Você está na página 1de 13

Mercado imobiliário e composição

demográfica georreferenciada: uma


análise do Porto Maravilha
Conrado Gonçalves Carvalho, Fiocruz e Universidade Estácio de
Sá, conradocarvalho@gmail.com

Maíra Rocha Mattos, PROURB, mairarocha@gmail.com

Resumo

O presente trabalho retrata a construção de uma metodologia de avaliação do


território através do cruzamento de informações de diversas naturezas, a fim de
gerar uma base de dados georreferenciada e comparativa. Sua aplicação se deu
na Área de Especial Interesse Urbanístico da Região do Porto do Rio de Janeiro
nos anos de 2016 e 2019 e buscou analisar a estrutura fundiária e composição
socioeconômica da população local, em interseção com a dinâmica do mercado
imobiliário. O intuito da aplicação da metodologia na área citada é identificar
possíveis impactos socioterritoriais da implementação da Operação Urbana
Consorciada Porto Maravilha.

Palavras-chave: Mercado imobiliário; Geoprocessamento; Operação Urbana


Consorciada; Desigualdade Socioespacial.
ANAIS DO SEMINÁRIO

INTRODUÇÃO

Q
uando o projeto da Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha (OUCPM) foi anunciado,
no contexto da preparação da cidade do Rio de Janeiro para os megaeventos esportivos,
estudiosos e movimentos sociais alertaram para os riscos de que uma intervenção desse
porte pudesse causar profundas transformações na dinâmica urbana e social da área pela política de
transferência de terras públicas da União, do Estado e do município para o setor privado (Castro,
2015).

Durante a implementação do projeto, as denúncias de violações de direitos pelo poder


público, especialmente nos processos de remoção de moradores da região (Comitê, 2013), já
indicavam que a lógica dos projetos urbanos estava mais comprometida com o capital imobiliário do
que com a promoção de qualidade de vida dos moradores da área.

Além das remoções, havia o risco de que entre os impactos do projeto houvesse um aumento
geral do custo de vida na área expulsando antigos moradores e modificando a estrutura social de toda
a região, fenômeno que também é conhecido como gentrificação.1

Quando se pensa o encarecimento do custo de vida de uma população, um dos maiores


impactos no orçamento familiar é causado pelo gasto com moradia. Tanto assim, que a Fundação João
Pinheiro (2015), responsável pelo cálculo oficial do déficit habitacional no Brasil, considera como
situação de déficit habitacional o ônus excessivo com aluguel (mais de um terço do orçamento
familiar).

No Porto Maravilha, em função da questionável aplicação dos Certificados de Potencial


Adicional de Construção (CEPACs) que foram negociados na bolsa de valores e comprados em lote
pela Caixa Econômica Federal (CEF) com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS),
(Werneck, 2016) o debate sobre a valorização fundiária implicando em aumentos significativos nos
preços dos imóveis e dos aluguéis, ganhou força.

No entanto, os anos subsequentes ao lançamento da OUCPM foram de agravamento da crise


econômica e política no país. Além disso, as construtoras Odebrecht, OAS e Carioca Engenharia, que
formavam o consórcio Porto Novo,2 foram alvo das investigações da Operação Lava Jato, 3 tendo suas
atividades afetadas. Atualmente, uma sequência de impasses jurídicos entre a Prefeitura da Cidade do
Rio de Janeiro e a CEF colocam em dúvida a viabilidade da gestão do projeto (Magalhães, 2018). Dez
anos depois, com um olhar atento sobre a área da operação urbana, podem-se observar muitas obras
paradas, terrenos vazios e um enorme descaso com a conservação e manutenção das obras
executadas.

A parte visível do passivo da operação urbana está ao alcance de quem caminha pela região
portuária do Rio de Janeiro ou acompanha os noticiários que abordam o fracasso imobiliário dos
projetos e os impasses na gestão da área (Santos Jr., 2018). No entanto, para melhor entender se
houve e quais foram as mudanças sociais e demográficas da área, faz-se necessária uma análise mais
profunda dos dados da região.

