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IV JORNADA DE ESTUDOS EM ASSENTAMENTOS RURAIS

CAMPINAS - 3 A 5 de JUNHO DE 2009

TÍTULO
LIGAS CAMPONESAS, PCB E IGREJA CATÓLICA: OS DIVERSOS
ÂNGULOS DA QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA NAS DÉCADAS DE 1950
E 1960

EVANDER ELOÍ KRONE


Ligas camponesas, PCB e Igreja Católica: os diversos ângulos da questão
agrária brasileira nas décadas de 1950 e 1960

Evander Eloí Krone 1

RESUMO
O trabalho aponta a atuação de algumas das principais forças políticas e sociais
que se propunham a falar em nome dos trabalhadores rurais nas décadas de 1950
e 1960. Durante toda a década de 1950 até 1964 houve no Brasil um processo
intenso de difusão de organizações, sindicados, associações e entidades de
trabalhadores rurais que tinham na luta pela reforma agrária o seu principal
vinculo. Algumas dessas organizações de trabalhadores rurais ganharam grande
notoriedade nacional, como, por exemplo, a SAPPP (Sociedade Agrícola e
Pecuária dos Plantadores de Pernambuco), chamada pela imprensa nacional de
“Liga”. As ligas como ficaram conhecidas, se espalharam pelo Nordeste e
acabaram se convertendo em um dos principais símbolos na luta pela reforma
agrária no Brasil. Neste mesmo período tivemos a importante participação da
Igreja Católica e do PCB (Partido Comunista Brasileiro) na articulação dos
principais movimentos de trabalhadores rurais, bem como, participando
ativamente do debate político sobre a questão agrária no Brasil. Este artigo se
propõe a analisar a questão agrária Brasileira a partir das lutas políticas e sociais
que se engendram a partir da luta pela terra, analisando as ações que foram
articuladas entre o PCB, a Igreja Católica e os principais movimentos de
trabalhadores rurais, no período que tem início em 1945 com o fim do Estado
Novo e vai até o golpe militar de 1964.

Palavras-chave: questão agrária, reforma agrária, movimentos sociais, Ligas


Camponesas, PCB, Igreja Católica

Introdução
Bauer (1998) afirma que o conceito de “questão agrária” está vinculado aos
debates desenvolvidos no interior do movimento operário europeu entre o final do
século XIX e começo do século XX,

procurando esclarecer como se dava a penetração do capitalismo no


campo e buscando apontar estratégias para uma aliança do movimento

1
Bacharel em Desenvolvimento Rural e Gestão Agroindustrial e Mestre em Desenvolvimento Rural
pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
operário com o campesinato, na luta para derrubar as estruturas feudais
prevalecentes no meio rural (Bauer, p. 136, 1998).

A problemática da questão agrária Brasileira foi estudada por vários autores


durante as décadas de 1950 e 1960 e nesta seção pretendemos lançar algumas
das idéias dos principais pensadores que produziram teorias e teses sobre a
questão agrária no Brasil. O objetivo desta seção não é o de esgotar as teses e os
autores que se lançaram ao debate da questão agrária Brasileira nas décadas de
1950 e 1960, mas dar um panorama geral de alguns dos principais autores e suas
idéias centrais para analisar o debate colocado no período analisado.
Como nos mostra Stedile (2005) o conceito de “questão agrária” pode ser
analisado por diversos ângulos da realidade agrária, mas na literatura política
brasileira o tema ficou centrado nos problemas relacionados que “a concentração
da propriedade da terra trazia ao desenvolvimento das forças produtivas de uma
determinada sociedade e sua influência no poder político” (Stedile, p. 15, 2005).
Gilberto Paim, no seu livro Industrialização e Economia Natural (1957),
aponta que a questão agrária esta vinculada à necessidade de se constituir uma
economia voltada ao mercado, e para tanto, o autor centra a sua análise a partir
dos aspectos necessários para a passagem de uma economia “natural” e fechada,
para uma economia voltada para o mercado. Conforme analisa Grussner (p. 12,
1992) o eixo de análise de Gilberto Paim, “é estruturar os componentes
institucionais e tecnológicos presentes na estrutura de oferta da economia
brasileira” para efetuar esta passagem. Na análise de Grussner (p. 12-13, 1992)
Gilberto Paim aponta como questão chave à mudança do centro dinâmico da
economia, segundo a qual “há ou deve haver uma realocação de recursos. A
forma como isso se dá esta na raiz da questão agrária. O conceito chave sobre o
texto é o de divisão social do trabalho e sua intensificação com a industrialização”.
Outro importante autor no debate da questão agrária no período analisado
foi Alberto Passos Guimarães. Na perspectiva teórica adotada pelo autor, em sua
mais clássica obra, Quatro Séculos de Latifúndio (1964), a formação econômica
do Brasil ocorreu sobre a égide do feudalismo. O autor é enfático ao afirmar que o
modo de produção implantado no Brasil se baseou a partir do monopólio da terra,
com a utilização de mão-de-obra escrava o que segundo o autor mostra uma
estreita relação com um modelo feudalista. Conforme analisa Rodrigues (2005), a
interpretação do autor sobre a questão agrária coloca-se a partir dos elementos
que enfatizam a existência do feudalismo no Brasil no período colonial. Vejamos a
analise de Rodrigues sobre a visão de Alberto Passos Guimarães:

