Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
eISSN 2177-4307
DOI: 10.5654/actageo2013.0003.0006 ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Lillian Bastianii
Evander Eloi Kroneiii
Marcelo Antonio Conteratoiv
Sergio Schneiderv
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Brasil
RESUMO
O presente artigo procura evidenciar as múltiplas dinâmicas territoriais construídas a partir do Programa
Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (Pronat), por meio do Apoio a Projetos de Infraestrutura e
Serviços em Territórios Rurais (Proinf) e das Emendas Parlamentares no território rural Zona Sul do Estado do
Rio Grande do Sul (TRZS). Parte-se da hipótese de que além da dinâmica territorial desencadeada no âmbito do
Pronat, territorializada pela ação do Colegiado de Desenvolvimento Territorial (Codeter), há uma miríade de
atores que mobilizam diferentes escalas de ação de modo a atender suas demandas, interesses e necessidades.
Ademais, considera-se que estas escalas, embora tenham dinâmicas e trajetórias distintas, pouco interagindo
entre si, mostram-se complementares no atendimento das demandas territoriais. Defende-se, no entanto, que
para que seja desencadeado um processo de desenvolvimento territorial rural sustentável, tal como preconizado
pelo Pronat e pelo Programa Territórios da Cidadania (PTC), torna-se necessário maior concertação entre as
dinâmicas escalares em questão.
Palavras-chave: análise escalar; Proinf; Emendas Parlamentares; desenvolvimento territorial.
ABSTRACT
This article intends to highlight the multiple territorial dynamics constructed from Programa Desenvolvimento
Sustentável de Territórios Rurais (Pronat) through the Apoio a Projetos de Infraestrutura e Serviços em
Territórios Rurais (Proinf) and Parliamentary Amendments within Território Rural Zona Sul do Estado do Rio
Grande do Sul (TRZS). We started from the hypothesis that beyond territorial dynamics initiated under Pronat,
territorialized by the Colegiado de Desenvolvimento Territorial (Codeter) action, there are a myriad of actors
that mobilize different scales of action to attend their demands, interests and needs. Moreover, we are
considered that these scales, although it has distinct dynamics and paths, little interacting each other, it
demonstrate complementarities on attend the territorial demands. We argue, however, that to begin a
sustainable rural territorial development process, as defended the Pronat and Programa Territórios da Cidadania
(PTC), it becomes necessary to greater concerted between the scalar dynamics in question.
Key words: scalar analysis; Proinf; Parliamentary Amendments; territorial development.
RESUMEN
En este artículo se pretende dar a conocer las múltiples dinámicas territoriales construidas por el Programa
Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (Pronat) a través del Apoio a Projetos de Infraestrutura e
Serviços em Territórios Rurais (Proinf) y Enmiendas Parlamentarias en lo Território Rural Zona Rio Grande do
Sul (TRZS). Partimos de la hipótesis de que más allá de las dinámicas territoriales desencadenadas bajo Pronat,
territorializada por la acción de lo Colegiado de Desenvolvimento Territorial (Codeter), hay un gran número de
actores que movilizan diferentes escalas de acción para satisfacer sus demandas, intereses y necesidades. Por
otra parte, se considera que estas escalas, aunque tienen trayectorias y dinámicas diferentes, algunos que
interactúan entre sí, aparecen complementaria en el tratamiento de las demandas territoriales. Se argumenta, sin
embargo, que se desencadena un proceso de desarrollo territorial rural sostenible, como se propone en Pronat y
lo Programa Territórios da Cidadania (PTC), se hace necesario una mayor concertación entre la dinámica
escalares en cuestión.
Palabras clave: análisis escalar; Proinf; Enmiendas Parlamentarias; desarrollo territorial.
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
FIGURA 1: Número de Projetos Territoriais e Emendas Parlamentares (à esquerda) e valores empregados nos
Projetos Territoriais e Emendas (à direita).
Fonte: Relatório Analítico, 2012.
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
assumiu esta concepção. A terceira parte trata tornaram-se de difícil manejo. Houve certo
de uma sucinta descrição do TRZS. Nas seções desenvolvimento agrícola que não
que se encontram na sequência está introduzida necessariamente implicou em desenvolvimento
a dinâmica de funcionamento dos PTs e das EPs rural. A Revolução Verde que refletiu a
bem como os dados específicos destas políticas incorporação de insumos modernos por um
para o TRZS. A sexta parte traz o referencial que lado, por outro levou ao aprofundamento do
embasa a análise escalar e aponta quais são as processo de esvaziamento do campo, à
escalas envolvidas no PTs e EPs para o desaparição de unidades familiares de
território. Por fim, apresentam-se breves produção.
considerações finais e indicações para a O desgaste da política agrícola de viés
sequência da pesquisa. exclusivamente setorial é acentuado com o
surgimento de experiências com características
A PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO
endógenas e de valorização das especificidades
TERRITORIAL DO ESTADO BRASILEIRO
locais. Mendonça e Ortega (2005) enfatizam que
EXPRESSAS PELO PRONAT E PTC
a experiência da Terceira Itália, bem como o
A partir da criação da Secretaria do
programa Ligações entre Ações de
Desenvolvimento Territorial (SDT) em 2003, é
Desenvolvimento das Economias Rurais
implementado o Programa Desenvolvimento
(Leader), criado em 1991, tornaram-se referência
Sustentável de Territórios Rurais (Pronat)
paradigmática para a formulação e implantação 106
seguido do Programa Territórios da Cidadania
de estratégias de desenvolvimento territorial em
(PTC) em 2008. Tanto a criação da SDT, quanto
muitos lugares do mundo, uma vez que
as políticas com denominação territorial
caracterizavam regiões que conseguiram
refletem uma tendência internacional que
encontrar respostas próprias e inovadoras de
atribui importância e protagonismo às escalas
desenvolvimento, garantindo seu dinamismo
locais e às dinâmicas territoriais3.
