de obra diferente do que em outras
épocas. Conforme analisado no capítulo anterior, as obras derivadas caracterizam-
se como um novo tipo de proposta estética.

Carboni analisa esse contexto:

[…] Para o direito de autor, um texto ou uma imagem utilizada em


outro contexto seria o mesmo texto ou a mesma imagem. O próprio
conceito de obra adaptada reflete esse raciocínio: para que se
adapte um livro para o cinema, é necessária a autorização do autor,
mas, evidentemente, a obra audiovisual jamais será o livro. Na
verdade, ao estabelecer uma possibilidade de o autor do livro não
autorizar a elaboração de um filme com base no seu livro, o direito de
autor proíbe novas leituras ou interpretações dessa obra.65

O autor e a obra a quem as leis de direito autoral se referiam na época de


suas criações não são os mesmos dos dias atuais. Estes conceitos batem de frente
com a figura do DJ de casas noturnas, por exemplo, sendo ele nova concepção de
autor, o qual executa em seu ambiente de trabalho músicas remixadas e
sampleadas, sendo essas as novas obras, derivadas de outras preexistentes,
readaptadas, recombinadas ou criadas por atos coletivos. As atuais regras de direito
autorais, ao preverem a obrigação de prévia permissão e pagamento dessas para a
utilização dessas obras, demonstram-se assim um empecilho à atividade criativa.

Esta é provavelmente a questão que há maior divergência dentre as três


regras citadas por Tridente. Sobre ela, há diversas posições, que vão desde a
supressão dessa regra, excluindo a necessidade de autorização pelo uso da obra,
até propostas mais brandas, que estabelecem que a redução do tempo que
eventualmente for conferido aos autores o direito exclusivo de autorizar ou não

64 BRANCO JUNIOR, Sérgio Vieira. Direitos autorais na Internet e o uso de obras alheias.
2007. p. 8
65 CARBONI, Guilherme. Função social do direito de autor. 2008. p. 229-230
35

obras derivadas, sendo inferior àquele que lhes é atribuído para explorar com
exclusividade a obra original.66

À vista disso, nota-se que essas propostas de revisão adotam critérios


pragmáticos para a busca do equilíbrio da aplicação das leis de direito autoral. O que
elas visam, em essência, é eliminar os excessos que as retrógradas leis de direito
autoral apresentam aos serem aplicadas na sociedade atual, de acordo com os
interesses da coletividade.

4.2 Projetos colaborativos e licenças públicas

Movimentos sociais e projetos de licenças públicas também vem sido


implementados nos últimos anos com o objetivo de atenuar a problemática atual do
direito autoral. Observa-se nesses projetos um considerável aumento do domínio
público e consequentemente a possibilidade de uso de obras alheias, sem depender
de autorização expressa dos titulares das obras. Dentre esses, será objeto de
análise o movimento do copyleft e, dentro desse, as licenças Creative Commons.

Copyleft: A partir do sistema anglo-americano do copyright, onde é


assegurado ao autor o controle sobre a forma com que sua obra é utilizada (“todos
os direitos reservados”), na ideia do copyleft a liberdade de cópia é garantida
independentemente de autorização. Copyleft transmite precisamente a ideia de que
haverá sempre garantia de liberdade para os usuários reproduzirem a obra, ou seja,
a cópia, modificação e distribuição da obra intelectual é permitida a qualquer
interessado.67

Surgido nos Estados Unidos, a terminologia copyleft é uma alusão à inversão


do copyright, podendo ser traduzido literalmente como “esquerdo de cópia” ou “livre
direito de cópia.”68 Difere-se das obras em domínio público pois estas utilizadas da
forma prevista em lei, podendo ser comercializadas ou não, enquanto naquelas que

66 TRIDENTE, Alessandra. op. cit., p. 117


67 Disponível em <http://www.significados.com.br/copyleft/> Acessado em 11/06/16 Sábado às
17:32
68 PARANAGUÁ, Pedro, BRANCO, Sérgio. op. cit.
36

utilizam a permissão copyleft cabe aos próprios autores estipular como tais obras
serão utilizadas pelos interessados.