Segundo o autor, tal questão se vinculava com os restos do modo de


produção que vigoram na colônia, de modo que, após a abolição da
escravatura, foram preservadas as características feudais e colônias do
sistema latifundiário brasileiro. O sistema latifundiário denotava um duplo
monopólio, tanto o da terra, quanto o da renda agrária (p. 91, 2005).

Segundo Grussner (1992), para o autor, o objetivo da reforma agrária


deveria ser a destruição das relações do tipo feudal que impediam o
desenvolvimento capitalista no campo.
Seguindo a linha de Alberto Passos Guimarães também Ignácio Rangel em
sua obra A Questão Agrária Brasileira (1962), afirmava ser o latifúndio um sistema
de produção marcado por características feudais, mas para este autor
concomitantemente as estruturas feudais de produção existiriam também
organizações de caráter capitalista atuando no campo (Grussner, 1992). Para
Pedrão (2001) a questão central colocada por Ignácio Rangel referia-se “a
formação de um capital mercantil avançado, oligopólico, que romperia o sistema
feudal da agricultura e supriria as cidades”. Nas palavras do próprio Ignácio
Rangel ele afirma que:

A criação dos oligopólios no campo da comercialização dos bens


agrícolas para o mercado urbano interno foi, em sua origem, um
progresso indiscutível. Era uma forma eficaz de organização do
suprimento dos grandes centros urbanos, num momento em que a
produção propriamente dita estava estruturada em bases feudais. Esse
oligopólio, juntamente com o comércio grossista ... representava o
aspecto externo do latifúndio, internamente feudal e externamente
comerciante (Rangel apud Pedrão, 2007).

Para Ignácio Rangel “a mudança efetiva das relações de produção


manifestam-se essencialmente através dos mercados: de mão-de-obra, de
produtos e de terra” (Grussner, p. 19, 1992).
Dentro de uma outra perspectiva, Caio Prado Junior, em sua obra A
Revolução Brasileira (1966), faz uma crítica as teses que afirmam que as relações
de trabalho e produção vigentes no meio rural brasileiro são fundamentadas em
bases feudais e que tendem “naturalmente a propor a extensão do capitalismo ao
campo como solução do problema (Marini, p. 101 – 102, 2005). Para o autor o
desenvolvimento do capitalismo na agropecuária brasileira somente virá a partir da
elevação do nível de vida dos trabalhadores rurais e aponta, portanto, como
questão chave à alta concentração da propriedade da terra que impõe ao
trabalhador rural uma total sujeição aos grandes latifundiários. Segundo o autor é
a partir da valorização da força de trabalho, da desconcentração da terra “que a
reforma agrária desencadeará, e que na fase subseqüente levará a economia
agrária para a sua transformação socialista” (Prado Junior, p. 87, 2005).
Foi dentro dessa conjuntura de lutas de idéias e a partir das teses
elaboradas sobre os problemas agrários brasileiros nos anos de 1950 e 1960 que
ganha força o debate sobre a urgência da reforma agrária no Brasil. Visto então
como saída para enfrentar os problemas que impunha o processo de
industrialização do país. É importante ressaltar que grande parte das discussões
acadêmicas eram permeadas por debates políticos (Medeiros, 1995), num
momento em que também começaram a se consolidar algumas das forças que se
propunham a defender os interesses dos trabalhadores rurais. Entre essas
principais forças destacamos as ações das Ligas Camponesas, do PCB (Partido
Comunista Brasileiro) e da Igreja Católica. É nesse âmbito que este trabalho se
propõe a analisar a atuação e a visão dessas forças na luta pela reforma agrária.