1 Segundo Smith (1982) em sua a obra “Gentrification and Uneven Development”, gentrificação corresponderia ao “processo
pelo qual áreas residenciais da classe trabalhadora são reabilitadas por compradores da classe média, proprietários e
planejadores profissionais” gerando expulsão das comunidades originais.
2 O Consórcio Porto Novo é responsável pela operacionalização das atividades da operação urbana.
3 A Lava Jato é uma operação da Polícia Federal iniciada em março de 2014 que investiga lavagem de dinheiro e esquemas de

corrupção.

PORTO MARAVILHA 10 ANOS: PASSADO, PRESENTE E FUTURO DA ZONA PORTUÁRIA 2


RIO DE JANEIRO, 23 A 26 DE OUTUBRO DE 2019
ANAIS DO SEMINÁRIO

O tema da valorização fundiária e do aumento do valor dos imóveis para venda e aluguel é
um dos dados que, aliado a outros aspectos demográficos, pode contribuir para o desenvolvimento de
estudos que apoiem a elaboração de análises acerca das dinâmicas socioterritoriais que se
desenrolaram na área durante os dez anos do Porto Maravilha. Para tanto, apresentamos neste artigo
o recorte de uma pesquisa em andamento desde 2016, que tem como objetivo o monitoramento
crítico desses dados através de uma cartografia georreferenciada e comparativa.

Uma das preocupações que se apresentam ao andamento desta pesquisa, no entanto, é


como o contingenciamento do orçamento para a realização do Censo IBGE de 2020 pode impactar a
consolidação dessas informações. Os cortes nos repasses para a realização do Censo causarão
alterações nas perguntas do questionário, o que tende a comprometer as séries históricas, gerando
impactos em diversas pesquisas que dependem dos dados decenais do IBGE. 4 As consequências, no
entanto, não se restringem a pesquisas científicas e acadêmicas. A aplicação do questionário é a base
para a distribuição de recursos da União para os municípios e também da formulação de políticas
públicas efetivas.

Entre as questões indicadas para serem eliminadas do questionário, preocupa-nos


especialmente as relativas ao valor do aluguel e complementação de renda por programas e
benefícios do governo. Tais informações são imprescindíveis para traçar o perfil dos moradores da
área estudada e entender os impactos que o projeto teve na composição demográfica local.

QUESTÃO
Se o destino do Porto Maravilha ficou distante do que pretendiam os idealizadores da
operação urbana, com muitos empreendimentos sequer saindo do papel e os poucos que foram
implementados apresentando baixíssimo consumo de CEPACs para sua viabilização, talvez seja o
momento de pensar nas possibilidades que surgem. O desinteresse do capital especulativo pela área,
em função de diversos fatores, alguns deles apresentados anteriormente nesse estudo, pode ter
gerado uma oportunidade de se repensar toda a região portuária, sua relação com a cidade e com a
região metropolitana do Rio de Janeiro.

Para tanto, é preciso analisar a escala local e entender a maneira como a operação urbana se
consolidou no território e de que forma alterou o espaço urbano construído, fragmentando-o e
criando brechas para reapropriações e ressignificações. E também, compreender a atual configuração
sociodemográfica da área após as sucessivas intervenções e dinâmicas impostas. Estas são as chaves
para propor planos e estratégias de intervenção que realmente atendam ao território e à população.
Além de servirem como bases para um acúmulo crítico sobre a atuação de operações urbanas
consorciadas e seus impactos nas cidades brasileiras.

A região onde está demarcada a Área de Especial Interesse Urbanístico (AEIU) do Porto tem
uma localização estratégica tanto para o município quanto para a região metropolitana, além de ser
abundante em infraestrutura urbana e, portanto, apresentar grande potencialidade para abrigar
propostas e estratégias de combate à desigualdade socioespacial e ao déficit habitacional, por
exemplo.