econômico, mesmo num contexto de crise
Como aponta Guanzirolli (2006), do ponto
econômica mundial.
de vista das políticas até os anos 1980, as
No Brasil, as pesquisas e ações
intervenções foram sempre setoriais, dando
internacionais influenciaram o ambiente
conta parcialmente dos problemas e
acadêmico e político, incentivando a criação da
potencialidades das regiões e territórios.
SDT, do Pronat e do PTC. Três eixos estratégicos
Vigoraram políticas de ordem nacional
organizam as ações da SDT: (a) organização e o
desvinculados da diversidade econômica, social
fortalecimento dos atores sociais, que procura
e política que poucas vezes se adaptavam aos
desencadear um processo de incremento das
contextos locais. Para compensar estas
redes sociais dos territórios, buscando maior
limitações tentou-se implementar grandes
autonomia e empoderamento das comunidades
projetos integrados, que ao ficar
na gestão do desenvolvimento; (b) adoção de
sobrecarregados de programas e atividades
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
federais, estaduais e municipais. Visam apoiar a à água, que aumentaram o valor previsto em
organização e mobilização dos Colegiados, 187,5% e 147,7%, respectivamente. O tema que
fomentar a articulação e integração de políticas teve uma ampliação mais reduzida nestes três
públicas nos territórios, acompanhar a execução anos foi o de Ações Fundiárias (27%), que
do Programa e apresentar sugestões de novos apresentou inclusive uma redução de 20% nos
territórios e novas ações. valores absolutos de 2009 para 2010.
Os Colegiados Territoriais estruturam-se em Por sua vez, para estimular o
geral, a partir dos mesmos Colegiados do desenvolvimento dos processos de
Pronat. No entanto, há três diferenças quanto acompanhamento, avaliação e informação nos
aos objetivos, estrutura, abrangência e territórios, como mencionado acima, em 2010,
complexidade institucionais, quais sejam: (a) foram constituídas as Células de
presença de um Comitê Gestor Nacional; (b) a Acompanhamento e Informação (CAIs) a fim de
subdivisão dos Colegiados em Comitês articular institucionalmente e operacionalmente
Temáticos (educação, cultura, saúde, etc.) uma as Universidades, os TRs e a SDT para o
vez que tratam de ações e políticas mais estabelecimento do Sistema de Gestão
abrangentes que as temáticas vinculadas ao Estratégica (SGE). Os resultados dos trabalhos
meio rural; (c) maiores esforços em estruturar a da CAI do TRZS instigaram as análises aqui
participação do Estado em suas três instâncias expostas. A seguir é apresentada uma breve
administrativas (federal, estadual e municipal). caracterização do referido território. 109
A partir do conceito de território adotado
pelo Pronat, o PTC acrescenta novos critérios de O TERRITÓRIO RURAL ZONA SUL DO
seleção dos Territórios de Cidadania, prevendo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL: BREVE
a implementação de territórios que já estivessem CARACTERIZAÇÃO
incorporados no Pronat, com presença de um O Território Zona Sul do Rio Grande do Sul
por estado da federação em 2008 e dois em localiza-se no extremo sul do Brasil. Sua
20098. Quanto aos recursos destinados ao PTC, população total, no ano de 2010, correspondeu a
2008 o valor previsto para os 60 Territórios da municípios, conforme mapa abaixo. Deste total,
Cidadania chegou a R$ 12,8 bilhões, valor que 82,44% representa a população rural sendo a
alcançou quase R$ 25 bilhões em 2009 com a urbana de 17,56%. No que se refere à dinâmica
montante de recursos ampliou-se para R$ 26,8 concentração em dois municípios, quais sejam,
bilhões. Houve portanto um crescimento de Pelotas e Rio Grande. Ambos concentram 60,8%
109,8% de 2008 para 2010. As linhas com maior da população do território. Pelotas possui
crescimento foram (a) organização sustentável 328.275 habitantes, e Rio Grande 197.228
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
O PIB do Território Zona Sul somou no ano Pronat, passando a integrar também o PTC em
de 2008, segundo o IBGE, cerca de R$ 2008, tendo publicado seu PTDRS no ano de
10.674.245,00, o que representou 8,7% no PIB 2009. Importante ressaltar que o TRZS está
estadual. Deste montante, o setor de serviços foi ancorado em uma institucionalidade anterior,
responsável por 59,8%, seguido pela indústria qual seja, o Fórum da Agricultura Familiar que
com 27% e agropecuária com 13,4%. Dos 25 se reúne mensalmente para discutir questões
municípios que compõem o território, 76% têm relativas ao desenvolvimento rural da região.
no setor de serviços a maior contribuição na Assim, as atividades do Codeter somam-se à
constituição do PIB municipal. Em outros 16% agenda do Fórum. Na figura 3 está representada
se destacou o setor da agropecuária e em apenas a composição do Codeter, destacando o núcleo
8% dos municípios, foi o setor da indústria que dirigente, o núcleo técnico, o Fórum e as
teve maior importância para a constituição do câmaras temáticas (na cor verde).