Precedentes históricos da concentração fundiária no Brasil


A concentração de terras no Brasil é tão antiga quanto à própria história do
Brasil. Ainda na época do Brasil colônia, Portugal tinha como objetivos colonizar o
país, bem como, manter-se na vanguarda da produção canavieira e do sistema
mercantil europeu (Silva, 1981). Foi dentro deste contexto que Portugal instaurou
no Brasil o sistema de sesmarias, com a doação de imensas faixas de terra.
Segundo Silva (p.16, 1981), a ocupação do território brasileiro a partir do sistema
de sesmarias possuía como função atender “aos interesses mercantis europeus,
implicando no estabelecimento de grandes unidades de produção”. Assim, em
pouco tempo o Brasil já havia sido todo dividido em latifúndios, não restando terras
sem dono. ”Para a empresa colonial, baseada no trabalho escravo e na
monocultura, o latifúndio era uma necessidade, e eles foram largamente cedidos
no decorrer do período mercantilista” (Silva, 1981, p. 16).
Um outro fator que contribuiu para a concentração de terras durante o
período colonial foi o regime do morgadio, que tornava herdeiro o filho
primogênito, isso impediu a fragmentação das propriedades. Segundo Martins
(1986), o morgadio impedia a dispersão da riqueza, mas não impedia a
constituição de novas fazendas por meio do uso e da ocupação da terra. Martins
assinala ainda que era por meio desse processo que ocorria a obtenção de
sesmarias. “O futuro sesmeiro ocupava antes a terra, abria sua fazenda e só
assim se credenciava para obter a concessão e a legitimação da sesmaria”
(Martins, 1986, p. 33).
Durante o século XIX, enquanto na Europa a revolução industrial provocou
uma onda de desemprego, fome e convulsão social (Flores, 2003), no Brasil, com
o eminente fim do tráfico negreiro fazia-se urgente à necessidade de
trabalhadores livres para substituírem a mão-de-obra escrava nas grandes
fazendas cafeeiras, que estavam em plena expansão. A alternativa encontrada foi
promover a imigração européia, mas como o principal objetivo era trazer
imigrantes para trabalharem nas lavouras já existentes, era preciso interditar o
acesso a terra.
No dia 18 de setembro de 1850 é promulgada a Lei de Terras que
possibilitava o acesso a terra somente por meio de compra, o que significava uma
total exclusão dos recém chegados imigrantes. Sem nenhum recurso disponível a
única saída para os imigrantes era vender a sua força de trabalho aos grandes
produtores. Em um intervalo inferior a três meses é também criada a Lei Eusébio
de Queiroz, no dia 4 de dezembro de 1850, que proíbe o tráfico negreiro e
autorizava a expulsão dos traficantes do país (Cotrim, 1998). Com a abolição da
escravidão no Brasil, em 1888, também estes ficam excluídos do acesso a terra e
conseqüentemente incorporam ainda mais o número de trabalhadores livres sem
terra.
É dentro deste contexto de privação à terra que, no final do século XIX,
após a derrubada da monarquia, vamos assistir a uma onda violenta de revoltas
camponesas. Essas revoltas camponesas tiveram a religiosidade como marca e
foram conhecidas como movimentos messiânicos. Os principais movimentos
messiânicos foram o de Canudos (1893-1897), no sertão da Bahia, e do
Contestado (1912-1916), nos estados do Paraná e Santa Catarina. Para Martins
(1986, p. 63) a característica violência que cotejava camponeses e fazendeiros,
“começa a se transformar numa resistência de classe. Daí que formas tão
parecidas de resistência ocorreram em áreas tão distantes e tão diferentes em
muitos aspectos, como Canudos e Contestado”.