Em vista disso, a questão central que se configura nesse estudo é, portanto, construir uma
metodologia que dê conta de recolher e organizar informações relativas à estrutura fundiária e

4
DRUMMOND, Carlos. Arrocho orçamentário mutila o Censo de 2020. 15 de julho de 2019. Disponível em:
https://www.cartacapital.com.br/sociedade/arrocho-orcamentario-mutila-o-censo-de-2020/ Acesso em: 20.08.2019.

PORTO MARAVILHA 10 ANOS: PASSADO, PRESENTE E FUTURO DA ZONA PORTUÁRIA 3


RIO DE JANEIRO, 23 A 26 DE OUTUBRO DE 2019
ANAIS DO SEMINÁRIO

composição socioeconômica da população local, em interseção com a dinâmica do mercado


imobiliário. Para efeito de territorialização das análises, optou-se por apresentar os dados gerados em
uma base cartográfica a partir do uso de ferramentas de geoprocessamento.

METODOLOGIA
O presente estudo é parte constituinte de uma pesquisa iniciada em 2016 e que vem sendo
atualizada com a elaboração de novos dados empregados em análise comparativa ao resultado
inicialmente gerado. Na descrição do processo metodológico deste trabalho, será exposto parte dos
dados desenvolvidos em 2016 para, na sequência, apresentarmos os resultados alcançados neste
processo de atualização, em 2019.

Este é um trabalho que faz uso de procedimentos de análises de dados espaciais através de
ferramentas de Sistema de Informações Geográficas (SIG) para gerar mapas que contribuam para
sustentar abordagens sobre a área de estudo. O material cartográfico apresentado, portanto, foi
elaborado a partir da utilização do software de geoprocessamento Quantum GIS (QGis),5 em Projeção
Cartográfica Plana UTM no fuso 23 Sul, com sistema de referência geodésico SIRGAS 2000, sendo que
as imagens de satélite utilizadas têm fonte no Google Earth, referentes aos anos de 2016 e 2019. A
base de dados vetoriais foi adquirida no Instituto Pereira Passos (IPP) da Prefeitura do Rio de Janeiro,
no SIGERUrb - Laboratório de Sistemas de Informação Geográfica Aplicados à Engenharia Urbana,
vinculado ao Programa de Engenharia Urbana/POLI/UFRJ, além de parte ter sido produzida pelos
autores a partir de dados estatísticos disponíveis no site do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).

No período inicial da pesquisa, em 2016, os dados demográficos dos Censos de 2000 e


6
2010 foram processados e espacializados sobre a delimitação dos setores censitários que integram a
AEIU, para que se pudesse favorecer a compreensão socioeconômica territorial da região portuária.

Em sobreposição à essas informações demográficas, no intuito de analisar a dinâmica


imobiliária da área abrangida pela OUCPM, buscou-se realizar um extenso levantamento de ofertas
imobiliárias dos bairros portuários. Para tal, foi necessário desenvolver um procedimento que desse
conta de identificar e analisar uma grande quantidade de anúncios, que permitisse sua localização no
território e que pudesse ser caracterizado de acordo com atributos de usos (residencial, comercial,
misto - comercial + residencial, vaga em edifício garagem, terreno vazio), de tipo de oferta (venda ou
aluguel) e de valor da metragem quadrada dos aluguéis e das vendas.

A estratégia definida para a identificação e organização desses dados foi a de explorar


anúncios disponibilizados no site Zap Imóveis, 7 que foram coletados entre os dias 02 e 06 de
dezembro de 2016. O georreferenciamento dos imóveis na base de dados espaciais foi desempenhado

5 O Quantum GIS é um software livre com código-fonte aberto que permite visualizar, criar e editar dados
georreferenciados, além de compor mapas imprimíveis. Disponível em: https://www.qgis.org/
6 Para efeito de análise temporal comparativa, foram analisados os dois últimos dados oficiais do Censo IBGE,

referentes aos anos de 2000 e de 2010. Este último, teve o questionário aplicado em campo entre os meses de
agosto e outubro. Vale ressaltar que, como a OUCPM foi lançada em novembro de 2009, pode-se interpretar que,
apesar de os dados estatísticos analisados terem sido gerados num momento de Porto Maravilha incipiente,
quando ainda nenhuma obra do Projeto havia sido entregue, não se pode deixar de considerar que as
especulações acerca da região já puderam ter começado a interferir na dinâmica social e econômica da área.
7O portal Zap Imóveis é um dos mais conhecidos sites de anúncios imobiliários do país e desde 2010 está em parceria com a
Fundação de Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), gerando dados sobre mercado imobiliário nas cidades brasileiras.
Disponível em: https://www.zapimoveis.com.br/

