Pelotas
2016
GABRIEL RODRIGUES SOARES
Pelotas
2016
SOARES, Gabriel Rodrigues
A problemática estrutural do direito autoral frente ao acesso de obras
intelectuais na sociedade da informação.
Pelotas, UCPel, 2016
BANCA EXAMINADORA
Prof.
Prof.
1 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................7
2 PRINCIPAIS ASPECTOS DO DIREITO AUTORAL .................................................9
2.1 Noções fundamentais ................................................................................................ 9
2.2 Evolução histórica .................................................................................................... 12
2.3 Relação entre copyright e droit d’auteur ............................................................... 15
2.4 A expansão do direito autoral ................................................................................. 16
3 DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E DIREITO AUTORAL ........................... 20
3.1 Relação entre o progresso tecnológico e o direito autoral................................. 20
3.2 Conflitos da proteção ao autor no âmbito da internet ......................................... 23
3.3 Paradoxos do direito autoral ................................................................................... 27
4 NOVAS QUESTÕES SOBRE O DIREITO AUTORAL NO SÉCULO XXI.............. 31
4.1 Revisão jurídica ......................................................................................................... 31
4.2 Projetos colaborativos e licenças públicas ............................................................ 35
5 CONCLUSÃO .......................................................................................................... 39
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 41
7
1 INTRODUÇÃO
O direito autoral possui duas raízes fincadas no século XVI. A primeira foi
calcada na censura de ideias políticas, visando proteger o monopólio dos editores.
Foi de onde nasceu o sistema inglês do copyright. A outra tem bases na Revolução
Francesa e buscava a proteção do direito do autor em relação a sua obra. Daí
originou o sistema do droit d’auteur. Ambas correntes se expandiram e iniciaram um
processo de convergência com o passar dos séculos, adaptando suas premissas
conforme a evolução histórica. Apesar de se utilizarem de caminhos diferentes,
encontram em sua estrutura o mesmo objetivo: o progresso das ciências e das artes.
Por fim, o terceiro capítulo conclui trazendo uma apreciação das principais
discussões sobre propostas de revisão jurídica no atual panorama em que se
encontra os direitos autorais, fazendo uma análise dos atuais projetos colaborativos
e licenças públicas já existentes.
9
O objeto de proteção do direito autoral é a obra. Contudo, não existe obra que
não se seja fixada em um suporte material. As ideias ou métodos, enquanto não
exteriorizadas, não são protegidas. A criação precisa ser exteriorizada de qualquer
modo, ou materializada em algum suporte. A ideia que permanece na mente do
criador serve tão-somente para seu próprio deleite. Para que se torne uma obra,
impõe-se sua exteriorização, tornando-se tangível, para que se torne fenômeno,
manifestado no tempo e/ou espaço e seja perceptível pelos sentidos.6
Bittar ensina:
Os conceitos de “obra literária, artística e científica” abarcam certas
criações que, a rigor, não realizam objetivos estritamente
identificáveis com essas noções. Assim, as obras que por si realizam
finalidades estéticas (excluindo produtos para aplicação industrial ou
comercial) é o que se incluem no âmbito do Direito de Autor.7
O que se protege não é a novidade contida em uma obra, mas sim sua originalidade.