Dentre as licenças públicas desenvolvidas com essa proposta, o projeto do


Creative Commons é a que mais se destaca em âmbito mundial, sendo amplamente
difundido em debates internacionais sobre o tema.

O Creative Commons é um projeto mundial de gestão de direitos autorais,


criado em dezembro de 2002 pelo professor Lawrence Lessig da Universidade de
Harvard, cujo principal objetivo é oferecer um sistema de licenciamento público por
meio do qual obras protegidas por direito autoral possam ser licenciadas diretamente
pelos seus criadores à sociedade em geral, na forma de modelos abertos.69

De acordo com Lessig, a principal missão do projeto é “criar uma plataforma


razoável de direitos autorais em oposição aos extremos atualmente reinantes”70.
Defende, portanto, um equilíbrio entre o arranjo tradicional do copyright, que reserva
todos os direitos sobre a obra ao autor e o domínio público, que não reserva nenhum
direito patrimonial sobre a obra. A ideia do Creative Commons é propor uma
alternativa intermediária aos autores, com a premissa de ter “alguns direitos
reservados”.

Esse projeto oferece aos autores a possibilidade de renunciarem certos


direitos que lhe são conferidos pela lei, abrindo mão de algumas prerrogativas e
mantendo outras. Um exemplo disso é quando um compositor autoriza que qualquer
pessoa faça download gratuito de sua música na internet, permitindo copiá-las para
seu uso pessoal, mas não autorizando a reprodução da música para fins comerciais.

Antes dessas licenças, não existia nenhum mecanismo jurídico que permitisse
essas autorizações, conforme afirma Ronaldo Lemos:

Antes dessas licenças não havia meios para que esses autores
pudessem indicar à sociedade que eles simplesmente não se
importam com a divulgação de suas obras. É exatamente isto o que
um modelo de licenciamento como o Creative Commons faz: cria

69 TRIDENTE, Alessandra. op. cit., p. 121


70 LESSIG, Lawrence. op. cit., p. 282
37

meios jurídicos para que autores, criadores e outros detentores de


direitos possam indicar a todos que eles não se importam com a
utilização de suas obras por outras pessoas.71

As licenças Creative Commons representam dentro dos debates sobre a


revisão jurídica do direito autoral uma forma de flexibilização das normas sem
necessitar de mudança legislativa. Ronaldo Lemos coloca ainda:

Essas licenças atuam de cima pra baixo, ou seja, se fundamentam


no exercício das prerrogativas que cada indivíduo tem, como autor,
de permitir o acesso às suas obras e a seus trabalhos, autorizando
que outros possam utilizá-los e criar sobre eles.72

Ao permitirem a renúncia espontânea de direitos por parte dos autores, essas


licenças representam de certa forma um instrumento para a solução do paradoxo
estrutural do direito autoral. Seriam, portanto, um denominador comum entre o
caráter de incentivo e de custo que as prerrogativas asseguradas pelas normas de
direito autoral revelam, confirmando a ideia de que existe realmente excessos em
sua aplicação, e que seu balanceamento é necessário no atual estágio de
desenvolvimento tecnológico.

Quanto a isso, Tridente constata:

Tudo isso reforça, em matéria de direito autoral, a derrocada do


dogma “quanto mais é melhor” e sua progressiva substituição pelo
dogma “menos é mais”, possivelmente o novo paradigma para a
matéria no século XXI.73

Observa-se, que expansão do direito autoral não vem trazendo benefícios,


nem individuais nem coletivos, obstando o objetivo primordial do instituto de garantir
o desenvolvimento cultural. Frente a isso, o preceito de que “menos é mais” é,
portanto, a forma mais coerente de se encarar essas problemáticas nos dias atuais.

Conforme mencionado anteriormente, as novas criações sempre derivam do


conhecimento humano já existente no mundo. Quanto mais se impossibilita o uso
dessas obras, menor a quantidade de insumos disponíveis para novas criações.