A consolidação dos primeiros movimentos


Como podemos perceber a concentração de terras nas mãos de poucos
não é recente no Brasil, durante todo o período colonial e posteriormente à
independência se criaram vários mecanismos de exclusão a terra, como as
sesmarias, o morgadio e a Lei de Terras, onde apenas uma minoria da população
tinha acesso a terra.
Após a Segunda Guerra Mundial o Brasil, assim como nas demais
economias latino-americanas estavam em franco processo de industrialização e
urbanização (Bielschowsky, 1998). Enquanto se intensificava o processo de
urbanização no país, na agricultura a produção de alimentos “impunha problemas
de abastecimento e alta de preços, incompatíveis com o crescimento industrial”
(Medeiros, 1989, p. 17). É nessa conjuntura que segundo Medeiros (1989),
ocorreu uma certa unanimidade entre intelectuais e forças políticas que vêem na
agricultura brasileira um setor em atraso, com uma estrutura fundiária arcaica e,
portanto, como um obstáculo ao processo de industrialização do país.
Com a queda do Estado Novo e a saída de Getúlio Vargas do poder, em
1945, houve um processo de redemocratização do país. A partir da década de
1950, com a maior liberdade política, iniciou-se um debate generalizado em nível
nacional sobre a questão agrária no país. É nesse mesmo período que vamos
assistir ao aumento do número de conflitos pela terra no campo, e alguns desses
conflitos ganharam grande notoriedade, como no caso de Trombas e Formoso
(1954) 2 .
Foi nesse contexto mais amplo de lutas políticas e sociais que emergiram e
se consolidaram algumas das mais importantes organizações que se propunham a
falar em nome dos trabalhadores rurais. E foi mais especificamente no Nordeste,
que surgiram algumas das organizações mais emblemáticas que passariam a
representar as lutas dos trabalhadores rurais: as Ligas Camponesas.
Em 1955, no Engenho Galiléia, em Vitória de Santo Antão (PE), constituiu-
se a SAPPP (Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco). A
SAPPP era inicialmente uma entidade de caráter civil e tinha um caráter
assistencialista, mas acabou se transformando rapidamente em um espaço de
reivindicação e de defesa dos camponeses ameaçados de despejo. No engenho
trabalhavam cerca de 140 famílias em um sistema de foro, ou seja, em troca de
cultivar a terra, pagavam uma quantia ao proprietário da terra. Ameaçados de
despejo os camponeses resistiram, buscando apoio na figura do advogado e
deputado estadual Francisco Julião.
A imprensa conservadora em referência a antigos movimentos da década
de 1940 começou a chamar a SAPPP de “liga” (Wikipédia, 2007). Com o sucesso
obtido pela SAPPP a partir da desapropriação do Engenho Galilélia em 1959, “as
ligas se espalharam rapidamente pelo Nordeste, contando de início com o apoio
do Partido Comunista do Brasil e com severa oposição da Igreja Católica (Martins,
1986, p. 76). Segundo Medeiros (1989), as ações das Ligas tiveram grande
impacto na sociedade a partir de manifestações, marchas, comícios e congressos,
as quais procuravam ampliar as suas bases de apoio nas cidades.
Medeiros (1989) nos revela que dentro do marco posto pela luta dos
trabalhadores do Engenho Galiléia constituiu-se uma importante inflexão em

2
Região localizada em Goiás, onde em meados da década de 1950, posseiros ameaçados por
grileiros resistiram ao despejo, já em 1957 a região estava toda “sob controle dos posseiros que
impediam a entrada de jagunços, dos grileiros e da polícia na área” (Medeiros, 1989, p.38).
relação à concepção dos problemas enfrentados pela região, vistos até então
como reflexos de secas e fatores naturais. No congresso de Salvação do Nordeste
em 1955, onde nesse evento reunidos intelectuais como Celso Furtado, Ignácio
Rangel, políticos e representantes da indústria abordaram a problemática da
miséria da região como “decorrente de uma estrutura altamente concentradora de
riquezas e incluía a reinvidicação da reforma agrária” (Medeiros, 1989, p. 47).
As Ligas Camponesas foram um marco importante na constituição de
organizações de trabalhadores rurais na década de 1950 e suas ações tiveram
grande repercussão nacional, tornando-se símbolos da luta pela reforma agrária
no Brasil. Além das Ligas Camponesas que se difundiram principalmente pelo
nordeste, durante toda a década de 1950, houve um processo intenso de difusão
de organizações, sindicados, associações e entidades de trabalhadores rurais que
tinham na luta pela reforma agrária o seu principal vinculo. Também é importante
ressaltar que é nesse período onde se registram vários encontros de
trabalhadores rurais.