PIB (IBGE, 2011).
A trajetória histórica da Zona Sul leva à APOIO A PROJETOS DE
constituição de quatro categorias sociais: a INFRAESTRUTURA E SERVIÇOS EM
primeira delas são os grandes proprietários TERRITÓRIOS RURAIS – PROINF
realizam o cultivo de arroz irrigado, quando ação do governo federal coordenada pela 110
suas terras estão em áreas de várzea. A segunda SDT/MDA. O Proinf tem como finalidade
categoria é formada por três subgrupos, embora financiar projetos destinados e definidos no
pecuaristas familiares, que ocupam a região Estados e União voltados a projetos destinados
assentados dos programas de reforma agrária. A territórios rurais, tendo como base os projetos
é formado pelos pescadores artesanais, que se Os recursos destinados pelo Proinf visam
situam em toda a região costeira da Laguna dos gerar resultados para o desenvolvimento
Patos e da Lagoa Mirim (PTDRS Zona Sul, sustentável dos territórios rurais, focando
A Zona Sul do Rio Grande do Sul constitui- identidade territorial, a gestão social e a força da
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
vinculada aos eixos temáticos do PTDRS. São municípios dos 25 que compõem o território.
considerados prioritários os projetos que Neste período, o montante de recursos
contemplem o aumento da participação social investidos (MDA e contrapartida do
dos atores sociais envolvidos nos projetos, bem proponente) alcançou o valor de R$
como aqueles que permitam a integração com 16.314.443,60. Durante este período, 78 projetos
ações e programas federais como o Programa de foram aprovados, sendo 56 concluídos. Outros 6
Aquisição de Alimentos (PAA); Programa projetos encontram-se em execução, 15 projetos
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); Plano ainda não foram iniciados e apenas um projeto
Brasil Sem Miséria. encontra-se em situação de atraso (TABELA 1).
Cabe ressaltar que se destaca nesse escopo o
OS PROJETOS TERRITORIAIS
município de São Lourenço do Sul com 14
FINANCIADOS PELO PROINF NO
propostas aprovadas, sendo que somente este
TERRITÓRIO RURAL ZONA SUL
município captou cerca de 25% do recursos do
Os dados disponíveis no SGE apontam que
Proinf destinados ao território. Outros
no TRZS, no período entre 2003 e 2011, foram
municípios que se destacam são Canguçu, com
contemplados com recursos do Proinf, 21
113
sete projetos aprovados, bem como Santa Por sua vez, pela pesquisa realizada no ano
Vitória do Palmar, Piratini e Candiota, cada um, de 2011 e que abarcou os projetos do Proinf
com seis projetos financiados pelo Proinf. Se concluídos até aquele momento no TRZS, foi
somados os recursos destinados a estes cincos possível verificar que a maioria busca a
municípios, podemos perceber que cerca de 53% aquisição de veículos (de passeio ou utilitários)
dos recursos do Proinf ficaram concentrados nos e caminhões, conforme figura 4.
referidos municípios, enquanto, por outro Dos 13 projetos territoriais concluídos, 61%
lado,municípios como Amaral Ferrador, Chuí, correspondem a veículos e caminhões (17% e
Arroio do Padre e Rio Grande não tiverem 44% respectivamente); 17% correspondem a
propostas contempladas (SGE, 2013). prédios – destinados a capacitação/treinamento
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
de qualidade de vida da população rural. sistema de três níveis (triplo federalismo), pois
incorpora os municípios e os estados como entes
da federação. A União detém a maior proporção
de competências exclusivas. Os estados e
municípios são impedidos pela legislação
federal de realizar inúmeras ações. Há pouco
espaço de manobra para os estados delegarem 114
competências, formularem políticas públicas e
incluírem novas determinações sobre recursos,
por exemplo. A forma como isto deve ocorrer
FIGURA 4 – Projetos territoriais concluídos em 2011:
veículos, caminhões, prédios e equipamentos. está especificada na Constituição Federal
Fonte: Pesquisa de campo, CAI Zona Sul, 2011.
(SOUZA, 2005).
O Pronat pretende promover e apoiar: (1) o A Constituição Federal de 1988 também
fortalecimento das redes sociais de cooperação determinou que o Orçamento Federal é
dos territórios rurais; (2) o planejamento e o regulamentado por três instrumentos que
fortalecimento da gestão social dos territórios; moderam o planejamento e a alocação de
(3) iniciativas territoriais que contribuam para a recursos federais. No Plano Plurianual (PPA)
dinamização e diversificação das economias constam as diretrizes, objetivos e metas para as
territoriais; (4) a articulação de políticas despesas de capital e delas decorrentes para um
públicas, com vistas à redução das período de quatro anos. A Lei de Diretrizes
desigualdades sociais e regionais e a geração de Orçamentárias (LDO) orienta a elaboração do
riquezas com equidade social (BRASIL, 2004). orçamento anual. Já a Lei Orçamentária Anual
Nesse sentido, a dúvida que se coloca é, em (LOA) é o documento elaborado anualmente
que medida os recursos relativamente limitados,
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
que detalha onde irão ocorrer os investimentos Além disso, com a participação dos
do orçamento da União (SANTANA, 2011). parlamentares nas estimativas de custos da
O Projeto da Lei Orçamentária Anual União, ocorre entrada de demandas locais e
(PLOA) é enviado pelo Executivo à Comissão regionais no orçamento federal contribuindo
Mista de Planos, Orçamentos Públicos e para melhoria na representação democrática na
Fiscalização (CMO) do Congresso Nacional até medida em que podem refletir os interesses dos
o final de agosto. O passo a passo para a eleitores.