PORTO MARAVILHA 10 ANOS: PASSADO, PRESENTE E FUTURO DA ZONA PORTUÁRIA 4


RIO DE JANEIRO, 23 A 26 DE OUTUBRO DE 2019
ANAIS DO SEMINÁRIO

pela análise visual dos mapas disponíveis no Zap Imóveis e no Google Maps e também com auxílio da
interpretação das fotos tomadas nas ruas da área, disponibilizadas no Google Street View. Esse
caminho foi pensado pois o Zap Imóveis não fornece os endereços completos dos anúncios (em geral
apenas o nome da rua) e tendo em vista que a inserção dos anúncios no mapa presente no site Zap
Imóveis por vezes não demonstra, por si só, precisão suficiente para o georreferenciamento de um
trabalho como este.

A espacialização dos pontos gerados com os anúncios, portanto, foi definida com o auxílio de
análises das fotos das fachadas dos edifícios que o Zap Imóveis fornece (ou, nos casos em que a
imagem da fachada não estava disponível no anúncio, a identificação foi feita por análise das fotos de
detalhes dos imóveis: janelas, portas e portões, cor das paredes, cobertura etc.) em conjunto com as
imagens das fachadas das edificações disponíveis no Google Street View, 8 que, como são vinculadas às
fotos orbitais do Google Maps, permitia o georreferenciamento desejado para este estudo (Figura 01).

(b)

Figura 01 - Em A uma foto da fachada do imóvel anunciado disponível no site Zap Imóveis; em B a foto da
mesma fachada que consta nos arquivos do Google Street View; em C a localização espacial do anúncio no
Google Maps que permitia D a definição do ponto no software de geoprocessamento QGis.
Fonte: Elaborado pelos autores (2016).

8A localização do imóvel pelo Google Street View pôde ser conseguida com o "caminhamento virtual" pelas ruas
onde os anúncios se encontravam, juntamente com a análise interpretativa das fotos dos imóveis disponíveis nos
anúncios do Zap Imóveis. Após identificado o imóvel pelo Google Street View, localizava-se o ponto pela análise
com o Google Maps.

PORTO MARAVILHA 10 ANOS: PASSADO, PRESENTE E FUTURO DA ZONA PORTUÁRIA 5


RIO DE JANEIRO, 23 A 26 DE OUTUBRO DE 2019
ANAIS DO SEMINÁRIO

Com esse processo, foram identificados 190 anúncios distribuídos geograficamente de acordo
com os bairros que compõem a AEIU, com a setorização da OUC e com os limites das áreas onde se é
permitido fazer uso de CEPACs. Na Figura 02, é possível notar fortes concentrações de anúncios nos
setores A, I e K do Porto Maravilha, sobretudo nas proximidades da Rua Sacadura Cabral (via que corta
os três setores), também no Setor L, em especial no entorno da Avenida Rio Branco e da Rua Acre,
assim como um número significativo de ofertas no bairro Santo Cristo.

Outra leitura que pode ser feita nesse mapa é que a maioria dos anúncios se encontra fora
das áreas passíveis de utilização de potencial adicional de construção (71% do total identificado). O
que se justifica por grande parte dos terrenos nos polígonos com permissão para potencial adicional
de construção ainda não ser de propriedade privada e pelo fato de que em 2016 - e ainda hoje, em
2019, como aponta Santos Jr. (2018) - poucos empreendimentos imobiliários nessas áreas terem sido
executados e finalizados.

Figura 02 - Total dos anúncios imobiliários do Zap Imóveis.


Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados do Zap Imóveis (2016).

Pode-se notar também com o mapa apresentado na Figura 02, que a porção mais central da
AEIU apresentou menores ofertas de imóveis, sendo que nas áreas de favelas nenhum anúncio foi
identificado. Quando relacionamos esses dados às informações de densidade demográfica e de cor e
raça gerados a partir de análises estatísticas do IBGE, percebemos que essas regiões com baixa
ocorrência de anúncios no Zap Imóveis são áreas que concentram a maior densidade populacional
(Figura 03) e a maior proporção de pessoas pretas ou pardas por setor censitário (Figura 04).

Diante disso, fica posto que a estratégia adotada não dá conta de abranger o mercado
imobiliário informal que ocorre nas regiões de maiores densidades demográficas da zona portuária do
Rio de Janeiro, áreas que concentram a maior população negra e parda que, no país, tende a compor
grande parte das camadas populacionais de baixa renda.

Desse modo, sabe-se que fica uma lacuna na metodologia de análise das dinâmicas
imobiliárias na AEIU frente aos impactos do projeto Porto Maravilha. A estratégia utilizada, pois,
analisa a região portuária excluindo em grande parte os comércios e moradias ocupadas por pessoas

PORTO MARAVILHA 10 ANOS: PASSADO, PRESENTE E FUTURO DA ZONA PORTUÁRIA 6


RIO DE JANEIRO, 23 A 26 DE OUTUBRO DE 2019
ANAIS DO SEMINÁRIO

de baixa renda, como pensões, cortiços e casas em favelas. Essa situação, todavia, pretende ser
aprimorada na continuidade deste estudo e será melhor mencionada mais adiante no texto.

Figura 03 - Densidade demográfica na AEIU da Região do Porto do Rio de Janeiro.


Fonte: Pereira (2015) apud Pinho (2016).

Figura 04 - Proporção e distribuição espacial da população preta ou parda em 2010.


Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados do IBGE (2016).

PORTO MARAVILHA 10 ANOS: PASSADO, PRESENTE E FUTURO DA ZONA PORTUÁRIA 7


RIO DE JANEIRO, 23 A 26 DE OUTUBRO DE 2019
ANAIS DO SEMINÁRIO

Em 2019, no processo de atualização desta pesquisa, foram realizados novos levantamentos


imobiliários com o intuito de verificar a viabilidade da reaplicação da metodologia com vistas a
complementar o estudo com os dados do Censo IBGE 2020, como parte do processo do
monitoramento histórico para ser aplicado na região. Os 56 anúncios observados foram coletados e
georreferenciados nos dias 24 e 25 de agosto de 2019.

Nesse sentido, foi definido um recorte dentro da AEIU que: (i) não estivesse em área de
CEPAC (devido ao fato de dinâmica imobiliária dos polígonos que admitem CEPACs não ser muito
expressiva e por se tratar em geral de área que oferecem anúncios de alto valor, que, portanto,
destoam muito do restante da AEIU); (ii) não estivesse próxima ao Centro e aos grandes eixos das
avenidas Presidente Vargas e Rio Branco (por igualmente se tratarem de locais muito mais valorizados
do que o restante da AEIU, mesmo antes da OUC); (iii) oferecesse número de anúncios suficiente para
a realização de análise para este estudo; e (iv) apresentasse características urbanísticas de certo modo
tradicionais da região portuária, com tipologia de lote e de edificações antigas. Desse modo, foram
selecionadas as áreas dos eixos das ruas do Livramento e Sacadura Cabral, nos bairros Gamboa e
Saúde. Outro motivo pela escolha do recorte foi o fato de na pesquisa de 2016 essas duas vias terem
concentrado um bom número de anúncios, o que facilitaria análises comparativas.