Quadro 1: Encontros de Trabalhadores Rurais (1954-1961)


Conferência Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas (1954)
Conferência Camponesa do Pará (1955)
Conferência Sul Bahiana de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas (1956)
Conferência dos Trabalhadores Agrícolas de Minas Gerais (1956)
Conferência dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Pará (1957)
Conferência dos Lavradores do Distrito Federal (1958)
Conferência da ULTAB -SP (1959)
Congresso dos Trabalhadores Rurais do Paraná (1960)
Congresso Camponês de Belo Horizonte (1961)
Fonte: Adaptado de Medeiros (1989)

Os encontros relacionados no quadro acima são apenas uma pequena


amostra dos vários encontros de trabalhadores rurais que ocorreram entre as
décadas de 1950 e 1960. Como mostra Medeiros a palavra de ordem desses
encontros era a reforma agrária, sempre entendida “como condição indispensável
para uma revolução democrático-burguesa” (1989, p. 51). É possível verificar que
esses encontros ocorreram em todas as regiões do país e nas mais diversas
unidades da federação, alguns em nível estadual e outros de âmbito nacional, e
mostram uma difusão em nível nacional do debate relacionado à questão agrária
brasileira.

O PCB e a questão agrária


Para o PCB (Partido Comunista Brasileiro), o Brasil era marcado por uma
estrutura agrária com “sobrevivências feudais”, onde o seu maior representante
era o latifúndio (Medeiros, 1989). Medeiros ressalta que desde de sua criação em
1922, o partido já apontava para a questão agrária, “como um dos nossos mais
sérios problemas e de ter a reforma agrária como uma de suas bandeiras” (1989,
p. 27). Sob a ótica adotada pelo partido, a reforma agrária tornar-se-ia necessária
ao desenvolvimento capitalista, desta forma, “também a burguesia industrial
nacional só teria a ganhar com o fim do latifúndio, visto que se libertariam as
forças produtivas no campo e ampliar-se-iam os mercados” (Medeiros, 1989,
p.27). Segundo Medeiros (1995) foi da leitura produzida sobre as condições de
vida e de trabalho dos camponeses que o partido emerge com reivindicações em
favor dos trabalhadores rurais, sendo como uma das mais significativas
reivindicações – além da reforma agrária – a extensão dos direitos trabalhistas
para os trabalhadores rurais, com a introdução de carteira de trabalho registrada,
jornada de trabalho de oito horas diárias, repouso remunerado, etc.
Dentro dessa concepção o PCB acabou se tornando a principal força
política que se propunha a defender os interesses dos trabalhadores rurais, e suas
ações se voltaram principalmente no apoio as suas lutas e na organização dos
trabalhadores rurais. Mas é importante destacarmos que o PCB aproximava-se
tanto dos trabalhadores rurais como dos urbanos e tinham como objetivo tornar-se
um partido de massa. O partido utilizava o termo camponês para designar todos
aqueles que considerava como os “explorados do campo”, isto incluía: meeiros,
parceiros, pequenos proprietários, colonos, etc 3 .
Para o PCB a reforma agrária estava vinculada a uma profunda mudança
na estrutura agrária brasileira e esta mudança só se consolidaria a partir de “uma

3
Segundo Martins (1986) o termo “camponês” foi introduzido no Brasil pelas esquerdas que,
procuraram dar conta das lutas dos trabalhadores rurais que eclodiram em vários lugares do Brasil
nos anos cinqüenta.
frente única, que reunisse todas as forças interessadas no combate ao
imperialismo norte-americano” (Medeiros, 1989, p. 53). Para o PCB haveria uma
“contradição entre as forças produtivas em desenvolvimento e as relações de
produção semifeudais na agricultura que, por sua vez, tinham por base setores
latifundiários também com interesses ligados ao imperialismo” (Medeiros, 1989, p.
53). Com base nessa concepção o partido propunha uma revolução democrático-
burguesa que impunha a eliminação dos “restos feudais”, e onde a reforma agrária
aparecia como tema central.
Conforme relata Medeiros (1995, p. 75), com base em estudo realizado por
Faleiros (1989), já em 1945 o partido falava da necessidade de

destacar os melhores e mais hábeis militantes para o trabalho no


campo...compreendendo a enorme experiência do movimento
revolucionário de todos os países que indica ser a classe camponesa o
aliado fundamental na revolução democrático-burguesa (informe de
Pedro Pomar, citado por Faleiros, 1989, p. 116).