aprovação do orçamento prevê leitura pelo A apresentação de demandas por prefeitos,
Senado e realização de audiências públicas. governadores e entidades aos deputados e
Após, durante duas semanas, há a apresentação senadores começa a ocorrer quando se aproxima
de emendas à receita que, basicamente, se o período de definição do orçamento, podendo
constitui como um processo de novos cálculos ser atendidas por meio das emendas
acerca dos valores previstos de arrecadação. (SANTANA, 2011). As emendas podem ser uma
Posteriormente, durante cinco dias, há a forma de retribuição dos eleitos aos seus
possibilidade dos parlamentares apresentarem apoiadores mais próximos e contribuir para a
emendas ao orçamento. As emendas diminuição de desigualdades estaduais e
orçamentárias são a principal oportunidade que municipais. Ao mesmo tempo, pode-se dizer
o Congresso Nacional tem para alterar o PLOA. que estas transferências particularizam o
Estas alterações são votadas pela CMO e benefício e compartilham os custos (pork 115
abre-se nova possibilidade de emendamentos. A barrel). Há ainda algumas interpretações que
versão da PLOA então é avaliada novamente associam os investimentos com interesses
pela CMO que emite parecer a ser votado pelo clientelistas (PEREIRA; RENNÓ, 2013).
Congresso e, após a votação final, a proposta é As emendas podem ser individuais ou de
encaminhada ao Executivo. O Presidente da grupos de parlamentares. Emendas individuais
República é quem sanciona a LOA aceitando ou são apresentadas por qualquer parlamentar
não as alterações sugeridas pelos parlamentares detentor do mandato ou por relatores da CMO.
(SANTANA, 2011; PEREIRA; RENNÓ, 2013). As emendas coletivas derivam do consenso de
Segundo Baptista et al (2012), as emendas ao parlamentares reunidos em comissões
orçamento tem intuito de proporcionar maior permanentes9 orientadas por temas específicos.
equilíbrio entre os poderes Legislativo e Estas são as emendas de comissão. Já as
Executivo. Inserindo o Congresso nas emendas de bancadas são de parlamentares da
discussões sobre planejamento do orçamento e mesma unidade da federação (MOGNATTI,
descentralizando “voluntariamente recursos e 2008). Durante seu mandato, cada parlamentar
instâncias locais com maior proximidade das pode apresentar até 25 emendas individuais
demandas sociais” (SODRÉ; ALVES, 2010, p. 6). com valor máximo definido. O valor máximo é
o mesmo para todos os legisladores. Já para as
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
destacam que é mais fácil para o governo de maneira indevida e em favor próprio. Este
compor e sustentar maiorias quando executa caso, assim como outros já descobertos, está
emendas individuais. As emendas coletivas não associado com a forma como as emendas são
têm um único autor e, na maioria das propostas, conduzidas pelo poder público. “O destino das
não está especificado quem são seus emendas é um ponto frágil do modelo
formuladores. Por isso, ao pagá-las não fica orçamentário, o que se agrava num cenário de
claro quem são os legisladores favorecidos. E pouca transparência e de ausência de controle
ainda, a liquidação destas emendas pode mais efetivo sobre os recursos, seja na
acarretar que grupos de interesse do Legislativo apresentação e aprovação do orçamento, seja no
cooperem entre si ao invés de apoiarem o momento de sua execução” (BAPTISTA et al,
Executivo. 2012, p. 3). Embora uma estrutura diferenciada,
Nesse cenário, é possível que parlamentares transparente e mais rigorosa de execução da
não tenham nenhuma de suas emendas política dificultaria a ocorrência de ilegalidades,
executadas. Em contraposição outros tem todas a falta da mesma não justifica o uso indevido
atendidas. De 1996 a 2001, os parlamentares de dos recursos.
base aliada ao governo foram os que tiveram Outro fator que pode contribuir para a
maior proporção de propostas executadas. ocorrência de improbidades no uso das
Assim como, os municípios que tem governos emendas parlamentares se refere ao mérito das
de mesmo partido do presidente ou de sua base propostas. O quanto elas irão contribuir para 117
aliada são os que recebem maior proporção de eliminar necessidades básicas dos estados e
emendas. Independente de ter ou não emendas municípios, é algo não é discutido pela CMO e
executadas, de modo geral, ocorre apoio aos relatores de propostas, uma vez que não há
projetos do governo por parte dos viabilidade para executarem tal tarefa. Neste
parlamentares. A votação no Congresso segue a sentido, Pereira e Rennó (2013), buscaram
orientação partidária. Os senadores e deputados identificar se os municípios contemplados com
seguem a orientação de seus líderes de partidos emendas foram ou não, selecionados mediante
que negociam com o governo (LIMONGI; algum critério. Para isso, analisaram todos os
FIGUEIREDO, 2005). municípios brasileiros, entre 1998 e 2010. Os
Segundo Pereira e Rennó (2013), sobre os autores chegaram à conclusão que os principais
efeitos das emendas parlamentares paira uma determinantes na alocação das emendas são
visão do senso comum que as classificam como políticos e, de maneira secundária, consta à
ineficientes, clientelistas e corruptas. De fato, necessidade dos municípios em receber as
houve alguns escândalos que contribuíram para emendas. Santana (2011) chegou a resultados
isto, como por exemplo, o escândalo da máfia similares na identificação dos fatores locais que
das ambulâncias, de 2006, em que atraem a alocação de recursos via emendas
parlamentares usaram os recursos das emendas individuais e destaca que há interação entre os
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
TABELA 2: Projetos MDA/AFEN e MAPA/Prodesa do Território Zona Sul (RS) - 2003 a 2012
Fonte: Caixa Econômica Federal (CEF), 2012.