A lei autoral protege, portanto, as obras nascidas sem qualquer vinculação à outras –
as chamadas obras originárias – e as obras que se originam de outras anteriores –
as chamadas obras derivadas. Conforme definição do site do Creative Commons:
Isso não foi muito bem recebido pelas classes dominantes, representadas à
época, pela Monarquia e pela Igreja, que temiam pelo perigo do surgimento de
ideias hereges e a ocorrência de motins políticos. Esse conflito acarretou em
inevitáveis represálias, especialmente na Inglaterra. Após longas anos de disputas,
em 1557 foi outorgada a Stationer's Company, pela Rainha Mary Tudor, que se
tratava de uma companhia que detinha o privilégio de editar e produzir livros. Apenas
seus membros eram autorizados a imprimir livros, tendo permissão de confiscar
àqueles não oficializados pela corte.11
ao autor pelo seu trabalho. Logo após a Revolução Francesa, foi regulamentado
pela primeira vez direitos relativos à propriedade dos autores em relação à sua obra
intelectual, além do direito exclusivo de comercializarem ou não suas obras. Nasce
assim o sistema do droit d'auteur, ou sistema continental, no contexto da proteção
dos interesses do autor perante o editor. A preocupação originária desse sistema era
a de assegurar ao autor condições favoráveis na negociação de sua obra com o
editor. O sistema continental também se preocupou com questões referentes a
criatividade da obra e os direitos morais de autor. 16
Mas foi somente em 1973 foi que o Brasil viu publicado seu primeiro estatuto
único que regulasse e abrangesse o direito de autor, a Lei 5.988/73, que vigorou até
19 de fevereiro de 1998, quando o Congresso Nacional aprovou a Lei 9.610/98, a
nossa atual Lei de Direitos Autorais. Importante mencionar que a Constituição
Federal de 1988 é taxativa ao garantir e reconhecer os direitos de autor em sem art.
5º, incisos XXVII e XXVIII.
19 A criação da Crea dous cursos de sciencias jurídicas e sociaes, um em São Paulo e outro em
Olinda, concedia privilégio exclusivo aos lentes sobre compêndio de suas lições.
20 PARANAGUÁ, Pedro, BRANCO, Sérgio. op. cit., p. 17
16
O século XX foi marcado por uma série de mudanças que causaram uma
consistente expansão no conceito do direito autoral. A flexibilização das regras para
aquisição da exclusividade fez com que todas as criações intelectuais passassem a
ser automaticamente protegidas pela lei, sem necessidade de registro das obras,
resultando em um maior número de obras protegidas. O aumento dos prazos de
concessão da exclusividade para a proteção das obras foi outra mudança que
A revisão da Convenção de Berna de 1961, por sua vez, abrangeu nesse rol
os produtores de fonograma e as empresas de radiodifusão. Todos esses indivíduos
passaram a ser considerados titulares de direitos autorais, os denominados direitos
conexos.25
Desta forma, todos esses elementos aliados – a criação dos direitos conexos,
a proteção do software e a proteção de obras sem criatividade – evidenciam a
expansão do direito autoral no século passado, observado tanto no copyright, quanto
no droit d’auteur. Observou-se também um movimento de aproximação entre esses
dois sistemas.
Tridente ensina:
35 BRASIL. Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998, art, 7º, o grifo não consta no texto original
36 TRIDENTE, Alessandra. op. cit., p. 48
22
Ocorre que nunca nessas disputas judiciais entre titulares de direitos autorais
e fabricantes de novas tecnologias houve o banimento de tal equipamento ou então
a extinção dos direitos autorais. O que se constatou foi o inverso: o processo de
expansão do direito autoral e o progresso tecnológico tornaram-se cada vez
maiores.
Outras duas leis ainda mais rígidas foram implementadas após o “NET Act”: o
Digital Millennium Copyright Act (“DMCA”), em 1998, que previa o aumento da pena
prevista para violações de direitos autorais feitas por meio da internet; e o Sonny
43 Tradução livre: "livro branco" ou "relatório branco". É um documento oficial publicado por um
governo ou uma organização internacional, a fim de servir de informe ou guia sobre algum problema
e como enfrentá-lo.
44 TRIDENTE, Alessandra. op. cit., p. 56-57
45 Disponível em <www.wipo.int/tratier/en/ip/wtc/trtdocs_wo033.html> Acessado em 29/05/2016
Domingo às 19:01
25
Bono Copyright Term Extension Act (“CTEA”), no mesmo ano, que estendia por mais
20 anos o prazo de todos os direitos autorais que estavam prestes a expirar.46
No ano seguinte, a RIAA moveu ação contra o Kazaa – programa que supriu
o espaço deixado pelo Napster – com os mesmos argumentos de que o software era
responsável pelas violações de direitos autorais e pleiteando seu banimento, no que
se chamou de caso Grokster – nome da companhia que licenciou o Kazaa. Ocorre
que diferentemente do caso Napster, o poder judiciário estadunidense decidiu contra
a RIAA e em favor da tecnologia, afirmando que a inovação tecnológica não pode
ser obstada por colocar em perigo uma “forma particular de fazer negócios”.48
Diante disso, observa-se que uma das grandes questões a serem enfrentadas
no âmbito dos direitos autorais é a busca pelo equilíbrio entre a proteção dos
titulares dos direitos e o acesso da sociedade aos bens culturais.