DESENVOLVIMENTO
A seguir serão apresentados os resultados das investigações sobre anúncios imobiliários
analisados na AEIU do Porto do Rio de Janeiro feitos em 2019, dez anos após o lançamento do Porto
Maravilha. Os procedimentos utilizados para selecionar e georreferenciar os anúncios seguem a
metodologia que foi desenvolvida nesta pesquisa, com o intuito de preparar uma atualização geral dos
dados e valores para um futuro cruzamento com as informações do Censo de 2020.

Passada uma década do lançamento da OUC, e três anos depois da realização dos Jogos
Olímpicos Rio 20169 e em um momento em que a cidade, o estado e o país vivem uma crise
econômica e política, buscou-se entender como está o comportamento do mercado imobiliário de
pequena e média escala10 na região portuária.

Foram identificados um total de 56 anúncios no site Zap Imóveis (Figura 05). Desses, 62,5%
foram identificados como venda (35 ocorrências) e 37,5% como aluguel (21 ocorrências).

Mais uma vez, quase a totalidade dos anúncios identificados nesse recorte foi de imóveis com
uso comercial. Em 2019, 91,1% da oferta pesquisada no Zap Imóveis foi de imóveis comerciais (51
ocorrências), ao passo que 8,9% referem-se a anúncios para o uso residencial (5 ocorrências). Em
2016, para o mesmo recorte, essa proporção foi parecida, 94,12% de anúncios comerciais (32
ocorrências), enquanto 5,88% do que foi encontrado se referia a anúncios para uso residencial
(apenas 2 ocorrências).

9 Último grande evento de uma sequência de grandes eventos realizados no Rio de Janeiro, que provocaram a
realização de grandes obras de infraestrutura, tendo como um dos efeitos a alta valorização do preço da terra na
cidade.
10 No presente trabalho, é chamado de mercado imobiliário de pequena e média escala aquele que não ocorre em

áreas de CEPACs.

PORTO MARAVILHA 10 ANOS: PASSADO, PRESENTE E FUTURO DA ZONA PORTUÁRIA 8


RIO DE JANEIRO, 23 A 26 DE OUTUBRO DE 2019
ANAIS DO SEMINÁRIO

Figura 05 - Anúncios imobiliários levantados em 2019, a partir do recorte dos eixos das ruas do Livramento
e Sacadura Cabral. Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados do Zap Imóveis (2019).

Em 2016, considerando esse mesmo recorte, foram 34 anúncios (Figura 06) e a proporção também foi
maior para vendas: 61,8% para esta (21 ocorrências) e 38,2% de aluguel (13 ocorrências).

No que se refere a análise da variação de preços, também foi obedecida a metodologia


adotada em 2016, de cálculo do preço por metragem quadrada em relação à venda e à aluguel. A
intenção foi realizar uma análise comparativa histórica dos dados encontrados com as estatísticas
elaboradas pelo índice FipeZap.11

Figura 06 - Anúncios imobiliários levantados em 2016, a partir do recorte dos eixos das ruas do Livramento
e Sacadura Cabral. Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados do Zap Imóveis (2019).

11 Essa informação já foi relatada em momento anterior do texto.

PORTO MARAVILHA 10 ANOS: PASSADO, PRESENTE E FUTURO DA ZONA PORTUÁRIA 9


RIO DE JANEIRO, 23 A 26 DE OUTUBRO DE 2019
ANAIS DO SEMINÁRIO

Faulhaber (2016), organizou dados do índice FipeZap e apresentou a variação do preço do


metro quadrado por bairros da cidade ocorridas entre o ano de 2008 e 2016, 12 Com base nesse
levantamento, essa pesquisa constatou que dos bairros que compõem a AEIU do Porto, apresentados
na Tabela 1, São Cristóvão, Cidade Nova, Gamboa e Saúde apresentaram valorizações que estão entre
as doze maiores da cidade naquele período.13 O que aponta uma valorização destacada na zona
portuária da cidade provavelmente como efeito do projeto Porto Maravilha.

Tabela 01 - Valorização do preço dos imóveis e média do preço do metro quadrado para venda nos bairros
que compõem a AEIU do Porto, no período entre 2008 e 2016. Fonte: Faulhaber (2016) com base no site
Zap Imóveis, adaptado pelos autores (2016).