Brenner (2001) ressalta que os processos de escalas espaciais é uma parte integrante das
estruturação escalar constituem geografias e estratégias sociais e das lutas pelo controle e
coreografias de poder social. Reportando-se a empoderamento”.
Swyngedouw (1997, p.141) conclui que “[...] a Born e Purcell (2006) destacam que há três
contínua reorganização e reestruturação das aspectos inerentes à análise escalar, quais sejam:
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
(a) a escala é uma construção social, portanto, experimentos, conflitos e lutas. Nesse sentido,
uma estratégia; (b) é simultaneamente fluida e importa verificar em cada caso (PTs e EPs) de
fixa e, por fim, (c) é relacional. quais estruturas coletivas a sociedade civil se
A questão da escala geográfica vem vale (se houver esta mobilização) para acessar
ganhando espaço desde os anos 1980 e 1990 recursos e implementar as ações demandadas.
quando a concepção de escala fixa, rígida, perde Por sua vez, a diferenciação escalar de
força para uma concepção mais relacional. processos sociais ocorre em articulação direta
Neste sentido, Brenner (2001) compreende a com outras formas de estruturação sócio-
escala geográfica é uma dimensão dos processos espacial, que continuamente moldam e
sócio-espaciais. No estudo em questão, o transformam as geografias dos processos sociais
processo sócio-espacial a ser analisado se refere (BRENNER, 2001). Cabe assim, investigar quais
ao recorte espacial decorrente do acesso ao estruturas sócio-espaciais as coletividades tem
Proinf e às Emendas Parlamentares, os atores acessado para implementar ações que
envolvidos nestes processos, bem como os consideram importantes ao desenvolvimento
reflexos que a implementação dos projetos gera rural e quais geografias tem resultado destes
sobre o desenvolvimento rural sustentável. acessos.
Existem, de acordo com o autor, múltiplas Sendo assim, a escala não pode ser
formas e padrões de estruturação escalar, sem adequadamente interpretada enquanto um
contar que as escalas envolvem relações dentro sistema de containers territoriais definida por 121
de hierarquias aninhadas e redes interescalares um tamanho geográfico absoluto, ou por uma
dispersas. O significado, função, história e malha, nas palavras de Raffestin (1993). Cada
dinâmica de qualquer escala geográfica só pode escala geográfica é constituída através de sua
ser entendida, relacionalmente, nas suas posição na evolução histórica dentro de uma
ligações para cima, para baixo e lateralmente a estrutura relacional mais ampla de processos
outras escalas geográficas (BRENNER, 2001). O sócio-espaciais, relações e interdependências
desafio consiste em identificar tais ligações e os “esparsas” verticalmente e “dispersas”
reflexos destas sobre o uso do espaço e sobre o horizontalmente. Brenner (2001) enfatiza que as
desenvolvimento. hierarquias escalares constituem mosaicos
Brenner (2001) aborda ainda uma série de sobrepostos de formas desiguais e com
pontos que devem ser considerados na geometrias escalares densamente interligadas.
investigação das dinâmicas escalares. Estas são Nos estudos sobre o desenvolvimento rural
constituídas e continuamente retrabalhadas importa reconhecer estes mosaicos para que seja
através de estruturas básicas coletivas de ação possível identificar os atores do
social, continuamente reproduzidas, desenvolvimento paralelo às trajetórias que
modificadas e transformadas coletivamente, por estes constroem, sobretudo, pelo fato de aos PTs
hábitos diários, rotinas, práticas, negociações, e as EPs, a priori, representarem distintos
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
mosaicos e trajetórias. Isso se torna pertinente os atores, bem como a formação de identidades
para orientar ações, intervenções e políticas e práticas de gestão. Múltiplas escalas estão
públicas de desenvolvimento. presentes em projetos de pequeno porte, onde
Os processos de estruturação escalar geram os atores sociais se envolvem em relações com
ainda efeitos causais contextualmente diversos níveis de governo, comunidades,
específicos. Se a estruturação escalar de agentes financeiros locais, nacionais e
determinado processo social gera ou não internacionais (FISCHER, 2002).