como sendo um ato coletivo, reconhecendo nas obras derivadas um mérito artístico
equivalente ao das obras originais.55
Por isso, uma das propostas que permeia as novas discussões recomenda a
alteração do modo de aquisição dos direitos autorais, que passaria a depender da
formalização de um registro, que poderiam ser feitas pela internet de forma simples,
rápida e barata. No Brasil, essa mudança implicaria na mudança do art. 18 da
LDA/98, cujo texto é o seguinte: “A proteção aos direitos de que trata esta Lei
independe de registro”.
Imagine que um autor criou uma obra intelectual aos 18 anos. Como
já se viu, o direito nasceu com a concepção da própria obra. Este
vem a morrer aos 98 anos. Assim, de acordo com a lei civil autoral
quanto aos direitos patrimoniais, a obra de sua criação intelectual
tem proteção por toda sua vida e adicionam-se mais 70 anos.
Podemos somar aos 80 anos de tutela enquanto vivo, mais 70 de
sua morte, chegando a um prazo de proteção legal de 150 anos.60
Por esses motivos é de que existe um consenso nas atuais discussões sobre
o tema em reduzir os prazos de exclusividade sobre a obra. Os prazos devem ser
longos o suficiente para estimular a criação das obras, mas não tão longos a ponto
de inibir obras futuras. Deveriam esses prazos serem parecidos com os direitos de
propriedade industrial. No Brasil, modificações quanto ao prazo implicariam na
modificação do texto do art. 41 da LDA/98:
artista plástico dos rincões do país, não será senão por uma infeliz
coincidência.64
64 BRANCO JUNIOR, Sérgio Vieira. Direitos autorais na Internet e o uso de obras alheias.
2007. p. 8
65 CARBONI, Guilherme. Função social do direito de autor. 2008. p. 229-230
35
obras derivadas, sendo inferior àquele que lhes é atribuído para explorar com
exclusividade a obra original.66
utilizam a permissão copyleft cabe aos próprios autores estipular como tais obras
serão utilizadas pelos interessados.
Antes dessas licenças, não existia nenhum mecanismo jurídico que permitisse
essas autorizações, conforme afirma Ronaldo Lemos:
Antes dessas licenças não havia meios para que esses autores
pudessem indicar à sociedade que eles simplesmente não se
importam com a divulgação de suas obras. É exatamente isto o que
um modelo de licenciamento como o Creative Commons faz: cria
5 CONCLUSÃO
Diante disso, os debates atuais adotam posições que indicam uma tendência
a diminuição da abrangência do direito autoral, com a premissa de que “menos é
mais”. Propostas como a necessidade de formalização do registro para a aquisição
dos direitos autorais, a diminuição dos prazos para uso exclusivo da obra pelo autor
e a flexibilização da necessidade de autorização dos titulares originais para a criação
de obras derivadas, estão sendo implementadas nas principais discussões
internacionais sobre a propriedade intelectual, o que confirma a inclinação para a
diminuição do rigor dessas leis. O surgimento de projetos de licenças públicas como
o Creative Commons, que permite o licenciamento de obras por modelos abertos,
também é uma evidência de que o processo de expansão histórica do direito autoral
chegou a seu máximo no novo milênio, e que a redução de sua abrangência vem se
tornando cada vez mais inevitável.
41
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRÃO, Eliane. Direitos de Autor e direitos conexos. São Paulo: Editora do Brasil,
2002.
ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil v.4. São Paulo. Saraiva, 2006
GOLDSMITH, Jack e WU, Tim. Who controls the internet? Oxford Press, New York
2006.
LESSIG, Lawrence. Cultura Livre: Como a mídia usa a tecnologia e a lei para
barrar a criação cultural e controlar a criatividade. Disponível em
<https://www.ufmg.br/proex/cpinfo/educacao/docs/10d.pdf>