Medeiros (1995) relata que em São Paulo, no triângulo mineiro e em


Pernambuco iniciaram-se as primeiras experiências organizativas do partido,
criando-se “células rurais”, “ligas camponesas”, “associações”, etc.

A Igreja Católica e a questão agrária


A Igreja Católica preocupada com a cooptação dos camponeses por parte
do PCB começa também a mirar seus olhos sobre a questão agrária. Na ótica
Católica a questão agrária ganha outra dimensão e não aquela proposta pela PCB
como sendo de caráter revolucionário. A questão posta para a Pastoral Católica
não era que a concentração de terras impedia o desenvolvimento capitalista, mas
que está estava relacionada ao impedimento do desenvolvimento humano e a
marginalização do homem (Martins, 1989). Nesta perspectiva a Igreja Católica via
a questão agrária relacionada a uma ordem moral que sobrepujava a ordem
econômica.
A ação da Igreja Católica no campo foi de explicito combate, ao que em
alguns documentos eclesiásticos aparece sobre a expressão de “perigo
comunista”. Um dos primeiros documentos em que aparece essa expressão e que
mostra esse severo enfrentamento entre os comunistas e a Igreja Católica é a
carta pastoral de D. Inocêncio, bispo de Campanha (Minas Gerais), de 10 de
setembro de 1950 (Martins, 1989).
Outros importantes documentos eclesiásticos da década de 1950 reiteram o
perigo da “revolução”, da “agitação social” e da “exploração comunista”. Neste
sentido é que a partir da década de 1960 a Igreja Católica também se volta para a
mobilização e organização dos trabalhadores rurais como forma de combater o
chamado “perigo comunista”. Conforme nos mostra Martins (1989), analisando as
declarações dos bispos de São Paulo de 1960 e 1961, o caráter da ação da Igreja
Católica se punha num enfrentamento direto à ação dos comunistas no campo.

Quando o comunismo vos convidar para grupos e ligas de defesa dos


vossos interesses, já deveis estar organizados em núcleos democráticos
e construtivos que desejamos ajudar a criar, independentes de qualquer
exigência religiosa (Estudos da CNBB, citado por Martins, 1989, p. 32).

Ajudar a firmar a Ação Católica Rural é assegurar ao meio rural mística


bastante forte para contrabalançar e superar a mística comunista
(Estudos da CNBB, citado por Martins, 1989, p.31).

Martins (1989) revela que a Igreja Católica não estava preparada para
enfrentar as crises sociais e políticas que ocorreram nos anos 50 com o advento
da industrialização e o seu reflexo a partir do crescente êxodo rural e das
migrações para as grandes cidades. Segundo Martins (1989, p. 35) os migrantes,
libertados da antiga relação de dependência da chamada patronagem, “ao
chegarem às cidades tornavam-se alvos fáceis do proselitismo religioso”. Martins
(1989) assinala que as mudanças eram lamentadas pela Igreja Católica que
durante um dado momento se manteve claramente comprometida com uma
tradição conservadora. Segundo o autor nesse momento a Igreja Católica falava
“com a boca do patrão” e relacionava este tipo de relação à ordem. Com o
aperfeiçoamento das análises dos problemas do campo pela Igreja Católica
modificam-se as suas posições e “ficará cada vez mais claro que o patrão-
proprietário está ligado a um passado econômico e político do qual a Igreja se
afasta” (Martins, 1989, p. 36).
Segundo Martins (1989) a inflexão de posicionamentos da Igreja Católica
ocorre em 1956 através da Declaração dos Bispos do Nordeste. Neste documento
a Igreja Católica adota a noção de desenvolvimento como idéia central. Assim
como analisam Tedesco e Carini (2007, p. 19), a Igreja Católica exerceu a partir
da noção de desenvolvimento idéias

principalmente em torno de propostas modernizantes, nas relações de


trabalho e de produção da terra; porém conservando formas patriarcais,
familistas, assistencialistas e humanistas de uma cultural organizacional
conservadora.