As análises do presente trabalho foram realizadas com os dados gerados pelos anúncios
identificados no Zap Imóveis (os atuais de 2019 e os de 2016 localizados no mesmo recorte espacial),
que foram relacionados com estatísticas do FipeZap referentes a uma série histórica do município
todo, onde se observa uma desvalorização contínua ano a ano, tanto para venda quanto para aluguel
(Tabela 02).

Tabela 02 - Variação do preço dos imóveis e média do preço do metro quadrado para venda e aluguel na cidade do
Rio de Janeiro, entre janeiro de 2016 a junho 2019. Fonte: Elaborado pelos autores com base no FipeZap (2019).

12 Essa série histórica apresentada por bairros não mais se encontra disponível no site Zap Imóveis.
13 Para o período de 2008 a 2016, foram analisadas as variações de 144 dos 160 bairros da cidade.

PORTO MARAVILHA 10 ANOS: PASSADO, PRESENTE E FUTURO DA ZONA PORTUÁRIA 10


RIO DE JANEIRO, 23 A 26 DE OUTUBRO DE 2019
ANAIS DO SEMINÁRIO

No que se refere ao recorte definido nesta etapa da pesquisa, pode-se perceber um


indicativo de mudança na série histórica de valorização imobiliária que os bairros portuários sofreram
do ano 2008 até o 2016, acompanhando um processo de desvalorização no município como um todo.

Na Tabela 03, gerada a partir dos dados geoprocessados com os anúncios do Zap Imóveis e
com índices FipeZap, pode-se perceber uma relativa manutenção no preço dos imóveis do recorte da
pesquisa no que se refere à venda (aumento de somente 2,57% de dezembro de 2016 a junho de
2019), enquanto no mesmo período a cidade do Rio de Janeiro como um todo sofreu desvalorização
de 10,28%. Em relação à aluguel, contudo, os imóveis analisados sofreram desvalorização 293% maior
em comparação com a cidade do Rio de Janeiro como um todo.

Tabela 03 - Variação do preço dos imóveis e média do preço do metro quadrado para venda e aluguel no
recorte da pesquisa em comparação com a cidade do Rio de Janeiro, entre dezembro de 2016 a junho 2019.
Fonte: Elaborado pelos autores com base no FipeZap (2019).

CONCLUSÃO
A análise inicial dos dados coletados por esta pesquisa (anúncios e índices Fipe Zap) em 2016
e 2019, indicam que os bairros portuários acompanharam o processo de desvalorização imobiliária
que vem ocorrendo na cidade do Rio de Janeiro. Ainda que por falta de acesso a dados não tenha sido
possível realizar uma análise específica entre os bairros que compõem a AEIU e o município, foi
identificado que, no que se refere ao mercado de venda, os imóveis levantados nas ruas do
Livramento e Sacadura Cabral (bairros Gamboa e Saúde), mantiveram relativa estabilidade nos preços,
com uma ligeira variação positiva de 2,57% de 2016 até hoje. Contudo, em relação a aluguel, no
mesmo recorte, ocorreu uma desvalorização que foi quase 300% maior do que no município.

Certamente, para uma avaliação mais precisa do comportamento do mercado imobiliário


nessa área, que recebeu altos investimentos em infraestrutura e equipamentos urbanos, será
necessário atualizar a pesquisa com dados referentes à toda a AEIU, com o cruzamento das
informações do Censo de 2020 e, para uma abordagem mais qualitativa dos resultados, com a
incorporação de ofertas do mercado imobiliário informal, a partir de incursões no território para
levantamento de anúncios que em geral não alcançam o Zap Imóveis e outras plataformas
semelhantes.

PORTO MARAVILHA 10 ANOS: PASSADO, PRESENTE E FUTURO DA ZONA PORTUÁRIA 11


RIO DE JANEIRO, 23 A 26 DE OUTUBRO DE 2019
ANAIS DO SEMINÁRIO

No entanto, a avaliação dos mapas gerados a partir do cruzamento dos dados de 2016 em
perspectiva com os dados gerados em 2019, sustenta a criação de um registro da evolução de cenários
fundiários e demográficos para a região.