71 LEMOS, Ronaldo. Direito, tecnologia, e cultura. 2008. p. 283-284


72 LEMOS, Ronaldo. op. cit., p. 283
73 TRIDENTE, Alessandra. op. cit., p. 130
38

Com isso, licenças públicas como o Creative Commons caracterizam-se como um


incentivo para o desenvolvimento de modelos cooperativos e criações derivadas –
atividades que vem enraizando-se cada vez mais no meio artístico com a
democratização das mídias digitais. De fato, os projetos colaborativos e as licenças
públicas ajudam a difundir a cultura e permitir a expressão nas mais diversas áreas,
sem contudo violar direitos autorais de terceiros, o que contribui para a
disseminação do conhecimento, que leva ao alcance do fim último que esses direitos
destinam: o progresso humano.
39

5 CONCLUSÃO

Os primeiros marcos legais do direito autoral são enraizados em diretrizes


que ocorreram em meados do século XVI, sendo este instituto consideravelmente
recente na evolução do ordenamento jurídico mundial. Os sistemas do copyright e
do droit d'auteur foram criados em circunstâncias diferentes, sendo o sistema anglo-
americano decorrente da necessidade se proteção aos interesses do editor em
garantir o monopólio, enquanto que o sistema continental brotou da Revolução
Francesa, tendo como objetivo a proteção da pessoa do autor. Apesar de terem
ideais de proteção diferentes, ambos visam primordialmente o aperfeiçoamento
constante das ciências e das artes como o propósito maior.

O direito autoral passou por um grande processo de expansão em sua


história, decorrente principalmente ao surgimento de novas tecnologias que
proporcionam novas formas de fixação e exteriorização da obra intelectual. Com o
advento da internet e a massificação das tecnologias digitais, esse processo chegou
ao seu limite máximo. É onde se observa que a estrutura do direito autoral encontra-
se fragilizada, ao existir regras que podem representar um empecilho à atividade
criativa.

Toda nova criação necessita de obras preexistentes como insumo para a


expressão de ideias artísticas, literárias ou científicas. Essas obras muitas vezes
encontram-se inacessíveis aos novos autores em razão da apropriação delas por
seus criadores. A dificuldade na identificação do titular da obra para pedir
autorização de uso, assim como os longos prazos de privilégio exclusivo do autor
que a lei prevê são elementos que restringem o acesso da coletividade à bens
intelectuais. A expansão das regras de direito autoral torna escassos os bens
coletivos em matéria cultural, o que é prejudicial ao progresso artístico e científico da
humanidade, tendo em vista que para criar, os autores têm de pedir autorização aos
criadores do passado para produzir novas obras para que não haja violação às
proteções das mesmas.
40

Paradoxalmente, o hoje direito autoral apresenta duas faces: Uma que


protege e beneficia os autores e outra que pode prejudicá-los. Essa problemática
revelou a necessidade de encontrar o equilíbrio ideal na aplicação das regras de
direito autoral. Elas devem ser vigorosas a ponto de manter-se um incentivo aos
autores, garantindo sua subsistência e estimulando-o a produzir novas obras. Ao
mesmo tempo, não podem ser tão rigorosas, de forma que não impeça que novas
criações sejam obstadas pelo entrave protetivo e pela dificuldade de se ter acesso
às obras preexistentes.

Ao identificar esse paradoxo, quebra-se a ideia de que quanto mais rígidas as


leis de direito autoral forem, maior a proteção ao criador e sua obra e maior o
desenvolvimento cultural. O que deve existir é um “meio termo”, de forma com que
as leis continuem conferindo proteção ao autor sobre suas criações artísticas,
literárias, e científicas, porém sem restringir a liberdade de acesso à informação,
garantindo assim a liberdade de criação ao limitar o alcance desses direitos.