É principalmente a partir de 1960 que a Igreja Católica se lança na


sindicalização rural. Medeiros (1989) relata que em 1960, o SAR (Serviço de
Assistência Rural do Rio Grande do Norte) criou um setor voltado principalmente
para mobilizar e organizar líderes sindicais e utilizando-se de emissoras de rádio
controladas pela Igreja intensificou uma campanha de sindicalização. Esta
experiência proliferou-se por outros estados do nordeste através da ação pastoral,
mas como ressalta Medeiros (1989) estas não foram às únicas ações da Igreja
Católica.
Em alguns estados como, São Paulo e Rio de Janeiro, os Círculos
Operários, em outros, como o Rio Grande do Sul, as Frentes Agrárias, orientados
pela Igreja impulsionavam a sindicalização (Medeiros, 1989). Dentro da
perspectiva adota pela Igreja Católica, a CNBB (Confederação Nacional dos
Bispos do Brasil), dava uma orientação comum a estes vários organismos, “que
era a de criação de um sindicalismo cristão, afastado das lutas de classe, mas
defensor dos direitos dos trabalhadores e de uma reforma agrária, baseada na
propriedade familiar” (Medeiros, 1989, p. 77).
Sem dúvida a Igreja Católica reconhecia a necessidade da reforma agrária
como parte da solução dos problemas econômicos e sociais que afligiam o país no
período aqui analisado, mas o viés proposto pela Igreja Católica para a reforma
agrária se contrapunha fortemente a visão do PCB. Enquanto o PCB e as Ligas
propunham uma reforma agrária radical e revolucionária com a desapropriação de
terras dos grandes latifundiários e com a eliminação das “bases feudais” de
produção, a Igreja Católica se mostrava muito mais conservadora, adotando como
solução para a questão agrária idéias modernizantes, apoiando uma reforma
agrária em terras devolutas do Estado e insistindo na função social da propriedade
(Tedesco; Carini, 2007).

Considerações finais
Este trabalho procurou mostrar como se configuraram as visões e ações de
algumas das principais forças políticas e sociais que propunham a lutar pelos
interesses dos trabalhadores rurais brasileiros entre as décadas de 1950 e 1960.
Dando destaque especial a atuação das Ligas Camponesas, do PCB e da Igreja
Católica na conformação da luta pela reforma agrária.
Como pudemos observar havia uma certa unanimidade entre intelectuais e
forças políticas que observavam no meio rural brasileiro um setor em atraso, com
uma estrutura fundiária arcaica e, portanto como um obstáculo ao processo de
industrialização do país. O descompasso existente entre indústria e agricultura
colocava em xeque o modelo de produção baseado na grande propriedade
latifundiária. Foi nesse contexto que tanto as Ligas, o PCB e a Igreja Católica se
colocaram à frente da luta pela reforma agrária, mas como vimos as suas visões e
concepções sobre o caminho a ser seguido eram muito diferentes.
Com o golpe militar de 13 de março de 1964, o debate sobre a reforma
agrária acabou perdendo força a partir do fechamento de partidos políticos,
sindicatos e associações de trabalhadores rurais, bem como, de prisões,
perseguições, torturas e assassinatos impostos pelo Governo Militar aos líderes
dos principais movimentos de trabalhadores rurais do país que se propunham a
lutar pela reforma agrária. Já no final de 1964 o governo do Presidente Castelo
Branco cria o Estatuto da Terra, tendo como metas básicas à reforma agrária e a
modernização da agricultura. Mas a reforma agrária acabou ficando apenas no
papel, enquanto a segunda opção foi a que teve mais atenção por parte do
Governo Militar.
REFERÊNCIAS

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BIELSCHOWSKY, Ricardo. Cinqüenta anos de pensamento na CEPAL. Rio de


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GRAZIANO, J. F. G. Estrutura agrária e produção de subsistência da


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Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Ciências Econômicas,
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