resultados empíricos sociologicamente ou Purcell e Brown (2005) e Born e Purcell
politicamente significativos, é uma questão (2006) tratam de uma importante questão ao
empírica que só pode ser compreendida por mencionarem que é preciso ter cautela ao
meio de pesquisas de contextos específicos. preconizar soluções locais, e chamam atenção
Estes processos podem ser cristalizados em sobre a armadilha local. Ressaltam que não há
escalas fixas, na medida em que interagem uma escala adequada, ideal ao
intensamente e continuamente com outros desenvolvimento, nem local, nem regional,
processos para a produção de estruturas de nacional ou mesmo global. O alcance dos
organização hierarquicamente aninhadas. Neste objetivos a que os processos de
contexto, as instituições do Estado têm desenvolvimento se propõem, estão
desempenhado um papel significativo na relacionados ao poder dos atores sobre o
demarcação, reprodução, modificação, território, e isto se dá em diferentes escalas. 122
destruição e criação das principais hierarquias Quanto a isso, Brandão (2007, p.183) também
escalares nas quais a vida quotidiana foi alerta para a visão altamente consensuada de
configurada na sociedade capitalista que só resta “a opção de políticas de
(BRENNER, 2001). O papel do Estado se desenvolvimento de natureza ‘monoescalar’ isto
evidencia tanto no caso das emendas é, só tendo o local como ponto de partida (ou de
parlamentares quanto no caso do Pronat, chegada?), comunitário, solidário, em ambiente
criando inclusive novas hierarquias, de alta sinergia associativa do seu ‘capital
inicialmente, mais visíveis no segundo caso. No social’”.
caso das ações a serem analisadas convém Cox (1998) traz importantes elementos para
verificar a dinâmica destas hierarquias e como as análises escalares. Apontou que a escala é um
são apropriadas pelas estruturas coletivas da conceito central no discurso político e
sociedade civil. acrescentou dois pontos importantes aos
Fischer (2002) ao focar sua discussão na debates: o primeiro ressalta a distinção entre os
questão dos poderes locais e nas diferentes espaços de dependência e os espaços de
escalas do desenvolvimento, enfatiza que estes engajamento. O segundo destaca a pertinência
poderes remetem a relações de força por meio de não entender as escalas como unidades de
das quais se processam alianças e conflitos entre área, mas como redes de interação, o que leva o
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
autor a tratar do jumping scales, ou salto de foco das análises, para Martin (1999), deve
escalas. Nos casos que se propõem analisar no voltar-se para além de uma análise da
âmbito do Pronat, torna-se pertinente identificar autoridade do governo de diferentes jurisdições,
quais os espaços de dependência e os espaços de que são escalas mais fixas. A análise escalar
engajamento para que seja possível reconhecer deve abarcar um exame de lutas e negociações
as assimetrias e mesmos as disputas de poder entre todos os atores sociais envolvidos no
no território. Esta informação torna-se processo de tomada de decisão. Sendo assim,
pertinente, pois pode orientar políticas públicas analisar as lutas e negociações que ocorrem
no sentido de fortalecer aqueles atores ou entre as dinâmicas dos PTs e das EPs e mesmo
grupos mais vulneráveis dentro do território. as dinâmicas dentro de cada uma destas
Para Jones (1998) a distinção entre os práticas territoriais, torna-se importante para
espaços de dependência e de engajamento é ampliar a compreensão acerca do
importante porque aponta para a variedade de funcionamento do território, o que implica em
formas escalares que podem ser construídas. reconhecer os atores, suas lógicas e interesses, as
Sublinha que, como uma representação, a escala demandas, limitações e potencialidades de cada
pode estar implicada na promoção de relações território.
particulares de poder e de espaço em vantagem Isso assume fundamental importância para a
de alguns grupos sociais, mas em desvantagem formulação de políticas públicas, sobretudo ao
de outros. Por sua vez, Judd (1998) lembra que considerar que a política territorial do Estado 123
as relações de poder oriundas do Estado podem brasileiro envolve uma visão integradora de
limitar a flexibilidade de resistência tal como espaços, atores sociais, mercados e políticas
considerado por Cox (1998). O autor defende a públicas de intervenção, propondo o
ideia de que o Estado, ao construir escalas ou desenvolvimento de soluções que contemplem
mesmo ao falhar em efetivá-las, tem o poder de combinações entre as diversas dimensões do
limitar os atores políticos a concretizar suas desenvolvimento sustentável: econômica, sócio-
próprias escalas de engajamento. cultural, político-institucional e ambiental.
Morrill (1999), em seus estudos, trata de Propor políticas para os territórios, sem
como diferentes escalas jurisdicionais são conhecer seus conflitos e as hierarquias
aproveitadas por interesses e propósitos escalares que se constituem, pode implicar em
próprios. Martin (1999), a partir do artigo de políticas públicas pouco adequadas às
Morrill (1999) defende a visão de que as relações realidades locais, ou mesmo inexequíveis em
escalares devem considerar mais atentamente os meio a disputas e assimetrias de poder. Nisto
múltiplos interesses e identidades sociais, ou os reside à importância da análise escalar nos
múltiplos atores em cada escala relacionada à estudos sobre as dinâmicas territoriais do
cadeia de tomada de decisão, não se desenvolvimento rural sustentável. Brandão
restringindo apenas aos níveis de governo. O (2007) corrobora esta afirmação ao mencionar
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
125
Como enfatiza Brenner (2001) a estruturação grande riqueza, sobretudo nas escalas locais
escalar de determinado processo social gera apontadas na figura 5, que demandam
resultados empíricos que só podem ser pesquisas in loco. Nestas escalas reside a raiz do
compreendidos por meio de pesquisas de empoderamento destes atores, que é
contextos específicos. Sendo assim, há uma potencializado ou limitado pelas demais
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
Territoriais implementados pelo Pronat via sintetizar e encarnar projetos sociais e políticos.