Dessa forma, para além de análises de cada um dos cenários isoladamente, possibilita-se
gerar uma série histórica que possa ser analisada em conjunto. É dessa forma que pequenas variações
anuais podem ser entendidas como casos isolados ou como tendências que se consolidam.

Outra relevância da metodologia em questão é a capacidade de ser replicada em diferentes


territórios onde haja disponibilidade de informações a correlacionar, podendo-se inclusive inserir
outros dados e informações a fim de personalizar a avaliação de impactos de projetos de uma outra
natureza. Atualmente, por exemplo, se identifica a possibilidade de aplicação da metodologia para
acompanhar os impactos fundiários, demográficos e processos de gentrificação dos territórios vizinhos
à implantação dos corredores de Bus Rapid Transit (BRT).

Assim como avaliação e acompanhamentos de projetos já implantados, a metodologia pode


também ser aplicada como diagnóstico prévio para definição de melhores estratégias de atuação em
determinado território, diminuindo impactos urbanos e sociais danosos, apoiando a criação de
políticas públicas eficientes e contribuindo para aplicação mais sustentável de recursos públicos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTRO, D. G.; GAFFNEY, C.; NOVAES, P. R.; RODRIGUES, J. M.; PEREIRA DOS SANTOS, C.; SANTOS JR.,
O. Rio de Janeiro: os impactos da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas 2016. Rio de Janeiro: Letra
Capital, 2015.

COMITÊ POPULAR DA COPA E OLIMPÍADAS DO RIO DE JANEIRO. Megaeventos e violações de direitos


humanos no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: maio 2013. Disponível em:
https://comitepopulario.files.wordpress.com/2012/04/dossic3aa-megaeventos-e-violac3a7c3b5es-
dos-direitos-humanos-no-rio-de-janeiro.pdf. Acesso em: 01.08.2016.

FAULHABER, Lucas. O Jogo Imobiliário Carioca. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e


Regional). Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro, 2016.

FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Centro de Estatística e Informações. Déficit Habitacional no Brasil 2011-
2012. Belo Horizonte, 2015.

MAGALHÃES, Luis. Apenas 50% das intervenções em infraestrutura foram concluídas no Porto
Maravilha. O Globo, Rio de Janeiro, 13 dez. 2018, Rio. Disponível em:
https://oglobo.globo.com/rio/apenas-50-das-intervencoes-em-infraestrutura-foram-concluidas-no-
porto-maravilha-23301634. Acesso em: 20.08.2019.

PINHO, Thiago Araújo. O Capital financeiro imobiliário no Brasil: o caso da Operação Urbana
Consorciada Porto Maravilha. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional). Instituto
de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de janeiro,
2016.

PORTO MARAVILHA 10 ANOS: PASSADO, PRESENTE E FUTURO DA ZONA PORTUÁRIA 12


RIO DE JANEIRO, 23 A 26 DE OUTUBRO DE 2019
ANAIS DO SEMINÁRIO

SANTOS JR., Orlando Alves dos; WERNECK, Mariana; NOVAES, Patrícia Ramos. A estagnação da
dinâmica imobiliária e a crise da operação urbana Porto Maravilha. 28 dez. 2018. Disponível em:
http://www.observatoriodasmetropoles.net.br/estagnacao-imobiliaria-e-crise-do-porto-maravilha/
Acesso em: 20.08.2019.

SMITH, Neil. Gentrification and Uneven Development. Economic Geography, v. 58, n. 2, 1982, p. 139-
155.

WERNECK, Mariana. Porto Maravilha: agentes, coalizões de poder e neoliberalização no Rio de


Janeiro. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional). Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

PORTO MARAVILHA 10 ANOS: PASSADO, PRESENTE E FUTURO DA ZONA PORTUÁRIA 13


RIO DE JANEIRO, 23 A 26 DE OUTUBRO DE 2019

Você também pode gostar