Diante disso, os debates atuais adotam posições que indicam uma tendência
a diminuição da abrangência do direito autoral, com a premissa de que “menos é
mais”. Propostas como a necessidade de formalização do registro para a aquisição
dos direitos autorais, a diminuição dos prazos para uso exclusivo da obra pelo autor
e a flexibilização da necessidade de autorização dos titulares originais para a criação
de obras derivadas, estão sendo implementadas nas principais discussões
internacionais sobre a propriedade intelectual, o que confirma a inclinação para a
diminuição do rigor dessas leis. O surgimento de projetos de licenças públicas como
o Creative Commons, que permite o licenciamento de obras por modelos abertos,
também é uma evidência de que o processo de expansão histórica do direito autoral
chegou a seu máximo no novo milênio, e que a redução de sua abrangência vem se
tornando cada vez mais inevitável.
41

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRÃO, Eliane. Direitos de Autor e direitos conexos. São Paulo: Editora do Brasil,
2002.

ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.

BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. 3. ed. – Rio de Janeiro: Forense


Universitária, 2000.

BRANCO JUNIOR, Sérgio Vieira. Direitos autorais na Internet e o uso de obras


alheias. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.

BRASIL. Constituição Federal. Constituição da República Federativa do Brasil,


Brasília: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Lei Federal nº 9.610/98 – Altera, atualiza e consolida a legislação sobre


direitos autorais e dá outras providências.

CARBONI, Guilherme. Função social do direito de autor. Curitiba: Juruá, 2008.

CARDOSO, João Augusto. Direitos autorais no trabalho acadêmico Revista


Jurídica, Brasília, v.9, n.86, ago/set de 2007.

CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. In: A


Sociedade em rede. v.1. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

CHAVES, Antônio, Direitos Conexos: dos atores, compositores, locutores,


músicos, técnicos, direito de arena, direito das empresas, direito à imagem etc.
São Paulo: Ltr, 1999.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil v.4. São Paulo. Saraiva, 2006

CREATIVE COMMONS. Disponível em <creativecommons.org/licenses/by-nc-


nd/3.0/br/legalcode>

FILHO, Plínio Martins. Direitos autorais na internet. In: Ciência da informação.


Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia. Brasília, 1998 .

FRAGOSO, João Henrique da Rocha. Direito Autoral: Da antiguidade à Internet.


São Paulo: Quartier Latin, 2009.
42

GANDELMAN, Henrique. De Gutemberg à internet: direitos autorais das origens


à era digital – 5ª ed. revista e atualizada – Rio de Janeiro. Editora Record, 2007.

GOLDSMITH, Jack e WU, Tim. Who controls the internet? Oxford Press, New York
2006.

LANGE, Deise Fabiana, O impacto da tecnologia digital sobre o direito de autor


e conexos. São Leopoldo, RS: Unisinos, 1996.

LEITE, Eduardo Lycurgo. Direito de autor. Brasília: Brasília Jurídica, 2004

LEMOS, Ronaldo. Direito, tecnologia, e cultura. São Paulo: FGV, 2005

LESSIG, Lawrence. Cultura Livre: Como a mídia usa a tecnologia e a lei para
barrar a criação cultural e controlar a criatividade. Disponível em
<https://www.ufmg.br/proex/cpinfo/educacao/docs/10d.pdf>

NIGRI, Deborah Fisch. Cadernos de Direito da Internet: Direito Autoral e a


Convergência de mídias. Vol. II. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006.

PARANAGUÁ, Pedro, BRANCO, Sérgio. Direitos autorais. Rio de Janeiro: Editora


FGV, 2009.

TRIDENTE, Alessandra. Direito autoral: paradoxos e contribuições para a


revisão da tecnologia jurídica no século XXI. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

WERTHEIN, Jorge. A sociedade da informação e seus desafios. Ci. Inf., Brasília,


2000

WORLD INTELLECTUAL PROPERTY ORGANIZATION. Disponível em


<www.wipo.int/tratier/en/ip/wtc/trtdocs_wo033.html>

Você também pode gostar