Proinf e das Emendas Parlamentares no TRZS, Personifica-se o território, ao preconizar que o
propõe-se aprofundar os estudos sobre estas mesmo tem poder de decisão, desde que dotado
dinâmicas, valendo-se da metodologia escalar. do adequado grau de densidade institucional e
A partir desta metodologia, é possível comunitária. À ação pública caberia apenas
reconhecer como os atores se mobilizam e quais animá-lo e sensibilizá-lo, construindo confiança
estratégias e trajetórias empregam para atender e consensos duradouros. Tais consensos surgem
a estas demandas. Deste modo, podem como pressupostos e não como propósito a ser
evidenciar-se relações simétricas e assimétricas construído (BRANDÃO, 2004). A análise escalar
de poder, inerentes às dinâmicas territoriais, pode auxiliar neste sentido, na medida em que
mas que muitas vezes passam despercebidas passam a ser identificados os atores, os recursos
nos estudos sobre desenvolvimento territorial mobilizados, as tramas que permeiam e dão
rural. Esta é uma questão que merece dinamicidade às práticas territoriais (PTs ou
aprofundamento teórico e empírico, pois toda e EPs), evitando a personificação do território
qualquer ação de cunho territorial não pode bem como da escala local.
prescindir do reconhecimento das estratégias Se conforme Brandão (2004, p.73), cabe ao
adotadas pelos atores territoriais para construir poder público chamar para si a tarefa de
e institucionalizar suas demandas e em que organizar e coordenar o sistema socioeconômico
medida isso pode ser captado pela política e decisório regional, ativar e mobilizar 127
pública. instrumentos, normas e convenções que se
Embora os PTs e as EPs apresentem localizam em variados âmbitos, em níveis de
dinâmicas e trajetórias distintas, pouco ação governamentais, em variadas dimensões
interagindo entre si, mostram-se escalares, hierarquizar opções, dar organicidade
complementares em alguma medida no a ações dispersas e orientar decisões ao longo do
atendimento das demandas territoriais. Verifica- tempo, compete aos pesquisadores, em especial
se, no entanto, que para o desencadeamento de aos geógrafos, desvendar e compreender as
um processo de desenvolvimento territorial densas tramas e mosaicos escalares que
rural sustentável, tal como preconizado pelo configuram as dinâmicas sócio-espaciais, de
Pronat, pelo PTC e pelo PTDRS, torna-se modo a orientar a ação pública para um uso
necessária uma maior concertação entre as mais sustentável dos territórios e para a
dinâmicas dos PTs e EPs e demais políticas melhoria da qualidade de vida dos atores.
públicas incidentes no território. Estudos in loco são fundamentais neste desafio,
Ademais, a análise escalar assume pois por meio destes torna-se possível
relevância, uma vez que o território vem sendo reconhecer como os atores se articulam e
entendido como um regulador autômato de mobilizam recursos, como superam ou
relações, como dotado da propriedade de contornam conflitos para alcançar seus
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
5 A esta perspectiva está subjacente a ideia de 9 Órgãos técnicos do Congresso Nacional que
Territórios de Identidade, ou seja, um território discutem as matérias afetas às suas áreas
enquanto espaço físico construído temáticas. A Câmara dos Deputados possui
historicamente e, por conseguinte, portador de vinte comissões permanentes e o Senado
uma identidade, baseada em alguma Federal dez. Adicionalmente, em termos
especificidade, seja cultural, econômica ou orçamentários, em ambas as Casas, as Mesas
ambiental (ECHEVERRI, 2010). Diretoras assumem caráter de comissão,
podendo apresentar emendas de interesse das
6 A estrutura do Colegiado é composta pelo (a) respectivas instituições (MOGNATTI, 2008).
Plenário – nível deliberativo máximo; (b)
Núcleo Dirigente – nível decisório gerencial; (c) 10 Ver <http://caixa.gov.br/>.
Núcleo Técnico – nível operacional; (d) Câmaras
Temáticas ou Comitês Setoriais. 11 A esse respeito ver:
<http://www1.caixa.gov.br/gov/gov_social/
7 Especificamente propõe (a) a inclusão municipal/assistencia_tecnica/produtos/
produtiva das populações pobres dos repasses/prodesa/index.asp> Acesso em
territórios; (b) planejamento e integração de 21/out/2013.
políticas públicas; (c) universalização dos
programas básicos de cidadania; e (d) ampliação 12 Disponível em: < http://www.mda.gov.br/ 129
da participação social (BRASIL, 2011d). portal/arquivos/view/contratos-de-
repasse/Diretrizes-Operacionais-Modulo-
8 Os critérios mencionados são: (a) menor Investimento.pdf> e <
Índice do Desenvolvimento Humano (IDH); (b) http://www.mda.gov.br/portal/arquivos/vie
maior concentração de agricultores familiares e w/contratos-de-repasse/Diretrizes-
assentados da Reforma Agrária; (c) maior Operacionais-Modulo-Custeio.pdf>. Acesso em
concentração de quilombolas e indígenas; (d) 21/out/2013.
maior número de beneficiários de programas
federais de transferência de renda; (e) maior 13 Este número pode ser maior uma vez que a
número de municípios com baixo dinamismo base de dados Acompanhamento de Obras da
econômico; (f) maior organização social; (g) CEF não permitiu acessar o número total de
menor Índice de Desenvolvimento da Educação contratos que foi firmado com os municípios de
Básica (Ideb) (WESZ JÚNIOR; LEITE, 2010). O Candiota, Morro Redondo, Jaguarão, Rio
PTC iniciou com a indicação de 60 territórios Grande, São Lourenço do Sul, Capão do Leão,
passando, posteriormente a 120. Santana da Boa Vista e São José do Norte.
Devido a esta falha, considera-se que o número
destes projetos seja uma aproximação do total
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
de emendas que foram destinadas para este ______. Referências para a gestão social de territórios
rurais. Documento Institucional Nº 3. Brasília:
território por meio do Prodesa e dos MDA-
MDA/SDTMDA/SDT, 2005. (Documento
Afem. Institucional Nº 3).
BORN, Branden; PURCELL Mark. Avoiding the CASTRO, Iná Elias de. Geografia e política:
local trap scale and food systems in planning território, escalas de ação e instituições. Rio de
research. Journal of Planning Education and Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
Research, v. 26, p.195-207, 2006.
CEF. Caixa Econômica Federal. Prodesa: projetos
BRANDÃO, Carlos. Território e desenvolvimento: de apoio ao desenvolvimento do setor
as múltiplas escalas entre o local e o global. agropecuário. Brasília: 2012. Disponível em: 130
Campinas: Unicamp, 2007. <http://www.caixa.gov.br/gov/gov_social/fe
deral/lista_completa_programas/prodesa.asp>.
______Teorias, estratégias e políticas regionais e Acesso em: 24 out. 2012.
urbanas recentes: anotações para uma agenda
do desenvolvimento territorializado. Revista CEF. Caixa Econômica Federal. Acompanhamento
Paranaense de Desenvolvimento, n. 107, p.57-76, de todas as obras. Base de dados. Brasília: 2012.
2004. Disponível em: <https://webp.caixa.gov.br/
urbanizacao/siurbn/acompanhamento/ac_pub
BRASIL. Congresso Nacional. Manual de emendas lico/sistema/asp/ptei_filtro.asp?Id=2&hdd_op
orçamento da União para 2013. Brasília: 2012. eracao=TODOS>. Acesso em: 24 out. 2012.
Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/internet/comissa COX, Kevin R. Spaces of globalization: reasserting
o/index/mista/orca/orcamento/or2013/emen the power of the local. New York: The Guilford
das/manual_emendas.pdf>. Acesso em: 19 fev. Press, 1998.
2013.
FAVARETO, Arilson da S. A abordagem
BRASIL. Governo Federal. Portal da Cidadania. territorial do desenvolvimento rural: mudança
2011d. Disponível em: institucional ou “inovação por adição”? Estudos
<http://http://www.territoriosdacidadania.go Avançados, São Paulo, v. 24, n. 68, p.299-319,
v.br/>. Acesso em 10 jul. 2011. 2010.
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
JUDD, Denis R. The case of the missing scales: a PIRES JÚNIOR, José A. M. A Realização
commentary of Cox. Political Geography, v. 17, n. Orçamentária e Financeira de Emendas
1, p.29-34, 1998. Orçamentárias e o seu Controle pelo Executivo por
meio da (In)Fidelidade Parlamentar. Brasília: ESAF,
LIMONGI, Fernando; FIGUEIREDO, Argelina. 2005. Disponível em:
Processo Orçamentário e Comportamento <http://www3.tesouro.fazenda.gov.br/Premio
Legislativo: Emendas Individuais, Apoio ao _TN/XPremio/sistemas/1tosiXPTN/resumo.ht
Executivo e Programas de Governo. DADOS – m>. Acesso em: 11 jun. 2013.
Revista de Ciências Sociais, v. 48, n. 4, p. 737-776,
2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/ PROINF. Manual operacional do Proinf 2012: ação
pdf/dados/v48n4/28478.pdf>. Acesso em: 11 orçamentária de apoio a projetos de
jun. 2013. infraestrutura e serviços em territórios rurais.
Brasília: MDA, 2012. Disponível em:
MARTIN, Deborah G. Transcending the fixity of <http://www.mda.gov.br/portal/arquivos/vie 131
jurisdictional scale. Political Geography, v. 18, p. w/Manual_PROINF_2012.pdf>. Acesso em: 18
33-38, 1999. nov. 2012.
MORRILL, Richard. Inequalities of power, costs RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder.
and benefits across geographic scales: the future São Paulo: Ática, 1993.
uses of Hanford reservation. Political Geography,
v. 18, p.1-23, 1999. RAMBO, A. G. Análise escalar das dinâmicas
territoriais de desenvolvimento e as contribuições da
PEREIRA, Carlos; RENNÓ, Lucio. Emendas Nova Sociologia Econômica e Nova Economia
Orçamentárias e Inclusão Dissipativa nos Institucional: um estudo de experiências no
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132
Apreendendo dinâmicas territoriais de desenvolvimento por meio da análise escalar: um estudo do Proinf e das Emendas
Parlamentares no território rural Zona Sul do Rio Grande do Sul
Anelise Graciele Rambo, Lillian Bastian, Evander Eloi Krone, Marcelo Antonio Conterato e Sergio Schneider
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013. p.103-132